Como invento um prato?Eu sonho, 90% dos meussonhos são com cebolas,tomates...culinária

Page 1

12

Balneário Camboriú, 9 de janeiro de 2010

Entrevista

Como invento um prato? Eu sonho, 90% dos meus sonhos são com cebolas, tomates...culinária”. (Uli Metzger, chef internacional)

n o s s a

g e n t e

Marlise Schneider Cezar lisi@pagina3.com.br

Waldemar Cezar Neto

waldemar@camboriu.com.br

Caroline Cezar

carol.jp3@gmail.com

Nome – HANS ULI METZGER. Idade – 48. Natural – Munique (Alemanha). Em Balneário Camboriú – Há 13 anos. Formação – Professor de artes culinárias formado na Áustria. Profissão – Chef internacional. Estado civil – Separado. Filhos – Sophia, 14 e Benjamin, 15. Lazer – Curtir minha casa em Taquaras e a praia de lá. Já tentei fazer hortas de temperos, mas os gambás comem tudo. Comida predileta – Sushi, porque tailandesa não tem aqui. Música – Tudo da Coldplay. Um bom livro – Todos da Kabbalah. Um filme – Prefiro documentários. Perfil – ‘Sou honesto, inquieto, trabalhador, sonhador e um ótimo amigo’. Planos pessoais, profissionais – Pessoais, colocar minha filha na faculdade. Profissionais? Nunca ficar parado, crescimento constante, mais receitas, mais comidas, mais conhecimento e realizar o sonho de escrever meu livro. Um fato marcante positivo – O nascimento dos meus filhos. Um fato marcante negativo – O dia em que meu filho mudou para Europa no ano passado.

F

ormado na escola austríaca de culinária, uma das mais difíceis e concorridas do mundo, Uli Metzger somente se apaixonou pela arte da cozinha alguns anos mais tarde, quando foi trabalhar na Tailândia. É até hoje sua cozinha preferida, porque é a mais saudável que conheceu. Viajou por mais de 40 países e trabalhou em 17 deles, mas há 13 anos trouxe sua bagagem internacional para Balneário Camboriú. Abriu o restaurante Schnecka´s em Itajaí

Divulgação

e alguns anos depois trouxe a sofisticada casa para a Avenida Atlântica. A sociedade não deu certo e hoje Uli é o chef e administrador do restaurante Number Seven, na beira mar. Nesta entrevista ele conta da sua experiência em cozinhas internacionais – ele foi um dos cozinheiros dos Rockefeller – diz que não tem problema em revelar suas receitas, afirma que é 99% vegetariano e anuncia que seu primeiro livro já está no forno. Acompanhe.


Entrevista

Balneário Camboriú, 9 de janeiro de 2010

13

Fotos Arquivo Pessoal

Uli pronto para o casamento do irmão.

JP3 – Como aconteceu a vinda para Balneário Camboriú? Uli – A primeira vinda foi com minha ex-esposa, brasileira de Lages, a gente veio em viagem de férias e eu me apaixonei loucamente pelo litoral, eu fiquei aqui e ela voltou para a Europa. JP3 – Vocês tinham vindo da Alemanha? Uli – Não, nós morávamos na Itália na época. Os meus dois filhos nasceram na Itália.

O filho Benjamin que desde ano passado mora na Europa.

JP3 – As pessoas acham que ser chef de cozinha é um negócio glamouroso, na verdade é um trabalho pesado. Uli – Sim, é muito pesado. Além de muitas horas, você pode esquecer a vida social, final de semana você trabalha, Natal, Reveillon trabalha... enquanto as pessoas saem, se divertem, você trabalha. E tem outro ponto. Se você é chefe de cozinha, você nunca é convidado para um jantar, eles ficam com vergonha. O meu melhor amigo fala assim, ‘vem depois’ ou ‘vem para uma bebidinh a’ (risos). Então vida social é inexistente!

“A única regra é não servir nada que você não vai comer”.

