Revista PRIMAZ - 8ª edição

Page 1

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

A revista da Arquidiocese de São Salvador da Bahia

Santa Dulce dos Pobres, rogai por nós! (2 Sm 13)

Em edição especial, a REVISTA PRIMAZ destaca o amor e a missão da primeira santa brasileira desta época. 1

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020


Foto: Daniela Andrade

CAPELA SAGRADA FAMÍLIA CONFISSÃO E DIREÇÃO ESPIRITUAL

MISSAS Domingo, às 7h e às 18h Segunda-feira, às 7h Terça-feira, às 7h Quarta-feira, às 7h Quinta-feira, às 7h e às 11h Sexta-feira, às 7h e às 12h Sábado, às 7h

ADORAÇÃO AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Sexta-feira após a Missa das 7h

Quinta-feira, às 9h

*Para a direção espiritual é necessário agendar através do telefone (71) 4009-6612 ou pelo Whatsapp (71) 99179-0648

SECRETARIA

2

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

Segunda a sexta-feira das 8h às 12h e das 13h às 17h


Sumário 10

Entrevista

5

Palavra do Pastor

Santa Dulce dos Pobres: dom do Espírito Santo

Confira entrevista realizada com Irmã Dulce, em 1987: “É questão de fé; se a gente não tem fé, não consegue nada; é com fé, confiando, que se consegue tudo”.

16

Canonização

14

Artigo

Santidade com foco na vida eterna

24

Missão

Saiba mais sobre o caráter missionário da Santa que dedicou a vida no cuidado aos mais pobres

30

Filhos de Irmã Dulce

Meninos e meninas, hoje adultos, encontraram no Anjo Bom da Bahia o carinho e o amor maternal

Em Roma ou em Salvador, canonização do Anjo Bom da Bahia foi celebrada com alegria e festa

28

Legado de amor

Com as portas abertas, Obras Sociais Irmã Dulce (OSID) atendem, anualmente, milhares de pessoas

32

Graças

Por e-mail, carta ou pessoalmente, devotos relatam graças alcançadas por intercessão da Santa Dulce dos Pobres

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

3


Editorial

Sara Gomes Jornalista

Expediente A Revista PRIMAZ é uma publicação da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, produzida pela Pastoral da Comunicação (Pascom). Arcebispo Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, scj. Bispos Auxiliares Dom Marco Eugênio Galrão Leite de Almeida Dom Estevam dos Santos Silva Filho Dom Hélio Pereira dos Santos Assistente eclesiástico da Pascom Padre Valter Ruy Cordeiro Gonzaga Jornalista Responsável Sara Gomes (DRT/BA 3757) Estagiários da Pascom Élder Silva Emilly Lima Redação Sara Gomes Emilly Lima Edição Sara Gomes Revisão Marize Pitta Diagramação Agência Hesed Impressão Gráfica XColorum Imagens Inteligentes Periodicidade Trimestral Tiragem 6.500 exemplares Endereço Av. Leovigildo Filgueiras, 270, Garcia Cep: 40.100-050 Salvador - BA Fale com a Redação revistaprimaz@arquidiocesesalvador.org.br Tel.: (71) 4009-6604

4

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

anta Dulce dos Pobres! Finalmente já podemos, oficialmente, chamar o nosso Anjo Bom de Santa, embora, para muitos de nós, ela já o fosse. Com simplicidade de vida e de coração, Irmã Dulce viveu, na prática, o que Jesus pede para cada um de nós: sua vida era a fé transformada em obras. Diante deste presente que a Igreja e, de modo particular, a nossa Arquidiocese recebeu, nada mais justo do que esta edição da Revista Primaz ser inteiramente sobre ela que tanto bem fez e continua fazendo – por meio do seu legado – aos mais pobres. Irmã Dulce não media esforços para ajudar aqueles que lhe pediam. Sempre com coragem e determinação, ela andou nos lugares mais esquecidos da cidade do Salvador, como as palafitas, localizadas no bairro de Alagados. Onde havia um pobre, lá estava ela, e esta afirmação é unânime entre aqueles que a conheceram e que puderam vivenciar momentos únicos ao lado da primeira santa brasileira da nossa época. E, por falar em santa, você já pensou em como é um encontro entre santos? Se nunca pensou, imagine que muitos deles se encontraram! Nesta edição, nós preparamos uma matéria sobre a relação da Santa Dulce dos Pobres e a sociedade de Salvador, mas também falamos de três momentos importantes: os dois encontros entre a Santa Dulce dos Pobres e São João Paulo II; e também com a Santa Tereza de Calcutá. Para esta matéria, entrevistamos uma das Irmãs que pertence à mesma Congregação de Irmã Dulce e que esteve presente em cada um destes encontros. Uma das páginas mais emocionantes desta edição é, sem dúvida, uma entrevista que foi concedida pela própria Irmã Dulce ao Mensageiro de Santo Antônio, em 1987. Tenho certeza que, se Irmã Dulce ainda estivesse viva, a nossa equipe já a teria entrevistado e seria uma verdadeira honra mostrar, de perto, a dedicação da “mãe dos pobres”. Também nesta revista, nós vamos falar sobre o legado deixado por ela, Santa Dulce dos Pobres: as Obras Sociais Irmã Dulce (OSID). A entidade filantrópica, é formada por um dos maiores complexos de saúde do Brasil. Por ano, são realizados cerca de 3,5 milhões de procedimentos ambulatoriais, 100% SUS (Sistema Único

S

de Saúde). Além do Hospital Santo Antônio, a OSID oferece, ainda, atendimento para idosos, creche para crianças e uma infinidade de ações que perpetuam a missão da Santa Dulce. Embora não tenha se casado, Irmã Dulce constituiu uma família que vai para além do laço sanguíneo. E ela teve filhos, muitos filhos, que hoje são homens e mulheres que foram resgatados de diversas situações de vulnerabilidade social e tiveram a graça de poder chamar a Santa Dulce dos Pobres de “mãe”. Para falar deste vínculo materno, a nossa equipe preparou uma matéria sobre os “filhos de Irmã Dulce”. Entre os dias 13 e 20 de outubro de 2019, a nossa Igreja Particular vivenciou um momento de muita graça. A canonização da Santa Dulce dos Pobres foi celebrada em Roma e em Salvador, com júbilo. Ter vivenciado e, agora, poder contar como foi este momento, cercado de emoção e de gratidão, é uma alegria indescritível. De fato, nós somos agraciados por poder testemunhar a bondade de Deus na vida de uma mulher como a nossa Santa. Os detalhes deste momento especial você pode conferir nas páginas 16, 17, 18, 19 e 20. Para que Irmã Dulce pudesse ser elevada à honra dos altares, foi necessário um milagre, mas, todos os dias, milhares de pessoas recorrem à sua intercessão e recebem incontáveis graças. Como gotas, estas, que são chamadas de pequenos favores, fazem transbordar um oceano inteiro de amor e de gratidão. A cada ano, são incontáveis os testemunhos que chegam, seja por e-mail, carta ou pessoalmente, às Obras Sociais Irmã Dulce. Além de conhecer alguns deles, você também vai saber como é possível enviar o seu nas páginas 32 e 33. Nesta edição nós fomos presenteados com dois artigos. Um deles foi escrito pelo padre Jonathan de Jesus e aborda a santidade com foco na vida eterna; o outro, escrito pelo médico Sandro Barral (perito na investigação do milagre de José Maurício Moreira, o miraculado) é sobre o milagre a partir do olhar da ciência. Vale a pena conferir! Com muito carinho, e pensando nos devotos, nós colocamos à sua disposição a Oração à Santa Dulce dos Pobres, para que você possa rezar, pedindo a intercessão desta mulher que tanto amou a Jesus e aos irmãos. Boa leitura!


Palavra do Pastor

Santa Dulce dos Pobres: dom do Espírito Santo m seus discursos de despedida, Jesus nos apresentou o papel do Espírito Santo em nossa vida. Destaco uma de suas afirmações a esse respeito: “O Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (Jo 14,26). O Espírito Santo é apresentado por Jesus de três maneiras: primeiramente, como aquele que vive na intimidade da Santíssima Trindade. Daí a afirmação: “o Pai enviará...”. Mas Ele é, também, apresentado como aquele que vive na pessoa que tem fé, que vive na graça santificante, em que Ele é luz, consolador e mestre, é defensor e advogado. São Paulo dirá que somos “templos do Espírito Santo” (1Cor 6,19). Em terceiro lugar, Ele é apresentado como aquele que está na vida da Igreja e nela age. Daí entendermos a observação dos apóstolos, quando enviaram mensageiros à Antioquia e às regiões da Síria e da Cilícia: “Porque decidimos, o Espírito Santo e nós...” (At 15,28). Isso nos interessa de perto, porque, nos últimos meses, fomos tomados de alegria por uma notícia que nos dizia respeito: a canonização da Irmã Dulce – agora, “Santa Dulce dos Pobres”. A História da Igreja é rica de santos e santas, e não me refiro apenas aos que foram canonizados. Todos eles têm em comum que foram pessoas que se deixaram conduzir pelo Espírito Santo. Agindo nas pessoas, Ele lhes ensina e recorda tudo o que Jesus ensinou. Santo, pois, é quem se põe à escuta do Espírito Santo. O Espírito Santo leva a pessoa a acreditar na palavra de Jesus, que afirma se identificar com o mais pequenino e o mais pobre de nossos irmãos. Santa Dulce dos Pobres foi uma dessas pessoas: via Jesus nos pequenos e necessitados e confiava na Providência Divina. Num artigo que escreveu, um ano após o falecimento dela, Padre Hipólito Chemello (“Padre Popó”), que inúmeras vezes a visitou e tão bem a conheceu, recordou: “Um dia, uma senhora, chorando, pedia à Irmã Dulce algum alimento para

