11 a 23 de dezembro de 2018 CAIXA Cultural Rio de Janeiro - Cinemas Av. Almirante Barroso, 25 - Centro Instagram: @caixaculturalrj Curta facebook.com/CaixaCulturalRioDeJaneiro Acesse www.caixacultural.gov.br
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Apresentação 8 1. Texto e Contexto no Novo Cinema Argentino dos anos 90
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por Andrea Molfetta
2. Pizza, Cerveja e Baseado: a Cidade e a Margem 31 Malena Verardi
3. O mundo do trabalho no Novo Cinema Argentino: Mundo Grua, Bolívia, Pizza, Cerveja e Baseado e as estéticas da precariedade
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Cecilia Nuria Gil Mariño
4. Entrevista com Martín Rejtman sobre Rapado 49 Alejandro Ricagno e Quintín
5. Entrevista com Lucrecia Martel sobre O Pântano 55 F.M.P., Paula Félix-Didier e Ezequiel Luka
6. A Mãe de Todas as Batalhas 69 Mariano Llinás e Laura Citarella
índice
Sinopses
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Ficha Técnica
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Ao todo, serão exibidos 17 filmes, sendo a sua grande maioria produzida durante o final dos anos 1990 e início de 2000. No entanto, foram também selecionadas três obras produzidas de 2010 para cá. Nesse caso, a ideia por trás da escolha
Apresentação
cunhou o Nuevo Cine Argentino. Quanto aos textos selecionados para o catálogo, a intenção foi a de apontarmos alguns caminhos encontrados e investigados pelo chamado Nuevo Cine Argenti-
Nos primeiros minutos de Rapado, um dia após ter sua motocicleta levada em um
no. O livro foi dividido em duas partes: uma primeira metade de desenvolvimento
assalto, Lucio e seu amigo almoçam espaguete e conversam sobre o caso. Eis que
histórico e crítico acerca dos filmes; e uma segunda, com entrevistas e escritos
o companheiro pergunta: “E você não pensa em fazer uma denúncia?”, ao que
produzidos pelos cineastas em questão.
Lucio brada: “Basta con la policia!” (Chega de polícia!). Tais palavra parecem fazer jus ao espírito que o cinema argentino iria incorporar nos anos posteriores.
Nas atividades que serão desenvolvidas, teremos duas mesas de debate. A primeira será “Começar de novo: as múltiplas narrativas do cinema argentino”, com
Ao atravessar os dez anos de neoliberalismo do governo Menem (1989-99), que
a presença do roteirista Lucas Paraizo, e da pesquisadora Mariana Dias (UFF),
tiveram como consequência uma severa crise econômica e social que chegou a seu
que apresentarão um panorama da produção argentina, utilizando a filmogra-
ápice em 2001, a geração de cineastas surgida naqueles anos desenvolveu novos
fia dos anos 90/2000 como referência para discorrer sobre uma geração atual. A
cursos para as maneiras do fazer cinematográfico. E foi capaz de fazê-lo a partir
segunda será “Disputas políticas em perspectiva: do Nuevo Cine Argentino e sua
de seus modelos de produção, de suas inventividades narrativas e de personagens
contemporaneidade”, com a presença da cientista política Tamires Alves (UFF),
que refletiam, à sua singularidade, o estado de coisas que o país vinha atraves-
e da professora de Letras Maria Celina Ibazeta (PUC-Rio), que irão desenvolver
sando. Singularidade esta muitas vezes até ordinária. E talvez esse tenha sido
análises sobre a Argentina de Menem até a Argentina de Macri – atravessando os
este o grande mérito dessa geração: narrar o comum. Apresentar adolescentes
anos Kichneristas - e discorrendo sobre as políticas econômicas, sociais e cultu-
desavergonhados invadindo o Obelisco, símbolo de ostentação de Buenos Aires
rais empregadas por essas correntes. As Masterclasses serão por conta do profes-
(Pizza, Cerveja e Baseado); famílias de classe média convivendo de modo alienante
sor de cinema e historiador Flávio Kactuz (PUC-Rio), e do coordenador-chefe de
em uma pequena cidade ao norte da Argentina (O Pântano); um homem de meia
restauração do MAM, Hernani Heffner. Eles abordarão o Nuevo Cine a partir de
idade buscando estabelecer-se socialmente como operador de grua, em meio a
suas narrativas e de suas formas de filmar e “performar” à frente da câmera. Por
um país à beira do colapso (Mundo Grua).