JP3 – No litoral você veio direto para Balneário? Uli – Não, primeiro Itajaí, onde abri o restaurante Schnecka´s. Todo mundo falou pra mim, faz em Itajaí, tem pouco, mas tem sempre. Só que não me falaram que tem sempre pouco... (risos). Foi muito difícil o começo, ficou uns seis meses sem ninguém entrar no restaurante, mas de repente deu um estalo e começou a movimentar, foi indo, indo... isso foi em 97. Depois em 2000 abri em Balneário. JP3 – Schnecka´s é caramujo em alemão?

Uli – Sim, e eu chamei meus filhos de schneckas, porque eles dormiam como caramujos, então o nome do restaurante foi uma homenagem aos meus filhos. Mas aqui ninguém entendeu, porque tem uma palavra bem feia parecida com schnecka´s (risos). Quando coloquei a primeira placa em Itajaí, via os caras rindo, rindo, achando que era uma ‘zona’, eu disse não, é um restaurante (risos). JP3 – Você aprendeu a cozinhar na Itália? Uli - Não, não, fiz faculdade em Innsburg, onde aprendi a base. A faculdade escolhe quem vai ficar nesse ramo depois. Vejo isso aqui também com muitos alunos da Univali, que fazem faculdade de Gastronomia, porque é considerada uma das mais fáceis e tem mercado de trabalho. Mas em 100, acho que nem 10 ficam nesse ramo, porque é um sacrifício.

JP3 – Teu interesse por culinária é herança familiar ou é uma vontade tua mesmo? Uli – Na verdade eu cresci com minha avó, que tinha muitas histórias da 2ª Guerra Mundial e ela me ensinou uma sopa e além disso nunca fui... eu peguei o aprendizado de cozinheiro porque na época, em 77, não tinha muito no mercado para fazer. Na Alemanha é obrigatório depois do 2º Grau fazer uma faculdade ou um curso técnico. Eu escolhi isso na Áustria, era bem longe de onde eu morava, em Munique. Aí começaram as minhas viagens e nunca mais parei. JP3 – Teriam as escolas francesas...

JP3 – A melhor escola mesmo é a prática, você sentiu isso? Uli – Na faculdade haviam os campeonatos de cozinheiro. Na minha escola quando me formei quem ganhou o campeonato foi Paul Bocuse, o inventor da Nouvelle Cuisine. Sabe Nouvelle Cuisine, onde uma cenoura e uma berinjela custam U$ 300? Os primeiros três formados vão com ele. Eu fiquei em 2º, então fui direto com ele para Marseille na França para um aprendizado de um ano. Desisti depois de seis meses porque nesse meio ano só cortei cebolinha, não cheguei a cozinhar nada. Dali fui para Singapura.

Uli – Até hoje é minha comida absolutamente predileta, porque é saudável, saudável mesmo. Você sabe o que tem dentro de cada prato, é uma comida fantástica. Foi lá que me apaixonei pela culinária. Isso foi em 84. Lá tem os rios e o maior mercado livre flutuante do mundo, aí vem os fazendeiros de todas as partes vender seus produtos e a cozinha é a porta de um barquinho, se come lá, tudo é servido numa folha de bananeira, não tem prato, nem talher, achei tudo isso fantástico, tanto que anos depois no Schnecka´s eu ainda usava bananeiras, era um charme.

JP3 – Por que Singapura? Uli – É, eu desisti do curso na França, pensei para onde vou? Alemanha não. Da Áustria acabei de sair. Eu tinha U$ 800, fui numa agência de turismo e vi uma placa que dizia ‘Vem para Singapura’. O bilhete era U$ 700. Eu fui. Um dia depois que cheguei lá estava empregado num resort fantástico. Depois segui para trabalhar em Bangcoc, na Tailândia para eles também. Foi muita sorte e coragem também.

