Edições Periódicas

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Wilson da Silva Um jornalista português no espaço

Carlos Fiolháis Comunicar ciência é fundamental

Maria de Medeiros Um rosto em permanente metamorfose

Medicina dos sexos

As últimas descobertas sobre os géneros

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DAS

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UM PORTUGUÊS NO ESPAÇO Wilson da Silva Texto fictício precisava de cem sessões de trabalho para uma natureza morta, cento e cinquenta sessões de pose para um retrato. Aquilo a que chamamos a sua obra era para ele apenas o ensaio e a aproximação à sua pintura. Escreve aos 67 anos: “Vivo num tal estado de perturbações cerebrais, numa perturbação tão grande que temo a todo o momento, que a minha frágil razão não aguente… Parece-me que agora que estou melhor e que consigo dar uma orientação mais precisa aos meus estudos. Conseguirei atingir o objectivo tão procurado e durante tanto tempo perseguido? Continuo como sempre a estudar a natureza e parece-me que faço lentos progressos” JORNALISTAS Karina Pastore e Paula Neiva

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Vivemos um dos momentos mais fascinantes da Ciência. Para onde quer que olhemos há uma revolução Precisava de cem sessões de trabalho para uma natureza morta, cento e cinquenta sessões de pose para um retrato? Aquilo a que chamamos a sua obra era para ele apenas o ensaio e a aproximação à sua pintura. Escreve aos 67 anos: “Vivo num tal estado de perturbações cerebrais, numa perturbação tão grande que temo a todo o momento, que a minha frágil razão não aguente… Parece-me que agora que estou melhor e que consigo dar uma orientação mais precisa aos meus estudos. Conseguirei atingir o objectivo tão procurado e durante tanto tempo perseguidoContinuo como sempre a estudar a natureza e parece-me que faço lentos progressos”. 4

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A pintura é o seu mundo e a sua maneira de existir. Trabalha sozinho, sem alunos, sem a admiração por parte da familia, sem encorajamento por parte dos júris? Já velho, interroga-se sobre se a novidade da sua pintura não decorreria de uma perturbação da sua visão, se toda sua vida não se teria baseado num acidente do seu corpo. Porquê tanta incerteza, tanto esforço, tantos falhanços e de repente, o sucesso? Jovem, aos 13 anos, inquietava os seus amigos com os seus acessos de cólera e as suas depressões. Zola, que era amigo de Cezanne desde criança, foi o primeiro a ver nele o génio e o primeiro a falar dele como um “génio abortado”Sete anos mais tarde, aos 20, decidido a tornar-se pintor, duvida do seu talento e não ousa pedir ao pai que o envie para Paris. As cartas de Zola recriminam-lhe a instabilidade, a fraqueza e a indecisão. Já em Paris escreve: “Mais não fiz que mudar de lugar e o aborrecimento e o tédio perseguem-me.”O fundo do seu carácter é dominado pela ansiedade. Aos 42 anos, pensa que morrerá jovem e redige o testamento. Aos 46, tem uma paixão atormentada, insuportável, da qual nunca falará. Aos 51, retira-se para Aix, para melhor encontrar a natureza, mas trata-se de um retorno ao meio da sua infância, da sua mãe, da sua irmã. A religião, que começa a praticar, surge para ele com o medo da vida e com o medo da morte. Segreda a um amigo: “É o medo, sinto que ainda me restam quatro dias na terra, mas e depois? Creio que sobreviverei e não me quero arriscar a esturricar in aeternum” Vai-se tornando cada vez mais tímido, desconfiado e susceptível. Vem alguma vezes a Paris mas, quando encontra amigos, faz-lhes de longe sinal de que não lhes quer falar? Não suporta o mais pequeno contacto físico, afasta as mulheres que po-