fim, Luiza Lusvarghi, crítica do Elviras (Coletivo de mulheres críticas de cinema)
A mostra O cinema argentino conta suas histórias mínimas pretende apresentar
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foi podermos observar, em obras mais recentes, a ressonância da geração que
irá comentar o filme Alanis (2017).
obras essenciais do cinema latino-americano dos últimos 25 anos. Além disso,
O momento que estamos vivendo clama por reflexões, e acredito que não somente
nos parece fundamental refletir e atualizar as discussões acerca dessa safra de
podemos como devemos fazê-las através do cinema. Por isso, essa mostra pretende
filmes realizados em um país vizinho e cuja trajetória política tem tantos pontos
ser um espaço para assistirmos a obras cinematográficas que despontaram para
de contato com o Brasil. Seja no sentido de observarmos com curiosidade e aten-
o mundo a partir de seus modos singulares de fazer e narrar. A expectativa é a de
ção o que esses cineastas produziram, seja no de atentarmos para as intrincadas
que, após termos desfrutado de grandes filmes durante as duas semanas de mostra,
relações com seus contextos históricos.
estejamos mais conscientes e inquietos para enfrentarmos o que está por vir.
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1 Texto e Contexto no Novo Cinema Argentino dos anos 90 por
Andrea Molfetta1
A imprensa internacional clamava: “Parece que a saúde do cinema argentino é inversamente proporcional à sua situação econômica”. Sim, de fato, o Novo Cinema Argentino (NCA) é o canto testemunhal e trágico de uma geração que trabalha para ter no cinema, ainda, um mecanismo ativo de reflexão, catarse, consciência e espetáculo massivo. O cinema voltou a ser a linguagem de um canto ou o sintoma da situação de um coletivo de pessoas que compartilharam a virada estrutural da Argentina. Só para se ter uma ideia, em 2000, 45% das estreias nacionais eram as obras de estreia de seus diretores e, em 2001, em meio ao ápice da crise econômica e política, 60% dos lançamentos eram de cineastas estreantes. Essa geração filma os conflitos dos sujeitos e suas histórias, numa geografia íntima na qual sentimos o impacto da crise nacional, a apatia e a perplexidade em que ficou imersa a população. Os filmes são expressão de um questionamento existencial diante da perda, diante da desagregação social. Histórias Breves, Histórias Mínimas, parafraseando alguns dos mais importantes títulos desta cinematografia, serviram para falar da história contemporânea da Argentina.
1. ANDREA MOLFETTA é escritora e pesquisadora do Centro de Pesquisas em Cinema Documentário - CEPECIDOC / Unicamp, e professora da ECO-PÓS/UFRJ desde 2008.
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Existe uma relação de espelhamento entre o realizador e o filme: o mundo das
anos, sem obter sequer um centavo, mostrando que qualquer voz ou movimento
personagens e seus conflitos são as matérias de um cinema feito como modo de
cidadão seria inútil. Em síntese, frustrava-se a experiência democrática, e a socie-
pensar o mundo. Daí sua vocação intimamente realista. Em grande parte destas
dade Argentina — tradicionalmente acostumada levantar suas insatisfações em
obras, existe a colocação de personagens que são alter ego do autor, no registro de
manifestações públicas —, literalmente esvaziou tanto as praças quanto as institui-
pequenas histórias de origem autobiográfica. Neste conjunto de filmes, ouvimos a
ções. O clima geral era de apatia, depressão e decadência, do âmbito pessoal ao na-
voz de uma geração que assoma a maturidade da sua juventude tomando as salas
cional. Carrió, uma dirigente popular, pregava “Que se vayan todos (del Congreso)!”.
para falar do país, reativando a representação.