JP3 – Depois de Bangcoc qual o rumo? Uli – Em Bangcoc era quente demais, aí eu tinha um amigo que foi para Vermont, eles estavam precisando de um cozinheiro para uma estação de esqui, então saí de um calor de 40º e cheguei em 7º negativos. Depois recebi convite para trabalhar em uma família em Nova Iorque, fui e então descobri que era a família Rockefeller... éramos 11 cozinheiros e a gente viajava o mundo todo com o jatinho deles. A gente cozinhava para os amigos deles. Para eles mesmo só cozinhei acho que três vezes. Era só para os amigos deles, convidados, jantar de aniversário de sultão e assim por diante.

JP3 – Você preparava culinária européia. Uli - Sim, americano era uma coisa meio na moda na época. Fiquei em Bangcoc fazendo comida americana. Não aprendi nada de novo. Os americanos querem comer a comida deles. Trabalhei num resort chamado Singapura Palace, era fantástico, tinha sete ou nove diferentes cozinhas e eu cozinhando hambúrgueres. (risos).

“Não gosto de ir a restaurantes. Prefiro comer feijão com arroz em casa”.

Uli – A escola francesa nem é considerada tão boa. Suíços e os austríacos são os mais profundos. Hoje entrar numa escola austríaca é quase impossível, o curso é muito difícil, muito difícil. Eu já tive cozinheiros com currículo francês que não tinham a metade do valor de um com currículo suíço. Eles martelam mesmo, pra apanhar e aprender mesmo.

A filha Sophia mora com o pai na praia de Taquaras.

JP3 – Você perdeu oportunidade de aprender novidades. Uli – Em Singapura aprendi quase nada. Quando fui para Bangcoc veio a fome para cozinhar. JP3 – Hoje a comida tailandesa é famosa, mas na época você nem imaginava que isso aconteceria.

do tempo, a gente tinha que ficar ligado 24 horas, aguardando um chamado. No meu criado mudo tinha um fax e várias vezes chegava um fax avisando ‘4 horas no aeroporto’, a gente ia lá, mas nem sabia para onde ia. Fiquei 6 anos sem férias. JP3 – E ganhava bem? Uli – Acho que sim, depois voltei pra Europa e comprei uma Ferrari. Ganhava bem sim (risos). JP3 – Aí voltou para Europa com toda essa bagagem. Uli – Sim, foi então que conheci minha ex-mulher. Fui para Milão, fiz um restaurante lá. JP3 – Você sempre pensou em ser empresário nesse ramo? Uli – Não, para mim ser cozinheiro por muitos anos já era muito bom. Mas acho também que um chef de cozinha não pode ficar sempre nisso, tem que fazer um passo pra frente, abrir alguma coisa. O Schnecka´s foi meu primeiro restaurante e o único só meu.

“Foi na Tailândia que me apaixonei pela culinária”.

JP3 – O que mais impressionou nessa experiência? Uli – Foi um jantar para um político muito ligado a George Bush na época. E o jantar seria no Waldorf Astoria, um dos hotéis mais antigos de Nova Iorque. Este hotel tem uma tradição de cozinha de 100 anos e o gerente dos Rockefeller mandou todo mundo pra rua. Ele só dizia ‘out’ ‘out’... (risos). Aí nós chegamos lá e nos instalamos na cozinha deles. JP3 – Cozinhar para uma família poderosa como essa era difícil? Uli – Era uma questão de se adaptar. Era difícil por causa

JP3 Como foi sua experiência como empresário? Uli – Começar um restaurante, mal falava português, foi muito difícil. JP3 – E ainda era um restaurante fora do padrão, sofisticado, é preciso considerar isso. Uli – Sim, fora do padrão, eu só comprava e jogava fora, comprava e jogava fora porque minha comida toda era só fresca, não congelava nada. Comprei 5k de camarão, não vinha ninguém, jogava tudo fora. JP3 – Você está falando do restaurante em Itajaí ou aqui em Balneário? Uli – Em Itajaí ele ‘pegou’ depois de seis, sete meses, mas lá funcionava muito bem o almoço e em almoço não se vende álcool... então o almoço era baratinho, mal pagava as despesas. Depois aqui em Balneário mudou isso.


