

QUEM É PEDRO?

Pedro de Lucena1 é autista “não verbal” e se comunica digitando em um teclado. Com o apoio de um profissional facilitador, Pedro digita o que quer dizer, seus pensamentos e sentimentos, e assim escreveu os poemas e textos deste livro.
Sete dos poemas de Pedro já foram publicados na Revista Subversa de Literatura Luso-brasileira, e dois textos seus em prosa poética constam nas coletâneas “28 Cantos de Solidão” e “Encantamentos”, organizadas pelo escritor Paulo Caldas e publicadas pela editora Bagaço.
1 E-mail para contato: carloslucena2000@yahoo.com
Pedro e suas produções foram tema de reportagens do Diário de Pernambuco e da TV Cultura de São Paulo:
-https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/20 18/11/pedro-de-lucena-menino-com-autismo-nao-verbale-promessa-como-escrito.html
-https://youtu.be/K8nlAwRh_c4 (de 21min55s até 29min40s)
Pedro tem se apresentado em cursos na área de educação, grupos de pais de autistas e igrejas no Recife, divulgando seus textos e dialogando com as pessoas sobre sua vida, pensamentos e fé. Em 2016 se apresentou como convidado no 1º Encontro Brasileiro de Pessoas Autistas (EBA), organizado pela Abraça, em Fortaleza, Ceará. Pedro tem sido uma inspiração para as pessoas autistas e não-autistas que o conhecem.
Pedro mora no Recife, e foi aluno do Colégio Grande Passo até 2017, tendo sido aprovado no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), nos conteúdos do Ensino Médio.
Até os 13 anos de idade, Pedro não tinha um meio para expressar seu mundo interior. Seus primeiros versos, feitos logo depois de começar a se comunicar digitando, diziam: Bacana saber que eu sou entendido Só, doente, mostro meu sentimento Antigamente mamãe me nascido Agora soa só meu pensamento.
Parabólicas
PEDRO DE LUCENA
Recife, 2024
Quero agradecer ao eterno Deus, meu criador e doador de vida.
Agradeço a meu pai e a minha mãe, que são meus melhores incentivadores.
Minha gratidão a todos que irão ler minhas poesias.
É loucura jogar fora todas as chances de ser feliz porque uma tentativa não deu certo.
Saint-Exupéry
PARABÓLICAS
“Parabólicas”, pois cada poesia é uma forma de captar os sentimentos mais distantes que estão nos lugares mais remotos do ser, buscando conectar o ser existencial que está dentro de cada um de nós.
Ainda que algumas poesias neste livro pareçam despretensiosas, pelo seu estilo, tema ou categoria, carregam em si uma alma cultural, que remete ao ser existencial que somos ou ao ser social que nos tornamos.
Ondas invisíveis que captam o essencial ser.
Revelam e velam toda essência do viver.
Anunciando ou invocando todo o oculto mundo
Onde um estranho ermitão vive na clausura
E usura de seu distante modo de transcender.
Sinal de vida numa distante vila vívida
Perdida ou contida em seu simples modo de crer.
Paranoias de um viajante fugaz
Que em pura sintonia com sua essência excêntrica
Está antenado com o poderoso Ser.
Pedro de Lucena. Recife, julho de 2018.
LÁGRIMAS
Só choro porque imploro À vida onde moro, um pouco menos de tédio, Um pouco mais de óbvio.
ESTADO DE SER
Seja quem for esse eu que habita em mim, Ele não deixa que o verdadeiro eu de mim
Protagonize o eu que realmente sou.
Mas será que realmente sou?
Ou estou sendo alguém que não sou?
Esse eu que existe em mim
Está sempre roubando a cena
Do verdadeiro eu de mim.
De forma que o eu que transpareço ser
É na realidade o eu que não sou.
Mas será que realmente sou?
Ou estou sendo alguém que não sou?
Meu eu antagonista, na verdade
Quer ser protagonista.
Mas na estrutura do corpo que habito
Ser é conflito, por isso
(continua)
ESTADO DE SER (continuação)
Sigo sendo quem não sou Para que quem realmente sou Continue existindo.
E assim estarei sendo esse eu que não sou Para que o verdadeiro eu que sou Continue sorrindo.
DESMOTIVO
(Intertextualidade com “Motivo” de Cecília Meireles)
Eu me desmotivo sem motivo.
Vivo sempre perplexo, Querendo a sombra de um amigo Onde eu possa descansar.