E

Dom Murilo S.R. Krieger, scj Arcebispo de São Salvador da Bahia – Primaz do Brasil

os seus filhos, que estavam ali, a seu lado, seminus e desnutridos. Nesse mesmo momento, alguém do Hospital Santo Antônio lhe comunicava que não havia mais leite para os doentes, nem dinheiro. A resposta de Irmã Dulce foi igual tanto para a mulher pobre como para a funcionária do Hospital: “Fique tranquila! Encontraremos uma solução!!” E, dando alguns passos, viu duas caixas de leite que acabara de receber em doação. Voltou-se, então, para a funcionária e lhe mandou guardar o leite suficiente para aquele dia e dar o resto para àquela mãe que ali estava. “Mas irmã”, disse a funcionária, “é muito para ela!”. Irmã Dulce lhe respondeu: “É ainda pouco! E quanto ao dinheiro de que necessitamos, conseguiremos!”. Segundo Padre Popó, “As obras assistenciais conduzidas por Irmã Dulce estão simbolizadas nesse acontecimento!” Na manhã do domingo (13.10.19), em que Dulce Lopes Pontes foi oficialmente colocada na lista dos santos da Igreja, o Papa Francisco declarou: “Para a honra da Santíssima Trindade, para a exaltação da fé católica e o incremento da vida cristã, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e a nossa, depois de havermos longamente refletido, implorado várias vezes o auxílio divino e ouvido o parecer de muitos Irmãos nossos no Episcopado, declaramos e definimos como Santa a Bem-aventurada Dulce dos Pobres, e a inscrevemos no Catálogo dos Santos, estabelecendo que, em toda a Igreja, ela seja devotamente honrada entre os Santos”. A partir daquele dia, Irmã Dulce não ficou melhor, nem ficou mais santa. Continuou sendo, aos olhos de Deus, como sempre foi: uma filha querida; uma filha que O amou sobre todas as coisas e procurou amar o próximo como a si mesma. Mas, com a canonização, a Igreja nos lembra que a santidade é a meta de todos, que essa meta é possível de ser alcançada e está ao alcance de todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito Santo, como ela o fez. Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

5


Foto: Arquivo OSID

Uma Santa em nosso meio Por Sara Gomes

“Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas” entir as dificuldades na pele, mas, também, poder encorajar o povo a não desistir da caminhada e a lutar por condições dignas de vida, tudo isso somado ao amor. Foi assim que, por muitos anos, inúmeras pessoas viram Irmã Dulce passar pelas ruas de Salvador, de modo especial pelo bairro de Alagados. As palafitas, que sustentavam as casas simples, muitas vezes foram pisadas por ela, que seguia em busca de encontrar pessoas necessitadas, crianças abandonadas, idosos doentes. Talvez, naquela época, ninguém pensasse: estamos convivendo com uma santa – embora a fama de santidade, ainda em vida, se espalhasse por toda a cidade. “Eu conheci Irmã Dulce em 1975. Quando cheguei, ela estava no galinheiro atendendo pacientes. Na mesma hora que eu a vi, eu senti uma emoção muito grande, senti que ela era uma pessoa diferente”, recorda a Irmã Olívia Lucinda da Silva, da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus – a mesma de que Irmã Dulce fez parte. Ao contrário do que é costume achar, os santos viveram, caminharam, dormiram como pessoas comuns, mas eles possuíam um diferencial que os levou ao céu: um grande amor por Jesus Cristo. É por este amor que homens e mulheres, pessoas de fé, colocaram os corações ao lado dos corações dos irmãos e deram passos que, ao olhar humano, seriam impossíveis, mas que, com a graça de Deus, tornaram-se imensas oportunidades para viver o Evangelho.

S

6

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

Assim como a caridade e o amor andam juntos, na terra de todos os santos eles se encontram


Foto: Arquivo OSID

Ao ficar internada no Hospital Santo Antônio, Maria Xavier contou com os cuidados de Irmã Dulce

Irmã Dulce, como relatam as pessoas que a conheceram, era pequena e frágil, mas era sustentada pelo desejo de fazer o bem. “Em 1986 eu adoeci, fiquei internada e o médico me transferiu para o Hospital Santo Antônio. Quando cheguei, tive tanto apoio. Todos os dias Irmã Dulce vinha, passava as mãos em mim, me cobria e me demonstrava tanto amor que eu me emociono até hoje quando lembro. Se eu estou viva, agradeço a Deus e a ela”, afirma Maria Xavier da Costa, do município baiano de Sátiro Dias.

Relatos como o de Maria Xavier são comuns. Basta chegar ao Santuário Santa Dulce dos Pobres ou ao Hospital Santo Antônio, a qualquer horário ou dia da semana, para encontrar fiéis e pacientes que sentiram as mãos e o carinho de Irmã Dulce. “Eu conheci Irmã Dulce quando ainda era muito novinha. Ela sempre foi uma pessoa muito iluminada e eu a defino com uma palavra: amor ao próximo. Ela veio ao mundo para fazer bondade; ela só fez o bem”, diz a devota Rita de Cássia Costa de Oliveira. Foto: Arquivo OSID

Em 1981, Irmã Dulce recebeu um Terço das mãos do Papa João Paulo II e ouviu: “Continue, Irmã Dulce, continue”. Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

7


Foto: Arquivo OSID

Irmã Dulce e Madre Teresa de Calcutá também se encontraram em Salvador

Santos em nosso meio Não é novidade que Salvador é a Terra de Todos os Santos. Neste solo, que está sob a proteção do Senhor Bom Jesus do Bonfim, de Nossa Senhora da Conceição da Praia e de São Francisco Xavier, pisaram diversos santos: homens e mulheres de fé canonizados pela Igreja. Um destes santos esteve na capital baiana por duas vezes: em 1980 e em 1991. Já sabe quem é ele? Não?! Foi São João Paulo II que, à época, era o então Papa João Paulo II. Na primeira visita, o pontífice presidiu uma Missa, no dia 7 de julho, no Centro Administrativo da Bahia (CAB). Milhares de pessoas amontoaram-se para acompanhar a Celebração Eucarística e entre elas estava Irmã Dulce. “A primeira vez que ele veio, Irmã Dulce o foi receber no aeroporto. Depois, fomos para a Missa no Centro Administrativo da Bahia. Eu estava com ela. Quando ela subiu no altar para comungar, o povo bateu muitas palmas. Ela me disse: ‘eu estou feliz da vida’. Ela estava muito emocionada em poder ver o Papa”, recorda a Irmã Olívia Lucinda. 8

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

O segundo encontro com o Papa, em 20 de outubro de 1991, foi ainda mais emocionante. Não estava previsto que o pontífice estaria em Salvador durante a sua viagem ao Brasil, mas, ao saber que Irmã Dulce estava doente, ele mudou o roteiro. “Quando ele veio aqui, no hospital, visitar Irmã Dulce, que já estava acamada, nós sentimos na fisionomia dela a felicidade”, afirma Irmã Olívia. Quem também esteve em Salvador e caminhou ao lado da Santa Dulce dos Pobres, em 1979, foi a Santa Teresa de Calcutá. Na ocasião, Madre Teresa de Calcutá visitava a capital baiana a pedido do então Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Avelar Brandão Vilela, que a chamou para fundar uma casa da Congregação Missionárias da Caridade, cujo carisma é o serviço aos mais pobres dos pobres, no bairro de Alagados. “Para Madre Teresa, Irmã Dulce mostrou as obras sociais e ainda perguntou se ela não queria ajudar a assumir essa obra. Mas Madre Teresa disse que não, pois já fazia um trabalho semelhante a esse e por isso não tinha condições”, diz a Irmã Olívia.


Ano 02 | Nยบ 8 | Dez/2019 a Fev/2020

9


Foto: Arquivo OSID

Entrevista Por Mensageiro de Santo Antônio

SANTA DULCE DOS POBRES

Exemplo de amor e dedicação aos mais necessitados e Irmã Dulce estivesse viva hoje, com certeza, a equipe da Revista Primaz já a teria entrevistado. Seria uma grande honra conversar com esta mulher de fé, que confiava na Providência Divina, e, sem dúvidas, ela teria muita, mas muita coisa para contar. Foi assim em 1987, quando o Anjo Bom da Bahia concedeu entrevista ao frei Diogo L. Fuitem, então diretor do Mensageiro de Santo Antônio. O bate-papo foi publicado no mês de novembro daquele mesmo ano e, agora, com imenso privilégio e alegria, nós vamos reproduzi-la no impresso oficial da Arquidiocese de São Salvador da Bahia. Confira!

S

É questão de fé; se a gente não tem fé, não consegue nada; é com fé, confiando, que se consegue tudo. É confiando em Deus que se encontra a solução e Ele se manifesta como Pai.

10

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

Mensageiro de Santo Antônio (MSA) – Qual é o seu nome completo? Irmã Dulce – Meu nome completo é Irmã Dulce Lopes Pontes. MSA – Qual é a data do seu nascimento? Irmã Dulce – Sou baiana, nascida nesta terra, no dia 26 de maio de 1914. MSA – A que congregação religiosa a senhora pertence? Irmã Dulce – Faço parte da Congregação das Missionárias da Imaculada Conceição. MSA – Como foi o início desta obra, aqui, em Salvador? Irmã Dulce – Entrei no convento aos dezoito anos de idade; fiz o noviciado e o postulantado durante um ano e meio. Fiz profissão religiosa e, aí, em 1935, aos 21 anos, fazia um trabalho de visitar os doentes. Vendo a situação de muitas pessoas que não tinham recursos, começamos a recolhê-las em uma casa velha e abandonada porque aquelas pessoas não tinham onde ficar. Essa casa velha pertencia à prefeitura, que pediu que saíssemos de lá. Respondi que podíamos sair de lá só quando nos fosse arranjada outra instalação, porque aqueles velhinhos e doentes não podiam ficar na rua. Aos poucos, fomos arrumando um lugar para eles perto de nosso convento, aqui mesmo.


