Martírio de santa catarina

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MARTÍRIO DE SANTA CATARINA TRATAMENTO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO

Antes do tratamento

Após tratamento

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INTRODUÇÃO

Qualquer obra sofre, com o tempo, modificações mais ou menos acentuadas, de diferentes origens, causadas pelo inevitável processo natural de envelhecimento, ou por intervenções de caráter prático, de caráter ideológico, ou simplesmente de acordo com o gosto pessoal do interveniente.

A pintura a óleo sobre suporte de tela Martírio de Santa Catarina, datada do século XVIII, pertencente ao Seminário Episcopal de Angra, é exemplo de uma obra que sofreu ao longo dos anos alterações provocadas pelo envelhecimento gradual, bem como intervenções que tiveram por objetivo ocultar lacunas e sujidades acumuladas ao logo dos anos.

As intervenções agora realizadas nesta pintura e na sua moldura, constituíram oportunidade única para o seu estudo, para o seu diagnóstico, bem como para a sua interpretação do ponto de vista histórico, estrutural e material. O conhecimento da natureza dos materiais e da estrutura da pintura foi essencial para o correto entendimento do processo artístico. Este conhecimento, associado às avaliações efectuadas do estado de conservação, e das suas causas, contribuiu para a elaboração de uma proposta de intervenção que permitiu orientar o tratamento efectuado.

Ao longo deste trabalho foi posto em prática todos os conhecimentos técnicos e científicos disponíveis, bem como a máxima dedicação em prol da conservação e preservação desta obra. O seu tratamento foi realizado de acordo com os princípios éticos e deontológicos da profissão. Os materiais utilizados foram testados e selecionados de acordo com a sua reversibilidade e estabilidade, de forma a minimizar eventuais danos, e de acordo com a sua compatibilidade com os materiais originais da pintura e da moldura.

Terminado o tratamento de conservação e restauro da pintura Martírio de Santa Catarina, decorrido entre Junho e Setembro de 2013, permanece este testemunho escrito que constitui parte integrante desta obra e objeto de informação para possíveis intervenções posteriores.

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I. IDENTIFICAÇÃO DA OBRA 1.1 ASSUNTO REPRESENTADO

Super-categoria: Artes plásticas/decorativas Categoria: Pintura Sub-categoria: Arte Sacra Dimensões Pintura: 120,0 (alt.) x 71,0 (larg.)

Moldura: 130,0 (alt.) x 82,0 (larg.) x 3.5 (prof.)

Fig.1 -Martírio de Santa Catarina.

Aspecto geral da frente antes do tratamento.

Descrição Esta pintura representa o Martírio de Santa Catarina de Alexandria. Ajoelhada perante o imperador romano Maximino, encontra-se prestes a ser degolada por um soldado que desembainha a espada com que dará o golpe. O Imperador, tendo-se apaixonado por Santa Catarina, tenta oferecer-lhe poder e riquezas materiais, os quais recusou. Em segundo plano aparece o carrasco que a terá flagelado. Num plano superior, ao centro da composição, é representado um anjo esvoaçante que segura na sua mão direita uma coroa de princesa e na mão esquerda uma palma, alusão ao seu martírio. A cena é representada num espaço interior, delineado por elementos arquitectónicos e por um arco de volta perfeita na parte superior da pintura (fig. 1).

Em termos plásticos, esta pintura caracteriza-se pela utilização de cores intensas e luminosas e pela harmoniosa composição figurativa.

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1.2 DATAÇÃO: Séc. XVIII (1ª metade).

1.3 AUTORIA1 Apesar de não se encontrar assinada, esta obra apresenta paralelismos estilísticos com algumas pinturas atribuídas ao pintor André Gonçalves (16851762).

A pintura de André Gonçalves, de cariz decorativo e italianizada, caracteriza-se pelo uso de uma paleta definida por tons claros e intensos, utilização suave das tintas com uma escala harmoniosa de tons, figuras elegantes, tipo de beleza clássica, mas geralmente simples e pouco original.

André Gonçalves foi o pintor que estabeleceu um elo de ligação entre as correntes pictóricas seiscentistas e o novo espírito clássico. A sua pintura remete-nos para as correntes classicistas tardo-barrocas, caracterizada pela versatilidade, pela produção rápida e intensa, utilizando a herança do passado como fundo geral da sua produção, e cujo modelo clássico permite, por meio da técnica, uma maior comunicação entre o observador e o objecto visualizado (Nuno Saldanha, Artistas, Imagens e Ideias na Pintura do Século XVIII, 1995).