Me sinto levado pelo vento de minha solidão, E só mesmo lendo Lispector para refletir minha escuridão.
Se me desmonto não sei, não sei.
Se me refaço me desmonto de vez.
Até que me reencontro outra vez e me pergunto: Demoras a vir, e quando chegas logo vais embora?
Fujo de mim mesmo todos os dias.
Se sou alegre ou triste, distante ou próximo, afetuoso ou insensível, Nem mesmo eu sei.
Mas, de tudo isso e dentro disso tudo existo,
E uma coisa eu digo:
Sou autista e isso é tudo.
DEMOTIVATED (“Desmotivo”, versão inglesa por Adrian Stewart)
I am demotivated for no reason.
I live permanently perplexed, Longing for the shadow of a friend Where I could rest.
I feel carried by the wind of my loneliness, Just reading Lispector reflects back my darkness.
If I fall apart – I don’t know, I don’t know.
If I remake myself I will fall apart as a whole, Until I find myself again and ask:
“what kept you, and no sooner arrived than you’re gone?”
I flee from myself every day.
Whether I am happy or sad, close or distant, affectionate or insensitive – Even I don’t know.
But, from all of this and inside this all I exist, And one thing I can say:
I am autistic and that’s all.
DESMOTIVADO
(“Desmotivo”, versão espanhola por Luisa Ballentine)
Yo me desmotivo sin motivo
Vivo siempre perplejo, Queriendo la sombra de un amigo Donde pueda descansar.
Me siento llevado por el viento de mi soledad, Y sólo leyendo Lispector para reflejar mi oscuridad.
Si me desmonto no sé, no sé.
Si me rehago me desmonto de una vez.
Hasta que me reencuentro otra vez y me pregunto:
¿Demoras en venir, y cuando llegas luego ya te vas?
Huyo de mí mismo todos los días.
Si soy alegre o triste, distante o cercano, afectuoso o insensible,
Ni yo mismo lo sé.
Pero con todo eso y dentro de ese todo existo,
Y una cosa digo:
Soy autista y eso es todo.
SENTIDO
Sentido sinto sem sentir, Sigo sentindo sempre sua sensação.
Sinto sonidos secretos, Som sinuoso, sincero silêncio
Sinto sentir.
Surreal, sal, sentido, sabor, sorrir.
Sonho secreto senti.
Sofrimento, solidão, sólida sensação
Sinto sem sentir.
AGONIAS
(musicada por Hanna Vitória e Júnior Xanfer)
Das agonias que me invadem o ser Muitas são as que me não deixam ser Seguro de mim mesmo, um ser em desespero, Uma estranha criatura a vagar.
As angústias que me inundam
Me levam para o alto mar
Onde as águas são mais turvas e profundas,
Onde perdido não sei navegar.
Onde estás ó alma minha?
Sai desse calabouço de solidão, Sai dessa agonia de escravidão.
Liberta-te dessa gota de ilusão.
MUROS DAS CRIAÇÕES
Em meio a tantas excitações
Diante de tantas ilusões
Me encontro de frente a esse
Muro de criações.
Nesse muro escrevo o mundo
Nesse muro expresso cores
Escrevo o mundo de horrores
Expresso cores de utopias.
Eu estou no muro do mundo
O mundo do muro está em mim
Os rabiscos pichados no muro malvado
Nada mais são que as marcas do mundo em mim.
Se pinto ou rabisco, se picho ou grafito
É o resultado do mundo em mim.
Se pinto ou rabisco, se picho ou grafito
Estou só expressando meu mundo ali.
II - PURA SINTONIA
EXPECTATIVAS?
Da vida quero o viva!
Do abraço o aperto.
Do hoje o instante,
Do amanhã o recomeço.
O TEMPO
Eu, filho do tempo sou.
Passado, presente, futuro, destruidor
E reconstrutor.
Eu, filho do tempo sou:
Fui ontem, sou hoje e serei amanhã
O tênue apaziguador.
Eu, filho do tempo sou:
Misterioso, indecifrável, pujante revigorador.
Comedido, silencioso, moderado observador.
Eu, filho do tempo sou.
RITMO
Que som é esse que inunda meu ser?
Acordes e notas precisas.
Melodia cativante e ritmo vibrante, Esse é o som que sai de mim.
Sentir o som bater
Deixar o som fluir
Escutar o som vibrar
Permitir o som conduzir.
O ritmo é forte, a canção envolvente.
Meu corpo não resiste.
