Caderno Cultural 2024-2025

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CADERNO

CULTURAL

O QUE VOCÊ VAI ENCONTRAR NESTE VOLUME:

RAÍZES LOCAIS DO MUNDO GLOBALIZADO

Nesta edição, os estudantes da Pan American School investigam como as influências globais moldam e refletem-se no cenário brasileiro, destacando interações entre política, cultura, mídia e opinião pública e incentivando a reflexão crítica sobre a sociedade contemporânea.

O poder dos ministros | Crises climáticas e a ONU | Cinema e o uso da inteligência artificial Sustentabilidade dos carros elétricos | Lobbying no futebol brasileiro | Eleições argentinas O crescimento do autoritarismo | I A na indústria musical | Europeização do futebol local Fórmula 1 como esporte | PokémonGO e games imersivos | Estereótipos latinos no cinema

SUMÁRIO

1 | EDITORIAL – Explorando as raízes locais do mundo globalizado

ECONOMIA & POLÍTICA

2 | A resposta política e econômica às mudanças climáticas

4 | A atração natural ao autoritarismo

5 | Formação ou experiência: o impacto das decisões ministeriais

8 | Javier Milei e a revolução econômica na Argentina

9 | Eliminando a concorrência: polêmicas da política russa

11 | A insignificância do Brasil na presidência do Conselho de Segurança da ONU

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

13 | Carros elétricos e a sustentabilidade: prós e contras da nova tecnologia

15 | A inteligência artificial na música pode ser considerada ética?

17 | Interestelar: desafiando nossa percepção de tempo e espaço

18 | A dúvida que a ciência (ainda) não consegue responder

20 | Os benefícios da inteligência artificial no setor operacional logístico

CULTURA & MÍDIAS

21 | Quem (não) foi Macabéa?

23 | O efeito das greves de Hollywood no cinema brasileiro

25 | As vozes femininas na literatura brasileira

27 | Relembrando o PokémonGo

29 | A voz do silêncio grita mais alto

30 | Hollywood não entende os latinos

32 | A Constituição Cidadã e a constituição de uma cidadã

34 | Pizza americana ou pizza italiana?

ESPORTES & COTIDIANO)

35 | A presença do lobbying no futebol brasileiro

36 | A problemática europeização do nosso futebol

38 | O fim do futebol que conhecemos

39 | Por que a Fórmula 1 é esporte?

Editorial

explorando as raízes locais do mundo globalizado

GEISSON HOMRICH, MESTRE EM LINGUÍSTICA APLICADA E PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA DA PAN AMERICAN SCHOOL

RODRIGO PINNOW, DOUTORANDO EM MEMÓRIA SOCIAL E BENS CULTURAIS E PROFESSOR DE HUMANIDADES DA PAN AMERICAN SCHOOL

Neste Caderno Cultural, nossos estudantes mergulham em um tema que transcende fronteiras e nos convida a refletir sobre a complexa interconexão entre o local e o global: as “raízes locais do mundo globalizado”. Este é um convite para explorar as múltiplas camadas que compõem nossa identidade cultural como brasileiros, latino-americanos e cidadãos do mundo, em um contexto de crescente interdependência global.

Ao nos propormos a entender os mecanismos por trás dos textos publicados na mídia e seu impacto na formação de opinião, reconhecemos a importância vital dos gêneros de mídia na educação midiática escolar. Afinal, é através da análise crítica e da produção de conteúdo que os estudantes se tornam cidadãos informados e conscientes, capazes de navegar de forma autônoma em um mundo saturado de informações.

O projeto Caderno Cultural não é apenas uma revista de atualidades publicada todos os anos pelo Programa de Estudos Brasileiros (PREB) da Pan American School, mas uma plataforma para o exercício da cidadania e da expressão cultural. Aqui, os estudantes da Grade 11 assumem o papel de jornalistas e de protagonistas, conduzindo todo o processo editorial, desde a escolha dos temas até a redação dos textos, promovendo assim a autonomia e o pensamento crítico.

Como professores e pesquisadores em Educação Midiática e Humanidades Digitais, acreditamos que a educação midiática é essencial para preparar os jovens para os desafios de uma sociedade cada vez mais conectada e diversificada. Ao produzirem textos que exploram as raízes locais em um mundo globalizado, os estudantes ampliam seu entendimento sobre suas próprias culturas, além de desenvolverem uma visão mais ampla e empática a respeito do mundo que os cerca.

Nosso público-alvo, a comunidade escolar da Pan American School de Porto Alegre, é um reflexo da diversidade e da pluralidade que caracteriza nossa sociedade. Por isso, é fundamental que o Caderno Cultural seja acessível e relevante para todos os membros dessa comunidade, independentemente de sua origem ou faixa etária. Nesta edição, convidamos você, leitor, a mergulhar conosco nas profundezas das raízes locais do mundo globalizado e a refletir sobre o papel da mídia na construção de nossa identidade cultural.

Que este Caderno Cultural seja não apenas uma fonte de informação, mas também um espaço para o diálogo e o questionamento, onde cada voz é ouvida e valorizada. Juntos, podemos explorar as complexidades do mundo em que vivemos e celebrar a riqueza de nossa diversidade cultural. Esta é a essência do projeto: inspirar, informar e transformar. Boa leitura!

A resposta política e econômica às mudanças climáticas

Em meio à devastadora onda de catástrofes naturais nos últimos tempos, governos do mundo todo trabalham ao lado da ONU para combater o aquecimento global e prevenir que mais desastres atinjam a população.

No segundo semestre de 2023, a Califórnia enfrentou um furacão sem precedentes desde 1939, enquanto a China sofreu um tufão devastador e a Líbia teve grandes inundações devido à ruptura de barragens, resultando em danos econômicos e mortes. No sul do Brasil, tempestades provocaram enchentes no Vale do Taquari, deslocando milhares de pessoas e causando dezenas de mortes. Nova Iorque declarou estado de emergência no mesmo período. O que apontam esses desastres naturais sobre o aumento radical em frequência de hecatombes?

Embora pareça que a humanidade nunca tenha enfrentado uma onda tão grande de catástrofes climáticas, esses desastres recorrentes nos últimos meses não fogem do padrão estabelecido nas últimas décadas. A frequência dos desastres naturais permanece indiferente à mídia. O que torna esses acontecimentos relevantes na mídia é a severidade das calamidades que estão causando imensos danos e prejuízos aos seres humanos.

Qual a responsabilidade da mudança climática nesse aumento e severidade de catástrofes naturais?

Essas catástrofes climáticas geram preocupações globais sobre seus motivos e sobre o futuro do planeta. O aquecimento global tem desencadeado ondas de calor em diversos países, incluindo o Brasil, com alertas de piora se humanos persistirem com a poluição. Regiões áridas como a Líbia enfrentaram inundações devido às mudanças climáticas, com aumento da precipitação. O

Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) prevê que as chuvas, embora menos frequentes, serão mais intensas e extremas. Isso levanta questões sobre a sustentabilidade e a necessidade de conter a mudança climática para evitar desastres futuros.

Qual é o papel da Organização das Nações

Unidas (ONU) na questão climática?

Como plataforma mundial de resolução de problemas pertinentes a todos, a ONU se encontra com um grande desafio em relação ao manejo de mudanças climáticas e à prevenção de desastres naturais que possam atormentar a civilização. Tendo isso em mente, é correto afirmar que o fórum já vem lutando contra essas questões há muitos anos. O marco inicial do combate ao aquecimento global foi em dezembro de 2015, principalmente após as discussões do Acordo de Paris. O tratado tinha como objetivo que países do mundo todo migrassem para fontes de energias renováveis e que a humanidade passasse a diminuir as emissões de gases

ROBERTO
Reprodução: AP Photo/Jamal Alkomaty.

poluentes na atmosfera. Infelizmente, o número de governos que estão seguindo o acordo é insignificante, e a humanidade ainda está muito longe de atingir as metas fixadas em 2015.

Líderes mundiais se reuniram em Dubai em dezembro de 2023 para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, um evento anual que visa analisar o progresso global na redução de emissões de gases nocivos. O objetivo é alinhar os países às metas da “agenda verde” da ONU. No entanto, apesar dos esforços da ONU, os desastres naturais continuam a agravar-se e, mesmo depois de uma semana de debates, nenhuma ação foi imposta pelos países que compareceram. Isso ocorre devido à falta de autoridade da ONU para impor legislação ou políticas aos seus membros. A organização atua apenas como um fórum de recomendação, sem força de lei ou autoridade. Embora existam consequências para os países que não cumprem seus compromissos, as metas e planos permanecem em grande parte facultativos.

Em suma, reuniões como o Acordo de Paris ou planos como as 17 Metas de Desenvolvimento Sustentável não são suficientes para resolver o problema do aquecimento global. Além da ONU, todos os cidadãos devem tomar suas próprias ações e agir como uma plataforma para mudança.

Quais os impactos econômicos no Brasil?

As enchentes ocorridas no Rio Grande do Sul causaram grandes

perdas para empresas e fazendas em vários municípios. Apenas em Encantado, município do interior do estado, as águas do rio Taquari causaram um prejuízo estimado de R$ 900 milhões para os estabelecimentos, levando algumas companhias a suspenderem suas atividades. A Emater também levantou dados de uma produção não coletada de leite que chegou a 327 mil litros, impactando mais de 800 produtores.

Outros estados do Brasil como São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Pará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná sofreram com diversas ondas de calor que se prolongaram até o fim do inverno. Impactando uma grande parte do Brasil, o ano de 2023 experienciou um grande aumento na demanda para a energia elétrica. Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do ONS, afirmou que a resposta do SIN (Sistema Interligado Nacional) foi positiva a esse aumento de demanda. Porém, o fim do ano ainda enfrentou grande aumento nos preços no setor.

O que falta?

Através dos exemplos vistos na China, nos Estados Unidos, na África e no Brasil, pode-se identificar o quão global a questão climática se tornou. A ONU está claramente falhando no seu objetivo de proporcionar o bem-estar de todos seres humanos, visto que nenhuma ação relevante foi tomada.

De acordo com o SciELO Brasil, o conceito de governança global é constituído pela cooperação e coordenação internacional entre países e a ONU, que põem o ser humano dentro da política. Esse conceito esteve sempre presente na sociedade, porém ele nunca prevaleceu sobre as catástrofes causadas pelo homem.

Infelizmente, a única forma de resolver os problemas climáticos é através do empoderamento da ONU. Todos os países devem ceder influência ao órgão para que as devidas providências sejam tomadas para combater o aquecimento global. A ONU deve assumir a responsabilidade de cortar emissões de gases poluentes e diminuir o uso de combustíveis fósseis para que possamos salvar a Terra.

Reprodução: Agência Brasil/Fernando Frazão.

A atração natural ao autoritarismo

O que a história pode nos dizer sobre o desenvolvimento de regimes governamentais baseados na autocracia.

JOÃO HENRIQUE DOS SANTOS PINTO FERREIRA

Omundo abriga nações com diversos sistemas governamentais, alguns notáveis no século XX, como ditaduras e autocracias. Após a queda da União Soviética e do partido comunista, Francis Fukuyama, respeitado filósofo e economista político, publicou o livro O fim da história e o último homem em 1992. Nele, apresentou uma ideia neoliberalista, na qual o mundo após a União Soviética seria governado somente por democracias liberais – uma nova ordem mundial. Entretanto, a partir das fontes analisadas, ele estava errado. O índice Freedom House aponta a substituição de democracias por governos autocráticos como o modelo de governança mais utilizado globalmente na atualidade. Mas isso não é uma surpresa, pois essa tendência alinha-se com padrões históricos que demonstram o costume humano de adotar governos autoritários após a queda do regime predecessor.

Democracias liberais são sistemas governamentais com foco na preservação da soberania popular e na proteção dos direitos e liberdades individuais. Atualmente, há diversas nações que são identificadas como democracias liberais. Ao ver a situação, podemos questionar se as democracias sempre seguiram os princípios democráticos. Os Estados Unidos são considerados uma nação exemplar da democracia, mas ao longo da sua história houve momentos em que traços autoritários puderam ser percebidos. Por exemplo, o governo de 12 anos de Franklin D. Roosevelt, mesmo mantendo os valores democráticos e eleitorais, ecoou traços autoritários pela liderança de somente um indivíduo por uma década e pela centralização do governo.

Também há países que se identificam como uma nação democrática, mas que podem ser considerados governos autoritários. Um exemplo é a China,

Reprodução: Xinhua News Agency/Ju Peng/CNBC.

que se torna problemática a partir do momento em que o governo chinês é composto por um único partido político, demonstra falhas democráticas em suas eleições nacionais e outras características autoritárias.

Em 2022, a Freedom House indicou que o desenvolvimento democrático de países foi mais de duas vezes menor do que o crescimento autocrático em regimes governamentais nos últimos dez anos. Essa situação vem desenvolvendo forças internas opositoras aos regimes democráticos de algumas nações, dificultando o progresso da democratização. Alguns exemplos que demonstram os resultados da pesquisa são os Estados Unidos, que perderam 10 pontos em seu índice democrático, e a Hungria, que perdeu 19 pontos.

A ascensão autoritária é uma das maiores questões da atualidade. Está presente em 60 países, dos quais alguns são direcionados a regimes mais autoritários, enquanto somente 25 países desenvolveram regimes mais democráticos nos últimos anos. Adicionalmente, a proporção é clara quando vemos que atualmente 38% do mundo vive sob regimes

predominantemente autoritários, enquanto somente 20% vivem sob regimes democráticos.

A ascensão autoritária não surpreende devido ao fato de que a história apresenta um claro padrão em adotar regimes autoritários após a queda de regimes predecessores. A Roma antiga é um exemplo: a civilização é dividida em três épocas, sendo duas de república e uma de império. Com isso, a república romana seguia o conceito democrático, com eleições para líderes políticos e de decisões governamentais. Mas, após 500 anos, a república eventualmente faliu devido aos conflitos internos e disputas de poder. Portanto, pensava-se que a civilização que viveu em um sistema democrático por meio milênio logicamente reconstruiria um novo governo democrático. Porém, o

próximo regime adotado foi um sistema autoritário, conhecido como Império Romano.

Similarmente, o Brasil também faz parte de nações que estabeleceram regimes autoritários. A República Brasileira eventualmente levou à Revolução de 30, com Getúlio Vargas colocando um fim na Política do Café com Leite (que alternava presidentes do eixo SP-MG). Esse golpe estabeleceu um regime autoritário que durou 15 anos. Após Getúlio e o retorno de um governo democrático, o Brasil novamente teve o estabelecimento de um regime autoritário com a ditadura militar, que assumiu o poder da república entre as décadas de 60 e 80. Em conclusão, a atual ascensão de regimes autoritários não deve ser uma surpresa, dado o histórico humano de adotá-los

Reprodução: al.sp.gov.br

ao invés de novas democracias. Exemplos como a Roma antiga e o Brasil demonstram democracias estabelecidas que eventualmente sucumbiram e foram substituídas pela integração de um governo autoritário. Assim, devemos esperar o desenvolvimento de mais autoritarismo ao redor do mundo, seguido por um momento de desenvolvimento democrático, um ciclo já estabelecido na história da humanidade.

