A FORMAÇÃO INDIVIDUAL E SOCIAL NUMA SOCIEDADE APRENDENTE

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A FORMAÇÃO INDIVIDUAL E SOCIAL NUMA SOCIEDADE APRENDENTE PROF. DR. PAULO GOMES LIMA paulogl.lima@gmail.com

Introdução A partir do século XIX surgem tendências que adentram o século XX como formas revolucionárias de contestação da escola tradicional, dentre elas destacamos: a escola nova cujo foco era “aprender a aprender”. O aluno, não mais o professor, é o centro do processo e o professor é o facilitador da aprendizagem. Dá-se ênfase ao processo de descoberta do conhecimento em que o aluno deve aprender “fazer fazendo”. Outra tendência é a tecnicista, tendo como base o modelo empresarial em que as tarefas são divididas entre diversos técnicos de ensino responsáveis pelo planejamento racional do trabalho educacional, esta tendência é característica da década de 60 do século XX ganhando ênfase no Brasil a partir de 1964, o professor adquire papel de executor de tarefas elaboradas por especialistas em função da fragmentação do saber .(Aranha, 2001). Vale destacar que, como crítica denunciativa de uma educação alienadora centrada no ensino tradicional, surgiram outras tendências e teorias que propunham uma reorientação para a educação, neste sentido com teor revolucionário, como por exemplo: Teorias antiautoritárias, teorias crítico-reprodutivistas, teorias anarquistas, teorias construtivistas e teorias progressistas. Estas perspectivas procuraram no século XX centralizar o processo educativo como ação não meramente unilateral, mas como um objeto determinado pelas condições materiais de existência, necessitando do professor uma postura mais consciente e interventiva no contexto de sua realidade completa, primando pela aprendizagem do coletivo, da ação-reflexão-ação por meio do (re) aprender a viver juntos, ou aprender juntos simplesmente, com a conscientização histórica de que as transformações e mudanças dependem de todos e de cada um. Hoje, em pleno século XXI a escola como uma instituição social é um elemento de debate recorrente entre todos os setores sociais. Muitas são as tendências que situam historicamente o professor como apenas um agente neutro, que simplesmente deve desenvolver o seu trabalho de transmissão cultural sem maiores encadeamentos, por outro lado nas condições em que a historia humana se processa é ilegítimo e alienante


tal concepção pois, como lembra Delors (2001, p.21) é necessário um educador que saiba repensar e interligar as diferentes seqüências da educação não como partes fragmentadas, mas como dimensão hologramática isto é, onde todo está presente na parte e a parte no todo de forma indissociável, neste sentido cumpre a escola, os professores em seu processo de formação continuada recuperar o sentido do aprender a viver junto para se completar como homem e como ser que busca a superação das desigualdades, primando pela unidade na diversidade. Diferentemente da educação tradicional, cujo fundamento centra-se na transmissão de conhecimentos, secundarizando a atuação do ator social em seu meio e sua formação individual e social; a educação para uma sociedade aprendente, aponta estas aproximações como bases necessárias de uma sociedade que aprende e prima pela superação das desigualdades entre opressor e oprimido, pela formação pessoal e social dos indivíduos, como observaremos na discussão a seguir.

1. A formação da individualidade no âmbito educacional A individualidade é o processo por meio do qual o indivíduo desenvolve suas construções, reconhecendo-se a si como elemento social em desenvolvimento, isto é, torna-se pessoa no meio de pessoas, mas com autonomia sobre suas elaborações, porque são suas, porque as maneiras possíveis de elaboração do seu conhecimento se destacam ou se tornam obscuras em sua transição histórica pessoal. Em verdade o desenvolvimento da capacidade individual nunca se dissocia do social, mas não se pode perder de vista que é no plano das individualidades que formamos os juízos, elaboramos o nosso imaginário, torna-mos pessoas e desdobramos os encaminhamentos para a construção da consciência coletiva, portanto, tomando o espaço escolar como local privilegiado do conhecimento, o reconhecimento de si, ou seja, de sua individualidade permite especialmente ao professor, preocupar-se consigo também no processo de trabalho pedagógico com o outro, pois é e está uma individualidade (é pelo caráter particular da pessoalidade, de sua apropriação do mundo e pelo mundo e está, porque, mesmo depois de determinado tempo de vivência, as novas construções e elaborações pelas quais passa, ressignificam o primeiro olhar: modificando-o por completo, reelaborando-o se não mais suficiente para o desvelamento do mundo para si-outro e/ou criando novos conhecimentos que não foram cogitados no processo de construção de sua individualidade).


Ruz Ruz (1998) enfatiza que no universo cultura de que participa o homem se transforma, ao mesmo tempo que transforma sua realidade, nesta direção deve preocupar-se com o desenvolvimento de sua pessoalidade, de sua transformação processo de identificação humana. Organizamos os domínios identificados por Ruz Ruz (1998) em um quadro, os quais listamos como pontos importantes no trabalho consciente do reconhecimento de si para melhor desenvolvimento das competências e habilidades pessoais no contexto educacional:

QUADRO 6 DOMÍNIOS DO RECONHECIMENTO DE SI NO CONTEXTO EDUCACIONAL Domínio afetivo Busca-se desenvolver atitudes que se expressem de maneira positiva em:  Tolerância e resolução da ambigüidade;  Tolerância e superação da frustração;  Capacidade de lidar com a incerteza;  Vontade de fazer;  Auto-estima positiva;  Estar aberto à experiência;  Atração pelo complexo;  Identidade pessoal.