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Essa marcante desintegração social da classe média ilustrada dizimou o sen-
Um colega portenho expressou brilhantemente a mistura de paixão e desespero
tido de representatividade política, assim como o sentido da representação em
que caracteriza esse tipo de entrega poética: “Estamos jugados: ya que tengo que
todos os campos. Lucrecia Martel, autora do filme O Pântano (La Ciénaga, 2001),
encarar el riesgo social, entonces prefiero hacer lo que me gusta, que es el cine”.
reclamava: “Eles (as gerações anteriores de cineastas) estão mornos, recorrem a
O NCA é mínimo na história contada, na luz, nos planos, na quantidade das per-
metáforas complexas quando o cinema está nas pequenas coisas aqui, na nossa
sonagens envolvidas; mínimo nos orçamentos, independente; cinema que é ex-
frente”. Esta geração buscou, então, uma restauração ou resistência do poder de
pressão do arrojo com que esta geração saiu às ruas produzindo a partir de grandes
representação da ficção; no caso, dentro de um realismo cru, com forte influência
limitações orçamentárias. Órfão do mercado neoliberal global que exterminou o
do tratamento documental da imagem, do cinema direto.
cinema de rua e implantou os multiplex, órfão do Estado que foi atomizado e empo-
Em vários sentidos, esta geração se relaciona com o humanismo existencial do
brecido na mesma dinâmica econômica, o NCA não tinha outra opção, a não ser a de
neorrealismo italiano: diante de um mundo destruído, devemos filmar este mun-
viver independente. Geralmente produzido no modo de cooperativas de trabalho de
do, para fazer do cinema uma experiência de assunção da responsabilidade diante
estudantes, esta filmografia revitalizou as telas adormecidas da Argentina e contou
nossa liberdade. Filmagens em locações reais, atores não profissionais.
para o mundo lá fora as consequências mais humanas de um período político de-
No caso, a diferença está no pessimismo. Se para o neorrealismo italiano o
sastroso: a era Menem e Alianza, um retrocesso histórico em matérias social, eco-
cinema caminhava no sentido de devolver o homem à ambiguidade do mundo,
nômica e democrática, e que chegou ao ponto de desintegrar a institucionalidade
tornando necessário que utilize responsavelmente sua liberdade e tomando uma
do país em dezembro de 2001, com cinco presidentes num mesmo dia.
posição, o NCA trouxe um realismo segundo o qual o mundo é de um modo e
O Novo Cinema Argentino (NCA) nasceu dentre as fendas criadas ao longo de
nós, impotentes, nos adaptamos para sobreviver às suas circunstâncias, salvando
um ciclo econômico neoliberal selvagem. Em dez anos, o “menemismo” desarti-
apenas o que nos resulta essencial. Tal vez seja assim porque o NCA é um cinema
culou as redes sociais e aprisionou a economia num regime de conversibilidade da
do presente, sem distanciamento, sem propostas. Muitas são as críticas ao espí-
moeda que levou ao extremo suas conseqüências mais perversas: de fato, a base
rito politicamente ingênuo dos primeiros filmes durante a Alianza, assim como à
econômica do país (indústria, energia e agropecuária) se empobrecia e destruía
falta de crítica política nos filmes após 2001. Estamos diante um cinema do pathos
suas infraestruturas, pela falta de manutenção e de investimentos generalizada.
social, ainda sob impacto.
Além do mais, os baixos orçamentos, a corrupção e ineficácia da administração
O NCA desenvolveu, como poucos, o poder do cinema para realizar um diag-
pública acabaram com os pilares públicos nos quais a grande classe média e a classe
nóstico social. O conjunto é anti-idealista. Depois de tudo, como continuar sendo
média ilustrada se sustentavam: educação, saúde, leis laborais e garantias sociais.
humano num mundo animalizado, onde você assiste desfazerem-se as redes de
Os aposentados, por exemplo, reivindicaram aumento salarial durante mais de 10
solidariedade (de classe, sindicais, pessoais, familiares) e reduzirem-se drastica-
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mente as suas chances individuais de sobrevivência? Cinema que, como nos me-
ter uma noção, só no curso de Imagem e Som da Universidade de Buenos Aires
lhores momentos da história do realismo, devolveu para seu público, com uma arte
estavam matriculados cinco mil estudantes, um recorde para a América Latina.
austera, a tragédia humana por trás da transfiguração social que atravessa o país.