Formação ou experiência: o impacto

das decisões ministeriais

Diversos governos no mundo nomeiam, como ministros, profissionais que não são especialistas em suas respectivas pastas ministeriais. Como isso reflete na atuação dos ministérios?

Omundo enfrenta fragilidades políticas e econômicas, com disputas de poder, guerras e fake news. Nesse cenário, surgem debates sobre a nomeação de ministros que não são formados em suas áreas de atuação ministerial. A falta de credencial acadêmica desses ministros le-

vanta incertezas na população sobre a credibilidade, eficiência e capacidade desses ministros para assumirem cargos tão importantes. Nesta reportagem, analisaremos o governo do Brasil e a formação de alguns de seus ministros, considerando os potenciais benefícios e malefícios de suas nomea-

ções, e relacionando a situação brasileira com a de países estrangeiros.

A importância dos ministros em um governo Ministros têm à sua disposição grande responsabilidade e poder como líderes de seus ministérios. Portanto, as decisões, o planejamento e a execução do plano de governo de cada ministério têm um grande impacto na vida dos cidadãos. A capacidade dos ministros de analisar e liderar cada pasta é essencial para um país ter governabilidade. Dessa forma, cada nomeação tem um grande impacto no sucesso de um governo.

No Brasil, presidentes já nomearam ministros com formações acadêmicas diversas. Exemplos polêmicos incluem Eduardo Pazuello, militar de carreira nomeado como Ministro da Saúde entre 2020 e 2021; Antonio Palocci, formado em Medicina e Ministro da Fazenda entre 2003 e 2006; Abraham Weintraub, formado em Economia que assumiu o posto de Ministro da Educação entre 2019 e 2020.

Países como os EUA também nomeiam ministros com formações acadêmicas desalinhadas com suas atribuições: Betsy DeVos (formada em Administração e ex-Ministra da Educação) e Ben Carson (neurocirurgião formado em Filosofia e Medicina e nomeado como Ministro de Habitação e Desenvolvimento Urbano) mostram que essa prática não é exclusividade brasileira.

Qual o impacto da formação acadêmica na atuação ministerial?

A formação acadêmica é uma fonte de credibilidade de qualquer indivíduo que se encontra em

uma posição de destaque. Na política, dúvidas sobre a credibilidade surgem quando as formações são irrelevantes para a área em que essas pessoas atuam. Um exemplo disso é o ex-Ministro da Educação, Abraham Weintraub, formado em Economia pela USP. Foi empossado Ministro da Educação em 2019, e seu mandato foi considerado extremamente polêmico, pois parecia haver um padrão de como sua formação acadêmica e experiência profissional influenciaram suas decisões. Aprovou cortes de verba, que financiariam projetos de alfabetização, bolsas escolares e investimentos na educação básica. Segundo reportagem da GZH, R$926 milhões (16% do orçamento da pasta) foram cortados e redirecionados ao pagamento de emendas parlamentares.

Embora possa haver outros fatores que influenciaram o corte da verba, é perceptível que Weintraub foi fortemente centrado em visões econômicas, minimizando uma visão abrangente de investimentos em Educação. Na pasta, era de sua competência agir para melhorar a educação, mas sua ênfase econômica, influenciada por sua formação, prejudicou tal desenvolvimento. Assim, questionou-se por que um economista sem experiência na área da educação foi indicado para comandar esse ministério.

Casos similares são abundantes na história brasileira, em que a formação do ministro não se alinha com sua atuação. O ex-Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, formado em medicina pela USP, enquadra-se nesse cenário. Não há dúvida que o político pode ter trazido benefícios por oferecer uma perspectiva alternativa comparado com um

Reprodução: Agência O Globo/Daniel Marenco.

formado em economia, mas a pergunta permanece: tal ponto de vista distinto compensa a sua falta de conhecimento técnico em economia?

Formações acadêmicas diversas das áreas ministeriais podem também trazer benefícios. Para isso, analisamos certas políticas econômicas do mandato de Palocci, focado no liberalismo econômico. Suas medidas incluíam o controle da inflação e a estabilização de um superávit. Essas medidas, apesar das controvérsias causadas entre Palocci e seu partido em relação ao teto de gastos, cresceram o PIB em 3,2% e geraram um superávit de R$ 45 bilhões. Pode-se concluir que, independentemente de sua formação ou experiência, é possível ter o conhecimento para alcançar a prosperidade econômica no país, desde que as medidas corretas sejam impostas. Apesar do sucesso de suas políticas econômicas, Palocci se envolveu em casos de corrupção no governo Lula, sendo preso pela Operação Lava Jato em 2016.

Analisando ambos os casos de Antônio Palocci e Abraham Weintraub, conclui-se que a formação não é determinante para a efetividade do mandato, mas sim o alinhamento do indivíduo com o governo. Muitas vezes, a formação e as visões dos ministros impactam suas decisões, causando rupturas com o governo por desalinhamento ideológico. Como exemplo do impacto da visão de um ministro em seu mandato, analisamos Weintraub, economista que tende a priorizar a economia, sendo Ministro da Educação. Por outro lado, independente da formação acadêmica de Palocci, sua visão econômica o permitia realizar políticas econômicas efetivas. Podemos concluir que a formação acadêmica é muitas vezes irrelevante para o êxito do ministro, e é sua visão de mundo e ideologia que determina o sucesso de seu mandato.

A formação ou experiência prévia na área de atuação afeta as chances de sobrevivência do ministro no cargo?

É um fato que a falta de relação entre a formação e o campo de atuação do ministro causa insegurança ao público, mas essa incerteza é justificada? Para isso, analisamos uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2018, que investigou a duração dos mandatos

Reprodução: Agência Brasil/Antônio Cruz.

de ministérios e os motivos de término. Concluiu-se que os principais motivos da exoneração do cargo foram graus elevados de conflitos internos, escândalos e divergências. Um ministro está sujeito à demissão independentemente da formação ou experiência, e esses fatores são irrelevantes; analisaram-se chefes de cargos que têm experiência política, e, com pouca formação acadêmica, para chegar a essa conclusão.

Formação ou experiência?

Nem uma, nem outra

A formação acadêmica e a experiência profissional não são determinantes na escolha de ministros, mas sim o fator político e a capacidade de manejar os ministérios conforme a agenda do governo. Historicamente, a nomeação se baseou nessa capacidade.. Vale lembrar que o corpo técnico dos ministérios, recrutado por concursos em cargos públicos, permanece inalterado. Assim, o ministro incorpora o discurso e valores do governo, e os repassa ao quadro técnico para manter o alinhamento governamental. Nem a formação, nem a experiência parecem ser fatores relevantes nessa questão.

Reprodução: Poder360.

Javier Milei e a revolução econômica na Argentina

Como desvendar as propostas visionárias que prometem restaurar a prosperidade e estabilidade no país sul-americano.

Arecente vitória do economista libertário

Javier Milei nas eleições presidenciais argentinas indica uma grande mudança no cenário político e econômico do país. Com uma promessa de transformação radical na economia argentina, Milei conquistou 56% dos votos. Sua vitória trouxe consigo uma nova esperança para um país que enfrenta enormes desafios econômicos. A Argentina está atualmente enfrentando uma crise econômica severa, com uma inflação anual que supera 124% desde setembro de 2023, de acordo com a Agência Reuters. Quando o ex-presidente Alberto Fernandes assumiu o cargo, o país já estava imerso em uma crise, com uma taxa de inflação de 55%. No início do seu mandato, um terço da população vivia em situação de pobreza. Condição que, ao final de seu mandato, teve um aumento de 7%, piorando a situação do país. Esses dados evidenciaram os consideráveis desafios econômicos que a Argentina enfrenta e a necessidade de mudanças urgentes na política fiscal e monetária do país.

Javier Milei propôs uma abordagem radical para enfrentar esses desafios: com propostas de substituir o peso argentino pelo dólar americano, abolir o Banco Central, cortar os gastos públicos de 38% do PIB para 15% e reduzir o número de ministérios governamentais de 18 para apenas 8. Para a surpresa de muitos, a vitória de Milei foi recebida com entusiasmo pelos investidores, com ações da empresa estatal de energia YPF SA, que Milei deseja privatizar, subindo quase 40% em um único dia.

Para entender melhor os possíveis benefícios das políticas econômicas de Milei, é necessário olhar para a história econômica da Argentina. O

país experienciou seu primeiro boom econômico no início do século XX, impulsionado pelo investimento estrangeiro de imigrantes europeus. No entanto, a Grande Depressão e a subsequente redução nas exportações levaram ao protecionismo e à nacionalização de indústrias argentinas.

A adoção de políticas desenvolvimentistas resultou em inflação e endividamento significativos, prejudicando a estabilidade econômica a longo prazo. A dependência do financiamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central argentino reflete a irresponsabilidade fiscal do país, que impediu investimentos do setor privado na renda fixa e fez a economia do país volátil devido ao alto endividamento.

As propostas de Javier Milei oferecem uma alternativa promissora para reverter o dano causado pelo governo argentino por quase cem anos.

A redução do tamanho do governo, a eliminação do Banco Central e a busca por uma moeda mais estável podem criar um ambiente propício para

Reprodução: Jornal NH/Giordanna V.

o investimento estrangeiro e o crescimento econômico estável. Embora a implementação dessas políticas possa enfrentar resistência, é essencial reconhecer a necessidade de uma mudança drástica diante da crise atual. Ao priorizar a estabilidade econômica sobre o protecionismo e a intervenção excessiva do governo, Milei busca restaurar a confiança dos investidores e criar as condições necessárias para um desenvolvimento econômico sustentável.

Em última análise, as políticas econômicas de Milei ofe -

recem uma visão inovadora e corajosa para enfrentar os desafios que assolam a Argentina. A busca pela estabilidade, pela redução do tamanho do governo e por uma moeda mais forte é um caminho promissor para transformar a economia do país e criar oportunidades para o progresso econômico na Argentina a longo prazo. Até fevereiro de 2024, Javier Milei permanece firme em seu plano econômico de reduzir drasticamente os gastos governamentais. Ao implementar tais medidas, ele desvalorizou a moeda

argentina em mais de 50%, evidenciando que a demanda pela moeda estava dependente dos gastos do governo, e não do livre mercado. À medida que a Argentina busca mais investimentos estrangeiros e obtém lucros através de sua produção agrícola em 2024, uma análise da eficácia das políticas de Milei torna-se mais viável. Ao abraçar a dolarização e realizar mudanças estruturais, a Argentina tem a oportunidade de criar um ambiente mais favorável ao crescimento econômico sustentável.

Eliminando a concorrência

Uma fotografia da atual situação na Rússia, onde Vladimir Putin é acusado de eliminar membros da sua oposição.

SOPHIA VELHO REINHARDT

Em março de 2024, está prevista na Rússia a oitava eleição presidencial do país. À medida que nos aproximamos dela, porém, membros da oposição ao atual presidente Vladimir Putin estão desaparecendo em circunstâncias dúbias. Devido a isso, a validade dessa próxima eleição está sendo questionada, e a democracia continua em perigo no país.

Morte de Alexei Navalny

O recente falecimento de Alexei Navalny em uma colônia penal na zona Ártica do Norte da Rússia, conhecida como “Polar Wolf”, foi a palha que quebrou as costas do camelo. Navalny era o principal opositor de Putin e conhecido crítico do Kremlin. Ele já tinha sido vítima de uma tentativa de envenenamento, ocorrida durante um voo de Tomsk para Moscou. Esse acontecimento fez com

que Navalny fosse internado em coma. Após sua recuperação, foi imediatamente preso por supostamente ter violado as condições de sua condicional. Já em dezembro de 2023, a situação começou a ficar estranha: ele desapareceu da prisão por quase três semanas e apareceu em outra, Yamalo Nenets, no Polar Wolf, vindo a falecer em 16 de fevereiro de 2024, aos 47 anos de idade. Sabendo disso, cabe destacar o que respondeu Navalny quando um entrevistador lhe perguntou sobre o que ele falaria aos russos se o matassem por desafiar Putin. Ele respondeu que “não podemos desistir. Se eles decidem me matar, significa que somos incrivelmente fortes, e precisamos usar esse poder.”

Outras vítimas

Apesar de ser um fato triste, não é surpreendente; Navalny não é a primeira vítima atribuída a

Reproduçao: BBC, Moscow Times, New York times, Sky News No topo: Navalny, Prigozhin; Abaixo: Berezovsky, Skripal e filha.

Putin. Em agosto de 2023, um jato executivo pertencente ao grupo mercenário Wagner caiu na cidade de Tver, matando Yevgeny Prigozhin. Ele havia sido um grande confidente de Putin há alguns anos, mas durante o desenvolvimento da guerra na Ucrânia, ele se opôs às medidas do Presidente. Prigozhin não foi a única vítima, já que Dmitry Utkin, comandante do mesmo grupo paramilitar Wagner, também estava a bordo.

E essa prática não é restrita aos tempos atuais; já em 2013, Boris Berezovsky, inicialmente autoridade do Kremlin e posteriormente crítico de Putin, perdeu a vida em um aparente enforcamento. O ex-espião russo Serguei Skripal e sua filha, Yulia, foram intoxicados em 2018 na casa deles no Reino Unido, aparentemente pelo agente tóxico Novichok, desenvolvido pelo setor militar soviético há décadas atrás. E parece que a prática não ficará restrita ao passado e ao presente.

Próximo alvo

O próximo alvo parece ser Vladimir Kara-Murza, que já sobreviveu a dois atentados de envenenamento e está preso em um dos campos russos Gulag 2.0. Depois de passar um tempo no Ocidente, ele decidiu voltar à Rússia em 2022, mesmo tendo sido declarado como inimigo de Putin devido às suas ideias pró-democracia. Foi injustamente sentenciado a 25 anos de prisão dois dias após sua chegada. A saúde de Murza vem se deteriorando, pois ele já perdeu mais de 22 quilos e está com os dois pés paralisados, devido a uma

polineuropatia não tratada que surgiu como consequência dos atentados de envenenamento. Sem a intervenção dos Estados Unidos para tirá-lo dessa prisão de segurança máxima, nada poderá ser feito.

Análise da situação Sem dúvida, em termos de liderança, Putin pode ser admirado. Apesar disso, é preciso enfatizar que a falta de opositores constitui uma ameaça para a democracia. O principal motivo pelo qual Putin logra que suas ordens sejam cumpridas é pelo temor que ele impõe a todos ao repreender aqueles que mostram opiniões dissidentes. Isso condiciona os demais grupos a temer pela vida e não cometer ações de grande repercussão pública.