deriam ter-lhe servido de modelos, os padres a quem apelida de “pegajosos”. Esta rígida oposição entre a teoria e a prática, entre a “prisão” e uma liberdade de solitário, todos estes sintomas permitem falar de uma constituição esquizóide. A ideia de uma pintura “sobre a natureza” surge em Cézanne a partir da mesma fraqueza. E a sua extrema atenção à natureza, à cor, e o carácter inumano da sua pintura também. “Devemos pintar uma face como se fosse um objecto”, a sua devoção ao mundo visível apenas são uma fuga ao mundo humano. É possivel que, no momento das suas fraquezas nervosas, Cézanne tenha concebido uma forma de arte válida para todos. Entregue a si mesmo, pode olhar a natureza como só um homem sabe fazê-lo. “Como pintor torno-me mais lúcido quando confrontado com a natureza”As influências de Cézanne? Italianos, Tintoretto, Delacroix, Courbet, Impressionistas, em particular, Pissarro, a quem Cézanne deve a concepção da pintura, não como a realização de cenas imaginadas, mas como o estudo preciso das aparências, não como um trabalho de atelier antes como um trabalho sobre natureza. A natureza para os clássicos exigia circunscrição pelos contornos, composição e distribuição das luzes. A isso Cézanne responde: “Eles faziam um quadro e nós procuramos um pedaço de natureza”. E sobre os mestres: “substituiam a realidade pela imaginação e pela abstração que a acompanha”. Sobre a natureza: “É preciso que nos curvemos face a esta obra perfeita. Tudo nos vem dela, por ela existimos, esqueçamos tudo o resto”. Quando Cézanne se muda par Auvers-sur-Oise produz-se uma mudança. Em contacto com Pissarro abandona os temas tétricos e alegra as cores da sua paleta. As piceladas deixam de ser grossas e quadradas

Uma nova era das viagens espaciais está prestes a inicar-se, a dos voos turísticos um jornalista luso - australiano será dos primeiros a andar experimentar e tornam-se mais subtis e flexíveis permitindo texturas formadas por pequenas manchas de cor com um resultado mais harmonioso. A religião, que começa a praticar, surge para ele com o medo da vida e com o medo. Zola, que era amigo de Cezanne desde criança foi o primeiro que pintou. É Pissarro que incita Cézanne à pintura ao ar livre? As pinturas que figuram nos Salões de Paris não são mais que uma pequena parte das obras apresentadas. Em 1863 o juri é particularmente restritivo recusando mais de metade das 500 obras apresentadas. O Salão dos Recusados assume de repente uma dimensão de uma manifestação contra as instituições. Este contra-salão atrai um grande número de visitantes. O quadro mais importante é o Almoço na Relva de Manet pela sua inovação artística, ataque à moral e ao gosto público mas também pela sua carga subversiva.Em 1877, os Impressionistas organizam uma exposição. Monet expõe 30 quadros e Cézanne, numa das melhores salas, 17, entre elas, Retrato de Victor Choquet, sem dúvida o que provoca maior desconcerto. O publico mostra-se um pouco mais receptivo e Zola destaca Monet e acrescenta: “Além dele, gostaria de citar Cézanne, que é, desde já, o maior colorista do grupo”. Mas Cézanne rapidamente se separa dos Impressionistas. O Impressionismo queria dar conta da maneira como os objectos impressionam a nossa vista e alcançam os nossos sentidos? Representava-os na atmosfera onde nos são dados pela percepção insDAS CIÊNCIAS MARÇO 2012

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Vivemos um dos momentos mais fascinantes da Ciência. Para onde quer que olhemos há uma revolução tantânea, sem contornos absolutos, ligados entre si pela luz e pelo ar.Abandonando o desenho, Cezanne entregou-se ao caos das sensações. Ora, as sensações fariam transtornar os objectos e sugeriam constantemente ilusões. O desenho deve resultar da cor, se se quer dar conta da sua espessura. Trata-se de uma massa, um organismo de cores, atraves dos quais a fuga da perspectiva, os contornos, as rectas, as curvas instalam-se como linhas de força. “O desenho e a cor já não são distintos; à medida que se pinta, desenha-se; quanto mais a cor se harmoniza, mais o desenho se precisa? Quando a cor se encontra na sua riqueza, a forma está na sua plenitude”. Cézanne não procura sugerir com a s cores as sensações tácteis que dariam a forma e a profundidade. Na percepção primordial, estas distinções entre o tacto e a visão são desconhecidas. Cézanne dizia mesmo: “o odor dos objectos”. Se o pintor quer exprimir o mundo, é preciso que a ordenação das cores traga consigo este todo indivisível; de outra forma a sua pintura sera uma alusão às coisas e não lhes dará a unidade imperiosa, na presença, na plenitude inultrapassável que é para nós todos a definição do real. Cézanne medita antes de dar uma pincelada. Ela deve “conter o ar, a luz, o objecto, o plano, o carácter, o desenho, o estilo”. A expressão do que existe é uma tarefa infinita? Rapidamente se separa dos Impressionistas. O Impressionismo queria dar conta da maneira como os objectos impressionam a nossa vista e alcançam os nossos sentidos. Representava-os na atmosfera onde 6