14

Balneário Camboriú, 9 de janeiro de 2010

JP3 – O que dá dinheiro é o vinho? Uli – Qualquer bebida alcoólica. JP3 Por que depois de rodar o mundo você veio parar em Balneário? Uli – Não sei... eu trabalhei em Nova Iorque, Bangcoc, Singapura, Milão e tantas cidades grandes e estava meio enjoado de movimento. Itajaí nem gostei tanto, mas era perto de Balneário, gostei mais de Balneário que para mim, até hoje, é um lugar ideal, tem movimento de cidade grande, mas não é. Tenho minha casa em Taquaras, fujo do trânsito... gosto muito daqui. Agora há pouco estive viajando com minha filha para o exterior e quando estávamos lá, ela falou, ‘pai, vamos para casa’ (risos).

posso mais, então alterar o cardápio ficou mais difícil hoje. JP3 – No seu currículo conta que conheceu 40 países e trabalhou em 17 deles. É perfeito para um chef internacional. Uli – É um conhecer entre aspas, alguns conheci bem, mas outros passei. Na Índia fiquei 24 horas uma vez porque o avião quebrou, isso quer dizer, estive na Índia mas não conheci ninguém, nada, não, conheci uma vaca quando fui tomar meu café. É um país terrível, nunca queria trabalhar lá. JP3 – No cardápio você tem um prato à base de Meca, ele é um peixe nobre dos que tem por aqui? Uli – Ele é um peixe nobre, mas aqui não sei porque ele não disparou ainda... o Meca é desconhecido aqui, porque 90% dele vai para fora, Itália e EUA acho que é o maior mercado, é um dos peixes mais vendidos. O peixe predileto dos europeus e americanos é o do Brasil, porque ele não tem chumbo. Os peixes que são capturados na Europa, em águas européias, são cheios de chumbo, poluição e o brasileiro não tem. Mas não sei por que ainda não disparou ainda, porque ele é puro Ômega 3, é um peixe muito saudável. Além dele, todo peixe que tenho no cardápio é predatório, não trabalho com peixe que não caça, por exemplo, o linguado, que só fica deitado no chão à espera... o peixe caçador é mais limpo, tem uma carne mais firme.

“Um chef de cozinha nunca é convidado para um jantar”.

JP3 – A dificuldade de ingredientes, aqui é mais difícil de conseguir do que em São Paulo, você desenvolveu alguns fornecedores? Uli – Ingredientes já melhorou muito essa questão... em 97 só tinha alface crespa, mais do que isso não tinha. Rúcula nem pensar! Hoje eu diria que para uma cozinha internacional, legal, já conseguimos 80% dos ingredientes aqui mesmo. O resto... a internet é uma revolução, a gente consegue qualquer coisa e compra ingredientes até na Inglaterra. Não é mais problemático.

JP3 – Você se refere mais a temperos? Uli – A maioria é uma mistura de vários temperos. Curry não existe. Ele é uma mistura de vários temperos. E a gente faz isso, se não acha alguma coisa, faz em casa. JP3 – Ouvi falar que você não gosta de rotina em seus cardápios. Se pudesse mudaria o cardápio toda a semana. Isso é resultado da sua vasta experiência internacional, da fartura de conhecimento de temperos diferentes ou o quê? Uli – Não, é ansiedade mesmo...eu vejo que tem muito cliente voltando e sempre está lá o mesmo cardápio... não aguento ver isso! JP3 – Mas quando o cara quer comer aquele prato igual que ele sempre come? Uli – Não tem problema, eu faço (risos). Mas os melhores sempre ficam no cardápio. Agora isso ficou meio complicado, porque o Number Seven tem 7 pratos de tudo, 7 pratos de peixe, 7 de carnes, 7 de saladas, 7 de entradas, então fica mais difícil tirar um, porque todos têm boa saída. Antes não havia essa limitação de números, se tinha 28 pratos, tirei 5, coloquei mais 10, mas hoje não