Minha mente se rende.
É como som de muitas águas, É como o estrondo de poderoso trovão.
Sinta o som bater
Deixe o som fluir
Escute o som vibrar
Permita o som conduzir.
(continua)
RITMO (continuação)
O ritmo da vida
É o espírito que habita em mim.
O sopro que anima a alma,
O coração que pulsa sem fim.
O sangue que corre na veia,
O amor que envolve e incendeia.
É o ritmo de vida que me faz sorrir.
O SORRISO DA ALMA
Sinto minha alma sorrir
De perene alegria se encher
Quando dela irradia
Toda luminosidade do meu ser.
Vívido, deslumbrante e límpido ser, Que mesmo sendo estranho e escondido
Revela-se ingênuo e destemido
Em busca de viver.
Essa luz que brilha em meu ser
Vem da fonte de eterna energia, Jesus o filho de Deus, Meu salvador e guia.
DESTEMIDO
(musicada por Hanna Vitória e Júnior Xanfer)
Quando tudo ao meu redor parece não ser possível, Busco em Deus a força capaz de me fazer destemido.
Quando as notícias soam mal aos meus ouvidos,
Busco ouvir Deus dizer: não temas pois estou contigo.
O Deus que criou os céus e a terra está comigo
Me fazendo um vencedor destemido.
O senhor de toda Terra está contigo
Para fazer de ti um verdadeiro vencedor destemido.
Quando escuto Deus falar de seus juízos, Acreditar em sua justiça é tudo que preciso.
E mesmo que injustiças aconteçam comigo, Prosseguirei confiando nEle, que é meu constante abrigo.
Seguirei minha jornada de fé confiando em Deus, Não me deixarei abater nem entristecer
Por coisas dessa vida que insistem em me acometer.
Jesus Cristo, meu eterno amigo, me fez destemido
Para vencer.
ESPERANÇA
Estou de passagem nessa vida
Para em outro mundo viver.
Deixarei aqui a minha lida
Certo de que outra vida irei ter.
Sentirei saudade, é verdade!
Das ilusões que aqui vivi.
Das marcas do tempo e a voracidade
Da realidade que habitava em mim.
Morarei no templo da eternidade
Onde a noção de tempo é esquecida
E a morte e a dor serão banidas.
Assim saudade não mais terei
Dessa vida deveras sofrida
Que sem ressentimento deixei.
III - ANTENADO
SEM LUGAR
A rua está nua sem gente a vagar.
A vida vaga na sua
Sem ter vaga pra estacionar.
MATER
Sensibilidade em forma de gente,
Extravagante quando o assunto é amar.
Ainda um feto inocente
Recebe afeto envolvente
Daquela que nunca o abandonará.
Quem é seu próprio eu
Quando o filho está a chorar?
A Mater é quem sempre tem
Em seu colo o abrigo,
Nos seus braços o abraço
E em seu coração o afeto
Para o filho acalentar.
Ser Mater é dom divino
Que até Deus menino
Quis desse ser desfrutar.
AURORA REAL
Ah Recife! Como és bela e pungente. Teus encantos estão por todos os cantos Dos lugares antigos, todos os antigos Lugares de tua aurora reminiscente.
És o berço real de ilustres filhos
Do Leão do Norte, Maurícia Cidade De retumbantes acontecimentos Talhados na história e no tempo com talento.
Marcante aurora das pontes dos rios fluentes, Tuas ruas, estreitas e sorridentes, Revelam o ar das marés e mangues basilares De uma típica metrópole remanescente.
No teu colo, ó mãe dos ritmos ferventes, Nasci e cresci filho da aurora reluzente, Que saudade sempre sentirá quando distante Estiver de sua casa permanente.
QUATRO GATOS PINGADOS
Aos poucos e aos pingos
Eles foram chegando.
A cada semana era um pingo
Que ia se hospedando.
O primeiro e peralta
É um gato astronauta.
Matreiro e desenrolado,
É um felino danado
Que não deixa passar com alta
Um passarinho assanhado.
Chegou mais um para habitar, Branco de neve veio para ficar.
Preguiçoso e folgado,
Quer o espaço tomar
E dar o seu recado.
(continua)
QUATRO GATOS PINGADOS (continuação)
Dias passaram tranquilamente Que me fizeram até pensar:
Dois já são suficientes
Para a casa alegrar.
Triste engano meu, Pois um negro gato apareceu.
Todo elegante e misterioso, O pingo preto me envolveu.
Quando tudo parecia acabado, Um felino pequenino
Veio assumir o seu lugar
De chefe dos gatos pingados, Essa gangue que tem chegado No pedaço para animar.
DEUS E SUA CRIAÇÃO
Certo dia Deus acordou de ovo virado.
Olhou ao seu redor e disse logo: não me agrado
De ver a terra sem forma e vazia, isso é um pecado!
Darei um jeito nisso, antes de tirar um cochilo bem sossegado.
Criarei um mundo bonito
Cheio de seres vivos e animados.
Logo de início, diante de uma escuridão arretada,
Deus disse: Haja luz! E luz foi criada.
Numa rapidez tão medonha,
Que nem a velocidade da luz pegava.
Deus espiou a luz e viu que era boa.
Deu à luz o nome dia, pois a tudo alumiava.
No segundo dia, já cheio de alegria,
Deus separou as águas doce e salgada.
Água que ficou na imensidão do céu
Outra na imensidão do mar
Ainda achou pouco e escondeu
Água até debaixo da terra para não faltar.
(continua)
DEUS E SUA CRIAÇÃO (continuação)
Para embelezar a terra criada,
Deus criou plantas de todas as espécies,
Num só jogo de palavras.
Ele disse: que a terra produza todo tipo de vegetais
Para não morrerem de fome
Nem homem nem animais.
Deus achou pouco a belezura da luz do dia
E criou as estrelas no quarto dia.
O sol com todo seu esplendor,
A lua cheia de maestria
Essa para reger a noite
Aquele para governar o dia.
No quinto dia Deus estava a todo vapor.
Criou os animais aquáticos,
Foi assim que os chamou.
Também criou aves de todas as espécies
E assim os ordenou:
Encham as águas e os céus, obedeçam seu criador.
(continua)
DEUS E SUA CRIAÇÃO (continuação)
No sexto dia Deus continuava animado
Criou os animais selvagens e o gado.
Era animal de todas as espécies Que não se podia imaginar
A todos eles Deus ordenou o procriar
E assim foi esse dia para terminar.
Ainda nesse dia para fechar com chave de ouro
Deus criou da terra em pó
O ser humano, seu maior tesouro.
Deu a ele tudo do bom e do melhor
Para na terra viver
E sempre lembrar de seu criador.
Tudo feito então
Deus olhou pra tudo e disse
Que tudo era muito bom.
Foi então no sétimo dia
Que Deus descansou
De tudo aquilo que criou.
NATAL
Nascimento é o significado
Salvação é o propósito Revelação a comunicação: Emanuel chegou trazendo comunhão.
O menino Deus, que é o Deus menino Nos abençoou com seu nascimento divino.
Trouxe do céu sua luz
Para iluminar os lugares De trevas e escuridão.
O Natal é sempre uma festa Que nos envolve com alegria.
Deus nos chamou para celebrar
O nascimento de seu filho
Em comunhão e harmonia.
SALVE A VIDA!
Devemos viver a vida de forma bonita
Como Deus programou,
Obedecendo a Sua vontade
Com muito amor.
Sua vida é passageira
E pode naufragar,
Mas se você clamar por Deus
Ele vem te ajudar.
Somente terás a salvação
Pelo sangue de Jesus,
Pois com o Seu amor teve compaixão
De nós, morrendo numa cruz.
DESTINO
Seu destino é sua responsabilidade
Idade idade identidade
Na cidade sem visão
Aqui dentro tudo tranquilo
Aqui fora devastação
São destinos que se cruzam
Na imensidão
De uma palavra ou de um olhar
Que diz sim
Que diz não
Sem precisão, sem precaução
Sem dimensão
Tudo destino, tudo ilusão.
TEMPO
Tic tac ao redor
Tic tac esse é o som
Está dentro, tic tac
Está fora, veja a hora!
Está dentro, tic tac
Se demora, vou embora.
Tic tac é o vento
Tic tac é o sol
Tic tac é a chuva
Tic tac é a lua e o farol
Estar dentro, tic tac
Estar fora? Não vejo a hora!
É barriga tic tac
É bebê chorando.
Está fora tic tac
É vida nova chegando.
(continua)
TEMPO (continuação)
Velho, novo tic tac
Idoso é velho de bem.
Novo, velho tic tac
O jovem será velho também.
E a vida, tic tac
É a morte quem tem.
Tudo é tempo, t i c ... t a c
A vida é o tempo que se tem.