Um país de cineastas? Ou o cinema era ainda visto como um campo de desenvolvimento profissional que atendia às expectativas expressivas e profissionais
O Contexto Dados econômicos e institucionais nos mostrarão como o NCA se funda em condições pontuais e em novas estratégias de produção, que criaram o espaço para um cinema fortemente independente. Desde o início da década de 90, assistimos ao aumento progressivo do número de estudantes de cinema. Buenos Aires oferece uma variedade extensa e especializada de cursos, da crítica à realização, nas mais importantes instituições, como o INCAA (Instituto Nacional de Cinematografia e Artes Audiovisuais) e o ENERC (Escuela Nacional de Realización y Experimentación Cinematográfica). Por outro lado, surge um dinâmico movimento de instituições de ensino privadas que chega ao seu ápice com a criação da Fundação Universidade do Cinema (FUC). Sob a direção de Manuel Antín, um dos mais importantes cineastas da geração do anterior e do também chamado “novo cinema argentino” (o cinema de forte inspiração literária da década de 60), a FUC nasceu com um planejamento curricular de graduação e pós-graduação, e com uma estrutura de produção que soube aproveitar as vantagens da conversibilidade para crescer em matéria tecnológica. Assim, os estudantes recebem na FUC uma formação teórica e laboratorial de nível universitário, e isso acompanhado de um ensino prático da realização, fundado na constituição de equipes de produção, de roteiro, de montagem etc. Os cursos estatais no INCAA e no ENERC são de altíssima qualidade, embora de menor duração, e não possuem esse caráter universitário. Pertencem à FUC boa
dentro de uma cultura de massas na Argentina? Outro fato importante é o efeito da paridade peso-dólar, chamada de Regime de Conversibilidade, implantada no primeiro governo de Menem, e que lhe garantiu a reeleição em 1994. Este “1 dólar = 1 peso” permitiu a aquisição generalizada de aparelhos digitais importados, especialmente pequenas câmeras e tecnologia de edição, que logo estavam disponíveis nas mais importantes produtoras e escolas. A introdução e popularização do digital permitiram criar condições para sonhar com um cinema definitivamente acessível e possível de ser independente. No final do texto, voltarei a falar sobre este aspecto, sobre o cinema independente, e sobre como a produção surgiu de uma base material de autogestão, o que criou uma margem expressiva, onde nem o mercado liberal global, nem o apoio estatal condicionariam seus resultados. São vários os depoimentos de diretores desta geração que manifestam não estarem preocupados com a política do mercado para o cinema, mas sim com uma política cultural para o cinema, determinada por eles próprios. Neste ambiente, incluo quatro ações institucionais que marcaram, a partir da política cultural, novos horizontes para o campo intelectual cinematográfico: - A Nova Lei do Cinema - O renascimento do Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata - O nascimento do BAFICI (Buenos Aires Festival Internacional de Cinema Independente) e a projeção internacional como mecanismo econômico - O compromisso do INCAA com a distribuição dos filmes nacionais
parte dos realizadores desta geração, como Bruno Stagnaro e Pablo Trapero. São formados no INCAA, por exemplo, Martel e Carri.
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A crise profunda que atravessava o país fez com que realizadores, técnicos,
Esse amplo espaço institucional para o ensino de cinema não fazia mais do que
professores, estudantes, atores etc. se organizassem para pressionar o Congres-
atender a uma demanda insólita em matéria de estudantes. No final da década de
so Nacional a promover câmbios estruturais na legislação cinematográfica. Esse
90, Buenos Aires era a cidade com maior densidade de cineastas por km2. Para se
movimento demorou alguns anos, até que, em 28 de setembro de 1994, foi apro-
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vada a Lei 24377 de Fomento e Regulação da Atividade Cinematográfica Nacional.
Os ciclos ditatoriais iniciados em 1966 criaram uma extensa e escura sombra,
Essa lei foi chave no ressurgimento do cinema argentino, por conta da reforma
com brevíssimas interrupções. E somente nesta última etapa, iniciada em 1996,
impositiva que desencadeou, tornando possível que jovens diretores estreassem
se consolidou definitivamente.
em 35mm. Com esta lei, os fundos para fomento foram ampliados notavelmente,
O BAFICI, Buenos Aires festival Internacional de Cinema Independente, nasceu
e houve importantes câmbios políticos dentro do Instituto Nacional do Cinema e
em 1996 com o apoio do Governo da Cidade Autónoma de Buenos Aires, e com o
das Artes Audiovisuais (INCAA), câmbios que possibilitaram melhorias na admi-
principal objetivo de criar um espaço de circulação específico para o cinema inde-
nistração e distribuição dos recursos.