1.4 PROVENIÊNCIA: Solar de Santa Catarina, Diocese de Angra 1.6 PROPRIETÁRIO: Seminário Episcopal de Angra

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Esta provável atribuição baseia-se unicamente na comparação visual entre obras do pintor.

Para uma atribuição fundamentada é imperioso a realização de análises micro-químicas de materiais constituintes desta pintura, para futura comparação com os materiais de outras pinturas atribuídas a André Gonçalves.

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II. MATERIAIS E TÉCNICAS 2.1 Pintura Suporte  Suporte disposto verticalmente, constituído por um único elemento de tela de linho (?);  Tela de tecelagem cerrada em tafetá;  Densidade 13 fios de teia (disposta verticalmente) x 9 fios de trama (disposição horizontal) por cm2;  Torção dos fios em “Z”;  Bordos de dimensões regulares, visíveis na periferia da pintura; Camada de preparação  Camada vermelha, de média espessura, preparada artesanalmente, sendo visíveis aglomerados desta camada no verso da pintura (fig. 2);  Esta camada estende-se sobre a totalidade da superfície cromática da pintura.

Fig. 2- Pormenor da camada de preparação que migrou para o verso da pintura pelos interstícios do suporte.

Camada cromática  Técnica oleosa;  Camada de média espessura e de textura delicada;  Técnica pictórica caracterizada por pinceladas rápidas e fluidas, e pela utilização de cores brilhantes e intensas.

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Camada de proteção  Não possui.

Sistema de sustentação  Esta pintura possui grade em madeira de pinho, constituída por quatro elementos unidos entre si, formando a caixa e respiga um ângulo de 90º (fig. 3 e 4);  Travessas com arestas vivas, sem chanfre;  Não possui sistema de reajustamento dimensional;  A pintura foi fixa aos lados da grade com Fig. 3- Aspeto do verso da pintura recurso a elementos de ferro (fig. 5). antes do tratamento.

Fig. 4- Uniões de elementos da grade.

Fig. 5- Fixação da pintura à grade com elementos de ferro.

2.2 Moldura Suporte  Estrutura em madeira de pinho (flandres), constituída por quatro elementos unidos entre si a 45º (fig. 1).  Moldura com perfis planos e convexos, sendo o perfil interior de menor espessura (fig. 6); Fig. 6- Perfis da moldura.

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Camada de preparação  Camada branca, de média espessura, construída por uma carga (provavelmente sulfato de cálcio) aglutinada num adesivo de origem proteica;  Esta camada recobre a parte frontal da moldura.

Policromia e douragem  Pintura negra, de natureza oleosa, nos perfis exteriores da moldura, não original;  Perfil interior dourado em prata dourada aplicada de acordo com a técnica aquosa ou brunida.

III. INTERVENÇÕES ANTERIORES  A superfície da pintura apresenta repintes pontuais, aplicados com o objetivo de tentar dissimular as lacunas existentes. Estas intervenções ultrapassam os limites dessas lacunas (fig. 7).

Fig. 7- Repinte pontual na superfície cromática.

 Repolicromia do perfil exterior da moldura com tinta plástica negra (fig.

6);  Douragem com purpurina dourada dos perfis interiores da moldura (fig.

6);  Aplicação de quatro elementos de aglomerado de madeira, dispostos horizontalmente, para fixação da moldura à respectiva grade (fig. 3).

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IV. AVALIAÇÃO DO ESTADO DE CONSERVAÇÃO 4.1 Pintura Suporte  Tela flácida (perda de elasticidade) e com deformações mecânicas (ondulações) resultantes de sucessivos ciclos de dilatação e contração em função das variações termohigrométricas;  O suporte apresenta-se coeso e com boa resistência mecânica;  Apresenta ligeiras deformações mecânicas junto aos bordos, sendo estas mais acentuadas nas zonas de fixação à grade;  Apresenta evidentes deformações provocadas pelo facto da grade não possuir chanfre, encontrando-se em contacto direto com o suporte (fig.

8);

Fig. 8- Deformações laterais provocadas pela grade.

 Orifícios circulares nos bordos ou na superfície cromática da pintura resultantes da aplicação de elementos de ferro para fixação da mesma à grade. Estes orifícios apresentam, de uma maneira geral, manchas escuras nas zonas circundantes e fibras danificadas sem resistência mecânica, resultantes da oxidação dos elementos de ferro (fig. 9).