Entrevista

JP3 – Por que os italianos, franceses, usam tanto peixe pequeno e nós aqui não damos bola para eles? Uli – É hábito, porque os nossos jantares não duram mais de uma hora. Na Europa, na Itália você fica três, quatro horas jantando, aí vem um peixinho, depois um queijinho, mais um peixinho... aí vem a ceia, é questão de hábito mesmo. JP3 – Você falou que gosta muito da cozinha tailandesa. E depois dela? Uli – É a japonesa, como sushi há muitos anos, considero bem saudável, bem natural. JP3 – Você faz sushi também? Uli – Não, não, por algum motivo não tenho o hábito de fazer sushi, não consigo fazer um sushi, o meu tem o tamanho de um braço... (risos), a minha filha diz ‘pai, deixa...’, ela vê que não consigo, não dá... (risos). Já tentei várias vezes, tenho os equipamentos mas não dá... mas também tem tanto sushi por aí pra comer... por que fazer em casa? JP3 – Culinária é fator de desenvolvimento, atração

Uli em 2008, na Alemanha

para o turismo e tal. Qual a sua opinião sobre a culinária catarinense, em especial a de Balneário Camboriú? Uli – Acho que ela deu um grande pulo pra frente. Em 97 não tinha nem 10% do que tem hoje em termos de opções. Hoje se aventuraram um pouco mais, tem boas opções, mas preciso admitir que não sou muito frequentador de restaurantes. Porque não gosto do tratamento, ou não querem que eu pague, ou ficam preocupados que estou ‘roubando’ alguma receita ou algo assim... então não gosto de ir a restaurantes, prefiro comer feijão e arroz em casa, eu adoro. JP3 – Na culinária brasileira o que mais atrai um chef internacional? Uli – Eu curto bastante feijão e arroz, apesar de que o meu sistema intestinal não (risos). Mas eu adoro, minha filha também. A gente faz muita sopa em casa no verão.

Uli com sua mais recente paixão, a Kabbalah

JP3 – É meio incomum um chef falar em comida saudável e você já falou duas, três vezes... porque normalmente restaurante tem pratos com bastante gordura, com molhos, carnes... Uli – É... minha filha está morando há 9 anos comigo e nunca pegou uma gripe, nada... isso tenho certeza, é da comida saudável que ela come. Eu não uso nada de fritura, nem no restaurante, nem em casa. Carne de peixe é grelhada sem óleo nenhum, a própria gordura dele já ajuda. JP3 – Normalmente quem não come carne se incomoda até com o cheiro dela, como é isso para você que é obrigado a trabalhar com o ingrediente? Uli – Não me incomoda e eu não tenho nada contra a carne. Falei 99% vegetariano, porque às vezes também como carne. Todo prato novo que sai no cardápio eu tenho que experimentar.

“Schnecka´s foi uma homenagem a meus filhos, mas aqui ninguém entendeu”.

JP3 – No verão? Sopa fria? Uli – Não, não, sopa quente! Aprendi a famosa sopa de ‘pedras’ da minha avó, sabe por que ela chama assim? A minha avó me contou que na guerra foi bombardeada a casa deles e então ela pegou a minha mãe e meus dois tios pequenos, botou em um carrinho e fugiu para outras cidades, fugindo de Munique que foi bastante prejudicada. À noite ela ia nos campos, pegar uns grãozinhos que estavam ali jogados para fazer uma sopinha. Quando tinha muita batalha, ela não podia sair pra recolher, poderia perder a vida... então colocava uma pedra na sopa, só para as crianças terem a impressão de que tinha alguma coisa dentro, uma substância. Na verdade era uma água com terra. Mas sobreviveram assim e dali saiu a ‘sopa de pedra’. Hoje eu não coloco mais pedras na sopa. JP3 – Quais são os ingredientes da sua ‘sopa de pedra’? Uli – Coloco muitos legumes e eu sou 99% vegetariano, minha filha também, então não tem muita carne em casa.