pendente, nacional e internacional, promovendo e patrocinando o próprio cinema
Os fundos de fomento passaram, em 1994, de 8 milhões de dólares para 40,
argentino. Deste modo, criou-se um público e condições institucionais para favo-
graças à Lei 24377, que criou dois novos impostos: um de 10% sobre cada aluguel,
recer contatos que hoje são estratégicos para a produção independente: fundos in-
venda e edição de VHS, e outro de 25% sobre cada filme emitido na televisão e re-
ternacionais, produtoras de televisão e produtoras independentes de todo o mundo.
gistrado no COMFER (Comité Federal de Radio y Difusión). Estes novos impostos,
A partir da iniciativa da Secretaria de Cultura do Governo da Cidade de Buenos
somados ao já existente de 10% sobre os ingressos vendidos em salas, chama-
Aires, uma rede de salas a preços populares é montada durante 15 dias, promo-
do de subsídio industrial, fizeram aumentar consideravelmente os fundos para a
vendo uma verdadeira maratona fílmica que já tem alcançado 260000 espectado-
produção Argentina, expandindo historicamente o conceito de cinematográfico
res nesta última edição de 2007, a nona.
para o de audiovisual, ao incluir na política audiovisual os meios eletrônicos.
seminários e mostras especializadas sobre cinema nacional, apoiando o lança-
fundos, e a Lei passou a ser aplicada de modos perversos. Por exemplo: a ajuda aos
mento de livros e revistas, assim como ciclos de conferências e debates sobre o
filmes estreados, até 1999, era proporcional ao número de espectadores, e não aos
estado do cinema local durante o festival, reunindo pensadores e realizadores
custos de produção. Isto fez com que filmes como Manoelita, a tartaruga (Manuelita,
com o público em geral.
1999) de dois milhões de espectadores — um filme de animação para crianças ins-
Com respeito à distribuição do NCA, a situação decadente da rede de salas (fenô-
pirado na personagem de Maria Elena Walt — tivesse muitíssimo mais ajuda que
meno de dimensões mundiais, que caracteriza um novo ciclo da produção industrial
Mundo Grua (Mundo Grúa, Trapero, 2001), que levou 68000 espectadores.
cinematográfica) fez com que, em meio à crise, empresas internacionais do ramo
Outro fator importante na reativação do campo intelectual foi o ressurgimen-
de exibição se interessassem pelo mercado argentino, especialmente a partir de
to do Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata. A última edição do
1997. Houve uma tentativa de aliança entre o exibidor nacional que conseguiu mi-
festival tinha acontecido em 1970 e, depois de várias tentativas, retornou em
nimamente sobreviver à crise (a Sociedad Anónima Central - SAC e Coll-Saragusti)
1996, completamente renovado. Em 2001, ascende à categoria “A”, a mais alta
e o exibidor estrangeiro, como a Village Cinemas, a United Artists e o Cinemark.
concedida pela FIAPF, já que o festival chegou a formar seleções e programas
Essa recuperação do cinema argentino foi também bastante incentivada pela
internacionais importantes, assim como a promover a visita de grandes perso-
fusão das distribuidoras nacionais, para garantir sua competitividade em relação
nalidades do cinema mundial.
às grandes. Assim nasceu a empresa Líder, que logo se tornou a distribuidora com
O festival era, desde o segundo governo de Perón (1950-1955), o cenário de encontro do cinema nacional com o internacional, dinamizando, enriquecendo e legitimando o campo do cinema nacional.
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Outro destaque do BAFICI é a equipe de curadores que, a cada edição, organiza
Mas, em pouco tempo, a crise econômica reduziu a menos de um terço estes
mais janela do mercado local, atingindo o 23,4% do mercado em 1996. Este novo perfil do exibidor concentrou-se nas salas dos shoppings, nas grandes cidades, e mais de 70% da arrecadação do país está localizada na Capital
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Federal e na região de Buenos Aires. Porém, a participação dos filmes nacionais é
que fizeram crescer o campo cinema no sentido dos outros meios audiovisuais, e
pouca, sendo o país dominado pela produção norte-americana. Em 1994, só 1,9%
descentralizaram sua produção e distribuição.