Foto: irmadulce.org.br

MSA – A obra cresceu rapidamente? Irmã Dulce – No começo, éramos três pessoas e fazíamos visitas às famílias pobres: nós, um estudante de medicina e a irmã do vigário de nossa paróquia. Quando as pessoas podiam ser atendidas em suas casas, continuavam a receber nossa visita. Mas havia casos de pessoas que não tinham mesmo nenhum recurso: nem casa, nem remédio, nem alimentação. Então, essas pessoas abandonadas eram recolhidas para uma casa velha. MSA – Quantas pessoas eram encaminhadas para este primeiro e improvisado abrigo? Irmã Dulce – Sempre encontrávamos gente nas ruas, por isso, o número foi aumentando até chegar a setenta pessoas. Isso estava acontecendo pelos anos de 1938 e 1940. MSA – As necessidades de atendimento foram crescendo mais? Irmã Dulce – As necessidades, de fato, eram muitas, porque eu saía de noite e encontrava mendigos e crianças na rua, que, além dos doentes, recebiam atendimento. Eram recolhidos em albergue, onde podiam dormir e, de manhã, tomar banho, tomar café; eram ajudados, também, a comprar passagem quando deviam viajar. No caso das crianças, conseguimos, por meio do governo estadual, no município de Simões Filho [BA], um terreno onde, aos poucos, foi sendo organizada uma casa para eles ficarem internados. Lá estamos atendendo mais de trezentas crianças. Aqui no hospital, estamos com mais de novecentos doentes, todos muito pobres. MSA – Como a senhora consegue sustentar este hospital com número tão elevado de pacientes e um orfanato? Irmã Dulce – Temos a ajuda de estagiários da Escola de Medicina. Atendemos ainda, diariamente, em nosso ambulatório, mais de trezentas pessoas. A despesa é de 100 milhões [de cruzados] por dia. Mas quem sustenta tudo isso é Deus. MSA – A Providência Divina é responsável por esta obra? Irmã Dulce – É questão de fé; se a gente não tem fé, não consegue nada; é com fé, confiando, que se consegue tudo. É confiando em Deus que se encontra a solução e Ele se manifesta como Pai. MSA – Como surgiu a ideia de eleger Santo Antônio como padroeiro deste hospital? Irmã Dulce – Quando tinha seis anos, eu fui fazer a prova para entrar na escola primária e tinha medo

de não passar. Minha tia me sugeriu pedir a ajuda de Santo Antônio. Fui a uma capelinha que havia perto de casa e prometi, caso conseguisse me sair bem na prova, oferecer-lhe um maço de velas. Santo Antônio ajudou-me e a, partir daquela vez, me apeguei a ele; por isso, quando comecei esta obra, dei a ela o nome do santo. Sou devota de Santo Antônio. Sei que ele consegue o que pedimos junto a Deus. MSA – Sei bem que sua saúde não anda muito bem e que a senhora dorme muito pouco à noite. Como está dando conta de tanto trabalho? Irmã Dulce – Há vinte anos, sofro de falta de ar por causa de uma doença nos pulmões. Mas é, sobretudo, de dois anos para cá, que minha saúde não anda boa. Durmo de duas a três horas por noite. Tenho crise de falta de ar, por isso uma Irmã fica comigo durante a noite. Tenho de, constantemente, tomar oxigênio. Deus me dá força, de manhã, para trabalhar normalmente. Apesar de passar a noite, às vezes em claro, às 5h30 estou em pé e consigo continuar vivendo e trabalhando. MSA – Qual foi, nesse trabalho todo, a maior alegria que a senhora experimentou? Irmã Dulce – Aquilo que faço é um trabalho difícil e complexo. Há muitos problemas e preciso ter muita fé e dedicação. Confiando em Deus, tudo se resolve. A alegria que a gente sente é também muito grande, especialmente, quando um doente consegue se recuperar ou quando uma criança, que estava na calçada, é recolhida, cresce e se torna alguém útil a Deus e à comunidade. Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

11


Foto: Arquivo OSID

MSA – Vivemos em um mundo onde as pessoas parecem fechar-se cada vez mais no egoísmo e se tornam violentas e sem compreensão. Será que podemos pensar na vitória do amor? Irmã Dulce – Tudo o que de mal acontece no mundo é porque falta amor. Se houvesse mais fé e menos egoísmo, o mundo seria outro. As pessoas, em geral, vivem mais para si e se esquecem do próximo. Se todo mundo tivesse amor, o mundo seria bem diferente. Confiando em Deus e vencendo o egoísmo, tenho certeza de que podemos ter paz. Deus sempre vence. MSA – Em sua vida, havia duas preocupações fundamentais: servir a Deus e servir ao irmão carente. Há, agora, também uma situação de limitação por causa da doença. Qual é o segredo de sua vitalidade, a força que a ajuda a viver tão intensamente? Irmã Dulce – Vou frequentemente à Igreja pedir força a Deus; costumo visitar o Santíssimo Sacramento em nossa capelinha do hospital. O segredo é a oração. Se a gente não faz da vida uma oração contínua, é difícil aguentar as dificuldades. Costumo não apenas rezar com palavras, mas dirigir o pensamento a Deus; por exemplo, neste momento, estou conversando, mas meu coração está n’Ele, rezando. Nisso encontro força para cumprir minha missão. Quanto às limitações, por causa da doença, tento fazer o que é possível, com paciência e sem desanimar. Muitas vezes, o médico me proíbe de trabalhar. Procuro esquecer isso e faço aquilo que posso; se, por exemplo, tomo o soro no 12

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

braço esquerdo, meu braço direito fica livre para poder escrever... Isso é fruto da oração, sem ela, nada poderia ter realizado. MSA – Se fosse possível voltar atrás, a senhora faria tudo o que fez? Faltou alguma coisa? O que diria sobre sua vida? Irmã Dulce – Se minha saúde permitisse, recomeçaria tudo e faria o mesmo que fiz durante meus 73 anos de vida. MSA – Um recado final especialmente para os leitores de O Mensageiro de Santo Antônio... Irmã Dulce – Não existe maior felicidade do que procurar fazer o bem, servir a Deus na pessoa próxima carente. Isso custa, e exige sacrifício, mas a pessoa experimenta a paz interior de estar se doando, fazendo aquilo que Deus mandou em favor do irmão necessitado. É preciso, neste trabalho de doação, esquecer-se de si mesmo. A gente não vive nossa vida, mas a daqueles que nos cercam e nos procuram. Vivemos não para nós, mas para lutar e diminuir o sofrimento dos outros. É por meio disso que sentimos a presença de Deus. É difícil, mas, ao mesmo tempo, gratificante. Tudo aquilo que é feito para Deus se torna fácil. MSA – Agora nos resta desejar que sua saúde melhore, Irmã Dulce! Obrigado por essas palavras! Irmã Dulce – Eu não faço nada; quem faz é Deus. Sou um simples instrumento...


“ Eu não faço nada, quem faz é Deu s. S o u u m s im ples i nstru mento...” Irmã Dulce

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

13


Artigo

Padre Jonathan de Jesus Capelão da Igreja N. Sra. do Rosário dos Pretos, administrador paroquial da Paróquia São Francisco de Assis (Saramandaia) e Delegado Episcopal da COIDE

Sursum Corda!

m um antigo escrito cristão, uma carta endereçada a um certo Diogneto, encontramos a seguinte referência sobre o ser e estar do cristão neste mundo: “Vivem na sua pátria, mas como se fossem forasteiros; participam de tudo como cristãos, e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira é sua pátria, e cada pátria é para eles estrangeira”. Ao seguir o relato, encontramos a motivação da qual aquele cristão escreve estas palavras: “moram na terra, mas têm a sua cidadania no céu”.

E

Esta última referência plasma, por assim dizer, a realidade identitária do cristão, que também levou Paulo a escrever à comunidade dos filipenses: “Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso” (3,20-21). A cada domingo e nos dias solenes, os cristãos professam os signos da fé que dizem: “Creio na comunhão dos santos, na ressurreição da carne, na vida eterna”. A vida do cristão é tencionada por essa es14

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

perança, e o modo como vive já é um prenúncio para aquilo que lhe aguarda. Por isso, o teólogo alemão Jürgen Moltmann não se furtou de dizer: “A ética do Reino de Deus é uma ética do seguimento, e a ética do seguimento de Jesus é uma ética da antecipação do seu futuro”. E é aí que entram os santos e santas que Deus suscita em sua Igreja, como dom testemunhal para toda a humanidade, seja para cristãos, como para não cristãos. E o que é o santo? Aquele que nos faz contemplar, já aqui na terra, a concretização do que viveremos na eternidade. O santo nos faz tocar o eterno, nos faz, em suas palavras e ações, contemplar a docilidade da face de Deus no cotidiano humano, o santo nos recorda que o Reino de Deus está entre nós, é um Deus que caminha conosco, que armou sua tenda em nosso meio, que é Emmanuel. Em breves palavras, o santo é aquele que vive nesta terra o lema de vida Sursum Corda, ou seja, corações ao Alto. Voltando à Carta a Diogneto, podemos perceber como esse desejo de eternidade santifica as vidas cris-


tãs e faz com que a Encarnação do Verbo aconteça cotidianamente na humanidade, principalmente nas vidas dispostas: Deste modo, ninguém pode imitar a Deus, pois tudo isto está longe de sua grandeza. Todavia, quem toma para si o peso do próximo, e naquilo que é superior procura beneficiar o inferior; aquele que dá aos necessitados o que recebeu de Deus, é como Deus para os que receberam de sua mão, é imitador de Deus. Então, ainda estando na terra, contemplarás porque Deus reina nos céus. Aí começarás a falar dos mistérios de Deus... Por isso, é que o povo brasileiro, no dia 13 de outubro de 2019, nos lábios do Cardeal Prefeito da Congregação para causa dos santos, Giovanni Angelo Becciu, dirigiu-se ao Santo Padre e pediu: “Beatíssimo Pai, a Santa Mãe Igreja pede que Vossa Santidade inscreva a Beata Dulce no Catálogo dos Santos e como tal seja venerada por todos os fiéis cristãos”. E, por sua vez, o Papa Francisco, sucessor do Apóstolo Pedro, em resposta, proferiu uma fórmula que diz palavras como: “Para honra de Deus, para exaltação da fé, para incremento da vida cristã”. O que seriam essas palavras se não a moldura da vida do cristão? Quantas pessoas puderam contemplar a face de Cristo no testemunho da freira baiana. Suas mãos eram canais de graça, sua passagem nas ruas soteropolitanas era um sacramento de uma presença que transcendia a sua própria. Deus passou em nossa cidade por meio de Irmã Dulce, como carinhosamente o povo a chamava. E, para expressar isso, referindo-se ao seu hábito religioso, icônico para o Brasil, e agora para o mundo, chamam-na de Anjo azul dos Alagados. É a própria Santa Dulce dos Pobres que diz: “Corpo e mente são o reflexo da nossa alma, a forma como nos apresentamos ao mundo é um cartão de visitas para o nosso encontro com Deus”. E tudo o que fazia, o modo como vivia era uma preparação, um advento, para o seu encontro com Deus, onde ansiava ouvir: “Aí vem o Esposo: ide ao seu encontro” (cf. Mt 25,6). A santidade é um caminho para todos, o Concílio Vaticano II salienta: “Cristo... na revelação do mistério do Pai e do Seu amor, revela ao homem ao próprio homem e lhe faz descobri a sua altíssima vocação” (GS 22). Qual seria essa vocação? A santidade. A fundadora do Movimento dos Focolares, a Serva de Deus, Chiara Lubich, que também se encontra em processo de canonização, fala sobre a santidade, dizendo:

Este caminho tão simples, que pode ser vivido por todas as crianças, pelos sacerdotes, pelas jovens, pelos homens, pelas pessoas casadas. É possível oferecer a todos este caminho para a santidade… Basta que o desejem, porque não são mais eles que vivem, é Deus que vive neles. Sinto uma imensa alegria por ter recebido de Maria o segredo da santidade, de uma santidade popular, de uma santidade universal para todo o povo de Deus. Com isso, adentramos mais ainda no mistério da santidade, que nos impulsiona à vida eterna. Uma santidade de povo, uma santidade universal, que não se restringe a estado de vida específico ou restrito, mas se alarga. É o Papa Francisco que também ajuda a compreender essa realidade: Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade ‘ao pé da porta’, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da ‘classe média da santidade’ (GE 7). Além da Santa Dulce dos Pobres, na nossa Arquidiocese, também tivemos vários testemunhos de pessoas que levaram a sério esse desejo de eternidade: a Beata Lindalva - que derramou seu sangue em nossa terra, a Irmã Clarissa, Madre Vitória da Encarnação, o Pe. Pedro Mathon - com seu testemunho nas comunidades do Subúrbio e com a Juventude da Arquidiocese, o Pe. Luís Lintner - que foi martirizado em cajazeiras V por sua luta contra a pobreza, a violência e as drogas, bem como Ir. Maria Vanozzi, em Águas Claras - que ajudou tantas crianças e famílias a terem outras perspectivas de vida e a se encontrarem com Jesus. Se formos contar os que estão aos pés das nossas portas, encontraremos muitos e muitas. De fato, a santidade é uma realidade espetacular e possível, faz com que a eternidade nos toque, e é desta forma que nos cabe concluir com a Carta que iniciamos: “Não te maravilhes de que um homem possa se tornar imitador de Deus. Se Deus quiser, o homem poderá”. Vamos à luta: Sursum Corda! Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

15


Foto: Jorge Gauthier

Principal Por Sara Gomes

SANTA DULCE DOS POBRES, ROGAI POR NÓS! Em Roma ou em Salvador, canonização do Anjo Bom da Bahia foi celebrada com alegria e festa lhos marejados, coração emocionado e muito feliz. Nem o cansaço da semana, enfrentado com dificuldade, foi capaz de afastar Maria José Lima, 64 anos, que saiu da Região Metropolitana de Salvador para se juntar aos inúmeros devotos que aguardavam o momento exato da canonização de Irmã Dulce – transmitido por um telão – no Santuário da Imaculada Conceição da Mãe de Deus (que, logo em seguida, mudaria de nome). Maria José chegou ao templo ainda no dia 12 de outubro, com o objetivo de participar da vigília, realizada durante toda a noite, por jovens da Arquidiocese de Salvador. Nas mãos de Maria José, uma pequena medalha com o rosto de Irmã Dulce, segurada com firmeza, já tinha se tornado companheira de muitos momentos difíceis ao longo da caminhada. “Eu ganhei essa medalhinha há um bom tempo e a deixo sempre dentro da minha bolsa. Quando olho para ela, penso ‘Irmã Dulce continua viva e presente, intercedendo por mim’. Eu conheci Irmã Dulce, pude pegar em suas mãos e ela me ajudou no momento em que eu mais precisava. Por isso, eu não poderia deixar de estar aqui hoje”, disse emocionada. Aquela noite cheia de expectativas foi longa, mas, logo o relógio marcou 5h. Era o horário, no Brasil, que começaria a retransmissão da Missa da Canonização, presidida pelo Papa Francisco, no Vaticano. O sol ainda nem havia despontado e os olhares dos devotos estavam voltados para o telão: todos aguardavam o momento exato da proclamação de Irmã Dulce

O

16

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

como a primeira Santa desta época. Logo no início da Celebração Eucarística, houve a invocação ao Espírito Santo e a apresentação dos cinco beatos a serem canonizados pelo prefeito da Congregação das Causas dos Santos, cardeal Angelo Becciu. Em seguida, foi entoada a Ladainha de Todos os Santos. Após a Ladainha, o Papa recitou a Fórmula da Canonização, em latim. “Em honra da Santíssima Trindade, pela exaltação da fé católica e para incremento da vida cristã, com autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, os santos apóstolos Pedro e Paulo, depois de haver refletido longamente, ter invocado a ajuda divina e escutado o parecer de muitos irmãos do episcopado, declaramos e definimos santos os beatos: John Henry Newman, Giuseppina Vannini, Mariam Thresia Chiramel, Dulce Lopes Pontes e Marguerite Bauys”, declarou o Papa. Assim que leu os nomes dos cinco novos santos, o Sumo Pontífice disse: “Inscrivamo-los no Livro dos Santos, estabelecendo que eles sejam venerados, assim, por toda a Igreja. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. No Vaticano, os fiéis comemoraram com gritos e palmas de alegria. Em Salvador, não foi diferente! Gritos, palmas, lágrimas, abraços emocionados e muitos fogos de artifício fizeram parte da comemoração pela elevação de Irmã Dulce, como Santa, à honra dos altares. “Hoje canonizamos santos que são os nossos intercessores. Jesus, fica conosco e nós começaremos a brilhar de forma a ser uma luz para os outros”, disse o Papa Francisco durante a homilia.


Foto: Divulgação

Em formato de coração, relicário entregue ao Papa com um pedaço do osso da Santa Dulce dos Pobres pode ser visitado na Capela das Relíquias, no Vaticano

A relíquia da Santa Dulce dos Pobres – pequeno fragmento do osso da costela – estava em um altar, ao lado das relíquias dos outros canonizados, em frente à Basílica de São Pedro. O relicário, entregue ao Papa por José Maurício Moreira, o miraculado, é um coração de ametista, que ficará guardado na Capela das Relíquias, no Vaticano. “Não sei nem o que dizer. Estou tão feliz e tão emocionada que não consigo nem me expressar. Estou tremendo até agora diante do tamanho desta graça que nós estamos recebendo da parte de Deus”, afirmou o devoto José Martins, que também acompanhou a canonização em Salvador.

Primeiros templos do mundo dedicados à Santa Dulce dos Pobres

Semana da Gratidão Na manhã do dia 14 de outubro – dia seguinte à canonização - ainda com os corações jubilosos, milhares de fiéis participaram, em Roma, da primeiFoto: Sara Gomes

Assim que Irmã Dulce foi elevada à santidade, o bispo auxiliar da Arquidiocese de Salvador, Dom Marco Eugênio Galrão Leite de Almeida, leu o Decreto que confere ao Santuário da Imaculada Conceição da Mãe de Deus o título de Santuário Arquidiocesano Santa Dulce dos Pobres. “Com a mudança no nome do santuário, a gente vai viver, agora, o que a gente viveu a vida toda. Este santuário foi colocado em nome de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, por uma questão de o santuário não poder ter o nome de uma beata. Só uma santa, que é universalmente conhecida, poderia trazer o nome. Hoje é um dia muito feliz e este Decreto é proclamado, e aquele que sempre foi chamado pelo povo de Santuário de Irmã Dulce passa a ser Santuário Santa Dulce dos Pobres”, disse Dom Marco.

No bairro do Saboeiro, onde foi criada a primeira paróquia do mundo dedicada à Santa Dulce dos Pobres, o Decreto foi lido às 7h30 pelo vigário forâneo, padre Carlos Augusto, em Missa presidida pelo bispo auxiliar Dom Estevam dos Santos Silva Filho. Os fiéis, que lá estavam desde às 4h30, também comemoraram a criação. “Nós queremos homenagear esta santa baiana, amiga de todos os baianos. A leitura do Decreto significa que, a partir de agora, a Arquidiocese de São Salvador da Bahia já tem uma paróquia dedicada à Santa Dulce dos Pobres”, afirmou Dom Estevam. Após a leitura do Decreto, uma relíquia da Santa Dulce dos Pobres foi entronizada. “As relíquias de primeiro grau são fragmentos de uma parte do corpo, neste caso dos ossos da Santa Dulce dos Pobres. As Igrejas, desde o início, já tinham essa tradição. É uma forma de dizer: ‘nós estamos muito próximos deste santo ou desta santa’, e, aqui em Salvador, onde tanta gente foi muito próxima de Irmã Dulce, é muito bonito e simbólico ter essa relíquia aqui, nesta primeira paróquia do mundo dedicada à Santa Dulce dos Pobres”, explicou Dom Estevam. Para conduzir as atividades paroquiais, o pároco da Paróquia Ceia do Senhor e Santo André Apóstolo, Lafaiete Santana de Sá, tomou posse, temporariamente, como administrador paroquial. Em breve, o padre Márcio Augusto Silva de Souza será nomeado como o primeiro pároco da Paróquia Santa Dulce dos Pobres.

No bairro do Saboeiro foi criada a primeira paróquia do mundo dedicada à Santa Dulce dos Pobres. A Missa de criação foipresidida pelo bispo auxiliar Dom Estevam dos Santos Silva Filho. Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

17


ra Missa em Ação de Graças pela canonização da Santa Dulce dos Pobres. Presidida pelo Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, a Celebração Eucarística aconteceu na Igreja San’Andrea della Vale e foi concelebrada pelo bispo da Diocese de Irecê (BA), Dom Tommaso Cascianelli, pelo bispo emérito da Diocese de Janaúba (MG), Dom Ricardo Guertino Brusati, pelo bispo da Diocese de Nova Iguaçu (RJ), Dom Gilson Andrade da Silva, pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de Niterói (RJ), Dom Luiz Ritchie, pelo Vigário Episcopal para os Institutos de Vida Consagrada, Sociedades de Vida Apostólica, Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades, e Delegado Arquiepiscopal para a Causa dos Santos do Rio de Janeiro, Dom Roberto Lopes, e por padres de várias partes de mundo. Durante a homilia, Dom Murilo falou sobre a graça recebida com a canonização. “Não temos, ainda, ideia do presente que recebemos ontem da Igreja e que é a causa da celebração desta manhã. Precisaremos de muito tempo para tomar consciência do privilégio de estar aqui e poder proclamar: Senhor, Tu és maravilhoso em Teus santos! Ao dizer isso, pensamos em uma pessoa que sentimos muito próxima de nós, que é nossa irmã e amiga; alguém que parece, há muito tempo, fazer parte de nossa família. A Irmã Dulce que percorria as ruas de Salvador à procura de pessoas abandonadas; a

Dulce dos Pobres, que tinha um coração com as dimensões da miséria humana; o Anjo Bom da Bahia, que tinha um corpo frágil, uma voz fraca e um olhar bondoso que deixava todos à vontade, agora é santa: Santa Dulce dos Pobres!”, disse o Arcebispo. Também com alegria, os devotos que estavam em Salvador continuaram celebrando. O dia da canonização da Santa Dulce dos Pobres foi o primeiro de uma semana festiva em agradecimento a Deus, chamada de Semana da Gratidão. Missas, confissões, formações, orações e adoração ao Santíssimo Sacramento fizeram parte da programação, que reuniu milhares de fiéis no Santuário até o dia 19 e culminou em uma grandiosa festa na Arena Fonte Nova, em 20 de outubro.

