Revista Papo Fashion

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EDIÇÃO 01 QUEM FEZ MINHAS ROUPAS?
PAPO FASHION
Imagem: Reprodução Pinterest/MelllDonnaa

“Fast fashion não é gratuita. Alguém, em algum lugar está pagando o preço”

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Uma reflexão sobre o trabalho análogo à escravidão no mundo da moda, em específico nas redes de fast fashion

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SUMÁRIO

A moda como expressão cultural O impacto ambiental da indústria da moda

O que é moda circular?

Lançamento da ASICS promete um tênis mais ecológico e leve em emissão de CO2

A volta da moda 2000 A importância da indústria têxtil para a economia

A relação da moda com a prática do trabalho escravo

Documentário sobre o custo da moda

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A MODA COMO EXPRESSÃO CULTURAL

Entende-se cultura como um conjunto de valores, gostos, interesses e comportamentos de grupos de indivíduos perante a sociedade, isso inclui, a língua falada, as comidas e danças típicas e claro, a indumentária. A moda não fica para atrás quando o assunto é expressão cultural. “A renovação das formas se torna um valor mundano, a fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em matéria de formas e ornamentações já não é exceção, mas regra permanente: a moda nasceu” conta Gilles Lipovetsky em seu livro O Império do Efêmero.

Já a moda, que parte do latim “modus”, que significa modo ou costume e do francês “mode” que denomina o uso, hábito ou estilo, tem seu ponto de partida desde quando nos conhecemos como gente, onde as peças de roupas tinham serventia para se proteger do frio, calor, chuva e etc. Porém é no início do renascimento europeu (Séc. XIV) que a moda desabrocha como uma identidade social e cultural. E é por lá que começaremos.

A Moda como Expressão Cultural de uma Época

A era renascentista se destaca na história da moda por ser uma época do exagero, onde as peças tinham a função não somente de proteger ao corpo, mas de evidenciar suas curvas. É nesse período em que nasce o corpete, ou espartilho, como conhecemos hoje, que se populariza entre as mulheres por valorizar suas curvas, além de elaboradas e volumosas anáguas para completar look. Historiadores relatam que era quase impossível duas mulheres ocuparem o mesmo sofá, por exemplo, de tão volumosas que eram as saias. Como estilo de decote, os que se destacavam eram os retos e os arredondados, e como acessórios indispensáveis para as mulheres, estavam os lenços, leques e até anéis que tinham como função representar a possibilidade de uma dama viver sem a necessidade de se preocupar com os afazeres domésticos.

Lembre-se, todas as referências visuais que encontramos ao pesquisar sobre os estilos das indumentárias antigas, representam a alta sociedade, os nobres e a burguesia. Os populares tinham um estilo, por necessidade, mais simples que os mais afortunados e de acordo com as suas ocupações.

O pai da alta-costura

O inglês Charles Frederick Worth, foi o primeiro costureiro a abrir um ateliê de alta-costura em Paris, em 1858, e também o responsável pela substituição da crinolina pela anquinha, ambas são armações produ-

zidas com o intuito de deixar as saias mais volumosas. O que as diferenciam é que na primeira o volume era em volta de todo o corpo e a segunda procurava destacar mais a parte de traz das mulheres, dando mais volumes para o quadril e traseiro feminino. Como vemos nas imagens abaixo, respectivamente:

Worth se destacou pela sua singularidade, com modelos únicos feitos sob encomenda pela alta sociedade francesa, o que não era comum entre as damas, que estavam acostumadas a somente escolher o tecido, já que as roupas eram feitas através de moldes que já existiam. Uma de suas clientes mais marcantes foi a Imperatriz Eugénie que desfilava e se gabava de seus modelos de vestidos feitos com exclusividade somente para ela. A Moda depois das grandes guerras Durante as duas grandes guerras vividas pelo mundo, a moda se reinventou e se adequou as características e necessidades da época. Com os homens sendo obrigados a lutar na guerra, as mulheres tomaram o papel não só de cuidar da casa e dos filhos, mas também de colocar alimento dentro de casa, para isso, claro, coube a ela realizar tare-

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fas consideradas masculinas, como trabalhar nas indústrias e fábricas. Com essa mudança de estilo de vida, a moda também precisou mudar. O que era exagerado, elabora, pesado, passou a ser simples e leve, para que pudesse se adequar a necessidade do momento.