do púbico acompanhava o cinema nacional. Em 1995, subiu para 11,1%. A partir de 1997, impulsionado pela entrada na coprodução de grandes conglomerados multimídia locais, quatro dos dez títulos mais vistos na Argentina foram nacionais. Se o domínio das empresas norte-americanas sobre o mercado de salas de cinema é expressivo (62,9% dos títulos ofertados), é pior nas outras janelas, como a TV aberta (88%), a TV a cabo (83,8%), aluguéis de vídeos e dvds (85,6%). Recentemente, a ANCINE e o INCAA (os órgãos reguladores do Brasil e da Argentina) assinaram um acordo de reciprocidade na codistribuição de filmes, vale dizer, apoio a distribuidores para o lançamento recíproco de filmes aqui e lá. Foi assim que tivemos a oportunidade de ter no Brasil filmes como Lugares Comuns, Do Outro Lado da Lei (El Bonaerense) e Histórias Mínimas. Em contrapartida, o INCAA — Instituto Nacional do Cinema e das Artes Audiovisuais — tomou a iniciativa de garantir para o NCA um espaço fora da competição do mercado, chamados de Espacio INCAA . Criou o “Complejo de Salas Tita Merello”, assim como outros espaços em Centros Culturais, ou alugando salas no interior do país, federalizando a distribuição de uma produção subvencionada pelo estado. O INCAA, em associação com os governos provinciais e municipais, estendeu essa rede de distribuição exclusiva para o cinema nacional, dividindo o país em distintas regiões, e favorecendo, assim, a formação de um público em todo o território nacional. Assim, cada uma destas salas recebe o nome de Espaço INCAA km 1173, por exemplo, no caso da sala localizada na cidade de La Rioja, na Região Noroeste argentina, distância que separa esta capital provincial da capital nacional. Deste modo, o cinema Gaumont, localizado frente ao Congresso Nacional, recebeu o nome de Espaço INCAA km 0, já que na Argentina as distâncias são contabilizadas a partir do Palácio Legislativo. Em síntese, neste texto apresentei fatores que, reunindo esforços públicos e privados, permitiram desenvolver uma nova institucionalidade para o cinema local, renovando os mecanismos de legitimação, produção e consumo do NCA. Mar del Plata, BAFICI, os Espaços INCAA e a nova Lei funcionam, até hoje, como peças-chave no desenvolvimento dos projetos cinematográficos locais, iniciativas
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Os Filmes Neste contexto, surge o que ficou conhecido como Novo Cinema Argentino, marcado pelo caráter independente e por um novo olhar sobre o país — que estava estruturalmente diferente. Um dos precursores da geração é Martín Rejtman, que em 1991 filma sua primeira obra, Rapado. Este filme, de imagens despojadas, produção simples, atores não famosos, rodagem em cenários reais, câmera na mão e som direto, sobre a realidade da periferia urbana, contém a maior parte dos traços estilísticos que caracterizam o NCA. Outro precedente surge em 1994, quando Esteban Sapir realiza Picado Fino, uma experiência que, simbolicamente, sinaliza a outra ponta que estilisticamente tensiona esta ficção. O filme possui uma montagem extremamente sofisticada, rítmica; traz fortes relações intertextuais com o gênero do suspense e se caracteriza, sobretudo, do roteiro ao som, como herdeiro do legado godardiano e da videoarte. Mas, com grande originalidade e uma proposta estética marcante, Raul Perrone foi, sem dúvidas, um dos autores mais destacados. Labios de Churrasco (1994), Graciadió (1997) e Cinco Pau Peso (1998) constituem uma trilogia ambientada no subúrbio de Ituzaingó, grande Buenos Aires, onde mora. Retratam a classe média desaparecida e a abulia da sua juventude, num tom descarnado e ao mesmo tempo compreensivo, tudo em branco e preto. Em 1995, a FUC – Fundação Universidade do Cinema – promoveu uma experiência inédita, para que seus primeiros formandos conseguissem estrear em 35mm, com o apoio do INCAA. Resultou o filme Histórias Breves, composto por quatro curtas-metragens, dois deles dirigidos por Bruno Stagnaro e Adrián Caetano, que pouco depois se uniram para realizar Pizza, Cerveja e Baseado (Pizza, Birra y Faso, Bruno Stagnaro e Adrián Caetano, 1997). A experiência da reunião de curtas num longa-metragem repetiu-se algumas outras vezes com sucesso. Deste modo, consideramos encerrado um ciclo de cinema metafórico nascido
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nos anos 80, e paradoxalmente também chamado de nuevo cinema argentino, pro-
mudança das condições institucionais da produção de que já tratamos, todos estes
tagonizado por realizadores como Raul de la Torre, Eliseo Subiela ou Juan José
condicionamentos criaram um processo de ressurgimento da produção local, que
Jusid. Esse tom metafórico predomina também na música popular do período, e
entre 2004 e 2005 chegou a 66 e 63 filmes por ano, respectivamente. Da nona
considero que este estilo era determinado forçosamente pelo silêncio da ditadura,
edição do BAFICI, em 2007, participaram 35 longas-metragens e 57 curtas argen-
que impôs esse modo de falar sorrateiramente sobre o mundo real.