Fig. 9- Orifícios resultantes da aplicação de elementos metálicos nos bordos ou directamente sobre a superfície cromática.

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 Desprendimento da pintura da grade, observado principalmente no lado esquerdo, por consequente corrosão e perda de resistência dos elementos de ferro utilizados (fig. 10);

Fig. 10- Desprendimento da pintura da grade.

 Lacunas pontuais, em geral de reduzidas dimensões;  Desfibramento dos bordos da pintura (fig. 9);  Suporte ligeiramente escurecido como resultado da decomposição ácida e migração até ao suporte de sais metálicos existentes na preparação, bem como do óleo secativo da camada cromática (contém substâncias ácidas);  Bolsas de sujidade acumulada entre a grade e a tela (verso);  Presença fungos, poeiras e sujidades superficiais (verso).

Camada de preparação  Apresenta, de uma maneira geral, boa adesão e coesão, não apresentando sinais de pulverulência;  Falta de adesão pontual, observada em especial nos limites de lacunas.

Camada cromática  Presença de poeiras, sujidades superficiais, salpicos de tinta branca e excrementos de insetos (moscas);  Acentuado craquelure, característico do processo de envelhecimento natural da pintura (fig. 11);

Fig. 11- Acentuado craquelure de envelhecimento.

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 Apresenta falta de adesão pontual nos limites de lacunas, acompanhada por levantamentos e destacamentos (perda de matéria cromática);  As deformações diversas correspondem às observadas no suporte;  Desgaste pontual da superfície, riscos e diversos sinais de abrasão (fig.

12);

Fig. 12- Sinais de desgaste e abrasão.

 Foram observadas pontualmente pinceladas de goma-laca(?) na superfície cromática, junto aos perfis dourados da moldura.

Grade  Estrutura que não oferece as condições de estabilidade necessárias à conservação da pintura;  Ataque biológico de insetos xilófagos (caruncho);  Manchas de diversa natureza (agentes ambientais, fungos, manuseamento);  Presença de poeiras, sujidades superficiais e aderentes.

4.2 Moldura Suporte  Pronunciado ataque biológico de insetos xilófagos (caruncho), (fig. 13);  Madeira fragilizada pela oxidação dos elementos metálicos utilizados na fixação da pintura e outras aplicadas aleatoriamente (fig. 13);  Manchas de diversa natureza (agentes ambientais, fungos, manuseamento).  Presença de poeiras, sujidades superficiais e aderentes.

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Fig. 13- Pormenor do estado de conservação da moldura.

Camada de preparação  Apresenta reduzida coesão mecânica, encontrando-se pontualmente pulverulenta;  Possui falta de adesão ao suporte, acompanhada por levantamentos e destacamentos (lacunas).

Policromia e douragem  Presença de poeiras, sujidades superficiais e aderentes e excrementos de insetos diversos;  Falta de adesão pontual ao suporte, acompanhada por destacamentos de matéria (fig. 14);

Fig. 14- Falta de matéria policroma na parte superior da moldura.

 Lacunas na policromia, deixando a preparação visível (fig. 14);  Levantamento pontual da douragem, resultante da falta de adesão ao suporte;  Pingos e aglomerados de resina (?) ou goma-laca(?) aplicada sobre as zonas douradas.

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V. TRATAMENTO REALIZADO Qualquer intervenção de conservação e restauro é um processo intelectual antes de ser manual. Como tal, deverá se reger por um conjunto de princípios éticos que servem de base de orientação a todo o trabalho a realizar.

O tratamento de conservação e restauro de uma obra de arte não tem por objetivo restituir a sua aparência original, o que seria de todo impossível, mas sim restituir uma harmonia estética e uma estabilidade física e química tão próximas quanto possíveis do original, a fim de conferir à obra uma correta leitura no seu todo. É, de todo, impossível efetuar uma intervenção de conservação e restauro numa obra de arte sem um estudo prévio dessa obra, sem se conhecer os seus materiais constituintes e sem se avaliar o seu estado de alteração e compreender as causas prováveis dessa mesma alteração. Para tal, toda e qualquer intervenção deve ser precedida de um exame e diagnóstico prévios.