É sabido que, historicamente, a falta de união leva à queda. Putin tem conseguido manter os membros de seus grupos opositores distantes uns dos outros, com muitos em prisões ou em exílio. Isso diminui consideravelmente o poder da oposição. Consequentemente, os opositores restantes têm opiniões divergentes sobre o que deveria ser feito com a Rússia e quem deveria liderá-la. Não há sequer um candidato que seja pelo menos antiguerra, para tornar a eleição de Putin um pouco mais difícil.

A viúva de Navalny ofereceu-se para continuar o legado do marido, mas muitas pessoas pensam que a oposição ao presidente pode chegar ao fim com a morte de Murza.

Conclusão Lamentavelmente, nesse sistema totalitário fortemente estabelecido, parece não haver uma solução inteiramente ética e democrática para retirar Putin do poder. Sucede que, graças aos

seus mais de 15 anos como chefe da KGB (Serviços Secretos), Putin conhece minuciosamente os detalhes de funcionamento do sistema e sabe como jogar suas cartas. O fato de que ele se tornou o primeiro presidente eleito pelo povo após o fim da União Soviética, com 57% dos votos em junho de

1991, não ajuda. Parece que Putin segue as palavras de Maquiavel ao pé da letra: “Assim sendo, um príncipe não deve temer a má fama de cruel, desde que através dela mantenha os seus súditos unidos e leais”. Aguardemos os próximos capítulos dessa história.

A insignificância do Brasil na presidência do Conselho de Segurança da ONU

Embora emblemática, a presidência de um dos principais órgãos da Organização das Nações Unidas mostrou um Brasil impotente e ineficaz no cenário internacional.

Em outubro de 2023, o Brasil encarou o seu segundo mandato como presidente do Conselho de Segurança da ONU (CSONU). Essa foi a décima primeira vez na história em que o país foi eleito pela Assembleia Geral para fazer

parte das quinze delegações do comitê. Naquele mês, o CSONU teve de combater desafios internacionais que vem gerando tensões sem precedentes desde o auge da Guerra Fria: o conflito entre o Estado de Israel e o Hamas e crises no Haiti e na

Líbia. Porém, o maior problema que o Brasil enfrentou durante o seu mandato foi a impotência do cargo. A ONU, consequentemente, perdeu todo o seu poder. Após a invasão de Israel pelo Hamas e a resposta militar de Israel na Faixa de Gaza, países do mundo inteiro se mobilizaram para mediar o conflito. Em 18 de outubro de 2023, o Brasil propôs uma resolução ao Conselho que implementaria um cessar-fogo e um corredor humanitário em Gaza. Porém, a delegação dos Estados Unidos (EUA) vetou o texto brasileiro. O poder do veto dos EUA anulou a ação aprovada por 12 das 15 nações do comitê, uma maioria que implementaria qualquer resolução.

Em outra instância, em fevereiro de 2022, a Federação Russa invadiu a Ucrânia para tomar o

Reprodução: Eskinder Debebe.

território que pertencia à União Soviética (URSS). Após o início desse conflito, nações do mundo condenaram as ações do invasor. Quando o CSONU tomou iniciativa para combater o conflito no Leste Europeu, a Rússia vetou a resolução. Isso mesmo, o país que instigou o conflito fez com que as maiores forças do mundo fossem incapazes de resolver a guerra. Como um tiro no próprio pé, a ONU deixou que os perturbadores da paz a fizessem de chacota.

Isso não é um costume recente. Desde a formação da ONU em 1946, cinco países têm o poder de veto: Rússia, China, EUA, Reino Unido e França. A última vez em que o Reino Unido e a França exerceram seu poder de veto foi em 1989 para abordar a situação do Panamá. Nem mesmo antes dessa data foi o veto algo uniforme, porém é compreensível o seu uso na Guerra Fria. Desde a queda do Muro de Berlin, o CSONU foi profundamente polarizado. A China utilizou o veto dezessete vezes para interromper ações que eram contra os seus interesses políticos. Os EUA exerceram o poder vinte e uma vezes para os mesmos fins. A Rússia, trinta e quatro. As mesmas três nações vêm impedindo progresso nas situações mais culminantes, e o resto do mundo está deixando que eles saiam ilesos. Francamente, não há possibilidade de que qualquer organização que promova tanta superioridade de um grupo sobre os outros seja efetiva. Em um mundo pós-Segunda Guerra, era compreensível a integra-

Reprodução: The New York Times.

ção de um protocolo como o do veto. A URSS e os EUA tiveram influência mundial. Porém, a nossa realidade atual não condiz com essa função. Embora os EUA e a China ainda dominem mercados mundiais e exerçam grande alcance diplomático, os países do P5 (como são referidos os membros permanentes do CSONU) não mandam mais no mundo. Um exemplo disso é a situação da França e do Reino Unido, que perderam sua força de império e hoje vivem na sombra dos EUA. Os dois ex-mandantes estão passando por diversas crises internas, e se tornaram irrelevantes no palco global.

Há uma ilusão do verdadeiro poder do P5. Tome a Rússia como exemplo. Uma vez, a Rússia, antiga URSS, foi a força mais temida do mundo. Quando se originou a guerra, todos os especialistas determinaram que a campanha russa de conquistar a Ucrânia levaria

semanas, no máximo poucos meses. Hoje, faz dois anos que a ex-potência militar está presa em um conflito onde houve mais perdas do que ganhos. Em setembro, na Assembleia Geral da ONU, Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano, criticou duramente o poder do veto. Suas demandas por reforma foram ignoradas pelos países do P5, e nenhum seguimento foi dado para mudar a dinâmica do CSONU.

Embora o P5 não esteja pronto para aceitar isso, Zelensky estava certo. Se quisermos atingir igualdade em qualquer área da sociedade, essa igualdade tem de vir de cima. A diplomacia mundial está condenada a seguir falhando se a ONU, que deveria servir como fórum para mediação e negociação, seguir priorizando os interesses políticos de cinco países. Isso é antiquado, e jamais dará certo. A ONU, mais especificamente o CSONU, tem que mudar.

Carros elétricos e a sustentabilidade: prós e contras da nova tecnologia

A sustentabilidade é um dos principais fatores para a criação dos carros elétricos, mas será que ela realmente é um fator significativo na hora da compra?

Estamos cada vez mais próximos da implementação global em massa dos carros elétricos (EVs) , cujo primeiro estágio começou recentemente em países mais desenvolvidos e, futuramente, iniciará em países ainda em desenvolvimento econômico.

Apesar de todos os supostos benefícios ao nosso planeta em termos de sustentabilidade ambiental, existem inúmeros debates e problemas em torno deles. Porém, nas propagandas de carros elétricos, as montadoras e ativistas deixam de fora os diversos impactos negativos que o uso em massa de EVs pode causar ao meio ambiente. Estes incluem, por exemplo, os materiais usados na construção das baterias e seus processos de extração, que são altamente poluentes, o processo de produção de diversos outros componentes, a cadeia logística, e principalmente, a matriz energética do país em questão.

Os impactos ambientais

Um dos grandes atrativos de venda dos carros elétricos é como eles, supostamente, são benéficos à sustentabilidade do nosso planeta, devido ao fato de não necessitarem queimar combustíveis fósseis diretamente para funcionar, ao contrário dos carros convencionais. A emissão de gases, principalmente o CO2 e o CO, gerada pela queima dos tais combustíveis, substancialmente contribui para o efeito estufa e o aquecimento global, além de serem prejudiciais à saúde humana. Uma consequência desse fenômeno, por exemplo, é o derretimento das calotas polares.

O funcionamento dos carros elétricos não necessita da queima direta de combustíveis fósseis, porém em muitos países a energia que abastece o carro foi gerada de maneira poluente. Por exemplo, na União Europeia como um todo, 59% da energia vem do petróleo, gás natural e carvão, de acordo com a European Environment Agency, e apenas 17% provém de fontes renováveis. Nesse caso, utilizar carros elétricos com o propósito de ajudar o meio ambiente não seria efetivo, uma vez que grande parte da energia que está movendo o carro gerou uma grande quantidade de gases do efeito estufa em sua produção.

Reprodução: Diesel Economics.

Além disso, os componentes dos carros também adicionam substancialmente à sua pegada de carbono de uma forma indireta. Em média, os carros na Europa têm 150 kg de alumínio em sua composição, um metal que, para ser processado, utiliza quantidades elevadas de energia elétrica

A poluição sonora

Pode-se pensar que carros elétricos, por não possuírem o distinto som de um motor à combustão, que por si só gera opiniões diversas, não contribuem para a grande poluição sonora presente em cidades. De fato, carros elétricos produzem menos barulho que carros movidos a combustíveis fósseis no quesito do ruído de propulsão. No entanto, devido ao ruído de rolamento, “os carros elétricos dificilmente são mais silenciosos do que os modelos convencionais, especialmente em altas velocidades”, de acordo com Dr. Maurizio Mantovani, chefe de pesquisa e tecnologia da Autoneum, empresa suíça de isolamento acústico e térmico veicular.

Reprodução: Transportation Research Procedia/ L. D. Poulikakos et al..

O gráfico acima demonstra que, nos carros à combustão, o ruído de propulsão já é mais alto que o próprio motor do carro a cerca de 30 km/h).

Os impactos ambientais das baterias

O principal componente responsável pelo funcionamento do carro elétrico é a bateria. Feitas de metais pesados e produtos tóxicos, como lítio, cobalto e níquel, as baterias são altamente poluentes para o meio ambiente. O processo de extração desses minerais causa degradação do solo, a perda de biodiversidade e contaminação da água e do solo. Não podemos esquecer as máquinas usadas na extração, como escavadeiras a diesel e caminhões de mineração, utilizam combustíveis fósseis. Também há o processo de transporte desses minerais até as indústrias que fabricam as baterias, realizados por

veículos como caminhões a diesel, navios e trens, movidos a energias não renováveis.

Uma outra desvantagem da fabricação de baterias para carros elétricos é que ela requer muita água. De acordo com o Portal Terra, “para extrair e refinar cada tonelada de lítio são necessários 2,1 milhões de litros de líquido — quantidade suficiente para produzir baterias para apenas cerca de 80 veículos elétricos.”

Reprodução: Bloomberg/Carla Gottgens.

Os carros elétricos são ruins?

Pode-se pensar que os carros elétricos são prejudiciais ao ambiente, tendo em vista os fatores apontados e a discussão controversa de que se tratam. O que não está em discussão, no entanto, é que carros elétricos estão no começo de sua popularização pós-pandemia, enquanto carros a

Reprodução: United States Environmental Protection Agency.

combustão e a evolução de suas eficiências se manteve relativamente constante nos últimos anos.

Carros elétricos têm mais potencial para serem mais eficientes ao levar em conta menos conversões energéticas, e como consequência, serem mais economicamente viáveis para os consumidores. Como observado nos anos iniciais do gráfico, houve um grande aumento na

eficiência de combustível dos carros nos Estados Unidos (dados em milhas por galão, separado por classe de veículo). Isso demonstra a capacidade de veículos elétricos de se tornarem mais eficientes visto sua popularização.

Em resumo, ao contrário do que é normalmente propagado, os carros elétricos poluem o meio ambiente tanto de maneira indireta quanto direta. A poluição in-

direta vem por meio das fontes de energia elétrica não renováveis utilizadas para a sua produção, que degradam o meio ambiente, como diretamente de maneira sonora e química, como os metais pesados nas baterias. Se o seu objetivo ao comprar um veículo elétrico é ajudar na atual emergência climática, pode ser uma boa ideia esperar até que as tecnologias evoluam de forma com que esse objetivo faça sentido.

O uso da inteligência artificial na música pode ser considerado ético?

Há diferentes implicações éticas geradas pela implementação da inteligência artificial na indústria musical.

Amúsica tem sido uma forma de expressão presente ao longo da história, originada por volta de 60.000 a.C., ainda no período paleolítico. Sempre composta por vocais e instrumentos, os seus proprietários e sua legitimidade foi sempre clara. Contudo, à medida que o desenvolvimento avança, novas questões éticas surgem a partir do uso da inteligência artificial (IA) na música. Esta tecnologia, inicialmente usada na década de 50, está revolucionando a indústria musical, gerando implicações incluindo questões de propriedade intelectual, modo de expressão e transparência, apesar de também trazer benefícios, como maior eficiência. Com a análise de tais fatores, percebe-se que o uso da IA na indústria musical gera dúvidas em relação a direitos de propriedade, e que o avanço tecnológico sem nenhuma legislação irá prejudicar a grande maioria dos integrantes do setor, enquanto beneficia apenas alguns. Levando em consideração a falta de legislação no uso da IA, os direitos autorais e de crédito dos

artistas são diretamente afetados. Isso é obsevado em casos de artistas internacionais como Greg Rutkowski, cujo nome foi utilizado como comando para produzir trabalhos que replicavam o estilo de sua arte. Assim, questionamos: o uso da tecnologia com comandos baseados em artistas cuja autorização não foi concedida, é, de fato, ético? Vemos exemplos disso também em sucessos musicais, como no caso de Ghostwriter, que utilizou a IA para Reprodução: Deadline.

replicar os vocais de artistas renomados, como Drake e The Weeknd. A produção foi um sucesso, mas gerou dúvidas a respeito da credibilidade e qualidade das réplicas, entre outros fatores responsáveis pelo sucesso da produção. E mais importante, quão correto é fazer tal coisa, assumindo também que, muitas vezes, esses artistas podem acabar sendo prejudicados através da expressão de ideias que não necessariamente apoiam.

A natureza antiética da IA também gera outros problemas, como discurso de ódio e falta de transparência. Essa afirmação é confirmada pelos autores Bob Sturm e Maria Iglesias, que escrevem que “a natureza desses sistemas centrados em dados pode perpetuar involuntariamente a discriminação ao codificar preconceitos sociais presentes em bancos de dados”. A única forma de garantir que a inconsistência dessa tecnologia não gere risco e não prejudique indivíduos, seria através da filtragem de expressão, o que pode fazer com que a essência musical acabe sendo perdida. Além disso, a falta de transparência entre usuário e tecnologia também é problemática, pois usuários de aplicativos como Spotify são indiretamente controlados pela IA sem terem consciência disso. Mesmo com pontos negativos a respeito da questão ética da IA na música, há também benefícios trazidos pela tecnologia. A revista MIT Press defende que integrantes do setor têm total controle sobre a IA, e por isso, não seria necessário tamanha

preocupação. Mas o artigo falha em reconhecer que cada indivíduo tem opiniões divergentes, e assume que os artistas se inclinariam à preservação da essência musical, desconsiderando as diferentes perspectivas sobre o que é “preservar a essência da música”. Apesar disso, o fator mais reconhecido é que a IA aumenta a eficiência e criatividade do processo, pois o sistema gera produções inspiradas em uma base de dados de trabalhos já existentes. Isso gera mais polêmicas, pois o ato de trabalhar sob um produto já criado, similar ao modelo open source, deveria contar também com o consentimento do proprietário. Atualmente, sem regulamentação, muitas vezes o benefício do usuário da IA acaba prejudicando o criador original.

