parq issue june/july

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REal PEople

nicolas vauldelet texto: francisco vaz fernandes

Com a aquisição de um sotaque andaluz, Nicolas Vaudelet não deixa dúvidas sobre a paixão que nutre pelo flamenco que o levou, como um destino, à direcção criativa da marca sevilhana El Cavallo depois de um percurso 12 anos em Paris ao lado de Christian Lacroix, John Galliano, Marc Jacobs, Alexander McQueen e Jean-Paul Gualtier. Vindo da Bretanha, sem tradição familiar, como nasceu esse interesse pelo design de moda? Vim para Paris com 17 anos para estudar artes gráficas numa escola tradicional, Penninghen. Estávamos no início dos anos 90, numa época em que os desfiles dos criadores se tornavam muito mediáticos. Era influenciado por Mugler, Montana Gualtier e Lacroix. Especialmente por este último porque no meu entender é um grande artista gráfico. Consegui entrar no seu atelier de alta costura para fazer um pouco de tudo. Desse contacto o importante para mim foi o seu método de pesquisa. Com ele podese falar da moda depois da arte. As formas e as cores provêm de um processo complexo de pesquisa iconográfica através do campo da arte. É um homem incrivelmente culto. Engraçado, agora que mencionas Lacroix, consigo vislumbrar um fio de luz entre aquele universo exótico e o que pretendes desenvolver em El Caballo. Devo-lhe muito. O meu conhecimento sobre a cultura andaluza nasce com ele, do processo de pesquisa em que me envolvia a fundo. Ele vem do sul de França, de Arles, que de uma certa forma é uma espécie de Andaluzia francesa. Monta-se o cavalo de igual forma, há uma valorização dos touros, etnias ciganas e muito flamenco. Descobri esse mundo andaluz nessa época e a partir daí fui cimentando essa paixão a partir de Paris, procurando o pouco que a cidade me oferecia desse mundo. Frequentava as minhas aulas de flamenco e coleccionava discos antigos de música espanhola. No entanto, Espanha continuava longe e tinha que esperar … O meu trabalho continuava a estar em Paris. A Espanha era só para as férias. Antes de chegar a Sevilha tive um processo de formação enriquecedor que passou pelo contacto com muitos criadores e métodos de trabalho diferentes. Com John Galliano, na

Dior, tudo era muito divertido, mas quem sabe a sua investigação fosse mais histórica. Com Marc Jacobs na Louis Vuitton talvez demasiado americano, mas possibilitou a minha primeira experiência com roupa casual. Voltei a encontrar uma visão mais global da criação com Jean‑Paul Gualtier, que é pessoa muito divertida e dinâmica. Todos os elementos do seu atelier fazem parte de uma grande família. Foi aí que encontrei os meus principais amigos de Paris. E com uma carreira promissora em Paris, como foi possível um dia mudares-te para Sevilha? Quando Jean-Paul (Gualtier) fez a roupa de Joaquin Cortez conheci uma espanhola que trabalhava na direcção do gabinete de comunicação de El Cavallo em Madrid. Ficámos amigos e ia sabendo de como em Paris andava sempre como um louco à procura de um pouco de “flamanquito”. Foi ela que me falou desta marca sevilhana e da hipótese de trabalhar na sua direcção criativa. O primeiro encontro com a direcção foi no dia dos meus anos, a dia 21 de Novembro de 2006, e passado um ano estava com os meus móveis em Sevilha. Em todo o processo fui-me aconselhando sempre com o Jean-Paul, que foi a pessoa que mais me apoiou na minha decisão. Sabia que eu dançava flamenco e que procurava esse mundo que estava dentro de mim. E para ti o que era El Caballo? Aqui em Lisboa temos uma imagem muito conservadora da marca. Eu conhecia, no essencial, a loja de Sevilha. Não conhecia a empresa. Sabia que era uma empresa com história e gostava de toda a mística da marca e de todo o trabalho de pele feito à mão. Quando vês a loja em Sevilha é como se fizesse parte da paisagem da cidade, é um dos seus monumentos. Faz parte da sua história e tradição.

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E como achas que um português ou alguém de outra cultura possa entender essa marca? Vendemos para todos os lados, do México ao Japão. O meu trabalho é realizar um produto com sabor a Sevilha. Não que me tenha sido pedido directamente, mas lidando com uma empresa fundada em 1892 parece-me que seria uma pena não trabalhar o que tem de mais único, a sua história e as suas tradições locais. Na verdade um cheiro de flamenco na sua justa medida e do seu exotismo é o que faz com que um japonês compreenda a marca e a deseje para que possa sonhar e viajar com ela. Se compras Yves Saint-Laurent ou Dior estás a comprar um pouco da Rue Montaigne. Temos uma técnica e maneira únicas de trabalhar a pele, próprias da tradição secular sevilhana. Por isso esse sabor da Andaluzia só nós o podemos dar e seria uma pena esquecê-lo ou deixá-lo de parte. E para além de todo o fascínio de estrangeiro, foi fácil a adaptação em Sevilha? Como te disse, já estava preparado. Eu procurava esse mundo, através de leituras, música, paladares. Quando podia, num fim‑de‑semana ou nas férias dava um salto a Sevilha ou Madrid. No entanto, a integração em Sevilha é complicada porque é uma cidade muito particular. Tudo funciona em termos de clãs. Para quem procura a integração talvez o mais fácil seja entrar numa confraria, que foi o meu caso. Isso permite ter um grupo de amigos sevilhanos, comentar os passos de uma virgem se necessário, sem que te olhem como um estrangeiro. Se não entras num clã ficas um pouco de fora e para mim era importante entender a cidade por dentro e poder exprimi-la no meu trabalho com todos os seus detalhes e riqueza.


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