É nesse período de Primeira Guerra Mundial que nascem as calças femininas. Uma forma de tirar mais um peso das costas das mulheres. Além das mudanças nos vestuários, os materiais que serviam de produção também mudaram. Durante a Segunda Guerra Mundial, os tecidos que antes eram produzidos com couro, seda e lã passaram a ser implementado com acrílico, nylon e viscose, já que os melhores materiais eram destinados a produção do fardamento do exército.

Com o fim da guerra, em 1945, a busca por resgatar a feminilidade foi o maior destaque da época. Para isso o estilista Christian Dior apresenta o “New Look” com estilos que buscavam destacar a silhueta, com saias redondas e volumosas. Vale lembrar, que ele é o antecessor de Charles Frederick Worth.

A moda indiana Como fruto de característica cultural, a Índia recebe um destaque especial. Com peças coloridas e vibrantes e a produção de modelos únicos, a moda tanto feminina quanto masculina é um dos pontos fortes quando pensamos em Índia.

Falando de modelos, o grande destaque vai para o Sari, um enorme pedaço de pano, geralmente medindo uns cinco metros, que ficam em volta do corpo feminino. Há também o choli, que é uma blusa curta, estilo cropped, e saias longas. Como vestimenta unissex, temos a salwar kameez, que é uma calça folgada com túnica longa e o kurta/kurti, uma blusa de comprimento e manga longa e calça.

Todas essas peças fazem parte de uma tradição indiana, onde somente a população de lá se veste assim, os destacando do restante do mundo.

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@Frugal2Fab
Reprodução: NYFW

NÃO PENSO, LOGO, COMPRO!

O IMPACTO AMBIENTAL DA INDÚSTRIA DA MODA

Grande parte da população desconhece o tamanho do impacto que a indústria da moda pode causar no planeta. De acordo com a Fashion United, plataforma que realiza um levantamento completo sobre o panorama da indústria da moda, somente esta indústria vale cerca de 3 trilhões de dólares, onde apenas no Brasil são produzidas 5,9 milhões de peças que incluem roupas, acessórios e calçados, cujo faturamento chega a alcançar 170 bilhões para o país. Em contrapartida, os números demonstram que os negócios de moda são os mais poluentes do planeta.

- Cerca de 80 bilhões de peças são produzidas por ano;

- Nos aterros sanitários, a moda ocupa quase 6% de todo o lixo descartado;

- Responsável por 20% das emissões de gás carbono do planeta;

- 20% da poluição das águas vem do tratamento e tingimento nas fabricações das peças e da lavagem doméstica pós uso.

A maioria desse percentual alarmante vem de uma prática bastante conhecida, a Fast Fashion, uma solução lucrativa para a rede têxtil, uma vez que são produzidas peças baratas e fáceis de serem descartáveis há um curto período de tempo. O que é um ponto positivo para as empresas, e um alerta para o planeta. Cerca de 35% das microfibras jogadas nos oceanos são provenientes de roupas. Já as etapas de processamento dos vestuários emitem 20% do carbono na atmosfera, quantidade considerada alta, uma vez que, apenas 20% das 62 milhões de toneladas de peças são recicladas, segundo estudo feito pela Global Fashion Agencia.

Como uma possível solução para frear esses números, várias ações sustentáveis são criadas diariamente. Uma delas é o guarda-roupa compartilhado, prática criada originalmente em Amsterdam, na Holanda, com a LENA The Fashion Library. A iniciativa visa praticar mais a sustentabilidade e economia, já que as peças serão alugadas de acordo com a necessidade do cliente e por um preço mais reduzido do que se fosse

comprar. Partindo dessa pegada mais sustentável, dezenas de marcas como a Stella McCartney, Adidas, Burberry, Chanel, Prada, H&M assinaram o Fashion Pact, Pacto Sustentável em português, liderado pela Kering, holding francesa, durante a reunião do G7, que ocorreu em Paris e foi ministrada pelo presidente da França Emmanuel Macron.