Tal problema não só é discutido em países europeus e norte-americanos, mas também no Brasil. Exemplos da integração da IA em músicas brasileiras, como a de Kevin O Chris, já

estão em prática, com empresas do setor esperando gerar 10 milhões de reais nos próximos dois anos. Kevin O Chris cita que a tecnologia traz uma “batida única e inovadora”, enquanto apoia a iniciativa que foca em produzir música de uma forma mais barata e personalizada.

De modo geral, conclui-se que é importante implementar a tecnologia, que já gerou debate, com certa cautela. Mesmo oferecendo um processo mais criativo, eficiente e barato, é crucial levarmos em consideração os conflitos éticos de sua implantação. Por isso, temos que reconhecer que a falta de legislação atualmente irá prejudicar muitos artistas. No momento, há esforços de regulamentação, como debates no Conselho de Comunicação Social e em organizações como a AI HLEG, promovida pela União Europeia. Apenas dessa forma será possível atingir um balanço para o uso da IA em setores como o da música.

Reprodução: Agência Senado/Pedro França.

Interestelar: desafiando nossa percepção de tempo e espaço

Uma reflexão sobre uma das grandes obras cinematográficas deste século.

JOÃO VITOR FREIRE JOHANNPETER

Ofilme Interestelar, dirigido por Christopher Nolan e lançado em 2014, conta a história de uma equipe de astronautas que viaja através de um buraco de minhoca à procura de um novo lar para a humanidade, que vive à beira do apocalipse. O filme se passa no o futuro, e a Terra está devastada pelas mudanças climáticas que tornaram o planeta praticamente inabitável, e a humanidade está próxima da extinção. A NASA, porém, ainda acreditando que é possível encontrar um novo planeta para a humanidade, cria um novo programa com esse intuito. O personagem principal, Cooper, um ex-piloto da força aérea americana, se junta ao programa.

Além do extenso foco na ficção científica em si e na exploração espacial, Nolan não deixa de nos trazer críticas a problemas sociais presentes no mundo de hoje. Um exemplo é a polêmica envolvendo o alto investimento do governo norte-americano em programas para encontrar novos planetas habitáveis ao invés de tentar melhorar as condições na Terra, algo que tomou proporções tão grandes que levou a NASA a tornar-se uma agência que opera secretamente. Isso se assemelha, por exemplo, às críticas sofridas pela empresa de exploração espacial SpaceX, criada com a missão de fazer com que a espécie humana se torne “interplanetária”. Muitas pessoas acreditam que os bilhões de dólares em verba pública que a empresa recebe poderiam ser direcionados à resolução de outros problemas mais urgentes, como educação, saúde e infraestrutura.

Na obra cinematográfica, a principal causa da Terra se deteriorar de maneira tão extensa foram as mudanças climáticas em larga escala. Hoje em dia, muitos cientistas ao redor do mundo preveem um aumento na frequência e na magnitude dos

eventos climáticos extremos devido às mudanças climáticas. Isso já pode ser observado, por exemplo, nas enchentes que ocorreram no Rio Grande do Sul no segundo semestre de 2023. No filme, Cooper trabalha como fazendeiro, mesmo possuindo um grande conhecimento de aeronáutica, e podemos ver claramente como fortes tempestades de areia frequentemente arrasam suas plantações. Em larga escala e com o passar do tempo, isso desencadeou uma emergência devido ao fato de que não era produzida comida o suficiente para alimentar toda a população. Em proporções menores, isso também era um grande problema, devido a fatores como problemas respiratórios. De certa maneira, isso pode ser visto como uma representação de como a Terra pode estar em algumas décadas caso a emergência climática que estamos começando a vivenciar não seja resolvida.

Em certo momento do filme, a expedição se aproxima do buraco negro supermassivo Gargantua, que, ao contrário do que muitos imaginam, não é computação gráfica, mas uma simulação altamente realista e representativa de um buraco negro real. Para que isso se tornasse realidade, Nolan contou com uma grande participação do físico teórico vencedor de um Prêmio Nobel, Kip Thorne,

Reprodução: Interstelar/Nolan (2014).

responsável por supervisionar essa seção do filme e também realizar cálculos da distorção temporal e gravitacional experienciada pelos astronautas naquela região. Por exemplo, o planeta Miller, que orbita o buraco negro, é um lugar onde essa distorção do tempo é visível, dado que ano um no planeta equivale a sete anos na Terra.

As consequências da presença do buraco negro em Interestelar são apresentadas de forma consistente com as teorias científicas atuais. Por isso, o filme é considerado uma fonte de informação confiável sobre certas propriedades dos buracos negros e suas possíveis consequências. Além disso, o filme também é relevante para popularizar a ciência e despertar o interesse do público pela astronomia e pela física, temas que não são recorrentes na mídia tradicional. Este é um filme que combina entretenimento com educação científica, e que pode ser apreciado por pessoas de todas as idades.

O filme Interestelar é uma obra cinematográfica que já entrou para a história como uma das mais memoráveis, não só em termos de qualidade de roteiro, apelo visual, e inovação, mas também por trazer reflexões sociais e visibilidade para todo um meio. Esse é um filme que todos devem assistir; inclusive recomendo que assistam diversas vezes, devido à complexidade da obra.

Reprodução: Interstelar/Nolan (2014).

Existe

vida fora da Terra?

Explorando o desconhecido: o que será que o Universo tem a nos mostrar nas pesquisas mais recentes?

ARTHUR RAMOS REZENDE

Em um futuro distante, existem várias situações que poderiam ser consideradas como cenários que levariam a humanidade a deixar a Terra. Alguns exemplos incluem desastres naturais, climas extremos, ou um impacto de asteroide ou cometa. Com a emissão de gases de efeito estufa aumentando rapidamente no presente, é muito provável que isso tenha um efeito significativo no futuro da humanidade.

Mesmo com os humanos chamando a Terra de casa, ela não estará aqui para sempre. Astrônomos estimam que em cerca de 5 bilhões de anos, o sol explodirá e se transformará em uma nuvem de poeira. Sem o sol, a Terra se tornaria inabitável, com

temperaturas despencando e virando um mundo de gelo. Cientistas começaram a procurar um novo planeta para podermos chamar de lar. Com a tecnologia melhorando rapidamente, novos planetas estão sendo descobertos, como o K2-18b. Para um planeta ser habitável, ele precisa estar na Zona dos Cachinhos Dourados, essa é uma área em torno de uma estrela com temperaturas ideais. Com a tecnologia evoluindo, e novos planetas sendo descobertos, tanto longe quanto perto da Terra, a ideia de achar um novo lar se torna realista.

O planeta K2-18b foi descoberto em 2015 pela NASA, sendo um candidato perfeito para ser nosso novo lar. Ele é oito vezes maior do que a Terra, e

pesquisas descobriram que o planeta contém metano, dióxido de carbono e hidrogênio, sugerindo a possibilidade da presença de água. Além disso, os astrônomos detectaram sulfeto de dimetila, que é produzido apenas por organismos vivos, isso nos ajuda a acreditar que esse planeta já possui vida. Por outro lado, ele está a 120 anos-luz da Terra, ou seja, 1.080 trilhões de quilômetros de distância, tornando a viagem quase impossível. Atualmente, a maior distância atingida por um astronauta é 400.171 quilômetros, influenciando a modernização da tecnologia atual de exploração espacial e, consequentemente, aumentando a necessidade de investimento financeiro.

Nas luas geladas de Júpiter, como Europa, Ganimedes e Calisto, cientistas concebem a possibilidade de vida. Embora essas luas tenham superfícies cobertas de gelo, suspeita-se que sob essa camada fria possa existir um oceano subsuperficial. Esse oceano poderia conter condições adequadas para sustentar formas de vida microbiana. Os cientistas estudam a possibilidade desses ambientes aquáticos escondidos oferecerem os ingredientes essenciais para a existência de organismos simples. Essas investigações desafiam nossa compreensão da vida e expandem nossa busca por sinais de vida além da Terra. “Seria surpreendente se não houvesse vida nas luas geladas de Júpiter” disse cientista Michelle Dougherty. Chegar às luas geladas de Júpiter seria muito difícil devido à longa distância entre a Terra e Júpiter, além dos altos ní-

veis de radiação. Uma maneira de aumentar nosso conhecimento sobre essas luas geladas, seria, por exemplo, enviar sondas espaciais com robôs para estuda-las. Essas sondas precisam de tecnologias especiais para proteger contra a radiação e temperaturas de Júpiter. Chegar às luas de Júpiter envolveria manobras complicadas para evitar problemas como o forte campo magnético de Júpiter. Isso exigiria muita inovação e melhorias tecnológicas.

Assim sendo, mesmo com a tecnologia avançando, a ideia de deixar a Terra por outro planeta ainda está fora do nosso alcance no momento. Para atingir esse objetivo, precisamos dedicar muito tempo, dinheiro e pessoas para melhorar a situação atual da exploração espacial. Até lá, algumas mudanças podem ser feitas para ajudar a preservar o nosso planeta, como a redução da emissões de gases de efeito estufa, a conservação de água e a preservação do ambiente natural. Reduzir as emissões de gases efeito estufa é importante para diminuir o aquecimento global. Além disso, a transição para o uso de energia renovável é uma substituição que pode ser implementada facilmente na maioria dos lugares do mundo. O uso responsável da água também tem que ser considerado como um fator crucial, já que nós precisamos de água para sobreviver e evoluir. A preservação do ambiente natural, incluindo a proteção de ecossistemas e da biodiversidade, tem um papel vital na conservação do equilíbrio ecológico. Ao adotar tais práticas, estamos investindo no futuro sustentável da Terra e na preservação dos recursos naturais para as gerações futuras.

Reprodução: BBC News Brasil.
Reprodução: National Geographic.

Os benefícios da inteligência artificial no setor operacional logístico

A que ponto o setor operacional de empresas de logística pode ser potencializado pela automatização de processos repetitivos e ajuste fino de modelos de inteligência artificial?

Reprodução: Observatório Nacional de Transporte e Logística.

Ainteligência artificial (IA) é uma tecnologia que vem recentemente proporcionado à sociedade benefícios de informação por meio da sua acessibilidade. Dado que o Brasil, como um país majoritariamente rodoviário, realiza cerca de 58% de transporte de cargas e passageiros via rodovias e é o líder em concentração rodoviária entre as principais economias do mundo, segundo dados de 2018, é de extrema importância o reconhecimento da relevância que o transporte rodoviário possui no Brasil e como ele pode ser conectado com as novas possibilidades que surgem com novos desenvolvimentos. Com o rápido crescimento de modelos de inteligência artificial, há de se pensar sobre suas aplicações em um ramo tão presente como o transporte rodoviário no Brasil. O setor operacional, como definido pela empresa Cargo X, é um “prolongamento da disciplina

estratégica”. É a atribuição do operacional realizar as operações e formalizar o processo objetivo da companhia. Os empecilhos à otimização estão relacionados à desconexão informacional interna (devido à individualização dos setores da empresa) e à falta de planejamento geral. A repetitividade, intrínseca à natureza das tarefas operacionais, é um obstáculo à eficiência da empresa, e, portanto, pode ser automatizada. Tarefas como estabelecimento de rotas, planejamento de cargas e atualização de clientes sobre suas cargas e respectivas localizações podem facilmente ser automatizadas com uma interface de programação de aplicativos responsável pela coleta dos dados relevantes para a atualização, formatados por um modelo de linguagem, como as soluções disponibilizadas pela empresa americana OpenAI, criadora do famoso ChatGPT.

A solução providenciada pela empresa propicia a capacidade do algoritmo produzir uma resposta formatada corretamente, conforme pedido pelo usuário. A comunicação com clientes, padronização informacional e transparência, de tal maneira, podem ser automatizadas. Concomitantemente, tal automatização pode ser mais profundamente aplicada por meio do ajuste fino de modelos de linguagens, conhecido como “fine-tuning”. Tal ajuste permite à IA a generalização de uma tarefa específica, tornando-a mais eficiente em um processo nichado. Sistemas de gerenciamento empresariais podem ser aplicados às suas respectivas operações, como as de armazéns, operação geral, logística e de transporte, para a

potencialização da operação de empresas de logística.

De acordo com um artigo científico realizado pela OpenAI em agosto de 2023, quando se diz respeito à eficiência da força de trabalho dos EUA, concluiu-se que cerca da metade dos trabalhadores pode, simultaneamente, potencializar sua eficiência mantendo o mesmo nível de qualidade ao empregar o uso de grandes modelos de linguagem (LLMs) em seu trabalho. O estudo conclui, adicionalmente, a viabilidade da introdução de tecnologias adjacentes às de processamento de linguagem natural. O estudo demonstra que, por mais que atualmente as tecnologias de linguagem estejam mais limitados em relação aos usos mais abrangentes de automação, a paralelização da chamada de funções, se tornará cada vez mais uma realidade.

Em resumo, a inteligência artificial não só é um tema atual, como continuará sendo pelos próximos anos. Há de se analisar suas implementações

no dia a dia. O artigo da OpenAI demonstra sua viabilidade no mundo real e sua respectiva aplicação. No contexto logístico, o seu processo pode ter evidente melhora na eficiência, seja na agilização do atendimento ao público e, por consequência, aumentando a resolução de problemas e a satisfação dos clientes, ou até as potencializações previamente mencionadas.

Quem (não) foi Macabéa?

Analisando a famosa personagem-símbolo do “brasileiro comum” de Clarice Lispector a partir dos direitos constitucionais atuais

Oque significa ter direito à vida? Alguém pode ter sua segurança garantida? Essas são algumas dúvidas que podem surgir ao ler a Constituição Federal. Como estabelecido no Art. 5º do documento, os direitos fundamentais do cidadão brasileiro são os direitos à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança e à propriedade. Embora sejam garantidos a todo brasileiro, essa não é a situação

em que se encontra Macabéa. Isso porque a personagem teve seus direitos naturais restringidos desde seu primeiro suspiro. Macabéa não teve acesso à vida porque sempre teve sua segurança corrompida ou sua liberdade infringida, ao lado de uma série de outras restrições. Incontestavelmente, a liberdade do ser humano reflete o seu poder de decisão e as suas escolhas que são tomadas. Em A Reprodução:

Reprodução: Cobli.
Clarice Lispector/Brasil Escola.
Cultura & Mídias

hora da estrela, Macabéa nunca foi livre. Suas decisões e suas ações foram ditadas por Rodrigo S.M. O narrador da história é quem controla tudo que ocorre no mundo de sua imaginação, a protagonista nunca teve poder de decisão. Isso fica evidente na página 57, onde o narrador reflete: «E eu que estou contando esta história que nunca me aconteceu e nem a ninguém que eu conheça? Fico abismado por saber tanto a verdade. [...] Se sei quase tudo de Macabéa é que já peguei uma vez de relance o olhar de uma nordestina amarelada. Esse relance me deu ela de corpo inteiro.” Pode-se confirmar que é Rodrigo S.M quem comanda as ações de Macabéa, e é ele quem toma todas as decisões da nordestina. Se foi o narrador quem ditou a sua vida toda, será que Macabéa realmente viveu?

