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20.JAN.2014

Outras Fogaças; outras lendas; outros padroeiros… A Fogaça feirense não está sozinha, no universo do paladar focaciano. Acompanham-na as Fogaças de Alcochete e de Palmela, em suas formas mais franzinas, dadas a fantasia na forma (ao caso, da palmelense). Ainda assim, todas elas se afirmam em coincidências várias, nos aspectos simbológicos e votivos. • Fogaça de Palmela A Fogaça palmelense, cuja estrutura e aspecto a relacionam mais com os biscoitos, é um dos produtos gastronómicos mais representativos da região do Sado e está intimamente ligada à história e vivência das gentes palmelenses, que professam, ainda hoje, grande devoção a Santo Amaro. À imagem do que por cá se faz, a 15 de Janeiro – dia que o calendário religioso reservou para o santo nascido em Roma, no século VI – a comunidade palmelense revive a tradicional Bênção das Fogaças na sua Igreja Matriz, recriando um ritual que noutros tempos tinha como objectivo pedir saúde e proteção de colheitas e animais. De acordo com a tradição, os biscoitos eram oferecidos ao Santo como pagamento de promessas, projectando-se nas formas das Fogaças a simbologia do propósito a que se destinavam. Aliás, o que explica a multiplicidade de formas e feitios, deixados ao livre arbítrio (ou inspiração) dos voventes, ao tomar assim, a representação da graça pretendida. O ritual fogaceiro foi recuperado pela Confraria Gastronómica de Palmela, sendo oseus confrades, trajados a rigor, quem leva ao altar as fogaças, numa cerimónia aberta à participação de todos.

A receita Descritas como “muito aromáticas e de sabor inconfundível”, as Fogaças de Palmela chegam até nós através de várias receitas familiares, todas elas cheias de tradição… e segredo. Ingredientes: 1 kg de massa de pão; 1 kg de açúcar; 1 kg de farinha; 50 g de canela; 1 ovo; 50 g de erva doce; ½ cálice de aguardente; sumo de 1 laranja; 100 g de banha. Modo de Preparação: Amassa-se a massa de pão com a banha derretida, junta-se o ovo e a aguardente e o sumo de laranja. Estando bem amassado, junta-se a farinha, canela e erva-doce, ficando uma massa homogénea. Estica-se a massa com um rolo e corta-se em vários feitios, pinta-se com ovo e coze-se em forno a 200º.

O padroeiro Santo Amaro, filho de um senador romano, tinha apenas doze anos de idade quando foi entregue aos cuidados de São Bento, fundador da Ordem

Beneditina. Rapidamente as elevadas qualidades do jovem fizeram dele um exemplo a seguir, acabando o imaginário por reservar-lhe um feito único, premiando-lhe as virtudes do amor, na oração e no silêncio: foi recompensado pela sua obediência, andando sobre as águas. Diz a lenda que São Bento teve a visão de um confrade a afogar-se num açude, sem ninguém por perto que o pudesse ajudar, pedindo por isso a Amaro que o fosse salvar. Num ápice, Amaro pediu a São Bento que o abençoasse, invocou a graça de Deus e sem hesitar, correu e andou sobre as águas sem se afundar. Agarrando o confrade, levou-o para a margem sem se aperceber, sequer, do que conseguira. Quando Amaro se deu conta do que sucedera, atribuiu os méritos ao seu mestre, São Bento. O episódio valeu-lhe a comparação com São Pedro (que, por falta de fé, se afundou nas águas do mar, quando tentou andar sobre elas) e o reconhecimento de seus pares. Factualmente, refere-se que, com alguma naturalidade, foi sendo encarado como o herdeiro espiritual de São Bento e seu sucessor, apontando-se-lhe como principais virtudes as castidade, humilde, caridade e a obediência. Falecido em 584, Santo Amaro é o padroeiro dos transportadores, dos ferroviários e dos galegos em Portugal. A flor de Liz representada no seu escudo, remete para a introdução da Ordem beneditina em França.

• Fogaça de Alcochete A fogaça típica de Alcochete, é uma espécie de pão adocicado apresentando-se como um bolo de simplicidade quase espartana, na linha dos pães doces que se fazem em Portugal. Uma das particularidades marcantes da fogaça alcochetense, assenta no método de cozedura, que a apresenta bem cozida à superfície quase estaladiça, mas algo encruadas no miolo. Ao longo dos tempos, o seu peso tradicional sempre rondou um quilo, mas a adaptação aos tempos modernos tem levado à produção de fogaças mais pequenas, com pesos variados entre os duzentas e cinquenta e os quinhentos gramas. À semelhança da fogaça santamariana, apresenta-se com um sabor óptimo a canela e limão…,

Ingredientes 1 kg de farinha de trigo; 750g de

açúcar amarelo; 250g de manteiga derretida; 250ml de leite; Sumo e raspa de 1 limão; 1 colher de chá de fermento; 4 colheres de sopa de canela; 1 gema de ovo batida, para pincelar.

Preparação Juntar todos os ingredientes numa tigela, com excepção do leite, que se deve ir adicionando aos poucos, visto que o sumo de limão varia na quantidade. Amassar bem até formar uma bola de massa homogénea e que se despegue das mãos. De seguida, dividir a massa nas proporções desejadas e fazer bolas com a mesma. Forrar um tabuleiro de forno com papel vegetal, em que se colocam as bolas de massa, achatando-as um pouco. Pincelar com a gema de ovo e dar uns golpes superficiais com uma faca. Vai ao forno a 200 graus, entre 25 a 35minutos, consoante o tamanho das fogaças e o gosto pessoal.

A padroeira É à Virgem da Atalaia que os alco-

chetenses votivam a sua Fogaça. Há mais de 600 anos que o povo transmite a lenda de que “em tempos idos”, num dos dias em que os pescadores da terra se fizeram ao mar, surgiu inesperadamente um vendaval tão forte, que até as esperanças se perderam! Nessa altura, um barqueiro, sentindo-se naufragar, gritou em desespero pela Virgem Santíssima, pedindoLhe protecção. Garante a lenda que a expressão da fé foi tão grande, que a Senhora apareceu, surgindo do monte da Atalaia... E logo ali o vendaval amainou, permitindo à embarcação chegar com a tripulação, sã e salva, a Alcochete. A fé desses barqueiros consolidouse e como reconhecimento passaram a ir em procissão ao monte da Atalaia, oferecer à Virgem uma bandeira e a miniatura do seu barco. Aparentemente sem ligação directa ao sentimento votivo, a bola morena e adocicada a que deram o nome de Fogaça, acabou por surgir como bolo emblemático associado à romaria da Virgem da Atalaia.

E mais esta… A prima mais afastada da nossa Fogaça, é a Focaccia, uma italiana de reminiscências genovesas, que acabou por se disseminar um pouco por toda a Itália. Para além do nome (assume-se étim) pouco mais tem a ver com a nossa fogaça. Trata-se de uma espécie de bola, achatada e macia, em geral coberta com sal grosso, azeite e alecrim; mas também aceita carnes de conserva, por exemplo. Na Itália é usualmente consumida como aperitivo ou acompanhamento de entradas de refeição.


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