A iniciativa visa transformar o mercado têxtil mais positivo ambientalmente. Para isso o acordo tem como objetivo principal três áreas: biodiversidade, clima e oceanos. A proposta é eliminar a prática de plásticos usados uma única vez, incentivar a reciclagem de tecidos e práticas de agricultura regenerativa, uso de fontes de energias renováveis além da possibilidade de troca de ideias e informações que possam gerar mais mudanças positivas na moda. A expectativa é que até 2030, data limite, as marcas já tenham posto em prática a eliminação de plásticos de uso único e utilização exclusiva de fontes de energias renováveis.

“Nosso planeta não tem os recursos necessários para facilitar o modelo de produção linear sob o qual a vasta maioria da indústria da moda opera. Sendo assim, uma mudança sistêmica é a única opção”, declarou Giorgina Waltier, gerente de sustentabilidade para a H&M e Irlanda, ao jornal The Guardian. Como praticar um consumo consciente? Abaixo listamos algumas dicas de como tentar frear a Fast Fashion e restaurar a saúde do planeta.

1- O primeiro passo é reconhecer quais são as redes que produzem no modelo fast fashion;

2- Se questione quem produziu suas peças. Se informe sobre a história das marcas;

3- Não compre por impulso, na emoção, são essas atitudes que contribuem para a retrocesso;

4- Prefira qualidade, e não quantidade, assim você evita uma decepção futura;

5- Por fim, porém não menos importante, tente experimentar a moda circular. Vai que ela lhe agrade.

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O QUE É MODA CIRCULAR?

Alternativa para uma moda mais sustentável

Moda Circular é uma das alternativas para frear o consumo exagerado de roupas e o descarte inconsciente das peças. Basicamente se caracteriza por ser um modelo que procura reutilizar as peças que já não servem mais para seus donos.

O que é e como funciona um guarda-roupa compartilhado?

Basicamente o modelo de um guarda-roupa compartilhado segue a mesma linha de funcionamento de uma biblioteca, onde é possível alugar livros e após o final da leitura devolvê-lo, só que no guarda-roupa você pode alugar peças de roupas, acessórios e calçados, ou seja, as peças essenciais para a montagem de um look. Além de alugar também é possível pôr as suas peças no aluguel, assim possibilitando gerar uma renda extra.

Essa prática, claro, vem ganhando bastante espaço aqui no Brasil, como é o caso do LOC, aplicativo que conta com mais de 70 mil usuárias, que funciona como uma rede social fashion que permite o aluguel e a venda consciente de peças de roupas além de inspirações e dicas de looks feitas por uma consultora de moda. Em conversa com a CEO da marca, Amanda Cunha, conta que o aplicativo funciona basicamente como uma vitrine fashion onde as Top LOC (pessoas que anunciam as peças) colocam os vestuários em uma espécie de vitrine virtual, como forma de anúncio, onde as LOC Lovers (as locatárias) possam alugar as roupas. Para que tudo isso seja levado para o máximo de público possível, a marca conta com licenciadas em várias cidades, incluindo algumas daqui do

Nordeste, como Recife, Olinda, e Salvador (a sede), “a licenciada tem um papel de representar a marca porque o LOC acontece, inicialmente, muito regionalmente, e como é uma ideia muito diferente, existe muito uma resistência inicial das pessoas, então cabe a licenciada trazer a imagem do LOC como algo legal e descolado, com peças que ainda estão na moda”, conta Amanda. Assim fica mais fácil de incentivar o aluguel local e também a possibilidade de as peças chegarem mais rápido as mãos da locatária. Para ter acesso ao aplicativo não precisam pagar nada, nem mesmo realizar um cadastro, esse somente é feito caso a pessoa queira colocar as peças para aluguel ou queiram alugar. Após a realização do cadastro, o próximo passo a ser seguido pela locadora é inserir fotos usando as peças, definir os valores que custaram as peças, a sua categoria e por fim o preço do aluguel, que caracteriza sete dias, o tempo mínimo que a locatária pode ficar com cada peça, caso deseje ficar por mais tempo é só pagar os valores extras estipulados pela dona da peça, completa Amanda.

