6 minute read

Santuário da Adoção

Desafio de adotar uma criança mais velha

Adotar uma criança mais velha é uma escolha corajosa e generosa, uma vocação que precisa ser assumida de forma consciente, buscando recursos para o desafio de ser instrumento de cura e restauração. Por mais que a família se prepare, a realidade é sempre surpreendente e desafiadora. Parafraseando Simone de Beauvoir, que disse que “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, “Não se nascem pais, tornam-se pais”! Cada filho é diferente e a relação se constrói no caminho. Não dá para antecipar ou prevenir as crises próprias a cada relação, mas dá para identificar alguns desafios comuns a todas as famílias e especialmente às famílias que adotam crianças com mais idade.

Advertisement

No caso da adoção tardia, um dos recursos mais importantes é a experiência de famílias que já passaram por essa situação. Um testemunho pode ser visto no filme O Contador de Histórias, que relata a história real de um menino adotado por uma pedagoga francesa. O filme não esconde os traumas, os conflitos, as recaídas, e os testes aos quais o vínculo foi submetido, mas mostra que é possível ter um final feliz. Eu mesma acompanhei algumas famílias bem-sucedidas.

Alguns princípios comuns:

1. Convencer a família extensa A decisão cabe ao casal, que deve conseguir a adesão dos filhos e comunicar seus planos aos seus respectivos pais (do casal), pois estes se tornarão avós e, por isto, precisam se sentir solicitados e integrados. É preciso ter paciência para desmanchar preconceitos e convencer a família. Devem-se evitar discussões e rupturas, pois a criança adotada não pode se tornar fonte de tensão ou afastamento no seio da família. É importante preparar os filhos (futuros irmãos) e deixar claras as motivações do casal para que se sintam cooperadores.

2. Encarar a verdade. Muitos pais receiam contar a verdade por medo de machucar o filho adotivo ou porque não querem ser rejeitados pela criança. Não adianta fingir que é filho biológico. Qualquer deturpação da verdade acerca da origem da criança (que ela conhece no íntimo, mesmo que de forma inconsciente), prejudicará seu desenvolvimento e a qualidade da relação de confiança que se pretende construir com ela. A verdade dita de forma simples, clara e adaptada à idade da criança permitirá, que ela vá digerindo no decorrer da sua existência a questão da sua origem. Não se deve mentir nem omitir nada, mas também não é necessário bater sempre na mesma tecla. Basta esclarecer suas dúvidas.

Certa vez uma criança perguntou aos pais adotivos: “De onde eu vim?” Os pais começaram uma longa explicação sobre gestação biológica e gestação afetiva quando o filho os interrompeu dizendo: “Só perguntei porque o meu amigo veio de Campinas!”. Uma coisa é certa: silêncio e segredos minam a relação. É preferível introduzir o tema da adoção de forma natural no universo da família. A maneira como os pais lidam com esta delicada questão revela suas emoções íntimas. Talvez eles precisem aprender a lidar com estas emoções de forma mais consciente.

Os pais precisam estar atentos às confidências e dúvidas da criança. As lembranças são as peças de um quebra-cabeça que a criança precisa reconstruir. Por isto, é bom registrá-las. Cabe aos pais tentar dar uma imagem positiva, mas não idealizada, dos pais biológicos. Não se deve inventar dados desconhecidos para tentar preencher os buracos na memória da criança. Basta ela saber que suas lembranças são acolhidas para que a memória solte aos poucos os detalhes importantes à medida que a criança consegue assimilá-los. Ela precisa expressar o seu sofrimento. Sua versão dos fatos pode variar no decorrer do seu processo de desenvolvimento. Respeitar a versão da criança não significa supervalorizar seus sofrimentos, pois ela pode usar isto para chamar a atenção e aos poucos gostar do papel de vítima. É bom ajudá-la a perceber sua história com novos enfoques e fazer uma releitura positiva. Por exemplo, a mãe pode ser vista como alguém que preferiu dar-lhe melhores oportunidades por conhecer suas próprias limitações. É importante frisar para a criança que, mesmo que seus pais biológicos não tenham planejado sua vinda, Deus a quis! Mostrar que, se ela sobreviveu,

é porque foi cuidada, alimentada e houve amor suficiente para se evitar o aborto. 3. Superar os obstáculos de cada etapa: a) A adoção: a decisão precisa ser tomada encarando com honestidade as motivações, os medos, as barreiras, os riscos, os sonhos, as consequências práticas no dia-a-dia. A espera da criança mexe conosco porque nos remete à relação com os nossos pais, traz à memória emoções e angustias da nossa infância, pode gerar inquietações que repercutirão na relação conjugal. De uma forma ou de outra, a solidez do vínculo será testada para ver se este aguenta incluir outra pessoa. A criança também está à espera de uma família. Quanto maior o desejo, maior o medo de uma nova rejeição, já que a criança passou por pelo menos duas separações: da mãe biológica e da instituição que a acolheu. Ela vai tentar se proteger testando a solidez dos novos vínculos. Ela precisa de tempo para superar seus temores e passar a confiar.

b) A lua-de-mel: Assim como na relação marido/mulher, há uma fase de sedução mútua, na qual cada um procura corresponder às expectativas do outro. Os limites são testados e é importante que sejam claros e firmes. Os pais não podem ter medo ou se deixar manipular pela cara feia da criança toda vez que colocam algum limite. Limites adequados são fundamentais para reafirmar o compromisso com a criança e dar ela uma estrutura firme para crescer. c) A volta à realidade: precisamos aceitar os conflitos como saudáveis e como oportunidades de consolidar o vínculo. Abrir mão da expectativa de sermos pais perfeitos libera a criança para ser ela mesma, uma pessoa em construção, com seus talentos e dificuldades. Quando alguém toca em nossas feridas, reagimos usando nossos mecanismos de defesa e ataque. A criança ferida tenderá a testar o vínculo e responder com agressão ou autoagressão toda vez que se sentir ameaçada. Cabe aos pais perceber na atitude hostil da criança um pedido de socorro e responder com amor. É preciso contê-la e reafirmar o compromisso incondicional com ela. Os pais adotivos tendem a cobrar de si mesmos a perfeição para compensar o sofrimento da criança e sentem-se impotentes e frustrados quando a criança responde de forma agressiva. É importante que percebam que eles não são culpados pela agressão da criança. Esta provém de feridas anteriores que foram mobilizadas involuntariamente por eles. Assim, em vez de se defenderem, eles podem aproveitar a oportunidade para ajudar a curar estas feridas, vencendo o mal com o bem. É bom lembrar que somos todos filhos adotivos do Pai de Jesus Cristo.

É o amor de Deus derramado em nossos corações que cura nossas feridas e perdoa nossas iniquidades. Firmados neste amor, podemos enfrentar todas as tempestades, porque ele estará conosco, dando sabedoria, discernimento, paciência, perseverança, para aprender a amar como ele, aceitando, inclusive, a parcela de sofrimento inevitável, pois, até para ele, amar significou estar disposto a sofrer por nós! Precisamos ainda confiar na capacidade de resiliência da criança, nos recursos internos que ela tem para superar as marcas do passado. Esta resiliência pode gerar crianças particularmente dotadas, do ponto de vista da sensibilidade e criatividade. Como diz o psiquiatra Adalberto Barreto, “É da carência que nasce a competência!”.

Por Isabelle Ludovico - Origem: Revista Mãos Dadas. Edição 27. Foto: Revista Crescer globo.com

This article is from: