Ação do Ibama no Rio Grande do Norte macula a imagem da carcinicultura no país

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Panorama da AQĂœICULTURA, novembro/dezembro, 2001

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Ação do Ibama no Rio Grande do Norte macula a imagem da carcinicultura no país

Por Jomar Carvalho Filho, Biólogo e Editor da Panorama da AQÜICULTURA

s meses de novembro e dezembro foram de apreensão e sofrimento para os carcinicultores do Rio Grande do Norte. Uma ação do Ibama, com o apoio truculento da Polícia Federal promoveu uma blitz nas fazendas potiguares, com direito a cenas cinematográficas com helicópteros em sobrevôo, dando apoio a homens fortemente armados. Cenas de fazer inveja a muitos seriados tipo C, outrora inimagináveis no setor aqüícola. Em várias capitais, a grande imprensa acompanhou de perto o desenrolar das diligências que se seguiram por vários dias, bem como as explicações das autoridades envolvidas, como o presidente do Ibama, Hamilton Casara, para a mega-operação. Casara repetiu em inúmeras entrevistas, que no meio do ano recebeu da corregedora-geral da União, ministra Anadyr de Mendonça Rodrigues, uma denúncia do movimento SOS Mangue, informando que havia uma grande quantidade de pessoas desmatando o mangue, quando então suspendeu em todo o Nordeste, os licenciamentos para atividades de carcinicultura em manguezais e nas áreas de entorno. Mas, segundo ele, no Rio Grande do Norte essa medida não surtiu efeito, o que gerou a operação no estado. Os valores astronômicos das multas e as denúncias de abusos de autoridades passaram a tomar conta dos noticiários e os brilhos intensos das notícias levaram o assunto ao palco maior, fazendo-as adentrar nas residências de todo o Brasil através do Jornal Nacional. Mas o deleite dos “ambientalistas” ainda estava por vir. E aconteceu logo no dia seguinte a veiculação da matéria, num sábado, quando o mesmo telejornal anunciou em cadeia nacional o surgimento do primeiro mártir deste enredo tragicômico, noticiando a morte de João Dantas de Brito, funcionário do Ibama em Nízea Floresta, assassinado em sua própria casa, supostamente por ter denunciado crimes ambientais cometidos por carcinicultores, agora também elevados ao status de criminosos comuns. Ficam as perguntas: essa grande causa ambientalista precisava do sangue deste mártir? O diálogo, as negociações com embasamento técnico e o bom senso não poderiam ter poupado esta vida? Os produtores, ou suas entidades representativas souberam lidar com a mídia? OAB-RN Coincidentemente, no auge da crise e nas vésperas do assassinato do funcionário do Ibama, Natal foi palco de importantes eventos ligados a carcinicultura. Nos dias 29 e 30 de novembro a sede potiguar da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, na capital do estado, abriu suas portas para um seminário sobre o “Meio ambiente e a carcinicultura no Rio Grande do Norte”. A idéia dos organizadores era que tanto especialistas da carcinicultura quanto representantes do ministério púbico fossem ouvidos e, principalmente, ouvissem uns aos outros. Isso, no entanto, não aconteceu. Os promotores demonstraram não estar tão interessados assim no que os técnicos tinham a dizer e, o exemplo disso, foi uma platéia vazia de promotores para assistir a importante palestra sobre a “Experiência do Equador em Carcinicultura”, proferida por Lênin Paredes, da Equabrás. O Equador, segundo Lênin Paredes, teve 14% dos seus manguezais utilizados pela carcinicultura e, por isso mesmo, é um bom exemplo para o bom entendimento dos prós e dos contras da utilização desse recurso natural. 50