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nos são dados pela percepção instantânea, sem contornos absolutos, ligados entre si pela luz e pelo ar. sua pintura não renega a ciência nem a tradição. Em Paris vai todos os dias ao Louvre? Pensa que se aprende a pintar, que o o estudo geométrico dos planos e das formas é necessário. Informa-se sobre a estrutura geológica das paisagens. A anatomia e o desenho estão presentes quando dá uma pincelada como as regras de um jogo.O que motiva um gesto do pintor não pode ser nunca apenas a perspectiva ou apenas a geometria ou as leis da composição das cores ou qualquer outro conhecimento. Para todos os gestos que constroem um quadro não há senão um motivo: é a paisagem na sua totalidade e na sua plenitude absoluta. Depois olha, com o olhar com olhar dilatado. É preciso ligar umas às outras todas essas visões particulares que o olhar obtem, reunir tudo o que se dispersa com a versatilidade dos olhos, juntar as mãos errantes da natureza”. Atacava então o seu quadro por todos os lados ao mesmo tempo, centrava com manchas coloridas o primeiro traço, o esqueleto. A imagem saturava-se, ligava-se, desenhava-se, equilibrava-se, e ao mesmo tempo vinha maturidade. A arte não é nem uma imitação, nem uma fabricação seguindo os desejos do instinto ou do bom gosto. É uma operação de expressão? Cézanne e Zola conhecem-se muito jovens no colégio em Aix e uma sincera amizade une-os apesar das suas personalidades já tão diferentes: o jornalista e escritor terá um caracter mundano e sociável e o pintor Cézanne esquivo e atormentado. Nas raras ocasiões sociais mostra-se intratável e arisco o que na realidade oculta uma grande timidez. É Zola que o incita a juntar-se a ele em Paris e realizar o sonho de aprender pintura.ø


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Carlos Fiolháis

Texto fictício precisava de cem sessões de trabalho para uma natureza morta, cento e cinquenta sessões de pose para um retrato. Aquilo a que chamamos a sua obra era para ele apenas o ensaio e a aproximação à sua pintura. Escreve aos 67 anos: “Vivo num tal estado de perturbações cerebrais, numa perturbação tão grande que temo a todo o momento, que a minha frágil razão não aguente… Parece-me que agora que estou melhor e que consigo dar uma orientação mais precisa aos meus estudos. Conseguirei atingir o objectivo tão procurado e durante tanto tempo perseguido? Continuo como sempre a estudar a natureza e parece-me que faço lentos progressos”

“Comunicar Ciência é tarefa prioritária”

JORNALISTAS Karina Pastore e Paula Neiva

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“Vivemos um dos momentos mais fascinantes da Ciência. Para onde olhemos há uma revolução”

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Precisava de cem sessões de trabalho para uma natureza morta, cento e cinquenta sessões de pose para um retrato? Aquilo a que chamamos a sua obra era para ele apenas o ensaio e a aproximação à sua pintura. Escreve aos 67 anos: “Vivo num tal estado de perturbações cerebrais, numa perturbação tão grande que temo a todo o momento, que a minha frágil razão não aguente… Parece-me que agora que estou melhor e que consigo dar uma orientação mais precisa aos meus estudos. Conseguirei atingir o objectivo tão procurado e durante tanto tempo perseguidoContinuo como sempre a estudar a natureza e parece-me que faço lentos progressos”. A pintura é o seu mundo e a sua maneira de existir. Trabalha sozinho, sem alunos, sem a admiração por parte da familia, sem encorajamento por parte dos júris?