Aliás, mesmo que seja analisada somente a história da protagonista, Macabéa cresceu tendo sua liberdade cerceada pela sua tia - quem a criou após a morte de seus pais - porque a parente tomava tudo que divertia a sobrinha e obrigava a sobrinha a fazer os deveres da casa. O narrador deixa isso claro na página 29, quando comenta: “Mas o que doía mais era ser privada da sobremesa de todos os dias: [...] a única paixão de sua vida. Pois não era que esse castigo se tornara o predileto da tia sabida?”. Isso enfatiza como a tia frequentemente privava a jovem Macabéa das coisas mais divertidas para uma criança. Além disso, o narrador demonstra novamente que a tia controlava a vida toda de Macabéa quando diz: “ela só ouvia sem participar porque a tia a queria para varrer o chão.” (p. 33). Isso dá a entender que ela estava sujeita às ordens da tia e jamais poderia deixar de fazer o que a tia a obrigava a fazer. Ou seja, independentemente da maneira em que a liberdade de Macabéa seja analisada, a realidade é que ela nunca foi livre.

Ao discutir o direito à propriedade na vida de Macabéa, é necessário ressaltar a falta desse direito vivenciada pela nordestina durante sua existência na mente de Rodrigo S.M. A protagonista nunca teve nada próprio, seja pela tirania de sua tia ou pela sua falta de identidade. A falta de identidade viola o seu direito à propriedade já que possuir uma identidade é a coisa mais importante que o ser humano pode ter. Isso faz com que Macabéa nunca tenha sido dona de si mesma. Voltando à

sua relação com o narrador e ao fato de que Macabéa é um fruto da imaginação de Rodrigo S.M., alguém que não existe consequentemente não pode ter nada como propriedade. De acordo com Oxford Languages, propriedade é uma “qualidade inerente ao seres”. Porém, Macabéa não é um ser, ela faz parte da imaginação de Rodrigo S.M., e por isso a protagonista não tem direito à propriedade.

O direito à segurança de Macabéa foi infringido diversas vezes durante a história porque a vida da nordestina foi corrompida por dor, fome, sofrimento e morte. Ao longo de sua curta vida, Macabéa tem a sua segurança psicológica e física violada por ambos Olímpico de Jesus e por Rodrigo S.M. A saúde mental dela é frequentemente abusada pelo ex-namorado. Por exemplo, o diálogo: “Ele: – Olhe, eu vou embora porque você é impossível! [...] Pare de falar porque você só diz besteira! [..] É, você não tem solução.” (p. 55) demonstra os insultos queOlímpico dirige à Macabéa. Embora a nordestina não perceba que esse tipo de tratamento lhe machuca, o seu direito à segurança está sendo violado. Inconscientemente, Macabéa fere-se psicologicamente quando está com Olímpico porque ele a trata com desprezo e desrespeito. Além disso, a dependência da nordestina ao namoro - que é tóxico - restringe ainda mais a segurança da protagonista.

Ademais, Rodrigo S.M - o “criador” do mundo em que se passa a história - viola a segurança física de Macabéa por permitir que ela sinta dor e que ela vivencie a morte. O narrador é como Deus na vida de Macabéa, visto que é ele quem dita tudo que acontece no mundo de sua imaginação. Ele faz com que Macabéa sinta dor e morra na página 81, quando escreve: “E enorme como um transatlântico o Mercedes amarelo pegou-a [...] Sua queda não era nada, pensou ela, apenas um empurrão. Batera com a cabeça na quina da calçada e ficara caída, a cara mansamente voltada para a sarjeta. E da cabeça um fio de sangue inesperadamente vermelho e rico. [...] Ficou inerme no canto da rua”. Embora não seja narrado explicitamente, esse é o momento em que Macabéa morre e tem o seu direito à segurança violado novamente. Não só o direito à segurança, mas também o direito à vida, visto que seria impossível um humano que já há falecido ter vida.

Mas, afinal, o que é o direito à vida? Se o direito à vida é um conjunto de todos os direitos fundamentais, pode-se confirmar que Macabéa nunca teve uma vida. Essa é a verdade. Devido à falta de segurança, propriedade e liberdade, a nordestina jamais teve acesso à vida. Porém, basta somente analisar o que foi a existência de Macabéa para concluir se ela viveu ou não. Posto de forma simples, Macabéa nunca existiu. Por exemplo, Rodrigo S.M. descreve: “[...] Depois de receber o aviso foi ao banheiro para ficar sozinha porque estava toda ator-

doada. Olhou-se maquinalmente ao espelho que encimava a pia imunda e rachada, cheia de cabelos, o que tanto combinava com sua vida. Pareceu-lhe que o espelho baço e escurecido não refletia imagem alguma. Sumira por acaso a sua existência física?” (pág. 25). Esse trecho demonstra a confusão de Macabéa ao perceber que sua forma física sumiu. O que ela não percebeu é que tal forma jamais existiu. Isso porque Macabéa não é um ser humano.

Ela não é um ser vivo.

Ela simplesmente não é.

O efeito das greves de Hollywood no cinema brasileiro

SAG AFTRA, WAG, DGA e IATSE atacam grandes empresas na América, causando agitação e outros apelos à ação internacionalmente.

Pense no seu filme ou programa favorito, e depois reflita: o que o torna bom? É o enredo incrível, a atuação, a escrita, ou talvez a cinematografia? Todas essas pequenas coisas são o que tornam uma narrativa audiovisual tão especial, e isso é possível graças ao trabalho conjunto de centenas de pessoas. Em média, cerca de 500 pessoas estão envolvidas na criação de um filme, e normalmente há um período de 146 dias de pré-produção. Mesmo com essa enorme quantidade de trabalhadores, um filme ainda leva cerca de um a dois anos para ser concluído.

Desde julho de 2023, trabalhadores de setores audiovisuais se uniram para fazer greve contra as grandes empresas de comunicação social, exigindo salários justos. SAG-AFTRA (Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists), WGA (Writers Guild of America), e outros denunciaram as práticas antiéticas que empresas cinematográficas cometeram ao longo de suas carreiras e exigiram mudanças.

A atriz Tommy Dorfam relatou em entrevista que, durante a gravação da primeira temporada de Thirteen Reasons Why, ela havia recebido 5 mil dólares em 6 meses de trabalho depois de descontados os impostos, ganhando menos do que um trabalhador em regime de salário mínimo nos Estados Unidos. O patrimônio líquido estimado atual da série em 2023 é de 20,37 milhões de dólares, gerando cerca de 4,07 milhões de dólares por ano.

À medida que mais pessoas começaram a aderir à greve, mais foi revelado sobre o comportamento inadequado que essas grandes empresas de comunicação social apresentam. Desde fornecer espaço

LAURA HAUCK
ANA CLARA ALVAREZ LUZ
Reprodução: Los Angeles Times/Chris Pizzello.

limitado para os escritores trabalharem, até escanear os corpos de atores sem o seu consentimento. O medo, então, atingiu o mundo todo.

Shya Everett, uma jovem estudante de cinema nos Estados Unidos, acredita que a propagação da greve é algo extremamente importante e deve ser reconhecida internacionalmente. “Estou muito otimista de que a greve terá impacto fora da América. Espero que os novos contratos criem um precedente para que outros países adotem e melhorem”, relata em entrevista à nossa equipe. Ela também compartilhou alguns medos para nossa equipe. “Pessoalmente, as greves foram um pouco preocupantes para mim. Como estudante do último ano, prestes a me formar em cinema, fiquei nervosa ao ver que a indústria estava tão desorganizada logo antes de eu deixar a faculdade.”

Com a SAG AFTRA e a WGA em greve durante mais de 4 meses, tanto escritores como atores esperavam por um contrato que os protegesse adequadamente do potencial uso indevido da IA. Ambos os grupos chegaram a um acordo com empresas de comunicação social durante os meses de setembro e novembro, mas muitos de seus membros ficaram descontentes com o acordo final.

A maioria dos associados acredita que o contrato WGA foi melhor do que aquele que atores e atrizes receberam. O contrato dos autores diz que o uso de IA não pode ser feito para reduzir os créditos de um escritor, e seu trabalho não pode ser usado

Reprodução: Local 10/David McNew.

como material de origem para IA. Para os atores, o contrato é muito menos rigoroso. Empresas podem escanear o corpo de um ator para criar um modelo de IA a partir deles, mas será necessário seu consentimento. Com a adição do consentimento, poderia se dizer que a questão está resolvida, mas os membros discordam veementemente. Atuar é um campo muito competitivo, que não é muito lucrativo em seus primeiros anos. O desespero para conseguir um emprego pode fazer com que eles concordem com esse scan e, com a linguagem vaga do contrato da SAG-AFTRA, podem facilmente existir brechas legais para tirar proveito dessas tecnologias.

A partir de 15 de fevereiro de 2024, mais medo atingiu a comunidade cinematográfica. Com o novo projeto Sora da Open AI, cineastas, diretores, cinegrafistas e outros profissionais da área também estão ameaçados de perder seus empregos. O modelo de IA ainda não foi lançado, mas a e mpresa publicou vários vídeos em suas redes sociais

mostrando do que o programa é capaz.

Com o clima de crescente incerteza no audiovisual, apesar de não ser tão reconhecido mundialmente, trabalhadores brasileiros exigiram uma aplicação legal maior de seus direitos trabalhistas. Com o medo de que a IA substitua empregos no cinema, o senador Rodrigo Pacheco escreveu o Projeto de Lei nº 2338, de 2023, para mudar a legislação, limitando o uso da ferramenta, e como o não cumprimento de tais limites será punido. Pacheco afirma que, ao se recusarem a essas regras, pessoas físicas teriam direito a uma taxa de 50 milhões de reais, e até 2% de faturamento para uma empresa. A Globo, empresa que financia a maior parte dos filmes brasileiros, ainda não se manifestou sobre tais leis.

Com uma regulamentação tão vaga para a IA, o futuro parece sombrio. O ano de 2024 precisa se concentrar na regulamentação da IA, não apenas nos Estados Unidos, mas a nível mundial.

As vozes femininas na literatura brasileira

Personagens de Clarice Lispector e de Conceição Evaristo escancaram as condições precárias de grande parte da população do país e mostram-nos a perspectiva da mulher na literatura brasileira.

Aquestão do desenvolvimento identitário de indivíduos marginalizados ainda está presente na sociedade contemporânea. Frequentemente, subestimamos a complexidade desse desenvolvimento, porque, como muitos de nós nunca enfrentamos uma crise identitária, temos dificuldades em nos conectar diretamente com esses muitos indivíduos. No entanto, um meio efetivo para entendermos esse tema complexo é através da literatura. Muitos autores abordam o tema com narrativas elaboradas que oferecem diferentes perspectivas sobre essa questão. Se não fosse por isso, o tema não teria a relevância que tem hoje em dia. Autores como Clarice Lispector, que escreveu “A hora da estrela”, e Conceição Evaristo, que escreveu “Ponciá Vicêncio”, utilizam diferentes técnicas narrativas para desenvolver trajetórias que claramente demonstram semelhanças uma com a outra. Com isso, elas chamam atenção para a complexidade de um conflito de identidade e como estão presentes na sociedade brasileira.

Em ambas as histórias, as personagens centrais têm várias semelhanças nas dificuldades enfrentadas durante a vida, especialmente após suas mudanças para a grande cidade. Por outro lado, Ponciá e Macabéa possuem diferenças entre si, como a presença de suas famílias e de objetivos em suas vidas.

“A hora da estrela” e “Ponciá Vicêncio” exploram como ambas as personagens tiveram que superar o seu status de pobreza e marginalização, porém suas jornadas se desenrolam de maneiras completamente distintas. Macabéa é uma mulher nordestina que se muda para o Rio de Janeiro, em busca de

algo melhor, onde ela trabalhará como datilógrafa sub-remunerada. Ponciá, por outro lado, é uma menina de uma comunidade rural e descendente de escravos, marcada por sua jornada na busca de sua própria identidade e resistência.Diferentemente de Macabéa, Ponciá mantém sua relação com sua família e tem grandes conexões com seus pais, irmão, e especialmente seu avô. Ambas as personagens compartilham uma trajetória de migração para a cidade grande, sendo que Ponciá mostra a sua resiliência na busca de reconstruir e melhorar sua vida em uma cidade nova. Por outro lado, Macabéa vive em uma solidão profunda e fica presa em um ciclo de pobreza, acabando por aceitar seu destino.

Em ambos os livros, cada técnica narrativa é usada propositalmente para retratar a mensagem que as autoras desejam transmitir. Em “Ponciá Vicêncio”, Conceição Evaristo utiliza uma linguagem simples, acessível a maioria da população brasileira. Porém, ao utilizar um tempo psicológico, a autora implementa uma nova camada de profundidade e complexidade para a crise identitária explorada na obra. A narrativa da jornada de Ponciá é sempre contínua, prosseguindo para o próximo acontecimento de uma maneira linear, mas a autora os conecta com momentos relevantes do passado da protagonista ou de sua família. Dessa forma, o passado de Ponciá retrata informações importantes sobre o desenvolvimento de sua identidade, permitindo-nos comparar mudanças nessa identidade durante os eventos que acontecem no presente.

Conseguimos observar essa comparação temporal natrajetória de Ponciá através de memórias

JOÃO HENRIQUE DOS SANTOS PINTO FERREIRA
ARTHUR RAMOS REZENDE

relevantes e do trauma social causado pelo passado de escravidão da comunidade negra. Quando criança, Ponciá tinha medo de cruzar por baixo do arco-íris por receio de acabar virando menino. Essa construção social da infância de Ponciá informa aoleitor sobre o desenvolvimento identitário inicial da personagem - tendo orgulho de ser mulher. No entanto, quando voltamos para o tempo presente, a autora deixa claro o desejo de Ponciá de ser um homem para enfrentar o abuso que sofria em casa por parte de seu marido.

Em “A hora da estrela”, Clarice Lispector utiliza a perspectiva do narrador para retratar a crise identitária de Macabéa e, em paralelo, os pensamentos do próprio narrador, que aos poucos revela sua própria crise. Diferente de Ponciá Vicêncio, a obra de Clarice Lispector utiliza uma narrativa linear para descrever a trajetória identitária de Macabéa. Porém, é possível perceber uma relação entre o uso de múltiplas perspectivas nos dois livros. “A hora da estrela” implementa os pensamentos reflexivos e de julgamento do narrador Rodrigo S.M. ao enredo, o que cria uma comparação no presente entre a situação dos dois personagens. Um impacto similar à multiperspectiva não linear das memórias intercaladas durante a narração de “Ponciá Vicêncio”. A técnica comparativa utilizada em ambas obras enfatizam o desenvolvimento identitário dos personagens em suas respectivas maneiras; enquanto as comparações em “Ponciá Vicêncio”, ocorrem em diferentes momentos na linha do tempo da família de Ponciá, a vida de Macabéa é comparada com os pensamentos e trajetória da personagem no presente. As duas obras, através de diferentes temas, demonstram o desenvolvimento da identidade de seus personagens com essas técnicas narrativas similares.