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Defendendo a preservação dos manguezais, Lênin Paredes, mostrou as medidas mitigadoras adotadas pelo país frente ao impacto causado pelo desmatamento. Mostrou também o choque econômico que a atividade representou para o Equador, levando a carcinicultura a ocupar o segundo lugar no PIB, atrás somente do petróleo. A importância social da atividade foi vista também através dos números de empregos gerados - 300 mil empregos diretos e 1,2 milhões de empregos indiretos, num país com 12 milhões de habitantes, do tamanho do Estado do Ceará. Falou sobre tudo isso, e forneceu um excelente material para um debate maduro sobre o que fazer e o que não fazer para manter viva uma atividade ambientalmente sustentável. Mas os promotores públicos não estavam lá para ouvir, o que foi uma pena. Está na hora de escutar também os técnicos envolvidos com a carcinicultura e não somente os comprometidos com a intocabilidade dos recursos naturais a qualquer custo. Cluster Ainda no auge da crise, nos dias 28 e 29 reuniram-se também em Natal os técnicos envolvidos no Cluster do Camarão, para o lançamento do “Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Carcinicultura no Estado do Rio Grande do Norte”, lançado oficialmente na sexta feira dia 30 de novembro pelo Governador Garibaldi Alves Filho, no Município de Arês, em solenidade que também inaugurou a sede da Coopercam - Cooperativa dos Produtores de Camarões do Rio Grande do Norte. Na comitiva oficial do Governador, estava o Ministro da Integração Social Ney Suassuna, fazendo coro aos protestos contra a forma como os produtores estavam sendo tratados na operação do Ibama. Garibaldi Filho disse em seu discurso que na véspera havia levado representantes do Estado para um encontro pessoal com o Ministro Sarney, do MMA - Ministério do Meio Ambiente, para pedir providências para contornar a crise que a ação do Ibama estava gerando no estado. Uma fonte que pediu para não ser identificada, garante que esse encontro na verdade não existiu, tendo o governador e sua comitiva sido recebidos apenas pelo Chefe de Gabinete do Ministro. O MMA parecia estar irredutível. Nessa mesma noite o Jornal Nacional maculava, para crédulos telespectadores, a imagem da atividade em cadeia nacional e reacendia, ainda mais, os ânimos entre os produtores potiguares. Uma preparação do que iria noticiar no dia seguinte: a morte desnecessária, fruto das desavenças. Segundo a Secretaria de Planejamento e Finanças do RN, o estado fechou o ano de 2000 com 1.752 hectares de viveiros e uma produção de 7.000 quilos de camarões, líder nacional em área cultivada e tonelagem produzida. Grande parte da área responsável por esses números está instalada em áreas de viveiros de peixes construídos no passado pelos holandeses e, somado a isso, os produtores potiguares têm aproveitado ainda a herança da falida indústria salineira, com suas áreas de cristalizadores desativadas. Este estado, que historicamente viveu do algodão e do sal, agora concretiza outra indústria altamente rentável, quase três décadas depois das primeiras tentativas para se cultivar camarões, estimuladas pelo ex-governador Cortez Pereira. Um grande esforço que não merece ser denegrido em público, em cadeia nacional.


Entrevista com o presidente da Associação Brasileira de Criadores de Camarão - ABCC, Eng. de Pesca Itamar de Paiva Rocha

Panorama - Na sua opinião a ação do Ibama, nos moldes da que foi feita no RN, vai se estender a outros estados? Itamar – Não acredito. Para mim a questão é política. Isso foi um foco isolado no RN e já passou. Já foram ao Piauí, ao Ceará e ninguém ouviu falar nada, não houve esse estardalhaço. A ABCC também é contrária ao corte do mangue. Agora, cortar o mangue é uma coisa e aproveitar salinas e antigos viveiros de peixes desativados é outra, que a justiça até já reconheceu como direito adquirido. A carcinicultura de que estamos falando existe há 20 anos no Brasil. Não é uma atividade nova que se deseja implantar. É uma atividade que está embasada num desenvolvimento sustentado. Nós estamos na liderança mundial de produtividade no setor. Nossa luta pelo desenvolvimento é consciente. Panorama - Os associados da ABCC não estavam envolvidos nos acontecimentos que marcaram a ação do Ibama.... Itamar - É, não estavam. Temos um código de conduta e esse é um dos motivos de estarmos envolvidos na questão da Resolução do Conama. Gostaríamos que todos os licenciados fossem obrigados a assinar o código de conduta que é não cortar mangue, usar bandeja, fazer o tratamento do solo, etc. Queremos manter um padrão de sanidade, que é o nosso trunfo no mercado, além da competência em termos de competição, alta produtividade e qualidade. Quando se analisa o resto do mundo, todos têm os vírus do White spot e do Yellow head, e nós não temos. Na hora que nosso produto for reconhecido como White spot free e Yellow head free, evidentemente que nós seremos diferenciados. Panorama - E como você está vendo a preparação dessa Resolução Conama? Itamar - Isso é outra questão política. Participamos de todas as reuniões. Na última parece que a coisa voltou para estaca zero, e no dia 16 de janeiro teremos mais uma reunião. O desejo de uma Resolução do Conama específica para a carcinicultura, partiu do Ceará. Eles queriam que o Conama definisse uma regra que fosse nacional para apontar as áreas que podem e as que não podem ser utilizadas pela carcinicultura. Os demais estados não estavam solicitando nada. Mas no final da última reunião do Comitê, o que se viu foi o Conama devolvendo aos estados o direito de definir se uma área é ou não liberada para o cultivo. Panorama – Tem sido muito difícil lidar com os ambientalistas? Itamar - É muito difícil chegar a um meio-termo. Muitas vezes não tem como se discutir. Eles vêm e dizem que o camarão está jogando metal pesado nos estuários!!!! Espera aí... As salinas poluem e eu nunca vi nenhuma campanha contra as salinas. O esgoto de João Pessoa continua sendo jogado sem tratamento, bem como o lixo, que é jogado até hoje dentro dos mangues da cidade. Não vejo nenhum promotor público embargar nada. Alimentar a discussão muitas vezes é dar a eles o que eles querem, que é a mídia. Panorama - A maior parte dos autuados pelo Ibama no Rio Grande do Norte era composta de pequenos produtores...