Já velho, interroga-se sobre se a novidade da sua pintura não decorreria de uma perturbação da sua visão, se toda sua vida não se teria baseado num acidente do seu corpo. Porquê tanta incerteza, tanto esforço, tantos falhanços e de repente, o sucesso? Jovem, aos 13 anos, inquietava os seus amigos com os seus acessos de cólera e as suas depressões. Zola, que era amigo de Cezanne desde criança, foi o primeiro a ver nele o génio e o primeiro a falar dele como um “génio abortado”Sete anos mais tarde, aos 20, decidido a tornar-se pintor, duvida do seu talento e não ousa pedir ao pai que o envie para Paris. As cartas de Zola recriminam-lhe a instabilidade, a fraqueza e a indecisão. Já em Paris escreve: “Mais não fiz que mudar de lugar e o aborrecimento e o tédio perseguem-me.”O fundo do seu carácter é dominado pela ansiedade. Aos 42 anos, pensa que morrerá jo-


vem e redige o testamento. Aos 46, tem uma paixão atormentada, insuportável, da qual nunca falará. Aos 51, retira-se para Aix, para melhor encontrar a natureza, mas trata-se de um retorno ao meio da sua infância, da sua mãe, da sua irmã. A religião, que começa a praticar, surge para ele com o medo da vida e com o medo da morte. Segreda a um amigo: “É o medo, sinto que ainda me restam quatro dias na terra, mas e depois? Creio que sobreviverei e não me quero arriscar a esturricar in aeternum” Vai-se tornando cada vez mais tímido, desconfiado e susceptível. Vem alguma vezes a Paris mas, quando encontra amigos, faz-lhes de longe sinal de que não lhes quer falar? Não suporta o mais pequeno contacto físico, afasta as mulheres que poderiam ter-lhe servido de modelos, os padres a quem apelida de “pegajosos”. Esta rígida oposição entre a teoria e a prática, entre a “prisão” e uma liberdade de solitário, todos estes sintomas permitem falar de uma constituição esquizóide. A ideia de uma pintura “sobre a natureza” surge em Cézanne a partir da mesma fraqueza. E a sua extrema atenção à natureza, à cor, e o carácter inumano da sua pintura também. “Devemos pintar uma face como se fosse um objecto”, a sua devoção ao mundo visível apenas são uma fuga ao mundo humano. É possivel que, no momento das suas fraquezas nervosas, Cézanne tenha concebido uma forma de arte válida para todos. Entregue a si mesmo, pode olhar a natureza como só um homem sabe fazê-lo. “Como pintor torno-me mais lúcido quando confrontado com a natureza”As influências de Cézanne? Italianos, Tintoretto, Delacroix, Courbet, Impressionistas, em particular, Pissarro, a quem Cézanne deve a concepção da pintura, não como a reali-

zação de cenas imaginadas, mas como o estudo preciso das aparências, não como um trabalho de atelier antes como um trabalho sobre natureza. A natureza para os clássicos exigia circunscrição pelos contornos, composição e distribuição das luzes. A isso Cézanne responde: “Eles faziam um quadro e nós procuramos um pedaço de natureza”. E sobre os mestres: “substituiam a realidade pela imaginação e pela abstração que a acompanha”. Sobre a natureza: “É preciso que nos curvemos face a esta obra perfeita. Tudo nos vem dela, por ela existimos, esqueçamos tudo o resto”. Quando Cézanne se muda par Auvers-sur-Oise produz-se uma mudança. Em contacto com Pissarro abandona os temas tétricos e alegra as cores da sua paleta. As piceladas deixam de ser grossas e quadradas e tornam-se mais subtis e flexíveis permitindo texturas formadas por pequenas manchas de cor com um resultado mais harmonioso. É Pissarro que incita Cézanne à pintura ao ar livre? As pinturas que figuram nos Salões de Paris não são mais que uma pequena parte das obras apresentadas. Em 1863 o juri é particularmente restritivo recusando mais de metade das 500 obras apresentadas. O Salão dos contra-salão atrai um grande número de visitantes. O quadro mais importante é o Almoço na Relva de Manet pela sua inovação artística, ataque à moral e ao gosto público mas também pela sua carga subversiva.Em 1877, os Impressionistas organizam uma exposição. Monet expõe 30 quadros e Cézanne, numa das melhores salas, 17, entre elas, Retrato de Victor Choquet, sem dúvida o que provoca maior desconcerto. O publico mostra-se um pouco mais receptivo e Zola destaca Monet e acrescenta: “Além dele, gostaria de citar Cézanne, que é, desde já, o maior colorista do grupo”. Mas Cézanne rapidamente se se-