Ademais, Ponciá e Macabéa são profundamente retratadas em suas respectivas trajetórias. Macabéa representa a “vida primária”, de acordo com o autor, Rodrigo S.M. Mas, como leitores, podemos entender Macabéa como a representação de indivíduos diferenciados e marginalizados devido à classe social, características físicas ou psicológicas. Similarmente, Ponciá representa um grupo de indivíduos marginalizados, especificamente a comunidade negra e sua trajetória lidando com os

obstáculos e barreiras sociais que a estigmatizam. Apesar das diferenças de contexto e de trajetórias das duas personagens, ambas retratam o tema de identidade em meio às crises sociais em nosso país.

Ao longo de sua narrativa, Lispector descreve a falta de autoconhecimento, de sentido e de visão de vida de Macabéa. A personagem é sempre representada como uma pessoa sem emoção, sem consciência, sem uma vida, sem identidade. Porém, em meio a essa tribulação, a autora também destaca momentos que demonstram o desenvolvimento identitário da personagem. Quando Macabéa se sentiu feliz ao ver fogos de artifício; quando entendeu o sentido de amor ao namorar Olímpico; quando teve uma epifania após falar com uma cartomante e toma consciência de sua própria vida, felicidade e identidade momentos antes de morrer atropelada. Durante sua trajetória, observamos o desenvolvimento da identidade de Macabéa e de Rodrigo S.M., que gradualmente simpatiza com suas dúvidas e encontra sentido em sua própria identidade ao narrar o final da história de Macabéa.

Em sua história, Ponciá também desenvolve sua própria identidade através de suas experiências. Diferentemente de Macabéa, a trajetória de Ponciá é a de uma mulher negra e pobre, que migrou de uma comunidade rural para uma metrópole em busca de uma vida nova. No começo do livro e em flashbacks para o passado nota-se a identidade da protagonista e sua família antes de migrar. E, conforme o enredo progride, percebemos as mudanças de Ponciá após sua chegada à grande metrópole. Podemos percebê-las na sua nova visão sobre a feminilidade e também a transformação da perspectiva dela e de seu irmão sobre a hierarquia social e sobre o funcionamento da sociedade urbana. Isso contribui para a evolução da identidade de Ponciá e de sua família.

Em conclusão, utilizando técnicas literárias distintas, Lispector e Evaristo conseguem retratar a crise identitária de indivíduos marginalizados em nossa sociedade, independentemente de suas trajetórias. Por meio de suas obras, as autoras enfatizam essa realidade constantemente esquecida pela grande maioria da população. Quando analisamos “A hora de estrela”, “Ponciá

Vicêncio”, e outras obras que abordam o tema de identidade das mulheres brasileiras, percebemos que diversas pessoas, independentemente de sua comunidade, contexto, religião, raça, gênero ou qualquer outra característica, estão todas sujeitas a passarem por uma crise de identidade. No Brasil contemporâneo, é essencial compreender

a complexidade dessa situação. Como Ponciá e Macabéa, muitos indivíduos com diferentes trajetórias estão passando por crises identitárias. Ao entendermos essa realidade, nós, como membros de um país marginalizado e diverso, conseguiremos empatizar e auxiliar indivíduos com seu desenvolvimento identitário.

Relembrando o Pokémon GO

Pokémon GO se popularizou a partir de 2016 e continua fazendo muito sucesso, mesmo depois de tantos anos. Mas quais mecanismos ele usa e por que motivo continua sendo tão procurado?

OPokémon GO é um jogo de dinâmica muito simples: você deve capturar os pokémons e completar pesquisas de campo ao ar livre. Os pokémons são criaturas fictícias com poderes de diversos elementos da natureza. Esses pokémons podem aprender vários movimentos de diversos tipos, e são treinados para utilização em batalhas ou desafios que buscam conquistar insígnias de ginásios com o objetivo de vencer nos jogos oficiais. É como uma competição de esportes, mas daquele tipo em que a estratégia é muito mais valiosa do que o poder de cada jogador. A partir dessa premissa, criaram-se os primeiros jogos de pokémons, chamados Pokémon Red e Pokémon Green, lançados em 1996, e a primeira temporada da série de desenhos que surgiu no ano seguinte, em 1997.

Após anos de sucesso e de relançamentos, o Pokémon GO foi

Reprodução: Techtudo/Rafael Monteiro.

Reprodução: Notebook Check/Fawad Murtaza

lançado em 2016 em uma parceria da Nintendo e da Niantic para ser distribuído em celulares no Japão, sendo lançado em outros países do mundo logo em seguida. A Niantic é uma startup criada em 2010 pela Google/Alphabet Inc., mas que se tornou uma empresa in-

dependente a partir de 2015. A Niantic passou, então, a focar em jogos de realidade aumentada baseados em geolocalização, especialmente para celulares. Analisando a recepção do público, alguns acertos podem ser responsáveis pelo grande sucesso do Pokémon Go. Primeiramente, o jogo pode ser utilizado como um instrumento nostálgico para gerações nascidas nos anos 80 e 90, que tiveram conta-

FELIPE BIOLO TEFILLI

to com os primeiros lançamentos da franquia. No final da década de 90, as crianças e adolescentes da época acompanhavam as primeiras gerações de pokémons sendo lançadas anualmente na TV, instigando a criação de conteúdos em muitos outros formatos, como jogos, pelúcias, álbuns de figurinhas, fitas de vídeo, pôsteres. Além disso, o Pokémon GO pode ser utilizado como uma forma de motivação para a prática de atividades físicas, pois se baseia na movimentação e caminhada do jogador por um espaço físico geolocalizado através do celular, o que gera benefícios à saúde.

Além do incentivo à saúde, Pokémon GO também pode ser utilizado como forma de interação social, pois várias pessoas se reúnem para capturar pokémons lendários em determinados locais da cidade, o que abre espaço para até os mais tímidos interagirem a partir do jogo, por exemplo. Nas sessões de captura, os grupos de treinadores pokémon (como são denominados os usuários do jogo) conversam sobre temáticas relacionadas ao jogo, de conhecimento geral entre os fãs da franquia. Por fim, a mecânica e a jogabilidade de Pokémon GO também são diferentes dos outros jogos, pois permitem que os usuários tenham diferentes experiências além de só “eliminar os chefões” da narrativa audiovisual.

Outros benefícios indiretos também podem ser percebidos: o jogo incentiva seus usuários a visitarem lugares específicos de suas cidades, que são incorporados como “espaços” do jogo a partir da geolocalização promovida pela Niantic. São lugares tradicionais, mas também aqueles que as pessoas não visitariam com frequência se não fossem incentivadas pelos desafios do Pokémon GO.

A geolocalização do jogo é tão bem feita que o clima e as estações do ano do lugar em que se está jogando diversificam os tipos de pokémons que estarão disponíveis para a captura em determinadas regiões, dando uma dinamicidade aos cenários e fazendo com que o jogo seja uma experiência única em cada parte do mundo. Junto às missões e aos treinadores de níveis mais altos, cada jogador pode dominar “ginásios” e criar PokéStops próprios, fazendo com que o jogo tenha mecânicas que reproduzem o mundo real e que promovem novas experiências para cada usuário.

Reprodução: Tech Crunch/Greg Kumparak.

Dentre as diversas mecânicas da plataforma, as PokéStops são locais de parada nos quais o treinador está, que permitem aos treinadores coletarem itens importantes para o jogo, como pokébolas, ovos de pokémons, stardusts e poções necessárias para a saúde dos monstrinhos. As PokéStops são essenciais para que o jogador possa continuar capturando pokémons. Há, também, missões específicas, como chocar uma certa quantidade de ovos, evoluir uma certa quantidade de pokémons, ter um certo número de pokémons registrados na Pokédex (a enciclopédia que orienta e registra todas as gerações de pokémons). As recompensas podem ser desde a captura de um certo pokémon lendário até ganhar um certo número de pokébolas. Além disso, no Pokémon GO você também pode batalhar em ginásios contra pokémons de outros treinadores, e se conseguir ganhar dos jogadores mais fortes, poderá dominar o ginásio e assumir o posto de chefe do local.

As pesquisas de campo são tarefas dadas nas quais podemos receber recompensas em missões. As recompensas podem ser insígnias de diferentes tipos, pokébolas ou novos e raros pokémons que não são encontrados em campo, somente após a realização de determinadas missões. Tudo isso ajuda a explicar o sucesso do Pokémon GO, e a cereja do bolo é o fato de que o jogo é gratuito. Há itens que podem ser comprados para beneficiar a experiência do jogo, mas a jogabilidade não depende desses itens para uma experiência positiva e encantadora. Para quem está tentando encontrar uma experiência divertida ou aprender sobre um novo assunto, o Pokémon GO e o universo dos pokémons é uma boa alternativa.

A voz do silêncio grita mais alto

Koe no Katachi e representações de como o bullying afeta os outros no cinema

Koe no Katachi, também conhecido como A Voz do Silêncio, é um filme realizado em 2016, produzido pela Kyoto Animation e criado pelo artista e escritor Yoshitoki Ōima. O filme segue um menino chamado Shoya Ishida, um valentão que se tornou intimidado, e suas ações em relação a Shouko Nishimiya, sua ex-vítima surda. Embora a história possa parecer branda com base nesta breve descrição, na verdade é um filme cheio de belas metáforas e cenas, mostrando a doença mental em sua forma mais crua, e a natureza estrutural e coletiva do bullying.

Na 5ª série, Shoya intimida Shouko, junto com o resto da turma. Quando o bullying é descoberto, no entanto, a classe culpa apenas Shoya, ignorando os seus próprios papéis no bullying coletivo, a fim de empurrar a culpa para um bode expiatório fácil. Shoya então é intimidado implacavelmente, levando-o a desenvolver extrema ansiedade social, depressão e tendências suicidas. Shouko também desenvolve um estado mental semelhante, e eles se reencontram durante o último ano da escola. Shoya pede desculpas por seu comportamento quando criança, e Shouko aceita as desculpas. O restante do filme são suas experiências com seus estados mentais prejudicados, suas conciliações com antigos colegas e a suas trajetórias de cura das experiências pelas quais ambos passaram.

A representação de doenças mentais, como depressão e ansiedade, em A Voz do Silêncio é realmente o que torna o filme popular entre o público adolescente. A depressão, como doença, é deturpada e romantizada pela mídia, enaltecendo aqueles que tem sintomas mais toleráveis, como a melancolia constante, e condenando aqueles que apresentam sintomas menos palatáveis, como a falta de higiene. Em A Voz do Silêncio, a doença em toda

Reprodução: A Voz do Silêncio, 2016.

a sua terrível glória é apresentada como uma parte humana e aceitável dos personagens principais. Esta representação é crucial no mundo de hoje para conscientização sobre as diferentes necessidades e exigências que as pessoas com depressão e ansiedade podem ter e para desestigmatizar a doença para o público em geral.

As imagens associadas ao filme A Voz do Silêncio são icônicas na representação visual do que os personagens principais sofrem, e a sua singularidade proporciona uma experiência que só pode ser vista neste filme. Shoya é incapaz de olhar nos olhos de seus colegas, e isso é representado cruzando o rosto das outras pessoas com um X azul sempre que o colega for alguém que Shoya não confia ou não conhece. A cinematografia quando Shoya está presente é sempre um pouco abaixada, pois ele sempre olha para baixo ao falar para evitar o contato visual. As cenas de Shouko, por contraste, são sempre mais silenciosas e nunca retratam alguém que não seja da família imediata, para representar o isolamento que ela sente como uma pessoa surda em um mundo ouvinte e como vítima de bullying físico e emocional. A maior parte da cinematografia gira em torno do cenário, já que nem Shouko nem Shoya se sentem confortáveis o suficiente perto

Reprodução: A Voz do Silêncio, 2016.

Reprodução: A Voz do Silêncio, 2016.

de outras pessoas para observá-las por um longo período. No geral, as imagens e a cinematografia de A Voz do Silêncio são únicas e ajudam a contar a história desses dois adolescentes perturbados de uma forma mais indireta.

Tanto Shouko quanto Shoya são suicidas e, por meio disso, o filme consegue explorar os temas do suicídio de uma forma que não adoça ou amolece a verdade sobre o assunto. Shoya tenta se matar nos primeiros cinco minutos do filme, enquanto Shouko faz um paralelo ao tentar tirar a própria vida nos últimos cinco minutos do filme. Suas tentativas de suicídio nunca são usadas para comédia ou retratadas como egoístas, e os efeitos da tentativa inicial de Shoya o acompanham constantemente ao longo do filme.

A história mostra o impacto da amizade e da compreensão para alguém que está mentalmente doente, enfatizando o fato que Shoya lentamente se torna mais feliz consigo mesmo ao longo da história com a ajuda de Shouko e de seu outro amigo, Nagatsuka. Através dessas conexões, Shoya aprende como ficar menos sozinho. Shouko, no entanto, nunca consegue estabelecer essas conexões e chega ao ponto de tentar cometer suicídio no final do filme. O filme é muito realista ao retratar os temas do suicídio e da doença mental em adolescentes, o que torna o processo de assistir à obra lindo, comovente e definitivamente uma visão recomendada.

Hollywood não entende os latinos

Filmes populares reproduzem horríveis e prejudiciais estereótipos latino-americanos, todos replicados ao extremo em múltiplas mídias.

Hollywood adora estereótipos, especialmente de pessoas latino-americanas. Desde os primeiros filmes criados, pessoas latinas eram representadas de um jeito inapropriado e satirizado, mostrando perspectivas ofensivas e equivocadas. Constantemente, atores latinos são informados de que os diretores e produtores não buscam diversidade no papel ao qual se candidatam, fazendo-os recorrer a imagens nocivas. A atriz America Ferrera, de origem hondurenha, disse em palestra do TED que “[...] sempre que eu tentava

conseguir um papel que não fosse um estereótipo mal escrito, eu ouvia: ‘Não estamos querendo escalar esse papel de forma diversa’. Ou: ‘Nós a amamos, mas ela é muito especificamente étnica’.”

Ferrera não estava sozinha. As categorias a seguir apresentam uma análise breve dos estereótipos mais comuns usados em filmes contemporâneos, que mostram a dimensão do problema.

O idiota: Nos filmes da Marvel que exploram a história do Homem Formiga, o melhor amigo de Scott Lang (personagem central) é um homem do

Reprodução: Homem Formiga/Marvel.

México, chamado Luis. Os dois se conheceram na prisão onde Luis foi preso depois de ter tentado roubar duas máquinas de smoothies.