Arena da fé

52.600 pessoas: este foi o maior público da Arena Fonte Nova desde que ela foi reinaugurada, em 2013. Naquele dia histórico para a Arquidiocese de Salvador – 20 de outubro - para onde quer que se olhasse era possível ver fiéis emocionados e que demonstravam, das mais variadas formas, o amor pela Santa Dulce dos Pobres, que sempre será chamada de o “Anjo Bom da Bahia”. Embora a informação fosse de que os portões seriam abertos ao meio dia, antes das 8h inúmeras pessoas já formavam filas, tanto na Ladeira da Fonte, quanto próximo ao Dique do Tororó.

Foto: Fábio Silva

620 padres e 32 arcebispos e bispos de diversas cidades do Brasil concelebraram com Dom Murilo 18

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020


Foto: Emilly Lima

Arena Fonte Nova ficou lotada durante a primeira celebração, no Brasil, em honra a Santa Dulce dos Pobres

Foto: Antônio José

Entre os mais de 500 mil fiéis, estava Omazalina Pereira Gomes, que saiu da cidade de Juazeiro, na Bahia, para participar das homenagens à Santa Dulce dos Pobres. “Meu sentimento é de gratidão a Deus por ter nos colocado uma pessoa tão santa, tão humilde, tão cheia de fé. Então, isso nos moveu, nos trouxe aqui, porque acreditamos que Irmã Dulce dos Pobres é a nossa intercessora junto a Deus Pai. Ela é um ícone da fé para nós, baianos”, afirmou. Assim que os portões foram abertos, rapidamente a Arena ficou lotada. As boas-vindas foram dadas por meio de um vídeo que contou um pouco a história da Santa Dulce dos Pobres. Em seguida, o padre Lázaro Muniz, pároco da Paróquia Santa Cruz, e o frei Vandeí, do Santuário Santa Dulce dos Pobres, conduziram a animação e chamaram ao palco as bandas católicas Missão Paráclito, Divina Face, Ministério Ignis, Recomeçar e a cantora Patrícia Ribeiro. Pontualmente às 14h45, teve início o espetáculo Império de Amor, sobre a vida e a obra da Santa Dulce dos Pobres. Encenada por mais de 600 crianças e colaboradores das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), a apresentação contou, ainda, com participações do padre Antônio Maria e dos artistas Saulo, Tuca Fernandes, Margareth Menezes e Waldonys.

“Esta celebração é uma grande ação de graças. Eu penso que nós, aqui, nem somos suficientes para agradecer devidamente a Deus por este Brasil todo estar se unindo a nós através das televisões, do rádio, da internet. Nós temos que dizer ao Senhor como somos gratos por essa vida. E esta encenação que acabamos de ver, eu estava pensando, não foi um teatro, foi vida, porque foi apresentada por pessoas que hoje são beneficiadas pelas Obras Sociais Irmã Dulce. Isso é o que me toca mais de perto: saber que a obra que ela deixou é uma obra viva, onde cada criança é uma pedrinha nesse mosaico de amor que forma o rosto de Jesus Cristo”, afirmou Dom Murilo. Um dos momentos mais emocionantes aconteceu durante as procissões A primeira, acompanhada do Hino da Santa, foi com a relíquia de Irmã Dulce, conduzida por José Maurício, o miraculado, por toda a Arena. Também foram levadas em procissão as imagens de Santo Antônio – santo de devoção de Irmã Dulce -, a de Nossa Senhora da Conceição da Praia – padroeira da Bahia – e a do Senhor Bom Jesus do Bonfim. Para o miraculado, faltam palavras para descrever a alegria em poder celebrar este momento. “O sentimento é de que é uma grande honra ter sido instrumento e, também, sentimento de gratidão. É uma honra divina, uma honra que eu quero levar ao céu e entregar à Santa Dulce. Eu sou muito grato a ela

Espetáculo Império de Amor foi encenado por mais de 600 crianças do Centro Educacional Santo Antônio (CESA), além de colaboradores da OSID e artistas. Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

19


Foto: Catiane Leandro

Devoto do Anjo Bom da Bahia, padre Antônio Maria também participou da celebração 20

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

Foto: Fábio Silva

pelo que ela fez comigo. Voltar a enxergar depois de 14 anos é algo que eu não sei nem mensurar, nem dizer a alegria que eu sinto em palavras. É uma emoção fora do comum, eu nunca vivi uma emoção tão grande como estou vivendo agora. O coração palpita dentro do peito, as pernas tremem”, disse José Maurício. Entre as autoridades, estava o prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto. “É um motivo de grande emoção. Eu acho que, hoje, os corações de todos os baianos estão repletos de uma alegria histórica e, melhor ainda, é a gente ver aqui, em nossa terra, onde a Santa Dulce nasceu, essa comunhão de pessoas de diversas religiões, mas que reconhecem a importância de Irmã Dulce para a nossa terra e para a nossa fé”, afirmou o prefeito. Também participou da celebração o governador da Bahia, Rui Costa. “É uma sensação de muito orgulho, como baiano, de ter esta santa extraordinária. Ela deu uma lição e um ensinamento ao longo da sua vida e, após a vida, de como dar amor, carinho, cuidado e atenção às outras pessoas, principalmente se dedicando a quem mais precisa. Então, que ela continue iluminando a alma e o coração de cada um de nós, trazendo fé e esperança”, disse. O ponto alto dos festejos teve início às 17h, com a celebração da Santa Missa, presidida pelo Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, e concelebrada por 32 Arcebispos e bispos, e por 620 padres das mais diversas regiões do Brasil. “Hoje é um dia de festa, Santa Dulce dos Pobres. Mas aprendemos com a senhora a ser realistas. Assim, sabemos que, se sairmos agora pelas ruas de nossa cidade, de nosso Estado ou de nosso país, veremos que há muitas pessoas que a deixariam inquieta. Sim, há muito

Um dos momentos mais emocionantes foi a entronização da imagem da Santa Dulce dos Pobres, que percorreu a Arena Fonte Nova, e foi iluminada pelas lanternas dos celulares dos fiéis

a ser feito, para que as desigualdades entre os filhos e as filhas de Deus sejam superadas; para que o amor aproxime os diferentes, e os necessitados tenham parte na distribuição das riquezas que Deus deixou para todos os seus filhos e filhas. A senhora fez a sua parte. Cabe-nos, agora, imitá-la e fazer a nossa parte; cabe-nos multiplicar-nos, não permitindo que nos atinja o vírus do individualismo ou o da indiferença. O mundo precisa de muitas ‘Irmãs Dulce’”, disse Dom Murilo durante a homilia. Após a Celebração Eucarística, mais um momento emocionante: a imagem da Santa Dulce dos Pobres foi conduzida pela Arena Fonte Nova. Neste momento, as luzes da Arena foram apagadas e os fiéis foram convidados a acender as lanternas dos celulares. “Irmã Dulce representa, para mim, um anjo de Deus e vai ser para sempre, no meu coração, porque uma pessoa que ajuda os pobres de coração tem o seu lugar lá em cima; e ela vivia para os pobres, para fazer a caridade”, disse a fiel Joana Oliveira Santos. De acordo com a sobrinha da Santa Dulce dos Pobres e superintendente da OSID, Maria Rita Lopes Pontes, o momento é de muita alegria, mas, também, de responsabilidade. “A canonização chegou antes do que imaginávamos. Foi preciso fazer algumas melhorias para acolher o grande número de devotos e visitantes que querem conhecer o Complexo Santuário, incluindo o Memorial. Mesmo sem grandes recursos, uma vez que a prioridade sempre será a sobrevivência de suas Obras Sociais, estamos trabalhando para acolher bem todos que nos procuram. Para que tudo isto aconteça, precisamos do apoio das três esferas do governo, principalmente estadual e municipal”, afirmou.


Ano 02 | Nยบ 8 | Dez/2019 a Fev/2020

21


Curiosidades

Conheça 10 curiosidades sobre o Anjo Bom da Bahia ada um de nós tem algo que é curioso, não é mesmo? Pode ser o time do coração, um alimento preferido, uma cor, uma brincadeira... enfim, são muitas as curiosidades que fazem parte do nosso dia a dia. Com a Santa Dulce dos Pobres não era diferente! Para que você possa saber um pouco mais sobre a vida cotidiana do Anjo Bom da Bahia, nós fizemos uma lista com coisas que muita gente ainda não sabe:

C

Torcedora

Pasta Preta

Desde menina, Maria Rita Lopes Pontes – Irmã Dulce – era torcedora do Esporte Clube Ypiranga e, aos domingos, costumava ir com o pai e os irmãos para assistir às partidas no Campo da Graça que, na época, era o principal estádio da Bahia.

Irmã Dulce andava sempre com uma pasta preta, vazia, quando ia visitar os donos de lojas e os escritórios de Salvador para pedir doações. Quando recebia algum valor, ela guardava entre um espaço e outro, pensando em sensibilizar o empresário da próxima porta onde iria bater, pois, afinal, a pasta estava vazia. Ao ser avistada, era sempre apontada como ‘lá vem a chata’.

Brincadeiras Quando criança, Maria Rita gostava de brincar com a boneca Celica e, também, de guerra de mamona.

Vida de Caridade Antes mesmo de ingressar na vida religiosa, Maria Rita, aos 13 anos, já acolhia mendigos e doentes na casa onde morava (Rua da Independência, nº 61, Barbalho). O local passou a ser conhecido como “A Portaria de São Francisco”.

Escondida Sem comunicar à família, aos 15 anos, a menina Maria Rita pediu admissão no Convento Nossa Senhora do Desterro. Porém, foi descoberta pelo pai, Augusto Lopes, que disse que só permitiria após ela se formar como professora.

Irmã Dulce Ao se tornar religiosa da Congregação da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, Maria Rita adotou o nome de Dulce, em homenagem à mãe, falecida quando a menina tinha apenas 7 anos.

