Encontros Ailton Krenak

Page 197

ENCONTROS

o rabo, como se estivesse espantando mosquito. Mas eu passei a vara de novo, e ela não teve dúvida, meteu um coice bem na boca do meu estômago. Ela tinha tanta força, era lindona, fortona. E eu era aquele sacizinho. Fiquei sem ar, sem nada. Queria saber se eu ia morrer ou não. Aí eu caí lá. Todo mundo foi me socorrer. Carregar, dar água e tudo. Mas um coice bem dado no estômago, por um animal com saúde, era bom para matar um moleque. Então o que eu aprendi? O que a minha alma capturou daquela Natureza tão linda? Que ela era minha amiga. Não é minha inimiga. Senão... É igual uma mãe, a mãe pega e dá no pé do ouvido do filho. Hoje não pode, o juizado de menor não deixa. A Natureza me deu um coice na boca do estômago e me ensinou muito mais do que alguns anos de escola, de curso, de treinamento, de workshop, oficina e outras asneiras que você pode inventar. Com um coice ela me deu um grau, freou muita coisa minha, permitiu eu chegar vivo aos quase 54 anos de idade. Porque 29 de setembro é o meu aniversário. Eu vou completar 54 anos, e quanto mais eu consigo contactar a memória, eu ligo com os mais antigos, que são os que eu reverencio, que são as memórias dos nossos antepassados. E eu vou viajando e entrando nos mananciais de visões e presentes que são essas histórias antigas, que são as visões que os nossos avôs, os nossos bisavôs, os nossos antepassados deixaram para a gente. Aí é muito legal. Porque o igarapé que aquele menino bate peneira está ligado com o rio de memória muito grande, que é o rio de memória que os mais velhos foram contando para a gente, compartilhando com a gente, ensinando. Os modelos, sabe? A resolução das coisas. i

195


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.