Ele é retratado como um homem idiota, incapaz de fazer serviços básicos ou de entender o mundo ao seu redor. Seu papel como personagem é puramente ser uma fonte de comédia, não tendo mais nenhum propósito ou substância. Ele é usado como uma fonte de alívio cômico devido à sua falta de inteligência.

As cenas em que ele é retratado terminam quase sempre da mesma maneira. Ele faz uma pergunta simples e direta, mas rapidamente se desvia do assunto e acaba piorando a situação em que se encontra. Além disso, uma de suas maiores características como personagem é o fato de que, quando era muito jovem, seus pais foram deportados da América, um contexto extremamente problemático e ofensivo usado na maioria dos personagens latino-americanos. Esse perfil pode ser visto em outras obras recentes, como La Casa de mi Padre (2012), Nacho Libre: Tudo pela Crianças (2006) e A Lenda de Zorro (2005).

A mulher hipersexualizada: O famoso e premiado seriado Modern Family da ABC segue uma família por vários anos. Uma das integrantes da

Reprodução: Fotos de promoção Modern Family/ABC.

família é uma mulher colombiana chamada Gloria, ela acabou de entrar na família dos Pritchetts, sendo a nova esposa de Jay Pritchett.

Gloria é a mulher que todos os personagens acham bonita e sexy, muitos deles insinuando possíveis relações íntimas com ela. O jeito com que a personagem se veste tem o claro intuito de torná-la provocativa para a audiência, transformando muitas das cenas em que ela aparece excessivamente hipersexualizadas.

Ela é retratada como um tipo de femme fatale, muitas vezes parecendo difícil de conquistar ou como uma mulher difícil de lidar. Ela é frequentemente vista tirando ou mexendo nas roupas ou, até mesmo, retirando objetos do sutiã, além de receber comentários inapropriados sobre seu corpo em diversos episódios. Esse perfil pode ser visto em outras obras hollywoodianas, como Devious Maids (2013-2016), Reviravolta (1997) e Baywatch: S.O.S. Malibu (2017).

O criminoso: Provavelmente um dos papéis mais famosos de Al Pacino, Tony Montana é um homem cubano que se refugiou na Flórida depois de ser rotulado como prisioneiro político. Rapidamente, ele abre caminho através do império das drogas com força implacável.

Reprodução: Scarface/Universal Pictures.

O personagem é visto como um homem violento e sexualizado, que não demonstra remorso quando se trata de conseguir o que quer. O aspecto dele ser um traficante, seguido por outros refugiados cubanos acentua o estereótipo de que todos os refugiados, especialmente os que vêm da América Latina, são criminosos.

Não só o ator Al Pacino não é latino-americano, mas o elenco e os escritores também não são. Tudo

isso contribui para o estereótipo racista, desviando o filme de algo que poderia explorar traumas geracionais, mas que, em vez disso, cria uma saturação ofensiva. Esse perfil pode ser visto em outras obras, como Trem-Bala (2022), Velozes e Furiosos (20012023) e Machete (2010-2013).

Devido à grande concentração de imagens estereotipadas provenientes da América, naturalmente os cidadãos dos Estados Unidos estão predispostos a uma supervalorização dessas ideias preconceituosas. Essas

ideias entram na política e são refletidas na vida cotidiana das pessoas. Desde 2016, os crimes de ódio contra os latino-americanos só cresceram e, em 2021, atingiram o seu pico, com mais de 9.000 vítimas de violência física.

Estes estereótipos são prejudiciais, visto que são humilhantes, perigosos e repulsivos. Uma boa representação da comunidade dos povos latino-americanos é algo que falta em Hollywood há décadas. Essa lacuna faz com que as crianças latino-a-

mericanas, boa parte do público dos filmes dessa origem, não só deixem de se reconhecer nas telas, mas também pensem que algumas dessas narrativas são o único caminho possível para sua autoimagem.

Esses estereótipos se tornaram algo tão comum que, quando um americano conhece uma pessoa latina, as visões preconceituosas vêm à sua mente. Essas crenças vêm do medo e da falta de conhecimento, algo que pode ser alcançado com a retirada desses retratos ofensivos.

A Constituição Cidadã e a constituição de uma cidadã

Uma análise da obra “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, à luz da Constituição Federal de 1988.

AHora da estrela é uma extraordinária crítica social em formato literário, publicada 10 anos antes da criação da Constituição de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”. Esta última é chamada assim porque reconheceu e garantiu os direitos individuais e sociais mais do que qualquer outra constituição na história brasileira. O Senador Ulysses Guimarães fez um grande esforço para esta constituição ser estabelecida, o que finalmente aconteceu depois de um longo período de controle e repressão das expressões populares devido à ditadura militar. Assim como Macabéa, a sociedade brasileira “não sabia o que ela era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro”, e nasceu “como herança do sertão, de maus antecedentes” (p. 36). A Constituição conseguiu vencer a opressão de sua origem para garan-

tir a proteção dos direitos fundamentais de toda e qualquer pessoa, estabelecer de forma clara que todos somos iguais e restaurar o conceito de cidadania como uma das bases do Estado democrático de direito.

Mas, afinal, o que é cidadania? Cidadania é um conjunto de direitos e deveres que permitem que muitas pessoas diferentes possam pertencer e conviver em sociedade. Ser cidadão é mais do que simplesmente ter direitos: é ter consciência destes direitos (à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade) e da responsabilidade de fazer a sua parte para que a estrutura funcione. É responsabilizar-se também pelo bem-estar do outro, procurando garantir que todos possuam o mínimo de dignidade e possam acreditar em seus sonhos de vida.

ANA CLARA ALVAREZ LUZ

Macabéa, protagonista da obra literária, é exatamente o oposto disto. De acordo com o livro, “Ela vive num limbo impessoal, sem alcançar o pior nem o melhor. Ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando. Na verdade - para que mais do que isto? O seu viver é ralo” (p. 32). Vemos, assim, que Macabéa representa as pessoas invisíveis, que fazem parte da sociedade sem que nós nos demos conta da sua presença e das suas necessidades. São indivíduos alienados e esquecidos, esmagados pela pressão dos grandes centros urbanos, como um “parafuso dispensável”, (p. 38) sem esperança de um futuro melhor. São violados, ao mesmo tempo, tanto seus direitos individuais quanto os coletivos que a Constituição garante. Macabéa é muda, passiva e indefesa, incapaz de lutar por direitos que nem percebe ter. O quinto artigo da Constituição, por exemplo, garante o direito à vida. Mas que vida?

Clarice Lispector mostra que a condição de pobre, nordestina e ignorante faz com que Macabéa enfrente a sociedade fria e consumista das grandes metrópoles. Mas, ainda mais grave é que ela não sofre apenas pelos males de todo mundo, pois além disso, ela sofre também por ser mulher. No início do artigo 5º, a Constituição garante que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Entretanto, mesmo que seu namorado Olímpico compartilhe com Macabéa as mesmas condições sociais na história, ser homem dá a ele um nível maior de credibilidade e superioridade, mesmo entre os marginalizados. Ele não é apresentado pela autora como alguém completamente excluído da sociedade, como Macabéa é. Ao contrário, Olímpico representa a própria violência sofrida por ela em razão da sua condição feminina. No entanto, Macabéa reúne em sua torturante história de vida todas as fragilidades que a Constituição veio para acolher e proteger. No artigo 6º, estão listados os direitos sociais: educação, saúde, trabalho, lazer, proteção à maternidade e à infância, e também a assistência aos desamparados. Ela não teve acesso a nenhum deles.

A Constituição é clara, mas somos nós que devemos nos comprometer a cumpri-la. O ato da ci-

dadania exige compromisso social. Não podemos viver em uma sociedade em que apenas na morte as pessoas venham a receber reconhecimento, “ pois na hora da morte a pessoa torna-se brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como no canto coral se ouvem agudos sibilantes ” (p. 37). A morte de Macabéa não pode ser o ponto alto de sua história. O ser humano não pode viver somente para esperar a hora de morrer como se fosse um elemento passivo, sem direito a governar o seu próprio destino e sem direito ao reconhecimento de sua identidade no mundo.

Infelizmente, 48 anos depois, a crítica de Clarice ainda é vergonhosamente válida. Agora, portanto, a responsabilidade da nossa geração é acabar com isso. O Estado, como nosso representante, deve ser responsável por políticas que garantam que o Brasil da Constituição cidadã seja o Brasil da cidadania. Podemos e devemos lutar por uma sociedade onde Macabéa seja somente uma personagem ultrapassada de uma sociedade injusta que não existe mais.

Reprodução: “A hora da estrela”, Editora Rocco.

Pizza americana ou pizza italiana?

AGrandes diferenças separam dois estilos de pizza mundialmente conhecidos, mas qual delas é a melhor?

pizza teve sua origem em Nápoles, na Itália, e alcançou popularidade mundial com diversas variações. Nápoles já havia sido habitada pelos gregos em 600 a.C. e, eventualmente, passou a ser habitada densamente por trabalhadores de classe baixa que precisavam comer. Logo, os vendedores começaram a vender pães achatados com toppings, como molho de tomate.

Em 1889, o rei e a rainha de Itália visitaram Nápoles e foram comer o que era uma das variedades de pizza. A rainha estava entediada das suas dietas francesas e queria algo novo, e foi oferecida a ela uma pizza com queijo, tomate e manjericão verde. A rainha, Margherita de Sabóia, gostou tanto da novidade que deu seu nome à pizza, que é conhecida até hoje como margherita Entretanto, a popularidade pelo mundo causou uma disputa entre as duas variações principais do mesmo prato. Essas duas variações consistem na pizza americana e na pizza italiana. Mesmo sendo o mesmo alimento, ambos estilos de pizza possuem diferenças na massa, no molho, no queijo e até mesmo na cobertura.

Uma distinção entre a pizza americana e a pizza italiana são

as massas, pois a massa da pizza americana é mais grossa, enquanto a massa da pizza italiana é mais fina e crocante. Além disso, a massa italiana é feita com bastante cuidado, sendo deixada ao ar por 72 horas antes de ser utilizada. Outra diferença entre elas é o molho de tomate. O molho da americana é feito de tomates cozidos, enquanto o molho da italiana é feito de purê de tomates frescos. A massa da pizza italiana é feita com farinha OO, que contribui para a finura da massa, enquanto a massa da pizza americana pode ser feita com qualquer tipo de farinha. Além disso, o preparo da pizza italiana é feito no fogão à lenha ou em um forno de pedra, enquanto a americana é feita em um fogão convencional ou, até mesmo, em forno elétrico.

Tanto os Estados Unidos quanto a Itália possuem diversos tipos de pizza em suas regiões. Nos Estados Unidos, podemos encontrar a New York style pizza, a Chicago deep dish, a Detroit style pizza, a Buffalo pizza, a Philly tomato pie, a New Heaven, a South philladelphian, a Colorado, entre outras. Já na Itália, é comum nos depararmos com as tradicionais pizza napoletana, pizza al Tagilo, pizza siciliana, pizza gormet, pizza romana tonda, pizza frita,

pizza alla Pala, e também uma variação popularizada no mundo todo, o calzone. Há diversas diferenças entre as pizzas preparadas na América e na Europa. As pizzas italianas têm a tendência de serem mais finas enquanto as pizzas americanas têm mais crocância. O estilo americano possui mais queijo e a massa é um pouco mais grossa, ressaltando os sabores das coberturas. Porém, a pizza italiana é mais leve e feita com ingredientes mais simples, focando seu sabor na massa, o que faz com que muitos prefiram o sabor e leveza da pizza italiana e seus acompanhamentos, como azeite de oliva, por exemplo. A simplicidade dos sabores da pizza italiana é um ponto interessante, pois algumas combinações americanas adicionam tantos ingredientes que podem não combinar muito bem com pizza, como o abacaxi, mas que podem agradar paladares mais adocicados.

E você, qual seu tipo de pizza preferida?

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A presença do lobbying no futebol brasileiro

O agenciamento de sete jogadores da seleção pelo empresário Giuliano Bertolucci gera preocupações sobre o futuro do esporte no país.

HENRIQUE DE ALBUQUERQUE VIEIRA PANDOLFO

Asegunda convocação do técnico Fernando Diniz para a seleção brasileira levantou suspeitas de lobbying e relações empresariais que podem afetar o resto do esporte no Brasil. Sete jogadores agenciados pelo empresário Giuliano Bertolucci foram chamados, levantando questões sobre o papel das agências e empresários na formação das seleções e o desenvolvimento de uma cultura de lobbying.

O futebol brasileiro, rico e mundialmente conhecido por seus talentos, sempre foi alvo de empresários em busca de promessas esportivas e novos “craques” do futebol. O lobbying no futebol não é um fenômeno novo, mas a concentração de jogadores agenciados pelo mesmo empresário, que também representa o treinador da seleção brasileira, Fernando Diniz, levanta bandeiras vermelhas.

Bertolucci é um empresário influente no mundo do futebol, conhecido por negociar patrocínios e transferências milionárias de jogadores para clubes europeus. A presença de Diniz e tantos atletas que são clientes de Bertolucci na seleção brasileira

sugere uma possível influência sobre as escolhas do técnico.

A convocação para a seleção brasileira, inicialmente baseada em méritos esportivos, foi comprometida pela polêmica escolha temporária de Diniz como treinador, que também teve forte influência de lobbying. Na busca por um novo técnico, ex-jogadores como Kaká, Cafu e Ronaldo Fenômeno apoiaram Carlo Ancelotti, atual treinador do Real Madrid.

A sugestão e influência desses jogadores para a contratação de Ancelotti refletem claramente o conceito de lobby, destacando uma pressão baseada em sua história conjunta com tais jogadores no Milan, da Itália. Esse ato pode ser interpretado como uma forma de retribuição a alguém por quem têm grande estima.

A contratação de Ancelotti, pode trazer grandes benefícios a seleção brasileira, mas influências pessoais no futebol podem prejudicar equipes ao priorizar interesses individuais em detrimento do sucesso da equipe.

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Lobby no futebol brasileiro é um fenômeno terrível que pode gerar problemas sistêmicos. Esses exemplos não são apenas influentes para o futebol brasileiro, mas para o mundo. Se não for exposto o seu impacto dentro e fora de campo, o lobbying se tornará um processo cada vez mais ocorrente, e, aos poucos, deteriorará o esporte.

Consequentemente, o lobbying torna o dinheiro cada vez mais central em campo. A simplicidade e leveza passam a ser substituídas pelo interesse monetário de empresários, prejudicando a originalidade do jogo. Aos poucos, o esporte fica cada vez mais entediante para os telespectadores. Portanto, se essa prática permanecer, o número de espectadores pode diminuir cada vez mais e o futebol se encaminhará para o seu fim como o grande esporte das massas.

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No contexto atual, a crescente influência do lobbying e interesses financeiros ameaçam a autenticidade do futebol, transformando-o em um mero jogo de ganância. É crucial devolver o poder aos jogadores e técnicos talentosos, rejeitando os excessos do capitalismo, para preservar a integridade do futebol e garantir sua continuidade como fonte de inspiração, união e diversão para

as futuras gerações no Brasil.