Um conservador restaurador deve agir com métodos e produtos previamente testados, dos quais se poderá efetuar uma avaliação imediata e a longo prazo do impacto que a obra sofrerá. Como tal, este deve estabelecer a necessidade de cada intervenção e medir o grau de risco da mesma, para que a intervenção seja mínima, justificando toda a adição de materiais estranhos aos originais da obra.

Todas as intervenções efetuadas devem ser legíveis, isto é, os tratamentos que modificam o que subsiste de um objeto e que só são identificados através de documentação anexa, e não pelo exame do objeto em si, devem ser evitados.

Nenhuma intervenção deve falsificar a realidade ou apagar qualquer rasto da história material da obra.

Tanto quanto possível toda a intervenção deve ser reversível, o que significa, que tudo o que foi feito deve ser desfeito, sem que a obra de arte seja afetada.

Os materiais introduzidos na obra durante o tratamento de conservação e restauro devem ser compatíveis com os materiais originais dessa obra quer a nível mecânico, químico, físico e até ótico.

Toda a intervenção deve ser efetuada tendo em conta as condições nas quais o objeto vai ser colocado após o tratamento. O uso de condições adotadas de conservação preventiva permite diminuir o grau de intervenção direta sobre um objeto e prolongar a eficácia da maior parte dos tratamentos.

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Por fim, tudo o que é feito e tudo o que é observado no decorrer do trabalho deve ser registado, incluído a avaliação do estado de conservação da obra. As informações recolhidas, as observações e as diversas intervenções efetuadas devem ser complementadas com registo fotográfico, testemunho inegável do valor histórico e documental a delegar às gerações futuras. Essa documentação é inseparável da obra de arte, ficando à guarda da pessoa ou instituição responsável juridicamente pela mesma.

Fases de tratamento Remoção da moldura e grade Processo mecânico que consistiu na remoção dos diversos elementos que permitiam a fixação da moldura à grade, e desta à pintura (fig. 16).

Previamente foi realizada uma pré-fixação da policromia da moldura, de maneira a evitar eventuais destacamentos de policromia em risco. Para tal foi utilizado o adesivo metilcelulósico (sal sódico de carboximetilcelulose) a 0,5% em solução aquosa e alcoólica (fig. 15).

Fig. 15- Pré-fixação da policromia em destacamento.

Fig. 16- Remoção dos elementos de madeira que permitiam a fixação da moldura à grade da pintura.

5.1 Pintura Limpeza mecânica de poeiras e sujidades superficiais Numa primeira fase de limpeza foram removidas mecanicamente as sujidades orgânicas, tais como poeiras e sujidades superficiais depositadas sobre a superfície pictórica e suporte da pintura.

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Esta limpeza foi realizada por via mecânica com trinchas e escovas macias (fig.

17).

Fig. 17- Limpeza por via mecânica de sujidades superficiais.

Aplicação de proteção / fixação da camada cromática Esta intervenção teve duplo objetivo: em primeiro lugar pretendeu-se restabelecer a adesão pontualmente perdida entre as diversas camadas da pintura e o seu suporte mediante a aplicação de um adesivo e conferir, simultaneamente, uma proteção temporária da camada cromática da pintura durante o tratamento do seu suporte, intervenção esta que implica o exercício de pressão no verso da mesma.

Para tal foi aplicado um facing, também denominado por faceamento, na superfície cromática. Um facing é um processo reversível, aplicado temporariamente, que consiste na colocação, mediante a utilização de um adesivo, de um papel extremamente fino (papel japonês) que se adapta a todas as irregularidades da superfície cromática, protegendo-a aquando da pressão exercida durante o tratamento do suporte (fig. 18);

Fig. 18- Aplicação de facing.

Para tal, optamos por efetuar uma proteção com papel japonês de 9 gramas, tendo sido utilizado como adesivo a cola animal a 6% em solução aquosa. Este adesivo foi escolhido, em primeiro lugar, por circunstâncias materiais, uma vez que a composição provável da preparação seria de origem natural, proteica. Outro fator que contribuiu para a escolha deste adesivo foi o bom resultado dos testes de fixação realizados.

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Limpeza do suporte Com esta operação pretendeu-se remover as sujidades aderentes ao suporte.

Para tal, foram utilizadas escovas diversas e bisturi, tendo a limpeza sido realizada no sentido da teia e da trama da pintura para que as tensões exercidas fossem uniformemente distribuídas.