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LOC/@closetfriends Foto: LOC/@letlopesoficial SUSTENTABILIDADE
Foto:

Lançamento da ASICS promete um tênis mais ecológico e leve em emissão de CO2

A marca japonesa ASICS acada de lançar o GEL-LYTE™ III CM 1.95, modelo de tênis com uma pegada de carbono abaixo da média. Esse novo modelo gera somente 1,95 kg de gás carbônico em todo o seu ciclo de vida, para se ter ideia, a média de gastos de uma produção de um tênis comum é 13 kg de CO2 cada par. Até o momento, quem recebia o título de tênis mais sustentável era o da Adidas Adizero x Allbirds com 2.94 kg. Estimativas apontam que a indústria de calçados, sozinha, seja responsável por 700 milhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa a cada ano no planeta, estando no topo país como EUA e o Japão.

O GEL-LYTE™ III CM 1.95 traz a comprovação de que é possível produzir tênis cada vez menos prejudiciais ao meio ambiente. Para que isso fosse possível, a marca japonesa de juntou a renomada universidade dos Estados Unidos, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e, durante dez anos, realizou pesquisas profundas sobre o impacto causado em todo o processo de um único par de tênis, desde a produção até o descarte. Chegando ao resultado positivo, com todo o cabedal feito com materiais biodegradáveis, como é o caso, por exemplo, da palmilha feita por polímeros de base biológica, derivada da cana-de-açúcar. A marca, que tem planos ambiciosos, planeja zerar as emissões de gás carbônico em sua produção, até 2050. Ainda não há uma data específica do lançamento para comercialização do GEL-LYTE™ III CM 1.95, mas a ASICS garante que a peça esteja disponível para vendas no terceiro trimestre de 2023.

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SUSTENTABILIDADE
Imagens: asics

A VOLTA DA MODA 2000

E o trabalho artesanal e personalizado com crochê e miçangas

Oressurgimento de calça de cintura baixa, blusas baby look, peças coloridas e acessórios artesanais de miçangas e crochê estão a cada dia mais forte entre os jovens. Essas são algumas das peças que bombaram no início dos anos 2000. Mas por que modelos de mais de uma década atrás estão voltando com tanta força ao gosto da geração Z? Muito se nota a grande influência da internet no ressurgimento das tendências, o mundo está cada vez mais conectado, assim como os jovens, que veem tendências vividas por seus pais e acham interessante vivencia-las mas de seu próprio jeito e estilo.

Todo esse movimento de ir e vir das tendências se dar pelo grande fator atribuído a moda, a de que ela é um movimento cíclico, ou seja, vive em um ciclo, onde possui início, fim e recomeço (de acordo com o período vivido). Por exemplo, a moda no período 2000 se deu por influência das passarelas e revistas, já a volta dela, agora nos anos 2020 se dar por influência da internet e do pensamento crítico e criativo. Apesar de ter como referência a moda 2000, a geração Z procura trazer consigo uma imagem de uma moda mais sustentável, dando espaço para a moda circular, onde entram os brechós, com a ideia de reutilização.

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C O R E S
PEÇAS ESTAMPADAS E COLORIDAS
TENDÊNCIAS
ARTESANATO COM MIÇANGAS Imagem:Chiara Ferragni

A IMPORTÂNCIA DA INDÚSTRIA TÊXTIL PARA A ECONOMIA

Aindústria da moda é um dos segmentos mais rentáveis do planeta, crescendo em média 11,4% ao ano, se tornado uma das indústrias que mais empregam no mundo. Segundo dados da Fundação Ellen McArthur a produção de roupas dobrou nos últimos quinze anos e vem subindo cada vez mais graças ao crescimento da classe média e a alta das vendas nos países desenvolvidos. O crescimento estimado de 400% no PIB global até 2050 implicará uma demanda ainda maior por vestuário, segundo o

instituto de pesquisa WRI BRASIL e quanto maior a demanda maior será a procura por mão de obra. Um estudo realizado pela Boston Consulting Group, revelou que solucionar os problemas ambientais criados pela indústria da moda proporcionaria um ganho de US$ 192 bilhões para a economia global até 2030. Assim, a moda se torna cíclica, e não finita. Ou seja, até se tornando sustentável ela consegue trazer lucros financeiros

Em questões de trabalhabilidade, a indústria fashion

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ECONOMIA
Foto: Pinterest

emprega em média 75 milhões de pessoas, em sua grande maioria, mulheres de faixa etária entre 18 –24 anos, de acordo com dados da ONG Remake, se tornando um dos ramos que mais emprega no mundo todo. Por ser um segmento que necessita necessariamente de mão de obra, em sua maior parte do tempo, muitas das fábricas se aproveitam da escassez de em-

prego e da vulnerabilidade dos desempregados dos países subdesenvolvidos para fazer ofertas desumanas e com baixo capital de investimento. Como é o caso que de países como a Índia, Bangladesh e diversos outros que a principal fonte de renda é a produção da fast fashion.