Domínio cognitivo Busca-se desenvolver capacidades como:     

Utilizar diferentes estilos de pensamento; Utilizar diferentes técnicas e estratégias de pensamento; Processar e utilizar informação complexa; Observar os fenômenos a partir de múltiplas perspectivas; Perceber a transformação do pensamento na aquisição de novas perspectivas e trocas.

Domínio metacognitivo Inalienável ao domínio cognitivo é necessário que o professor busque:  Aprender a aprender;  Aprender a desaprender;  Observar e conhecer a si mesmo;  Compreender o caráter específico de cada tarefa ou problema;  Pensar nas diferentes ferramentas intelectuais como procedimentos com os quais se pode enfrentar uma tarefa;  Reconhecer as diferentes modalidades de influência que agem nas próprias interações.

Domínio interpessoal No reconhecimento de si é importante que o professor desenvolva:  Aceitação da diferença e da crítica;  Capacidade de aceitar, lidar e resolver conflitos;  Habilidades comunicativas orientadas para favorecer a adaptação e coesão do grupo;  Disposição para a colaboração para o trabalho em equipe.

FONTE: Elaborado a partir de Ruz Ruz (1998, p. 98-99)

2. A formação social no âmbito educacional O homem não se completa somente pelo desenvolvimento de si, mas e simultaneamente na convivência com o outro, portanto, a sua formação social se dá simultaneamente com sua formação individual. Quem é o outro? É o interlocutor com quem desdobra a aprendizagem e a percepção de si no espaço social. Assim o “si” e o


“outro” assumem interfaces que se posicionam entre individualidade e coletividade, entre o que é “meu”, o que é do “outro”, o que é “nosso” e o que é “deles”. Aprender a viver junto, como lembra o relatório Delors (2001) requer que se reconheça no “outro” a oportunização de intercâmbios que transformarão a realidade individual e coletiva dos atores sociais, bem como a eles mesmos, isto é, por meio do reconhecimento do papel social de cada um e de sua importância na constituição da identidade humana, os homens apreendem novas formas de compreensão mútua e vão se reconhecendo como integrantes indissociáveis da vida social, da vida cidadã, ao mesmo tempo em que, por suas interações, vão ressignificando os valores assumidos no espaço do aprender a viver junto. O contexto educacional é um espaço privilegiado que pode assumir essa discussão como prioritária na valoração do papel e função social da escola por meio dos seus múltiplos colaboradores, promovendo uma orientação diferenciada em relação ao que se propaga na sociedade contemporânea em relação a ênfase ao individualismo.

Considerações finais No desenvolvimento dos propósitos educacionais a emancipação do homem como sujeito autônomo e da tão discutida formação para o exercício pleno da cidadania só terá sentido quando as interfaces do

“si” e o “outro”

forem consideradas como

elementos indissociáveis da identidade social humana em processo permanente de diálogo. Esta integração dialogal constituída por múltiplas leituras de mundo promove a superação de um posicionamento fragmentado e ingênuo do universo social, ao mesmo tempo em que identifica e encaminha articulações que possibilitam mudanças e resoluções de conflitos no interior da escola. O reconhecimento do “si” e do “outro” não pode ser resumido simplesmente num único olhar, mas em olhares que se interpenetram em busca de um eixo articulador, assim, não há o sufocamento das individualidades (si/outro) e, consequentemente, não há a marginalização do “todos”. A integração de múltiplas vozes constitui a dimensão de totalidade das aprendizagens do homem, quer na escola da vida, quer na vida na escola ou no afrontamento de realidades promotoras de desigualdades e injustiças sociais. Este processo não sendo linear exige dos homens o viver junto em ressignificação de valores, isto é, por meio do estabelecimento do que é importante e/ou prioritário para o grupo humano ou sociedade vão sendo eleitos os pressupostos que orientarão a prática social, bem como a noção de ética e moralidade


entre os sujeitos. Acerca desta observação vale destacar que os valores convencionados entre os homens surgem de suas trocas – entre o si e o outro –como expressão e respeitos da leitura coletiva, assim: Os valores não são “pensados”, nem “chamados”, são vividos, e surgem dentro do mesmo vínculo com a vida material e as relações materiais em que surgem as nossas idéias. São as normas, expectativas etc.., necessárias, aprendidas (e “aprendidos” no sentimento) no habitus de viver, e aprendidas, em primeiro lugar na família, no trabalho e na comunidade imediata. Sem esse aprendizado a vida social não poderia ser mantida e toda produção cessaria (Thompson, 1981, p.194).

Da leitura destas múltiplas vozes a escola poderia desenvolver um trabalho que ultrapassaria o pedagógico. Muitos educadores compromissados com a formação de outros educadores e com a formação de alunos e outros cidadãos estão empenhados no trabalho de conscientização para uma realidade que solicita articulações e respeito no reconhecimento, emancipação e dignidade humana como propósito primordial do papel e função social da escola contemporânea. REFERÊNCIAS ARANHA,Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. 2.ed. São Paulo Moderna 2001 DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. 6. ed. São Paulo: Cortez; Brasília,DF: MEC: UNESCO, 2001. RUZ RUZ, Juan. Formação de professores diante de uma nova atitude formadora e de eixos articuladores do currículo. In VOLPATO, R. S. et. al. Formação de professores. São Paulo: Editora Unesp, 1998. THOMPSON, E. P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981.


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