Professora Em 1935, Irmã Dulce passou a lecionar Geografia e História no Colégio Santa Bernadete, pertencente à Congregação da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, no Largo da Madragoa. 22

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

Para os Pobres Ao pedir doações a um comerciante, recebeu uma cuspida na mão. Sem medo e certa de que estava fazendo duas ações – pedindo para ajudar os pobres e sensibilizando o duro coração daquele homem – ela guardou o cuspe, estendeu a outra mão e disse: “esse é meu, agora me dá uma ajuda para os meus pobres”.

Contato Direto “Telefone vermelho”. Era assim que Irmã Dulce chamava o número do então presidente do Brasil, José Sarney. Ela havia se tornado tão próxima, que era uma das poucas pessoas, fora do governo, a ter o telefone dele. Ao chamar de “telefone vermelho”, ela fazia referência à linha direta entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos durante a Guerra Fria.

Bloqueio Irmã Dulce e mais de 300 crianças fecharam a rua para impedir a passagem do ex-presidente Eurico Gaspar e da comitiva presidencial quando se dirigiam à Basílica Santuário Senhor Bom Jesus do Bonfim. Isso aconteceu em 1947 e o que a religiosa queria era chamar a atenção para os pobres e conseguir verbas para as obras.


Ano 02 | Nยบ 8 | Dez/2019 a Fev/2020

23


Foto: Arquivo OSID

Missão de uma Santa Por Sara Gomes

VIDA MISSIONÁRIA Sempre disponível, Irmã Dulce testemunhou, com a própria vida, o Evangelho de Jesus Cristo s pés de Irmã Dulce eram incansáveis. Em qualquer dia, horário ou local que fosse necessária a presença do Anjo Bom, lá estava ela, firme e decidida a resolver o problema que se apresentasse. Quem olhava para ela – e isso é unânime entre os que a conheceram – não podia imaginar que uma pessoa pequena e, aparentemente, frágil, seria capaz de fazer o que ela fez. Além de ser um serviço de amor ao próximo, as atitudes de Irmã Dulce, no dia a dia, eram missionárias: ela pregava o Evangelho de Jesus Cristo com a própria vida. Desprendida de coisas, status, reconhecimentos, ela só queria fazer o bem. “Ela trabalhava dia e noite. Ficava até tarde da noite fazendo os trabalhos escritos e acordava muito cedo para visitar os pacientes e, depois, ir para a rua pedir esmola. Naquele tempo, ela precisava sair para pedir, hoje em dia, o povo já traz aqui. Ela chegava meio dia da rua, muito cansada, e ainda ia atender todas as pessoas que estavam na fila na porta do convento; depois, ia de novo para a rua, voltava às 17h, para a Missa diária no Convento Santo Antônio, depois, atendia aquele povo todo que estava na porta e não tinha horário para terminar”, recorda a Irmã Olívia Lucinda de Oliveira. Este caráter missionário de Irmã Dulce transformou inúmeras vidas; não apenas fisicamente, já que muita gente a procurava por uma questão de saúde, mas, também, com mudanças concretas que partiam

O

24

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

Além de ser um serviço de amor ao próximo, as atitudes de Irmã Dulce, no dia a dia, eram missionárias: ela pregava o Evangelho de Jesus Cristo com a própria vida. Desprendida de coisas, status, reconhecimentos, ela só queria fazer o bem.


Foto: Arquivo OSID

do coração. Só em ver aquela freira passar pelas ruas da cidade, todos já sabiam que, com ela, estava passando o próprio Jesus. “Eu me lembro de ver Irmã Dulce andando ali pelo Aquidabã. Ela saía para pedir, sem vergonha, e sempre achava quem colaborasse com a sua obra”, afirma a devota Maria Apolinária da Silva. Talvez você esteja se perguntando: como um gesto de pedir, como “esmoler” – assim ela era chamada por muitos –, pode ser uma ação missionária? Basta olhar qual foi a motivação que levou Irmã Dulce a ter esta atitude de saída: ela não pedia para ela; ela pedia “para os meus pobres”, como costumava dizer. De acordo com o assistente eclesiástico da Comissão Missionária Diocesana (COMIDI), padre Diego Jesus dos Santos, o trabalho missionário que Santa Dulce realizou deve ser visto como o cumprimento heroico do mandato de Jesus aos seus discípulos: “Ide e anunciai o Evangelho a todos”. “De fato, ela soube comunicar muito bem o Evangelho, mesmo sem usar tantas palavras, pois a mensagem de Jesus estava encarnada na sua vida, na sua forma de agir e de estar com o próximo, sobretudo os mais necessitados. Santa Dulce compreendeu muito bem o sentido da fé que se revela nas obras, que não fica apenas no discurso, mas que encontra eco na existência, muitas vezes sofrida, do outro. Trata-se, portanto, de uma verdadeira inspiração missionária para todos os cristãos, principalmente, para nós, baianos, que ainda compartilhamos de uma realidade pastoral muito próxima à experimentada por ela”, afirma o padre.

Missão e cheiro de santidade A vida missionária de Irmã Dulce teve início na infância, com a influência direta da família. Aos 13 anos, a menina passou a atender mendigos e doentes na casa onde morava (Rua da Independência, n. 61, Nazaré), que ficou conhecida como “A Portaria de São Francisco”, pela quantidade de pessoas pobres que se aglomeravam à sua porta. Foi também neste período que, após visitar, com uma tia, alguns locais pobres de Salvador, ela manifestou o desejo de ingressar na vida religiosa. “Entre tantas características de Irmã Dulce, posso destacar a esperança e a fé, suas companheiras de todas as horas. Com elas, venceu as adversidades do dia a dia, soube manter a alegria mesmo nos momentos difíceis, pode consolar e ajudar a quem lhe pedia socorro e soube transformar a vida num ato perene de amor a Deus”, diz a sobrinha da religiosa e superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), Maria Rita Lopes Pontes.

O Anjo Bom da Bahia era incansável em fazer o bem Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

25


Foto: Arquivo OSID

Desde pequena, Santa Dulce dos Pobres (primeira à esquerda) já demonstrava amor aos mais pobres

No serviço missionário que exercia, o cheiro de santidade de Irmã Dulce exalava pela capital baiana. “Irmã Dulce era uma pessoa incomparável. Não estou dizendo isso porque, agora, ela é santa, mas porque eu tive o prazer de chegar perto dela, de conversar com ela. Já em vida ela era uma Santa”, afirma a devota Maria das Graças da Silva. Ao mesmo tempo em que acolhia crianças, doentes e idosos, Irmã Dulce batia nas portas de empresários, comerciantes e políticos para pedir ajuda. Entre os inúmeros pedidos, algumas negações. Uma delas, muito conhecida, foi a de um comerciante que cuspiu na mão de Irmã Dulce. Ela colocou a mão em um dos bolsos e disse: “esse é meu”, estendeu a outra mão e continuou: “agora me dá o dos meus pobres”. “A vida dela era assim: dia e noite, uma pessoa dedicada de corpo e alma. Ela não vivia para ela; ela vivia só para o serviço a Deus e aos pobres. Eu, que era mais jovem, não aguentava aquele ritmo que ela tinha”, conta a Irmã Olívia. Mas a missão de Irmã Dulce ia para além de ajudar os pobres. Muitas pessoas a procuravam para aconselhamentos. “Chegavam pessoas da rua com 26

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

problemas familiares que queriam conversar com Irmã Dulce. Ela ia até as 22 horas, conversando e aconselhando. Todo mundo procurava ela, as pessoas sentiam que ela tinha condição de orientar, de ajudar nos problemas daquelas famílias. Ela, realmente, escutava todo mundo. Enquanto ela não atendesse, ela nunca dava um não”, diz a Irmã Olívia. Para o padre Diego, Irmã Dulce já fazia o que o Papa Francisco chama de ‘Igreja em saída’. “Quando o Papa Francisco quis chamar a atenção para a identidade missionária que devemos assumir enquanto cristãos, foi muito claro: temos de ser Igreja em saída. Ou seja, é preciso ir ao encontro do outro e não se deixar vencer pelo egoísmo, fechando-nos em nós mesmos. Portanto, valores tão bem vividos por Santa Dulce como o amor, a compaixão e o respeito, são imprescindíveis no desenvolvimento de um serviço missionário. Esta era a espiritualidade de Jesus: ir ao encontro, fazer-se próximo. E esta era a espiritualidade de Santa Dulce: nunca impor pela agressividade das palavras, mas sempre propor, pela força do testemunho, um caminho diferente, pelo qual nos reconheceríamos melhor como irmãos”, diz o padre Diego.


Ano 02 | Nยบ 8 | Dez/2019 a Fev/2020

27


Fotos: Arquivo OSID

Obras Sociais Irmã Dulce Por Emilly Lima

LEGADO DE AMOR

Por onde passou, Santa Dulce dos Pobres plantou sementes de caridade que todos os dias dão frutos uem vê de perto, ou até mesmo de longe, nem acredita que, em meados da década de 50, as Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), que hoje são consideradas um dos maiores complexos de saúde com atendimento integralmente gratuito do Brasil, eram apenas um galinheiro. Muito caridosa, em 1947, Irmã Dulce – agora Santa Dulce dos Pobres - não tinha para onde ir com os 70 doentes que cuidava, então, pediu autorização à superiora para abrigar os enfermos em um galinheiro existente ao lado do Convento Santo Antônio. E foi assim que nasceu o maior hospital da Bahia. Em 26 de maio de 1959, 12 anos após ocupar o galinheiro, Irmã Dulce, oficialmente, fundou a Associação Obras Sociais Irmã Dulce, para dar um melhor tratamento e cuidado aos pacientes. Atualmente, a sede da OSID encontra-se instalada na Avenida Dendezeiros do Bonfim, no bairro do Bonfim (Cidade Baixa), em Salvador, e possui 40 mil metros quadrados de área construída, e um total de 954 leitos hospitalares a serviço de pacientes oncológicos, idosos, pessoas com deficiência, com deformidades craniofaciais, crianças e adolescentes em situação de risco social e outros usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, acredite, o legado que Irmã Dulce deixou não se restringe apenas ao Hospital Santo Antônio: a entidade possui 21 núcleos de atendimento, sendo que 19 atuam na área da saúde, dentre eles, o Centro Geriátrico, Hospital da Criança, Unidade de Alta

Q

28

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

Em 1947, Irmã Dulce, agora Santa Dulce dos Pobres, não tinha para onde ir com os 70 doentes que cuidava, então, pediu autorização à superiora para abrigar os enfermos em um galinheiro existente ao lado do Convento Santo Antônio. E foi assim que nasceu o maior hospital da Bahia.


Complexidade em Oncologia, Centro de Acolhimento à Pessoa com Deficiência, Centro Especializado em Reabilitação e o Centro de Acolhimento e Tratamento de Alcoolistas, entre outros. São contabilizados anualmente 2,2 milhões de procedimentos ambulatoriais, sendo que, diariamente, são atendidas 2 mil pessoas e realizadas, por ano, 12 mil cirurgias, além dos 18 mil internamentos. Todos os cuidados técnicos e humanos da OSID são feitos por três mil funcionários, incluindo 300 médicos e cerca de 300 pessoas que trabalham voluntariamente para manter vivo o legado social que Santa Dulce dos Pobres deixou. O 20º núcleo é o Memorial Irmã Dulce (MID), onde o público pode visitar e conhecer mais sobre a história de vida do Anjo Bom da Bahia. No memorial podem ser encontrados objetos da Santa Dulce dos Pobres, tais como seu hábito, fotografias e documentos que são preservados até hoje para manter viva a lembrança da primeira santa desta época. Quem visita o MID pode ver de perto a sanfona que, por tanto tempo, foi utilizada para evangelizar, e a cadeira na qual ela dormiu por mais de trinta anos para cumprir uma promessa. E o 21º e último núcleo, mas de forma alguma menos importante, é o Centro Educacional Santo An-

tônio (CESA), localizado em Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador, que atende 780 crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. O CESA, em 1964, era um orfanato que abrigava meninos e meninas que não tinham família e, hoje, é uma escola integral, que engloba o Ensino Fundamental (do primeiro ao nono ano), e ainda oferece o acesso de inclusão digital, arte-educação, atividades esportivas, assistência odontológica e uma série de serviços que são oferecidos para as crianças matriculadas. O legado de amor do Anjo Bom da Bahia foi tão extenso que, além dos 21 núcleos que pertencem à entidade, a OSID ainda atua na gestão de unidades fora de Salvador, sendo responsável pela administração dos hospitais do Oeste (Barreiras), Eurídice Sant’anna (Santa Rita de Cássia) e o Regional Dr. Mário Dourado Sobrinho (Irecê). Neste ano, as Obras Sociais Irmã Dulce completaram 60 anos desde a sua fundação, e o principal símbolo e missão da entidade herdados de Irmã Dulce é “Amar e Servir”. Para manter viva essa grande obra, que conta com cerca de 340 especialidades médicas, exames laboratoriais e de bioimagem, internação, cirurgias e reabilitação, a OSID conta com recursos do SUS, convênios com organismos estatais, doações e venda de produtos. Foto: Arquivo OSID

Milhares de atendimentos são realizados por ano no maior hospital da Bahia, fundado pela Santa Dulce dos Pobres, que teve início em um galinheiro Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

29


Foto: Arquivo OSID

Filhos de Irmã Dulce Por Emilly Lima

Filhos de uma Santa Homens e mulheres lembram com carinho de quem os amou como filhos

H

30

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

todas as sextas-feiras e aos sábados. E uma curiosidade: mamãe Dulce amava contar histórias para seus filhos, sugeria brincadeiras para animar os garotos, que ficavam muito felizes por sua presença, e levava guloseimas para adoçar as tardes. Mas, você deve estar se perguntando: como deve ser ter uma mãe santa? Será que ela reclamava? Não tenha dúvidas! O amor materno de Irmã Dulce a fez querer, apenas, o bem dos pequenos que estavam sob a sua responsabilidade. “Todo domingo, Irmã Dulce escolhia 20 meninos para levar à praia da Boa Viagem Foto: Sara Gomes

á quem diga que mãe é aquela que abre os braços e acolhe a todos, sem distinção e com amor incondicional. Para muitos, a mulher não precisa gerar no ventre para ser mãe; ela pode conceber os filhos no coração e, com a graça de Deus, derramar tanto amor e carinho que passa a não fazer diferença entre quem gerou ou quem criou. Se, ao longo destes anos, é fácil ver a doação de vida da Santa Dulce dos Pobres materializada na concretude das ações que continuam até os dias atuais, também não é difícil saber que, para muitos, ela foi uma verdadeira mãe. O amor pelas crianças, especialmente as que eram abandonadas pelos pais, só crescia a cada dia. Mais do que abrir as portas do convento, Irmã Dulce escancarava as portas do coração para acolher os filhos que Deus lhe mandava. “Para falar da minha mãe [Irmã Dulce], na verdade, não sei onde buscar palavras, porque ela, para mim, é tudo que eu tenho hoje e agradeço a Deus por tê-la na minha vida”, afirma Cícero de Jesus, hoje com 43 anos, que é um dos inúmeros filhos que foram criados pela Santa Dulce dos Pobres no antigo Orfanato Santo Antônio, atual Centro Educacional Santo Antônio (CESA). Cícero conheceu Irmã Dulce quando ainda era uma criança. Tinha apenas três anos de idade quando foi acolhido pelo Anjo Bom da Bahia e foi levado para morar no orfanato, em Simões Filho. Entre as muitas lembranças, guardadas na memória e no coração de Cícero, estão as visitas que recebia da mãe dos pobres

“Ela me pegou, me colocou no colo – eu estava chorando, e ela me disse: ‘Filho, quando quiser alguma coisa, não pegue escondido, venha e me peça, porque eu sou a sua mãe’”, conta Cícero, emocionado.


Foto: Emilly Lima

para fazer os devidos agradecimentos e rezar. “Ela me ensinou que todos os dias tínhamos que orar, que não deixássemos de orar. Ela pedia para que eu permanecesse na minha fé acontecesse o que acontecesse”, relembra.

Aconchego

“Eu sinto uma gratidão imensa ao lembrar que cheguei aqui com uma sacolinha na mão, sem ter roupas e sapatos, e hoje ver tudo que tenho é por causa dela”, diz Ana Lúcia, filha da Santa Dulce dos Pobres.

Foto: Emilly Lima

e, certo dia, eu fui um dos escolhidos. Naquele dia, eu estava com muita fome e, quando o nosso grupo retornou da praia, passamos no hospital para almoçar”, rememora Cícero. Impaciente, o menino viu a cozinha aberta e colocou, escondido, um pedaço de carne na camisa, mas, felizmente, foi descoberto por uma Irmã e levado para Irmã Dulce “Ela me pegou, me colocou no colo – eu estava chorando, e ela me disse: ‘Filho, quando quiser alguma coisa, não pegue escondido, venha e me peça, porque eu sou a sua mãe’”, conta Cícero, emocionado. Assim como ele, Ana Lúcia Rocha de Oliveira, hoje com 60 anos, também foi acolhida, aos 8 anos, e pôde colocar a cabeça no colo da mãe dos pobres. Na época, enquanto os meninos moravam no orfanato, em Simões Filho, as meninas eram encaminhadas para o convento, em Salvador. Entre os muitos afagos da mãe, Ana foi crescendo e, aos 16 anos, recebeu o sacramento do Matrimônio. “Fui ajudada por todos, principalmente por minha mãe, Irmã Dulce, que pediu ao motorista dela, conhecido como senhor Cabeça, que nos cedesse a casa que ele tinha e que estava sem utilizar. A casa era bem pequenininha, eu casei, me mudei para lá e tenho a casa até hoje, porque foi minha mãe quem me deu”, diz. Além da casa, o Anjo Bom da Bahia ajudou Ana Lúcia, dando-lhe oportunidade de trabalhar nas Obras Sociais Irmã Dulce. Ana ganhou um curso de Atendente de Enfermagem e, ao terminar, seguiu para o setor de enfermagem da OSID, onde já completa 34 anos de serviço ao próximo. “Hoje tenho minha casa, meu marido, meus filhos e agradeço a Deus e a Irmã Dulce, pois foram eles que me deram”, conta com brilho nos olhos. Para manter viva a lembrança e também sentir Irmã Dulce por perto, todos os dias Ana Lúcia vai até o Santuário Santa Dulce dos Pobres, no Largo de Roma, antes de iniciar mais uma jornada de trabalho

O colo da mãe é sempre o lugar do refúgio do filho, não é mesmo? E era para este lugar que Misael de Jesus seguia todas as vezes que encontrava Irmã Dulce. Hoje, com 52 anos, o auxiliar técnico da Central de Material e Esterilização (CME) da OSID foi entregue pela mãe biológica para ser criado por Irmã Dulce quando tinha seis anos e permaneceu no orfanato até os 18. Neste período, a mãe Dulce o ajudou a preparar-se para o mercado de trabalho. “Irmã Dulce se preocupava muito com a nossa saída do orfanato e queria que já saíssemos com alguma profissão, nos deu estudos e nos incentivava a aprender alguma coisa”, diz Misael, recordando que realizou diversos cursos para ser considerado “pronto” pela sua mãe. O olhar no presente, mas também no futuro dos filhos, fez com que a Santa Dulce dos Pobres contribuísse, de forma direta, na transformação social e humana de cada um deles. “Ela era uma típica caça-talentos. Ela procurava enxergar nos seus filhos em que eles eram bons e o que eles gostavam de fazer para se qualificarem e estarem prontos para, quando abrisse uma vaga de emprego, ela indicar”, diz Misael. Mas, e quem disse que a preocupação da mãe termina quando os filhos crescem? “Entre as maiores graças recebidas por mim está em ter Irmã Dulce como madrinha e organizadora do meu casamento. Ela conseguiu a doação do bolo e o vestido de noiva da minha esposa. Quando lembro de momentos como esse, nos quais ela esteve ao meu lado, isso me fez e me faz superar qualquer obstáculo nessa vida, porque sei que ela me dá forças”, pontuou.