A queridinha do momento que se popularizou entre os consumidores do mundo todo durante a pandemia, a rede de ultra fast fashion Shein, foi avaliada em 2020 em US$ 15 bilhões, de acordo com a PitchBook Data. E com planos ambiciosos, a varejista chinesa aguarda a próxima rodada de investimentos para elevar o seu valor para US$ 100 bilhões e se tornar a terceira startup mais valiosa do mundo.

Mas por que a marca de tornou tão popular?

A explicação é simples, peças baratas, envios rápidos e modelos que cabem confortavelmente no corpo. A Shein consegue entregar aos consumidores peças a preço abaixo do mercado, mesmo comprando em dólar e com a possibilidade de taxação, já que o produto é internacional, os compradores ainda acham mais vantajoso comprar por uma loja que é do outro lado do mundo do que por aquela do seu bairro, por exemplo. “O que eu acho legal da Shein é que nela, caso eu seja taxada na alfândega eu consigo que a loja arque com metade dos custos do valor taxado” conta a consumidora da marca V.

Além de inúmeros benefícios que a empresa proporciona ao cliente, ela conta com uma estratégia de marketing super atual e assertiva. Anúncios virtuais, em um mundo que está cada vez mais ligado na tecnologia. É através de anúncios nas mídias digitais que a varejista consegue captar seus clientes, esse foi o forte motivo dela ter se popularizado tanto durante a pandemia, onde a internet foi um forte meio de distração da população.

Ainda falando sobre planos ambiciosos, a marca lançou em novembro a sua primeira loja física no Brasil com aproximadamente 11 mil peças, entre vestuários

e acessórios. Essa é uma das estratégias para captar clientes que conhecem a marca, mas possui receio de comprar de uma loja 100% virtual, e também aqueles que nunca ouviram falar da varejista. A montagem dessa pop-up, uma loja temporária com custo menor e em um espaço convencional, só é feito em locais onde as demandas são altas. Somente aqui no Brasil, ela alcança um faturamento de 2 bilhões de dólares, segundo um estudo, não oficial, “Shein’s Playbook in Brazil”, realizado pelo Banco de investimentos da América Latina (BTG Pactual), e alcançou patamares que empresas levaram décadas para conseguir. Para se ter uma idéia, o que a Shein levou pouquíssimos anos para conseguir um faturamento de 2 bilhões, a Hering, antes da aquisição pelo grupo Soma, levou 140 anos para atingir o que se tem hoje. A Arrezo&Co, que chegou a registrar 2,9 bilhões em faturamento, em 2022, completa 50 anos de varejo no Brasil. Outra disparada que contribui para o crescimento é o número de downloads do aplicativo da marca. Enquanto a C&A contabilizou 902 mil, a Renner 753 mil e a Riachuelo 585 mil, todas empresas nacionais e com lojas físicas, a Shein ultrapassou os 5 milhões de downloads, segundo informações da Simliarweb. Com isso, as marcas nacionais se veem obrigadas a também se inserir no mundo virtual e colocar uma atenção especial no seu marketink digital. O que não é uma péssima ideia, uma vez que os consumidores estão cada vez mais tecnológicos. É mais fácil comprar um produto no conforto do seu lar do que sair andando atrás de lojas no centro da cidade, por exemplo.

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A RELAÇÃO DA MODA COM A PRÁTICA DO TRABALHO ESCRAVO MODA PARA QUEM? Foto: Pinterest

Falar de trabalho escravo em pelo 2022 chega a ser algo cansativo e inacreditável de se pensar que tal prática ainda exista depois da criação de várias leis para garantir a proteção dos trabalhadores. Há anos, a questão da relação da moda com o trabalho análogo a escravidão é pautada por uma parte da mídia e por diversas organizações a fim de conscientizar os consumidores sobre a continuidade dessa prática ainda muito comum em países como a Índia, China, Bangladesh e vários outros países ao redor do mundo.