“Uma nova era das viagens espaciais está prestes a inicar-se, a dos voos turísticos. Um jornalista lusoaustraliano será dos primeiros a andar à volta da Terra 10.090 c.” DAS CIÊNCIAS MARÇO 2012

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“Vivemos um dos momentos mais fascinantes da Ciência. Para onde olhemos há uma revolução”

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para dos Impressionistas. O Impressionismo queria dar conta da maneira como os objectos impressionam a nossa vista e alcançam os nossos sentidos? Representava-os na atmosfera onde nos são dados pela percepção instantânea, sem contornos absolutos, ligados entre si pela luz e pelo ar.Abandonando o desenho, Cezanne entregou-se ao caos das sensações. Ora, as sensações fariam transtornar os objectos e sugeriam constantemente ilusões. O desenho deve resultar da cor, se se quer dar conta da sua espessura. Trata-se de uma massa, um organismo de cores, atraves dos quais a fuga da perspectiva, os contornos, as rectas, as curvas instalam-se como linhas de força. “O desenho e a cor já não são distintos; à medida que se pinta, desenha-se; quanto mais a cor se harmoniza, mais o desenho se precisa? Quando a cor se encontra na sua riqueza, a forma está na sua plenitude”. Cézanne não procura sugerir com a s cores as sensações tácteis que dariam a forma e a profundidade. Na percepção primordial, estas distinções entre o tacto e a visão são desconhecidas. Cézanne dizia mesmo: “o odor dos objectos”. Se o pintor quer exprimir o mundo, é preciso que a ordenação das cores traga consigo este todo indivisível; de outra forma a sua pintura sera uma alusão às coisas e não lhes dará a unidade imperiosa, na presença, na plenitude inultrapassável que é para nós todos a definição do real. Cézanne medita antes de dar uma pincelada. Ela deve “conter o ar, a luz, o objecto, o plano, o carácter, o desenho, o estilo”. A expressão do que existe é uma tarefa infinita? Rapidamente se separa dos Impressionistas. O Impressionismo queria dar conta da maneira como os objectos impressionam a nossa vista e alcançam os nossos sentidos.

Representava-os na atmosfera onde nos são dados pela percepção instantânea, sem contornos absolutos, ligados entre si pela luz e pelo ar. A sua pintura não renega a ciência nem a tradição. Em Paris vai todos os dias ao Louvre? Pensa que se aprende a pintar, que o o estudo geométrico dos planos e das formas é necessário. Informa-se sobre a estrutura geológica das paisagens. A anatomia e o desenho estão presentes quando dá uma pincelada como as regras de um jogo.O que motiva um gesto do pintor não pode ser nunca apenas a perspectiva ou apenas a geometria ou as leis da composição das cores ou qualquer outro conhecimento. Para todos os gestos que constroem um quadro não há senão um motivo: é a paisagem na sua totalidade Cézanne depois olha, com o olhar com olhar dilatado. É preciso ligar umas às outras todas essas visões particulares que o olhar obtem, reunir tudo o que se dispersa com “Tenho o meu motivo” diz Cézanne e explicava que a paisagem deveria ser cercada e trazida viva numa rede que nada deixe fugir. Atacava então o seu quadro por todos os lados ao mesmo tempo, centrava com manchas coloridas o primeiro traço, o esqueleto. A imagem saturava-se, ligava-se, desenhava-se, equilibrava-se, e ao mesmo tempo vinha maturidade. A arte não é nem uma imitação, nem uma fabricação seguindo os desejos do instinto ou do bom gosto. É uma operação de expressão? Cézanne e Zola conhecem-se muito jovens no colégio em Aix e uma sincera amizade une-os apesar das suas personalidades já tão diferentes: o jornalista e escritor terá um caracter mundano e sociável e o pintor Cézanne esquivo e atormentado. É Zola que o incita a juntar-se a ele em Paris e realizar o sonho de aprender pintura.ø


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