JP3 – Você acha que o brasileiro come bem? Uli – Come carne demais. JP3 – Muitas vezes de procedência desconhecida. Uli – A minha carne vem de um abatedouro do Rio Grande do Sul bem famoso, bem conhecido, a embalagem vem até com o nome da vaca. JP3 – Como é o processo de criação de um prato? Estabelecer todos os passos, calcular se vai dar lucro ou não, calcular se é operacional ou não e ainda provar, tem cobaias? Uli – A única regra que tenho é não servir nada que você não vai comer. Sempre digo isso aos meus cozinheiros, mas às vezes eles ‘viajam’ um pouco, querem inventar algumas coisas que não tem nada a ver... eu vou falar como invento um prato. Eu sonho com alguma coisa. Soa muito estranho, mas é real, eu tenho tantos anos de culinária e 90% dos meus sonhos são com cebola, pimentões, tomates...culinária. Agora sonhei com uma salada que só não elaborei ainda porque não achei os ingredientes. Também

assisto muita tevê e dá para copiar algumas coisas bacanas dali. Também tem as minhas viagens, viajo muito e sempre trago novas informações. Eu amo a culinária por causa da criação, você abre uma geladeira, está tudo cru, intocado ali e você pode fazer coisas tão bonitas com aquilo. Aqui em Balneário tem o hábito de esperar três meses e depois copiar meus pratos, isso traz um pouco de orgulho também. JP3 – Mas mesmo que copie nunca vai ficar igual, cada um tem seu toque pessoal. Uli – Deixa copiar... ninguém tem o direito de dizer... ‘é meu!’ Então deixa copiar se quiser. Estamos dando cursos de inglês aos nossos cozinheiros para que eles possam navegar melhor na internet, na pesquisa por novidades na culinária. Em abril vou para Israel, lá tem muita mistura de comida árabe, de vários países ao redor, eu quero aprender sobre essas comidas árabes. JP3 – Seria o mesmo que ir ao Rio ou a São Paulo, tem muita comida árabe lá. Uli – Não, porque se você for para China, a comida lá é muito diferente da comida chinesa que comemos no Brasil. Nada a ver uma com a outra. Eu quero aprender o original e como não estou entendendo nada de árabe eu vou lá. É como a comida japonesa no Japão, é diferente de tudo que se come aqui, ingredientes, tamanho, gosto, tudo é diferente. E em setembro de 2010 a gente vai para Bangcoc com um dos nossos cozinheiros, no Mandarim Palace Bangkok Hotel para ele aprender uns pratos. JP3 – Como você caracteriza seu cardápio, ele é internacional? Uli – Eu chamo ‘ fusion’, porque é uma fusão de vários temperos. Por isso a gente não pode se classificar no Guia 4 Rodas como em primeiro que saiu do país, porque não tem essa classificação. Eles classificam só cozinha italiana, francesa... o Schnecka´s foi quatro anos o melhor da cidade nesse Guia. JP3 – Não é mais confortável seguir a moda da culinária, fazer sushi... ou comida tailandesa, que tem bastante gente aprendendo, principalmente homens, porque está na moda...


Entrevista Uli – Não sei, estou dando bastante cursos e em cada 20 inscritos, 19 são homens, acho que virou uma coisa sexy... JP3 – Mas na Europa a maioria das cozinhas de restaurantes são comandadas por homens. Uli – É um trabalho puxado, nervoso, você não vai pedir para uma mulher carregar um saco de batata com 20k... aqui não querem nem saber... eu vejo o casal saindo da praia, ele vem com uma latinha de cerveja na mão, ela com três cadeiras, guarda-sol, bolsas, filhos...(risos), isso não existe na Europa. JP3 – Você domina todas as principais culinárias internacionais, francesa, alemã, tailandesa, italiana? Uli – Não, domino parte de cada uma. Qualquer uma é muito extensa. Eu acho que uma das melhores do mundo é a italiana, mas lá também é por região. JP3 – A comida italiana é boa, mas parece tão forte, muita massa, muito molho, pizza. Na Alemanha a informação que se tem é que comem muito carboidrato. Nesse sentido, qual o país que come melhor, que come preocupado com a saúde das pessoas?