tinos, o que pode estar caracterizando um declínio ou desgaste deste movimento.
Retomando, podemos falar, então, de um campo marcado, nestes últimos dez
Nestes anos, a discussão que ganhou mais espaço foi a do problema financeiro.
anos, por um cinema produzido em quatro linhas estéticas: a neorrealista (entre
O mercado interno não consegue sustentar os custos da realização, que, em mé-
as quais incluo as comédias de público massivo, coproduzidas com a TV); um
dia, alcança 1 milhão de dólares. Assim, gerou-se a necessidade de um processo
cinema que força formalmente o realismo num sentido mais experimental, que
de internacionalização e coprodução com a televisão — o que, para muitos, tem
tende ao surrealismo ou à paródia; a produção documentária de grande formato,
sido o motivo do enfraquecimento dessa tendência. Rejtman reclama:
profissional, para cinema e TV, marcada pelas narrativas em primeira pessoa; e
“É importante que os cineastas deixem de pensar numa estratégia de mercado
um último setor, de documentário militante, fora de todo circuito cinematográ-
e o façam a partir de uma estratégia cinematográfica. Não digo que não façam
fico profissional, ao serviço de redes sociais, sem apoio financeiro, que aproveita
cinema comercial, mas que deixem de pensar só nisso”.
as facilidades da tecnologia digital, atravessando os meios e que, sem dúvidas, também integra o horizonte ou paisagem audiovisual do período.
cos Rechis, 1999) ou Mala época (Nicolás Saad, Mariano De Rosa, Salvador Roselli
No primeiro grupo, podemos incluir filmes como O Pântano (La Ciénaga, Lucre-
e Rodrigo Moreno, 1998) custaram quatro ou cinco vezes menos, constituindo
cia Martel, 2002), El Bonaerense (Pablo Trapero, 2002) e O Filho da Noiva (El hijo
apostas mais equilibradas entre investimento e recuperação. A estratégia dos jo-
de la Novia, Juan José Campanella, 2001) ou Nove Rainhas (Nueve Reinas, Fabián
vens passa por cooperativas e rodagens descontínuas durante os finais de sema-
Bielinsky, 2001). No segundo grupo, filmes como La Libertad (Lisandro Alonso,
na, em cenários naturais, sem atores profissionais e com equipes técnicas for-
2001) ou Animalada (Sergio Bizzio, 2000).
madas por estudantes. É por isso que, como poucas vezes, podemos chamar este
No terceiro e quarto grupo, de documentários, podemos considerar filmes como
cinema de independente.
Los Rubios (Albertina Carri, 2003), La televisión y Yo (Andrés Di Tella, 2002), e o
Pizza, Cerveja e Baseado (Stagnaroo e Caetano, 1997), assim como Mundo Grua
militante Matança, realizado pelo Movimento de Trabalhadores Desempregados
(Trapero, 1999), seguiram de perto a opinião de Rejtman, construindo uma poética
de La Matanza, dirigido por Carlos Pronzato.
de insólita densidade, a partir de situações aparentemente insignificantes. Assim,
Voltando na história, somente em 1998 esses realizadores conseguem maior difusão entre o grande público. O primeiro grande sucesso é Pizza, Cerveja e Baseado
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Filmes como Mundo Grua (Trapero, 1999), Garagem Olimpo (Garage Olimpo, Mar-
pelo mérito deste estilo, obtiveram um reconhecimento nacional importante, assim como internacional, o que trouxe visibilidade e bons negócios para esta geração.