Mas por que essa prática é ainda tão comum? Pensar que ainda exista trabalho escravo nos faz perceber o quão distante estamos de um mundo mais digno. Anos se passam, novas tecnologias são criadas e a exploração da mão de obra ainda continua persistente.

Quando olhamos para a história da moda, vemos um trabalho bastante artesanal nas confecções das peças, uma valorização dos responsáveis que darão vida as peças que irão vestir as pessoas, isso falando em séculos muito antes desse, como no período do Rei Luís XV, conhecido por criar o salto alto e as coleções sazonais. Mas o que se nota com o passar dos anos é uma desvalorização dos costureiros, ninguém busca mais saber quem são os responsáveis por produzir as peças, a única preocupação do consumidor atual é estar dentro das tendências que a cada ano que passa vai se tornando cada vez mais passageira.

Como muito se sabe, ou não, a indústria da moda foi uma das pioneiras da Revolução Industrial, com uma força feminina muito forte. A expectativa era que com a chegada das máquinas a mão de obra fosse mais valorizada, porém não foi o que aconteceu. Em 1850, na Inglaterra, o termo Sweetshop (fábrica de suor ou atelier da miséria, nos termos franceses) foi criado parar designar as fábricas têxteis que tinham como característica as péssimas condições de trabalho, com jornadas exaustivas, pagamento abaixo da média e ambiente insalubre.

Como tudo que não faz bem se populariza muito rápido, as sweershops logo se espalharam ao redor do mundo, mais especificamente nos Estados Unidos e na Europa Central. Nos EUA, mais especificamente em Nova York essa prática trouxe enormes prejuízos. Em 25 de Março de 1911 uma tragédia marcou a história da moda, um incêndio na fábrica Têxtil Triangle Shirtwaist causou a morte de mais de 120 mulheres que trabalhavam na confecção. Esse acidente foi o ponto de partida para que fosse criado sindicato trabalhistas a fim de garantir a segurança e o salário digno para as trabalhadoras. Apesar de muitos infor-

marem, esse não foi o motivo da criação do Dia Internacional da Mulher, (8 de março) que foi sugerido inicialmente em 1857, 54 anos antes do desastre. Além de Nova York, outra grande tragédia manchou o histórico da moda. O desabamento da fábrica Rana Plaza, em 2013 na cidade de Savar em Bangladesh, onde deixou 2 mil pessoas feridas e 1 mil mortas. Esse acontecimento foi o estopim para a criação do movimento Fashion Revolution, onde cobra mais transparências das marcas em relação a quem produz as nossas roupas. O movimento conseguiu alcançar mais de 100 países, inclusive o Brasil.

NO BRASIL Assim como em muitos países da Ásia, o trabalho escravo também está muito presente em países da América Latina, como aqui no Brasil, por exemplo. Há vários casos de bolivianos e venezuelanos que saem de seus país em busca do “sonho brasileiro”, onde aqui teria emprego de qualidade para todo mundo e uma vida digna para se viver, o que não é o que ocorre quando eles chegam no país, onde se deparam com exaustivas horas de trabalho nas fábricas de costura, péssimas condições, e salários incompatíveis com às horas trabalhadas.

Durante 1995-2014 foram liberados, somente em São Paulo mais de 10 mil trabalhadores em operações realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)

Um dos casos mais recente e nacional que mais chocou os consumidores foi o caso da Zara, uma loja dita como rede de fast fashion mas que comercializa suas peças a preço consideravelmente altos, se comparados a outras marcas do mesmo ramo e apesar disso opera por trabalho análogo à escravidão na confecção de suas peças, com péssimas estruturas de trabalhado e pouquíssimos direitos trabalhistas.

CASO ZARA

A Zara é um exemplo clássico de rede de fast fashion,

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foi uma das pioneiras a aderir o modelo, criando peças semelhanças as das grifes e as comercializando a preço consideravelmente acessíveis e em um curto período de tempo. Uma ideia revolucionária para os consumidores da época em que ela foi inaugurada. Antes de conhecer como a marca opera no mundo, e principalmente no Brasil, precisamos conhecer a sua origem.