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Itamar - Os pequenos produtores com 2-3 hectares é que foram multados. É claro que ninguém vai ter condição de pagar nenhuma multa. Veja só, no RN não tem um pequeno produtor que seja sócio da ABCC. E a ABCC não é um órgão de desenvolvimento. É um órgão de defesa dos seus associados. E seus associados não estavam envolvidos nos acontecimentos que marcaram a ação do Ibama. A cooperativa deveria ser sócia da ABCC, com direito a voto e tudo mais. Mas não é. Panorama - Muitos foram autuados somente por não estarem cadastrados no Idema, nada a ver com o corte de manguezais... Itamar - O próprio Conama está dando dois anos para quem não estiver regularizado, se regularizar. A maior parte dos que estão sem licença de operação é porque o governo não teve a sensibilidade de fazer o registro. Toda vez que preciso renovar uma licença de operação, que é de ano em ano, eu tenho que publicar em dois jornais. O pedido tem que ser publicado no Diário Oficial e no jornal de maior circulação. Isso deveria ser de 4 em 4 anos, mas é de ano em ano. É tanta dificuldade que os produtores não se atualizam. Essa dificuldade marginaliza o pequeno produtor. O grande produtor paga um despachante para fazer tudo isso. O Ibama tem que entender que desde 1989, quando foi criado, que estamos licenciando a atividade e nunca tivemos exemplos negativos. A carcinicultura no Brasil já prejudicou alguma vez o meio ambiente? Na Bahia, a Pescon está funcionando desde 1980. Qual foi o impacto negativo que ela causou? A Cina, a Artemisa e a Secom existem desde 1983; a Maricultura da Bahia desde 1984; a Aquamares desde 1985. E todas elas produzem hoje, pelo menos 30 vezes mais do que no início de suas atividades. A Cina produz 40 vezes mais do que produzia em 1984. Sem um dado negativo, muito pelo contrário. Essas fazendas estão retirando 4000-5000 kg por despesca por hectare. Panorama - Os cultivos se intensificaram... Itamar - O Brasil hoje é líder em produtividade. O trabalho que é feito aqui com as bandejas não existe em nenhum outro lugar do mundo. Usamos 60 bandejas por hectare e alimentamos de 4 a 5 vezes num único dia. É uma mão-de-obra muito grande. A Compescal hoje, juntando laboratório, fazenda com 265 hectares e beneficiamento, emprega 530 pessoas, todos os funcionários com carteira assinada. A Maricultura Tropical tem 65 viveiros, são 65 arraçoadores, um para cada viveiro, mais o pessoal para tratamento de solo, despesca...Hoje no litoral todo, e principalmente no nordeste, temos uma atividade que não depende de chuva, quanto mais sol melhor e emprega pescadores, cortadores de cana, extratores de carnaúba, que são atividade decadentes. As salinas estão quase fechando, a Henrique Laje já fechou e a Cirne está quase fechando as suas portas. Procure saber se tem algum brasileiro com a carteira assinada de tirador de caranguejo? Não existe essa profissão. Essa é a profissão mais degradante do pescador. Não dá direito empregatício, garantia social, seguridade, remuneração condigna, nada. Em muitas fazendas de camarão, o Ministério do Trabalho exige que os funcionários usem botas, uniformes, cada um com seu cantil de água a tira colo. E o tirador de caranguejo, na lama, como ficaria diante do Ministério do Trabalho? Essa atividade não existe para o Ministério do Trabalho. A indústria do camarão está dando a opção a muita gente de não ir para dentro do mangue nessa ingrata forma de ganhar o pão. E vemos a carcinicultura, que emprega direto, mesmo aqueles sem muita qualificação, sendo bombardeada junto a opinião pública. É de se perguntar: o que é que tem por trás dessas denúncias? 52

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