O Mensageiro - Junho 2020

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Santuário da Adoção

Desafio de adotar uma criança mais velha

Adotar uma criança mais velha é uma escolha corajosa e generosa, uma vocação que precisa ser assumida de forma consciente, buscando recursos para o desafio de ser instrumento de cura e restauração. Por mais que a família se prepare, a realidade é sempre surpreendente e desafiadora. Parafraseando Simone de Beauvoir, que disse que “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, “Não se nascem pais, tornam-se pais”! Cada filho é diferente e a relação se constrói no caminho. Não dá para antecipar ou prevenir as crises próprias a cada relação, mas dá para identificar alguns desafios comuns a todas as famílias e especialmente às famílias que adotam crianças com mais idade. No caso da adoção tardia, um dos recursos mais importantes é a experiência de famílias que já passaram por essa situação. Um testemunho pode ser visto no filme O Contador de Histórias, que relata a história real de um menino adotado por uma pedagoga francesa. O filme não esconde os traumas, os conflitos, as recaídas, e os testes aos quais o vínculo foi submetido, mas mostra que é possível ter um final feliz. Eu mesma acompanhei algumas famílias bem-sucedidas. Alguns princípios comuns: 1. Convencer a família extensa A decisão cabe ao casal, que deve 14

conseguir a adesão dos filhos e comunicar seus planos aos seus respectivos pais (do casal), pois estes se tornarão avós e, por isto, precisam se sentir solicitados e integrados. É preciso ter paciência para desmanchar preconceitos e convencer a família. Devem-se evitar discussões e rupturas, pois a criança adotada não pode se tornar fonte de tensão ou afastamento no seio da família. É importante preparar os filhos (futuros irmãos) e deixar claras as motivações do casal para que se sintam cooperadores. 2. Encarar a verdade. Muitos pais receiam contar a verdade por medo de machucar o filho adotivo ou porque não querem ser rejeitados pela criança. Não adianta fingir que é filho biológico. Qualquer deturpação da verdade acerca da origem da criança (que ela conhece no íntimo, mesmo que de forma inconsciente), prejudicará seu desenvolvimento e a qualidade da relação de confiança que se pretende construir com ela. A verdade dita de forma simples, clara e adaptada à idade da criança permitirá, que ela vá digerindo no decorrer da sua existência a questão da sua origem. Não se deve mentir nem omitir nada, mas também não é necessário bater sempre na mesma tecla. Basta esclarecer suas dúvidas. Certa vez uma criança perguntou aos pais adotivos: “De onde eu vim?” Os pais começaram uma longa explicação sobre gestação biológica e gestação afetiva quando o filho os interrompeu dizendo: “Só perguntei

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porque o meu amigo veio de Campinas!”. Uma coisa é certa: silêncio e segredos minam a relação. É preferível introduzir o tema da adoção de forma natural no universo da família. A maneira como os pais lidam com esta delicada questão revela suas emoções íntimas. Talvez eles precisem aprender a lidar com estas emoções de forma mais consciente. Os pais precisam estar atentos às confidências e dúvidas da criança. As lembranças são as peças de um quebra-cabeça que a criança precisa reconstruir. Por isto, é bom registrá-las. Cabe aos pais tentar dar uma imagem positiva, mas não idealizada, dos pais biológicos. Não se deve inventar dados desconhecidos para tentar preencher os buracos na memória da criança. Basta ela saber que suas lembranças são acolhidas para que a memória solte aos poucos os detalhes importantes à medida que a criança consegue assimilá-los. Ela precisa expressar o seu sofrimento. Sua versão dos fatos pode variar no decorrer do seu processo de desenvolvimento. Respeitar a versão da criança não significa supervalorizar seus sofrimentos, pois ela pode usar isto para chamar a atenção e aos poucos gostar do papel de vítima. É bom ajudá-la a perceber sua história com novos enfoques e fazer uma releitura positiva. Por exemplo, a mãe pode ser vista como alguém que preferiu dar-lhe melhores oportunidades por conhecer suas próprias limitações. É importante frisar para a criança que, mesmo que seus pais biológicos não tenham planejado sua vinda, Deus a quis! Mostrar que, se ela sobreviveu,


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