Fundada em 1975, na Corunha, cidade da Espanha, a Zara pertence ao grupo espanhol Inditex (Indústria de Diseño Textil), e tem como seu principal público-alvo os jovens. Atualmente ela é avaliada em mais de 25 milhões de dólares, segundo o ranking BrandZ, e está espalhada em 86 países ao redor do mundo. Para se ter uma ideia, em 2015, Amancio Ortega, um dos fundadores da marca, foi considerado pela Forbes um dos homens mais ricos do mundo, ultrapassando Bill Gates, fundador da Microsoft. A marca chegou ao Brasil em 1999 onde a primeira loja foi inaugurada em São Paulo, mais especificamente no Shopping Morumbi. A marca, que é lidera desde 2012 por João Braga, conseguiu mais do que duplicar o número de lojas no país, passando de 27 para 56, somente durante a sua gestão. Durante esse período de expansão também foi criada a Zara Home, com artigos de decorações para residências.

Toda a sua produção, em teoria é importada, porém devido a dificuldades no processo de comércio exterior, a empresa passou a produzir suas peças com fornecedores locais, em específico empresas terceirizadas.

Em 2011, em denúncia feita através de uma reportagem produzida pelo programa de televisão A Liga, exibido pela Rede Bandeirantes, a ZARA foi acusada pela prática de trabalho análogo à escravidão, onde em todas as fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego de São Paulo houve descobertas de trabalhadores bolivianos que eram responsáveis por produzir as peças em estruturas precárias e a exaustivas horas. Para cada peça feita, o dono da confecção recebia R$ 7. Sendo que os costureiros declararam que recebiam, em média, R$ 2 por peça costurada e a Zara, claro, comercializava as peças a valores muito mais altos dos que ela comprava. Todo o esquema funcionava da seguinte forma, as peças das coleções eram desenhadas na Espanha e enviadas para as intermediárias que se responsabilizavam por confeccionar as roupas.

Ainda no mesmo ano, a empresa admitiu em depoimento à CPI do Trabalho Escravo da Assembleia Legislativa de São Paulo que terceirizava suas confecções, porém não sabia da existência de trabalho escravo e que não havia monitoramento dos forne-

cedores. O que não é verdade, uma vez que a mesma possui conhecimento de absolutamente todo o processo produtivo, já que em 2000 a marca elaborou um código de ética onde seriam realizadas vistorias em todas as oficinas para garantir que nelas não houvesse trabalho infantil nem exploração dos trabalhados, garantindo também que fosse possível a confecção em locais apropriados. Ou seja, a própria marca, apesar de se dizer a favor dos direitos humanos, não coloca em prática o seu projeto.

Para saber mais sobre esse assunto, a Papo Fashion indica o documentário The True Cost, em português O Verdadeiro Custo, de Andrew Morgan, nele o diretor busca dar voz a aquelas pessoas que são pouco ouvidas pela mídia, as costureiras, mas também o ponto de vista dos donos das fábricas e especialistas no assunto. Que também conta a participação das influenciadoras de moda Stella McCartney, Livia Giuggiole e da ativista ambiental Vandana Shiva.

Vale muito a pena assistir e você pode encontrar no site Dailymotion.

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Quem está por trás da

PAPO FASHION

APapo Fashion nasceu, incialmente como um blog de moda, em 2016 e se transformou em uma revista que aborda assuntos importantes a serem noticiados, como sustentabilidade, consumo exagerado, economia e muito mais. A ideia da revista é justamente tocar em assuntos pouco explorados pela mídia. Tendo como tema principal a moda sustentável. Mas como todo trabalho há alguém por trás envolvido, na P.F não é diferente. Estando por trás da produção visual e textual, a estudante de jornalismo Cecília Monteiro, que viu nessa revista uma oportunidade de colocar em prática assuntos estudados na academia e explorar temas de seu interesse. Espero, profundamente, que esta revista alcance o público que gosta desse assunto que ela possa ser útil em questões de informações e estudos.

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EDITORIAL

THE BODY SHOP

IMAGEM: TOA HEFTIBA

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