Planificação do suporte Para a planificação do suporte, o verso da pintura foi ligeiramente humedecido uniformemente com água destilada e, em seguida, foram exercidas pressão e calor com um ferro eléctrico (aprox. 60 ºC). Por fim, a pintura foi mantida sob pressão, com pesos, até ao seu total arrefecimento (fig. 19).

Fig. 19- Planificação do suporte.

5.4 Limpeza da camada cromática O facing de proteção da superfície cromática foi seguidamente retirado com algodão embebido em água tépida, a fim de se proceder à limpeza de sujidades aderentes à camada cromática da pintura.

A limpeza da camada cromática é uma intervenção de caráter estético que tem por objetivo recuperar as tonalidades originais da obra, salvaguardando, porém, uma patine superficial, característica do processo de envelhecimento natural da pintura. O processo de limpeza consistiu na aplicação de solventes capazes de amolecer e remover os repintes e as sujidades aderentes, sem que estes interferirem com a superfície cromática da pintura. Estes solventes foram selecionados após a realização de testes de solubilidade efetuados em pequenas áreas representativas da totalidade da gama cromática presente na pintura.

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Após a realização de testes pontuais optamos pela realização da limpeza de acordo com a seguinte metodologia:  Para o levantamento de repintes pontuais foi utilizado o white-spitit (puro);  Os resíduos de goma-laca existentes junto aos limites da moldura foram removidos com etanol;  A limpeza da superfície cromática foi realizada com detergente neutro (algumas gotas) em solução aquosa. Foram também utilizados abrasivos ligeiros (micro esferas de vidro), (fig. 20);  Para a eliminação de sujidades mais persistentes, tais como os excrementos de moscas e salpicos de tinta branca, foi utilizado pontualmente um bisturi.

Fig. 20- Limpeza da camada cromática.

Preenchimento de lacunas do suporte Perante a necessidade de voltar a ser esticada, de maneira a readquirir uma certa estabilidade e resistência mecânica próximas do original, o suporte desta pintura teve, inevitavelmente, de ser reforçado.

Assim sendo, foram previamente removidas por via mecânica as fibras danificadas dos bordos e dos limites das lacunas, após o qual se seguiu o preenchimento dessas lacunas com tela de linho de características semelhantes à original (tecelagem, densidade e espessura).

Os preenchimentos foram efetuados respeitando a orientação das fibras de teia e de trama da pintura. Estes têm o formato da lacuna, embora com bordos um pouco maiores, que após desfibrados e rebaixados, permitiram obter finos fios com maior superfície de colagem aos limites das lacunas. O adesivo utilizado foi o PVAC em solução aquosa. Após secagem sob pressão, e de maneira a garantir o sucesso desta intervenção, o adesivo foi reactivado com espátula quente (fig. 21).

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Fig. 21- Preenchimento de lacunas de suporte com tela de características idênticas.

Os preenchimentos realizados na superfície da pintura foram reforçados pelo verso com voile de Lyon2 e Beva film3. A adesão deste tecido ao Beva film foi conseguida mediante reativação do adesivo com calor.

Aplicação de bandas de tensão Uma vez que esta pintura teria de ser colocada sobre uma estrutura de sustentação que permitisse mantê-la sob tensão, i.e, uma grade, os seus bordos teriam de ter as dimensões mínimas que permitissem o seu engradamento. Como tal, foram realizadas bandas com tela de linho, idêntica à utilizada para o preenchimento de lacunas no suporte. Estas foram desfibradas de maneira a permitir reduzida espessura na interface de adesão aos bordos originais. As bandas foram fixas aos bordos da pintura com Beva film (fig. 22).

Fig. 22- Aplicação de beva film nos limites da pintura.

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Tecido não tecido, 100% seda natural, não tingida, de fina densidade (com 10g/m2), de elevada estabilidade física e de mediana transparência.

3 Película de Beva 371 apresentada em filme de fina espessura.

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Limpeza e desengorduramento de lacunas Todas as lacunas foram limpas mecanicamente com um bisturi e desengorduradas com fel de boi4, de maneira a permitir uma boa aderência da massa a utilizar no preenchimento das mesmas.

Preenchimento de lacunas a nível da camada de preparação O preenchimento de lacunas é uma intervenção de restauro que consiste na aplicação de uma massa nas diversas lacunas, colocando-as ao nível da camada cromática, para que em seguida possam ser integradas. As lacunas existentes foram preenchidas com modostuc. Esta massa é elástica, bastante macia, totalmente reversível, fácil de moldar e de texturar, formando uma excelente superfície reflectora para a integração cromática.