Uli – Também depende muito do clima de cada país. Onde é muito frio, a comida é mais pesada, você fica com uma fome danada no frio, tem que comer mais, a culinária se adaptou com isso. Na Tunísia eles passam o dia com uma folha de hortelã e um abacaxi, porque o calor deles é muito forte.

conhecer e não se interessou? Uli – Completamente não, qualquer uma me interessa. A que menos me interessa é a indiana, porque é muito pesada, molhos, ensopados, leite de côco, não combina comigo. JP3 – Você não gosta de óleos, mas aqui no Brasil as pessoas comem m u i t a fritura, batata frita, quando pedem você faz? Uli – Uso azeite, óleos não... acho que passou o trem da fritura, não é mais a comida de hoje. De vez em quando ainda alguém pede (risos), infelizmente, mas que faz mal todo mundo sabe. Estive na Inglaterra agora e o que vi de crianças gordas por lá... EUA também, é um problema de saúde pública.

“Não trabalho com peixe que não caça. O caçador é mais limpo, tem a carne mais firme”.

JP3 – Então o baiano é a destruição de qualquer lógica, porque naquele calorão comem vatapá, acarajé etc... (risos) Uli – É realmente, porque é muito quente lá, mas estão habituados.

JP3 – Você gosta de comida picante, apimentada? Uli – Eu adoro, não como quase nada sem pimenta. É um hábito que peguei na Tailândia e nunca mais parei. A maioria das pimentas são saudáveis. A preta, pimenta do reino não faz bem para artérias, hemorróidas. Mas qualquer pimenta fresca é saudável. JP3 – Tem algum tipo de culinária que você chegou a

JP3 – Como é o dia-a-dia de um chef de cozinha? Uli – Eu abro todos os dias às 9h, só não fecho mais porque já tem alguém para fazer isso. O almoço por enquanto é uma rotina, porque acabamos

Balneário Camboriú, 9 de janeiro de 2010

de abrir. Mas para ocasiões especiais, as pessoas podem me procurar, então montamos um cardápio de acordo com o que eles querem. JP3 – Qual foi o jantar mais luxuoso que você já preparou? Uli – Foi um jantar de final de ano da fábrica Rolls Royce na Inglaterra. Foi feito em um hotel da Áustria. Eles abriram uma parede para colocar o último modelo de Rolls Royce dentro do hotel. Eles reconstruíram o hotel inteiro só para esta festa. Tinha um jatinho de prontidão para buscar os melhores ingredientes do mundo, foi um absurdo de um investimento. JP3 – Isso é um negócio marcante no currículo. Uli – Marca, mas também dá um pouco de nojo todo esse desperdício de dinheiro. JP3 – E o que se come numa festa dessas? Uli – De tudo o que se pode imaginar, era um bufê de várias culinárias. Mas tinha um caviar tirado do peixe menos de 12 horas antes de servir no jantar, tudo caríssimo, os ingleses não são muito gourmets, é um desperdício mesmo.

15

JP3 – Quem são os melhores gourmets? Uli – Os mais enjoados são os italianos porque ninguém cozinha melhor que a mãe (risos). Os melhores são os brasileiros, porque aqui tem muito pouco novo rico, ele trabalhou para ter, então eles adoram comprar uma coisa diferente, eles apreciam o que estão comendo sem aquelas extravagâncias. JP3 – Você está escrevendo um livro. Vai revelar os segredos das receitas? Uli – Sim, sim, eu passo tudo que sei para os meus cozinheiros. Não tenho nenhum segredo. Porque o modo de fazer é diferente, a mão é diferente, não consegue fazer a mesma coisa. Eu tenho um cozinheiro que é fantástico, mas ele não faz a mesma coisa que faço, não consegue, é outra mão, outro pensamento. Ingredientes num livro de receitas é difícil, uma pitada na minha mão é diferente da tua... JP3 – É um livro de receitas ou é um livro sobre a sua experiência de chef internacional? Uli – É uma combinação dos dois, todo o prato tem uma historinha.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.