Até a data atual de 19 de fevereiro de 2024, o período de Fernando Diniz como técnico da seleção brasileira chegou ao fim. Após uma série de derrotas, inclusive para as seleções da Argentina e Colômbia, Diniz foi removido do cargo.

Seu sucessor é Dorival, que ganhou destaque ao conduzir o São Paulo a vitórias na prestigiosa Copa do Brasil em 2023. O São Paulo, inicialmente considerado um “azarão”, surpreendeu ao se tornar vencedor, despertando o interesse de vários clubes e seleções no técnico Dorival Jr. Apesar das conquistas de Abel Ferreira, o atual técnico do Palmeiras, que foi alvo de críticas por alguns in-

ternautas e pela mídia, a escolha da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) recaiu sobre Dorival Jr. devido à sua nacionalidade brasileira, em contraste com a origem portuguesa de Abel.

No que diz respeito a situação de Ancelotti, a contratação dele se tornou um mistério, já que a previsão da CBF era tê-lo no meio do ano de 2024. No entanto, no final de 2023, ele renovou seu contrato com o Real Madrid até 2026, deixando muitos torcedores brasileiros inquietos e confusos. A negociação da CBF com Ancelotti parece estar parada e sem muitos avanços, portanto, o Brasil continuará com Dorival Jr. como seu técnico até possíveis avanços nas negociações.

A problemática europeização do futebol brasileiro

Com o futebol cada vez mais europeizado, a essência do futebol brasileiro se perde, e a posição dos torcedores em relação às seleções europeias se inferioriza.

O“complexo de vira-lata”, conceito criado por Nelson Rodrigues durante a década de 1950, detalhou como se configura o sentimento de inferioridade dos brasileiros em relação ao resto do mundo, especialmente no futebol. A valorização do futebol brasileiro começou somente em 1958, após a primeira Copa do Mundo conquistada pela seleção. Durante essa época, os clubes e torcedores do Brasil valorizavam seus jogadores e os mantinham, tornando a liga brasileira, para

muitos, a melhor liga do mundo na década de 60. Hoje em dia, a seleção parou de impor respeito e medo aos seus oponentes e todos os jovens talentos brasileiros estão indo para a Europa, enquanto jogadores internacionais, próximos da aposentadoria, estão chegando ao Brasil. Em certo ponto, a seleção estava à procura de técnicos do exterior. A europeização tem tudo para remover a essência do futebol brasileiro, e infelizmente está cada vez mais próximo de se tornar realidade.

ROBERTO TORRES MACHADO BILIBIO

De acordo com o “complexo vira-lata” estabelecido por Nelson Rodrigues antes do primeiro título mundial da seleção, os brasileiros se sentiam inferior ao resto do mundo, sobretudo no futebol. Porém, isso se devia muito pelo fato de que o Brasil não se havia consolidado como uma nação vencedora no esporte. Após seus triunfos nas Copas do Mundo, pode-se dizer que fomos de vira-latas para gênios.

Recentemente, estamos vendo o oposto do nosso futebol. O Brasil não conquista uma Copa do Mundo desde 2002, que pode ser considerada como uma das últimas vezes que vimos a essência do futebol brasileiro, o “jogar bonito”, nos gramados. Hoje, presenciamos uma seleção que sofre para se classificar para o mundial, e as esperanças de um futuro melhor para os torcedores parecem cada vez mais distantes.

Diversas das qualidades que vimos nas seleções brasileiras vencedoras dos mundiais estão se

perdendo no futebol como todo. Era possível ver a paixão que cada jogador tinha pelo esporte e pelo estilo brasileiro de se jogar, divertindo-se. Esse era o diferencial entre o europeu e o brasileiro, o perdedor e o campeão. Infelizmente, o dinheiro tomou conta do futebol. Incríveis talentos que saem da base brasileira acabam se influenciando muito pelo dinheiro e vão para clubes europeus sem pensar duas vezes. Claro, é difícil de julgar esses jogadores por optarem jogar em campeonatos mais competitivos em que podem atrair atenção mundial e ganhar muito dinheiro, mas isso é algo que prejudica muito a liga brasileira. E esses efeitos negativos não se limitam apenas à liga brasileira, mas também afetam a seleção. Sob o comando de técnicos europeus, as jovens promessas acabam se afastando do jeito que mais sabem jogar, e adotam o estilo europeu em que os jogadores se restringem a suas posições específicas e passam a bola tentando achar espaço sem criatividade.

Após a saída de Tite como técnico da seleção brasileira, Fernando Diniz tornou-se interino, ocupando o cargo até a chegada do próximo treinador. Porém, a CBF tentou de tudo para trazer Carlo Ancelotti, italiano comandante do Real Madrid. A chegada de Ancelotti ao comando da seleção seria algo histórico, pois somente três outros técnicos estrangeiros ocuparam esse cargo. Acabou que, mesmo não vindo, a federação acabou envergonhando-se pois anunciou que havia um acordo entre eles e o técnico, que foi prontamente descartado pelo italiano.

Reprodução: Valor Econômico/Petr David Josek.
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Muito se especulava sobre a possível chegada do treinador italiano, e muitos brasileiros contestavam a ideia de um treinador europeu comandando a seleção do Brasil. Essas preocupações se baseavam no medo de que Ancelotti podia trazer para a seleção um jeito europeu de se jogar, que é justamente o problema que o futebol brasileiro está enfrentando atualmente.

Seria muito importante que uma solução ou medida pudesse ser tomada para lidar com esse gran-

de problema que a seleção brasileira enfrenta nesse momento, mas é difícil de imaginar que isso ocorra tão cedo. Os problemas anteriormente listados são alguns dos fatores relacionados à europeização do futebol brasileiro, que está acabando com a essência do estilo de jogo que tanto vimos nas seleções do Brasil ao longo dos anos. Infelizmente, esse processo é inevitável e cria a realidade difícil de se engolir de que o Brasil não invoca medo em quase nenhuma seleção europeia no momento.

O fim do futebol que conhecemos

Seria a tecnologia do VAR uma implementação positiva ou negativa ao futebol mundial?

OVAR, Vide o Assistant Referee ou Árbitro Assistente de Vídeo, é uma ferramenta tecnológica desenvolvida para auxiliar e legitimar as decisões tomadas pelos árbitros durante as partidas. Sua implementação no Brasil foi notavelmente rápida em comparação com outras ligas, como a Premier League, e tem sido amplamente utilizada desde então. O objetivo principal do VAR é minimizar erros e maximizar a eficiência das decisões da arbitragem. Entretanto, o VAR ainda depende da interpretação dos árbitros, o que pode gerar conflitos, uma vez que cada árbitro pode ter sua própria interpretação das jogadas, levando a decisões divergentes. Ainda assim, a proposta fundamental do VAR é justamente reduzir tais erros e garantir uma arbitragem mais precisa e consistente ao longo das partidas.

O lema do VAR, “Mínima interferência, máxima eficiência”, foi muito cativante para os fãs e amantes do futebol, pois sugeria uma forma de aprimorar e revolucionar o esporte. Em alguns aspectos, o VAR realmente trouxe benefícios para esse esporte tão amado. A implementação do VAR no futebol trouxe expectativas elevadas para melhorar a precisão das decisões. A empolgação

inicial da arbitragem, especialmente do Chefe de Arbitragem da CBF, Leonardo Gaciba, em 2019, refletiu a redução significativa de erros capitais no Brasileirão em comparação com temporadas anteriores.

No entanto, a eficácia do VAR foi questionada meses depois, especialmente em lances controversos não verificados, como o “agarrão” de um jogador do

Reprodução: Premiere League.

São Paulo em um atleta do Palmeiras. A omissão do VAR nesses casos gerou controvérsias, evidenciando lacunas na aplicação da tecnologia para sua finalidade principal. A frase “máxima eficiência” não foi atendida em situações críticas como essa, levando muitos a defenderem a utilização mais consistente do VAR em incidentes graves. A tecnologia, quando não acionada corretamente, compromete sua credibilidade e propósito no aprimoramento das decisões arbitrais no futebol.

Por outro lado, torcedores nas redes sociais expressam insatisfação com outra questão: o tempo. Um estudo da Globo Esporte mostrou que um jogo com VAR geralmente tem um acréscimo médio de 3 minutos. Embora possa parecer insignificante, o padrão internacional é de um minuto. Essa interrupção interfere no ritmo do jogo, desviando os torcedores do calor da partida e deixando-os parados por um período sem ver seu time

em ação. Tal espera, em muitos casos, resulta em frustrações, já que muitos pagaram para assistir ao seu time jogar futebol e não para testemunhar um “show” da arbitragem.

No entanto, esse debate sobre o tempo mínimo gasto em intervenções válidas é complexo. Torcedores reclamam quando lances não são revisados, mas quando os árbitros realmente se dedicam para revisar jogadas controversas, são criticados por consumirem muito tempo. De certa perspectiva, os torcedores podem ser excessivamente críticos. No entanto, a promessa inicial do VAR é de “mínima interferência, máxima eficiência”, e isso deve ser levado em consideração para o cumprimento dessa premissa.

O VAR influenciou a dinâmica do futebol. Torcedores afirmam que ele retira a naturalidade ao gerar incerteza sobre a confirmação de um gol, desmotivando os torcedores ao transformar a emoção do gol em expectativa.

Isso pode minar a espontaneidade e o encanto do esporte. Por outro lado, há quem veja o VAR como estimulante, oferecendo chances extras para faltas ou pênaltis antes difíceis de serem assinalados, aumentando o interesse do público. A espera pela revisão também cria ansiedade, intensificando a emoção e incentivando o público a acompanhar mais de perto as partidas.

O VAR está se tornando um tema cada vez mais recorrente no mundo do futebol, gerando diversas controvérsias. Torcedores ao redor do mundo ainda estão ponderando sobre a importância do VAR no futebol e se seus benefícios superam os problemas que ocasionalmente causa. O VAR, de fato, oferece uma forma mais eficaz de os árbitros analisarem o jogo. Contudo, restrições ao seu uso apenas em jogos de grande importância e com limites de tempo poderia assegurar que o VAR seja empregado de acordo com a sua propaganda original.

Por que a Fórmula 1 é esporte?

Muitas pessoas consideram a Fórmula 1 como uma modalidade não esportiva. Será que estão certas?

FELIPE VOLPE ERVALHO

Quando as pessoas pensam em esporte pensam em futebol, vôlei, basquete. Esportes que requerem movimentar o corpo, como correr, pular. Poucos consideram a Fórmula 1. Geralmente imaginam que se resume a correr em círculos, e que não requer nenhum esforço físico. Mas

pelo contrário, requer muito condicionamento, até mais que em alguns outros esportes. As pessoas esquecem ou nem sabem de todo o preparo físico que é necessário para se tornar um piloto. Além disso, não podemos esquecer dos climas extremos que os pilotos enfrentam em certas corridas.

De acordo com o site Porto Seguro, o treino físico dos pilotos é muito focado em resistência e aeróbico. A fim de preparar o pulmão e a respiração para os efeitos da força G, que pode chegar a 5 g em uma curva a mais de 300 km/h. Força G é uma medida de aceleração que sentimos por causa da gravidade. Eles se preparam para não desmaiar, um dos efeitos da força G no corpo humano, e, assim, evitar acidentes na pista Também treinam o fortalecimento do pescoço o rápido frear e acelerar que realizam pode ferir o pescoço se a musculatura não estiver bem preparada. Os pilotos não treinam para ganho de força, mas simpara evitar acidentes e minimizar os seus danos.

Além disso, não podemos ignorar a temperatura extrema que os pilotos enfrentam nas corridas. De acordo com a GE da Globo, no dia 23 de abril de 2005 em Bahrein, ocorreu a corrida mais quente da história da Fórmula 1. Foi registrada uma temperatura extrema de 42.6 graus, e com o uniforme de corrida a temperatura do corpo ficava ainda mais alta, variando para cada piloto. Nesse dia, a temperatura do asfalto chegou a atingir 56 graus celsius.

A corrida mais quente de todo campeonato da Fórmula 1 ocorre em Abu Dhabi, que sempre ocorre em novembro e é realizada pela noite por conta do calor extremo. Mesmo à noite, a temperatura chega a atingir os 30 graus. Não podemos esquecer que o motor é localizado na traseira do carro, então o piloto também sente o calor do motor nas suas costas.De acordo com a revista Razão Automóvel, os pilotos de Fórmula 1 perdem em média 4 kg de líquido corporal por corrida, que é cerca de 5% do peso total dos pilotos. A quantidade de líquido que perdem varia bastante, dependendo muito da temperatura e da umidade do local. Se for mais úmido, eles têm mais chance de perder mais peso em liquido. Também depende do piloto, pois alguns são mais afetados pelo calor que outros. Os pilotos têm que se preparar para lidar com o suor, garantindo que o suor não afete seu desempenho e não atrapalhe sua visão. Em Fórmula 1 cada segundo é importante. Um piloto pode perder uma corrida por causa de 0.082 segundos. Então tudo deve ser perfeito pelas duas horas de corrida, sem que haja distrações para o piloto.Não

Reprodução: FIA/Divulgação.

podemos esquecer a quantidade de acidentes que ocorrem nas corridas e nem as fatalidades que a Fórmula 1 já teve. De acordo com a ESPN Brasil desde 1952, 46 pilotos faleceram nas pistas., sendo um deles o maior piloto brasileiro, o Ayrton Senna.

Ayrton Senna foi considerado o Pelé do automobilismo. Vários brasileiros acordavam cedo só para vê-lo correr. Ele foi uma lenda única no Brasil, mas não eram só os brasileiros que gostavam dele. Senna pilotou na equipe da McLaren por 6 temporadas, de 1988 a 1993. Ele foi tricampeão da equipe britânica, por esse motivo os ingleses o adoravam. Naquela época, a McLaren usava motores da Honda, que é japonesa, então ele também era adorado entre os japoneses. O mundo inteiro o via como um ídolo; na chuva ninguém o alcançava. Tanto que, em 2014, a Ducati, uma marca italiana de motos, lançou um modelo chamado “Ducati Senna”. Foram fabricadas 161 motos desse modelo para representar cada corrida que o Senna correu. Esse modelo foi lançado só para o mercado brasileiro, com um valor de R$100 mil.

Esse exemplo demonstra que a Fórmula 1, não é apenas uma corrida de carros, mas sim um esporte que reúne gente do mundo inteiro para assistir. Cada um torce pela sua equipe favorita e seu piloto favorito. Entretanto, é um esporte elitizado e pouco acessível pois é muito caro e só 20 pilotos do mundo inteiro conseguem participar. Então sim, considerando todos os pontos discutidos neste artigo, a Fórmula 1 é um esporte.

Capa: Geisson Hömrich

Projeto gráfico e diagramação: Niura Fernanda

Revisão: Isabella Morais

Gráfica: IDEOGRAF Gráfica e Editora Ltda

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