“Ela era humilde para ela, todo mundo era igual e esse é o legado dela, porque não diferenciou ninguém”, afirma Misael Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

31


Foto: Arquivo OSID

Graças Por Sara Gomes

Grande Intercessora

Antes e depois da canonização, relatos de graças alcançadas chegam todos os dias às Obras Sociais Irmã Dulce uero agradecer, do fundo do meu coração, por uma graça especial e por muitas outras. Há 8 anos eu pedi para ela interceder junto a Jesus por nossa família, que estava passando por uma situação muito difícil, financeira e moral. Meu marido e meus dois filhos estavam desempregados, não tínhamos nem onde morar, nossa família teve que se separar e morar cada um pelas casas dos outros. Foi terrível, mas agora está tudo bem, graças à intercessão de Irmã Dulce...”. O trecho que abre esta matéria foi retirado de uma das milhares e milhares de cartas que chegam às Obras Sociais Irmã Dulce (OSID) ao longo do ano. Escrito em 15 de setembro de 2004, portanto, sete anos antes da beatificação e 15 anos antes da canonização, o texto foi enviado por uma devota de Manaus. A graça recebida e testemunhada mostra a fé de quem recorre à intercessão do Anjo Bom da Bahia. “Eu confio que, com a ajuda de Irmã Dulce, nós haveremos de vencer todos esses obstáculos e seguirmos em frente, dando glória ao Senhor Jesus por colocar no mundo, no caminho dos necessitados, pessoas santas como Irmã Dulce. Ela já é santa”, escreveu esta fiel. Oficialmente, este caso não é considerado milagre, mas está entre inúmeros relatos de graças recebidas pela intercessão da Santa Dulce dos Pobres. Nos armários que guardam histórias de graças há casos de diversas cidades e países. São cartas e bilhetes que chegam pelos Correios ou são entregues

Q

32

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

pessoalmente, além de e-mails e recados deixados no Memorial dedicado a guardar a preciosa história de vida e missão da primeira santa da nossa época. Os relatos somam-se a exames, laudos, fotografias e outros registros que comprovam que as graças aconteceram. “Escrevo para publicar que já alcancei quatro graças pela intercessão da Irmã Dulce: uma foi para minha filha, que estava sem casa para morar. Outra, foi para meu sobrinho continuar com os estudos no seminário, porque estava difícil. Outra, foi para o meu genro, que estava desempregado há muito tempo e voltou a trabalhar. Outra, sobre a minha saúde, não estou completamente curada, mas estou melhor, graças a Deus”, escreveu outra devota, de Palmeira dos Índios, Alagoas. A certeza de que a Santa Dulce dos Pobres continua presente faz parte da vida de muitas pessoas. Quem entra no Santuário ou circula pelas instalações da OSID se depara, em muitos locais, com um quadro que possui a foto da santa e a inscrição: “Tenha fé. Continuo presente”. “Quando eu vejo esse quadro, me dá a sensação de que ela está olhando para mim e que eu posso, realmente, suplicar por uma graça”, diz José Raimundo dos Santos. Morador de Irecê, na Bahia, ele chegou a Salvador para ajudar a acompanhar a mãe internada no Hospital Santo Antônio. Entre tantos relatos está o de uma jovem chamada Andréa, de Maceió. Vítima de depressão, ela pediu à Irmã Dulce que a curasse, pois já não sabia mais o que fazer: tudo era motivo de medo e de de-


Foto: Arquivo OSID

Muitas são as graças recebidas pela intercessão da Santa Dulce dos Pobres

sânimo. “Como sou devota de Irmã Dulce, resolvi rezar e pedir a ela, todas as noites, que me desse a cura deste mal. Rezava todos os dias, com fé e fervor, e alcancei a graça de me curar por intercessão Irmã Dulce”, escreveu. Seja nas cartas ou em testemunhos orais, pelas ruas de Salvador, não é difícil encontrar pessoas que receberam graças, como as relatadas acima, pela intercessão da Santa Dulce dos Pobres. Muitas aconteceram antes mesmo de ela ser proclamada Santa. “Hoje eu estou aqui, nesse Santuário, para agradecer. Há dois anos eu tive um câncer de mama, pedi à Irmã Dulce que falasse com Jesus para me curar, pois eu não queria morrer e deixar meus filhos que ainda são pequenos. Pedi, rezei, fiz todo o tratamento e hoje

estou aqui para agradecer, somente para gradecer pela cura”, relata a fiel Maria dos Anjos Batista. Assim como ela, quem ouve falar na Santa Dulce dos Pobres já sabe que passa a contar com uma grande intercessora no céu. “Eu sei que ela está presente, eu sinto a presença dela todas as vezes que venho à OSID ou que eu rezo e suplico pela intercessão da nossa santa. Já recebi várias graças e uma delas, a mais recente, foi a compra da minha casa. E quero deixar um recado para quem é devoto: Santa Dulce dos Pobres foi escolhida por Deus para ser uma ponte entre nós e Ele, então, confie, peça, suplique porque ela vai levar os nossos pedidos e, se estiverem de acordo com a vontade de Deus, Ele vai nos atender”, afirmou o fiel Gilmar da Cruz.

Recebeu alguma graça pela intercessão da Santa Dulce dos Pobres? Não esqueça de relatar à OSID através de: Carta: enviar para o endereço: Avenida Dendezeiros do Bonfim, 161 - Bonfim Salvador/Bahia CEP: 40.415-006 aos cuidados do Memorial Irmã Dulce E-mail: memoria.cultura@irmadulce.org.br ou memorial@irmadulce.org.br Site da OSID: irmadulce.org.br, na aba “Santa Dulce” área “Santa Dulce” / área: “Depoimento”

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

33


Artigo

Dr. Sandro Barral, médico

O milagre a partir do olhar da ciência Foto: Arquivo OSID

ciência e os milagres parecem ser diametralmente opostos. Da ciência espera-se que explique, de forma convincente, todos os fatos. Dos milagres espera-se o inexplicável, o extraordinário e, por que não dizer, a mágica. Mas, qual é, afinal, o papel dos médicos e da ciência nesses casos? Essas situações podem parecer estranhas para muitos. Na nossa sociedade, cabe ao médico dominar conhecimento científico sobre o binômio saúde X doença. Conceda-me um breve momento para explicar como aqui cheguei. Certamente, na vida de alguém, essa não é uma situação corriqueira, ainda mais quando ocorre duas vezes. Ao longo dos quase 22 anos que frequento as Obras Sociais Irmã Dulce (OSID) já me deparei com muitos milagres. Milagres estes que podem não ter, teoricamente, o mesmo significado ou relevância do vivido por Maurício, o miraculado que deixou de ser cego após a intercessão da nossa Santa Dulce dos Pobres, levando à sua canonização, mas nem por isso menos importantes. Já não seria um milagre uma pessoa tão frágil como a Irmã ter construído uma obra de tamanha magnitude? E não menos impressionan-

A

34

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

te, o fato desta perpetuar-se com um crescimento contínuo e sustentável mesmo após 25 anos da sua morte? A sua obra ocupa uma posição de destaque na assistência à saúde dos mais carentes no nosso Estado e, por que não dizer, no nosso país. Fui agraciado, ainda bastante jovem na idade e novo na profissão, com a missão de ser perito médico no processo que levou à beatificação da Irmã e, agora, oito anos após a sua canonização. Feitas as devidas apresentações, lembro de forma singela o caso da beatificação, passo imprescindível para um dia ser canonizada. Nele, uma jovem mãe, já sem esperanças de ser salva de um quadro de hemorragia intensa e distúrbios da coagulação, após um parto e múltiplas cirurgias, quando nada mais havia a ser feito e nada além da morte era esperado, consegue sobreviver, sem nenhuma explicação, após pedido de um pároco devoto da nossa Dulce. Anos se passaram e relatos de situações extraordinárias foram chegando às Obras. No entanto, o olhar científico conseguia chegar a uma explicação plausível para cada caso. Até o dia em que chegou o caso de um jovem cego que, num momento de so-


frimento, pede a nossa Santa o alívio e é agraciado não apenas com isso, mas com algo muito maior: a recuperação da visão. Exerci pela segunda vez o papel de perito médico. Na descrição do caso, Maurício, cego desde os vinte e poucos anos, pede a intercessão da nossa Dulce para lhe aliviar as dores de uma conjuntivite intensa e, de forma inexplicável, volta a enxergar após 11 anos de cegueira. Preciso ressaltar que a opinião do perito médico responsável pela causa é de menor importância, por ser ligado a mesma, existindo pareceres de pelo menos outros 10 médicos que avaliaram e constataram ausência de explicações científicas para o fato. Hoje, o miraculado leva uma vida normal e independente. Nessas avaliações de casos, como o descrito nas duas situações, deve o perito ser isento, despir-se de suas crenças religiosas e observar, única e exclusivamente, se aquele fato, tido como extraordinário pelos agraciados, seria algo inexplicável à luz de todo o conhecimento. Intermináveis horas de estudo sobre prontuários médicos, avaliação de exames complementares, coleta de dados junto aos médicos que assistiram o paciente, tanto antes como após o fato em questão, revisão da literatura médica, buscando respostas ou situações já descritas que pudessem ter alguma semelhança. Deve-se sempre estar atento aos mínimos detalhes. Falhas não podem acontecer! A ciência deve ser desafiada na busca pelas respostas. Não há espaço, nessas situações, para dúvidas ou questionamentos. Está em jogo mais que a reputação dos peritos, mas de alguém que é foco de respeito, admiração e devoção de muitos.

Levados a cabo todos os questionamentos e estudos, segue-se em frente, acenando aos responsáveis pela causa junto à Igreja, para o convencimento sobre a impossibilidade de justificativas científicas para o ocorrido. Nesse momento é relacionando o inexplicável, do ponto de vista da ciência, o pedido de intercessão exclusivo ao candidato a Santo e se esse fato se deu de forma imediata e permanente. No caso da nossa Santa, um tribunal foi aberto na cidade de Recife, com a presença deste perito, um promotor da causa, representantes da Igreja. Foram colhidos depoimentos de pessoas ligadas ao paciente, dos médicos que o atenderam ou atendem e duas avaliações completas de médicos que não conheciam para atestar a situação atual da saúde do paciente. Encerrados os trabalhos, encaminha-se todo o material para o Vaticano, onde, após novas instâncias médicas e eclesiásticas, com revisão completa e novos questionamentos, é realizado o reconhecimento ou não da pertinência do processo. Reconhecida esta pertinência, é levada ao nosso Papa Francisco que reconhece, na nossa Irmã, sua santidade. Nesse momento, não mais como perito médico, e sim, como fiel e devoto da nossa Santa, o que posso dizer é: quantas pessoas têm a felicidade de fazer parte de algo assim na vida? Essa é uma pequena contribuição pessoal para uma a obra tão grande quanto a nossa Santa, gigante em seus valores, exemplos e legados. Jamais poderia concluir sem falar o que sempre digo aos meus alunos no hospital e aos que me perguntam sobre a ciência e suas explicações ou não para os casos de milagres: “Quer ver o milagre de Irmã Dulce? Basta visitar as suas Obras”.

Fotos:Arquivo OSID

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

35


36

Ano 02 | Nยบ 8 | Dez/2019 a Fev/2020


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.