Uma primeira camada desta massa foi aplicada ligeiramente diluída, de maneira a facilitar a sua penetração e aderência às lacunas. Depois de seca, foram depositadas com uma espátula sucessivas camadas até ser obtida a espessura pretendida. É importante que cada camada de massa seque bem antes da aplicação da seguinte, de maneira a evitar uma forte contração e consequente fendilhamento da mesma. Por fim, as massas foram niveladas (fig. 23, 24 e 26).

Fig. 23- Aspeto geral da pintura após preenchimento de lacunas.

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Oxgall refined 051, série 1, da Talens.

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Engradamento Uma vez que esta pintura teria de ser recolocada no local de exposição e reajustada sempre que necessário, seria necessário colocá-la numa estrutura com as características necessárias para a sua adequada conservação. Como tal, foi construída uma grade em madeira de casquinha (madeira leve e resistente ao ataque biológico), com sistema de encaixe de malhete escondido (ligação em L com respiga engasgada à meia esquadria), duas travessas verticais, duas horizontais e uma travessa horizontal de reforço, arestas exteriores arredondadas, chanfre no lado interior e com sistema de reajustamento dimensional com tensores angulares. Este sistema permite a adaptação da grade às variações dimensionais da pintura em função dos movimentos de dilatação e de contração a que se encontrar sujeita.

Antes de engradada a pintura, a nova grade foram sujeita a um tratamento preventivo, insecticida e fungicida, que consistiu na aplicação de Xylophene S.O.R 2 (da Dyrup).

O processo de engradamento consistiu na centralização da pintura sobre a grade, esticando-a com um tensor, seguindo-se a sua fixação com agrafos inoxidáveis5, dispostos paralelamente, a partir dos meios para as extremidades da grade, e à medida que os lados opostos foram esticados com um esticador.

Os excessos de tela foram cortados e as margens foram fixas ao verso das grades com agrafos. Os cantos e as margens foram, por último, igualmente reforçados com agrafos (fig. 33).

Integração cromática Esta intervenção de caráter estético consistiu na reconstituição cromática de lacunas e desgastos em função da tonalidade circundante, enquadrando-os no conjunto da pintura. Pretendeu-se, com esta intervenção, recuperar a legibilidade e continuidade das lacunas inexistentes nesta obra de acordo com o seu aspecto original.

Uma intervenção desta natureza não pretende ocultar as marcas deixadas pelo passar dos anos, como os craquelures, mas sim as marcas deixadas pelos diversos acidentes a que a pintura foi sujeita (lacunas e gastos) e que desfiguram e interrompem a leitura da sua superfície.

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Os agrafos inoxidáveis são resistentes à corrosão, são de fácil aplicação e, quando removidos, deixam orifícios de pequenas dimensões.

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Pretende-se, nesta fase de intervenção, que o espectador perante a pintura não fixe o seu olhar nos defeitos, ou seja, nas lacunas existentes, mas que, pelo contrário, tenha uma sensação agradável de não interrupção da imagem.

Uma integração cromática, também denominada de retoque, deve, à semelhança das massas utilizadas no preenchimento de lacunas, restringir-se sempre aos limites dessas mesmas lacunas.

Os materiais escolhidos para uma integração cromática devem responder a duas exigências fundamentais: estabilidade e reversibilidade. A primeira exigência significa que esses materiais não deverão interferir com a camada cromática original, alterando-se o mínimo possível à medida que envelhecem.

A segunda pressupõe que estes deverão ser removidos da zona de lacuna, a qualquer altura, sem perigo para a pintura circundante.

Na pintura em tratamento optou-se por utilizar uma técnica de integração que consistiu na aplicação de aguarelas6 diluídas. A vantagem da utilização de aguarelas reside no facto destas serem de fácil aplicação e de rápida secagem, permitindo uma boa cobertura das massas sem conferir espessura.

A técnica de integração cromática adotada, denominada de trattegio, consiste na sobreposição de finos traços verticais que se justapõem em função da tonalidade original da pintura, até se atingir o máximo de unidade e integração das lacunas. Os diversos traços são perfeitamente visíveis de perto, mas ao longo são imperceptíveis. O efeito claro-escuro foi conseguido de acordo com a espessura e a distância entre os mesmos. A paleta limitou-se a uma gama de cores puras sendo a reconstituição cromática efetuada no olho do espectador (fig. 25 e 27).

Fig. 24 e 25- Pormenor da pintura antes e após a integração cromática de lacunas.

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Aguarelas Winsor & Newton para uso profissional.

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Fig. 26 e 27- Pormenor da pintura antes e após a integração cromática de lacunas.

Proteção final A aplicação de uma camada final de verniz é indispensável para a proteção da superfície cromática da pintura contra os efeitos nocivos do meio ambiente (poluição e sujidades) e acidentes de manuseamento (abrasão e riscos).

Optou-se por aplicar uma película uniforme de verniz de proteção na superfície cromática. Esta camada permitiu também saturar e conferir brilho à superfície da pintura. Foi utilizado um verniz transparente, reversível e com boa estabilidade química, o verniz de retoque para uso profissional da Winsor & Newton7 (fig. 28).

Fig. 28- Aplicação de verniz de proteção.

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Retouching Varnish, da Winsor & Newton é uma resina sintética cetónica, incolor, de baixa viscosidade, reversível e resistente à fotodegradação.

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Após a aplicação da camada de proteção rectificaram-se pontualmente algumas cores mais contrastantes com velaturas de pigmentos puros8 aglutinados no mesmo verniz de retoque (fig. 32).

5.2 Moldura O tratamento da moldura limitou-se à conservação dos materiais originais e à remoção de inadequadas intervenções anteriores, com o objetivo de estabilizar o processo de degradação. Porém, para que o suporte da moldura recuperasse a necessária estabilidade física foi necessário proceder pontualmente ao restauro do mesmo.

Fixação da policromia Após as fases de limpeza e pré-fixação anteriormente descritas, procedeu-se a sucessivas fixações da policromia e da camada de preparação pulverulenta com cola de coelho em concentrações variáveis entre 3% e 5%. O adesivo foi aplicado por pincelagem e injeção em zonas de evidentes levantamentos. Por fim, e de maneira a garantir o sucesso desta intervenção e a necessária estabilidade física entre os extratos policromos, procedeu-se à reativação do adesivo com calor fornecido por espátula quente com temperatura controlado por termóstato.

Desinfestação do suporte Uma vez que a moldura apresentava ativo ataque biológico procedeu-se à aplicação por injeção em orifício de saída de insetos xilófagos, da substância de ação inseticida-fungicida Xylofene SOR2 da Dyrup (fig. 29), após a qual a moldura permaneceu em ambiente anóxio durante um período de quinze dias.

Fig. 29- Injeção de substância de ação insecticida-fungicida.

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Artist`s Pigments, da Winsor & Newton.

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Extração mecânica de elementos metálicos Os diversos elementos metálicos existentes, originais ou aplicados em intervenção anterior para fixação da pintura à grade, e desta à moldura, foram removidos por via mecânica com ferramenta adequada (berbequim, punções e turqueses), (fig.30).

Os produtos de corrosão que permaneceram na madeira foram limpos com etanol e por via mecânica. A madeira fragilizada pela corrosão metálica foi consolidada com resina acrílica Paraloid B 72 a 6% em acetona.

Fig. 30- Extração de elementos metálicos.

Preenchimento de lacunas de suporte Os orifícios resultantes da remoção dos elementos metálicos que permitiam a união dos elementos constituintes da moldura foram preenchidos com cavilhas de madeira compatível. Os restantes orifícios foram preenchidos com serrim de madeira aglutinado em adesivo polivinílico (PVAC).

Limpeza A limpeza desta moldura consistiu na remoção de sujidades aderentes à policromia com recurso a solução aquosa, bem como no levantamento por via mecânica (com um bisturi) da purpurina dourada aplicada sobre o perfil em prata dourada (fig. 31).

Fig. 31- Remoção por via mecânica de purpurinas.

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Fixação do conjunto Concluído o tratamento de conservação e restauro da pintura Martírio de Santa Catarina, bem como a conservação da respetiva moldura, procedemos à fixação do conjunto com elementos em aço inoxidável. Estes foram fixos à moldura com parafusos em aço inoxidável e permitem, por deslizamento, a remoção da moldura para eventuais reajustamentos da grade (fig. 32 e 33).

Fig. 32 e 33- Aspeto geral da pintura Martírio de Santa Catarina após tratamento de conservação e restauro (frente e verso).

Angra do Heroísmo, 14 de Outubro de 2013 A Responsável Técnica,

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