(Pizza, birra y Faso, Stagnaro e Caetano, 1997), que relata o cotidiano de um grupo
Os temas destes filmes nos mostram o mundo a que estes jovens assomaram: a
de jovens amigos no subúrbio portenho, colocando, assim, no meio da cena, um
memória da ditadura, em Garagem Olimpo e Histórias Breves; histórias suburbanas
dos principais protagonistas deste cinema: a juventude. Em 1999, estreia Mundo
e familiares, em Sábado e em Pizza, Cerveja e Baseado; histórias que narram os
Grua, de Pablo Trapero, assentando definitivamente esta linha de baixos custos de
esquecidos pelo neoliberalismo e a globalização, em Que Vivan Los Crotos! (Ana
produção, histórias verídicas e atores não profissionais, que muitos denominaram
Poliak, 1995), Hijo Del Rio (Ciro Capellari, 1995), Patrón (Jorge Rocca, 1995) ou
de neorrealismo argentino. O sucesso de público, a boa acolhida internacional, a
Dársena Sur (Pablo Reyero, 1997).
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Outros autores, como Alejandro Agresti, Raúl Perrone, Adrián Caetano, Bruno
chama de “cerimônia cotidiana que supõe qualquer trabalho”. Por isso, diz: “... a
Stagnaro, Martín Rejtman, Lucrecia Martel, Mariano Galperín, Pablo Trapero e
falta de emprego nos identifica: o Rulo – personagem central de Mundo Grua – é
Leonardo Di Cesare — entre muitos outros —, esquivam o revisionismo histó-
um cara especial, que atravessa um período especial e que, evidentemente, não é
rico para adotar a atitude de cronistas do presente, contando histórias nas quais
a mesma pessoa quando tem emprego e quando procura emprego”.
as personagens jogam no campo da exclusão social e da decadência econômica, retrato da transfiguração da classe média ao longo da década de 90.
quebra-cabeças da corrupção no filme El Bonaerense (2002). Um jovem de uma pe-
São relatos esvaziados de certeza épica e de heróis libertadores, o que, acima de
quena cidade vê-se obrigado a partir rumo à grande cidade, onde consegue um tra-
tudo, assinala o status de “perdedor” de um grupo social heterogêneo: a classe mé-
balho na polícia. Lá, ele se envolve no mundo da corrupção. A pergunta de Trapero
dia, atravessada pelas condições de existência reais impostas pelo modelo neoliberal.
é: “Onde uma pessoa perde a inocência? Quando passa a ser responsável pelas de-
Pizza,Cerveja e Baseado relata a história de um grupo de jovens que vive na mar-
cisões que toma?”. Certamente, as problemáticas colocadas não são somente locais
ginalidade, no centro de uma grande cidade como Buenos Aires. Invadem uma
e refletem sobre as pequenas decisões cotidianas que modificam nosso caminho.
casa, estão desempregados e roubam para se sustentar. Desprovida de golpes bai-
Adrián Caetano, com o filme Bolívia (1999-2002), trata o problema da imigra-
xos, se apresenta como um olhar cru, marcado pela violência — aliás, presente
ção latino-americana que enfrenta a discriminação e o abuso em Buenos Aires.
como poucas vezes no cinema argentino —, com o fundo musical da “cumbia”,
A partir de histórias de vida, descobre aspectos sórdidos da convivência social.
exemplo da desagregação social.
Lucrecia Martel (1966) irrompe na cinematografia local com O Pântano (La Cié-
Assim, a violência do modelo econômico foi traduzida em imagens às vezes
naga, 1999), que relata a história de duas famílias no noroeste argentino, marca-
frenéticas, tomadas com câmera na mão e som direto, reduzindo ao mínimo a
das pelo tédio. Ali, estas famílias moram numa tensa calmaria, tal como a água de
montagem da cena e apelando a atores não profissionais, apagando os limites
um pântano. Martel logra, paradoxalmente, que ‘tudo o que não acontece’ tenha
entre a ficção e o documentário. Por sua vez, em todos estes filmes a iluminação
uma densidade tão envolvente que captura o espectador para deixá-lo imerso
natural serviu para ajustar o verossímil cromático, com uma textura áspera da
numa atmosfera onde a sexualidade e o racismo desenham-se com traços quase
imagem, assim como em qualquer filme de Raúl Perrone. A edição do som e o
evanescentes. Martel ganhou com este filme o prêmio Alfred Bauer de Melhor
fora de campo foram trabalhados com muito cuidado e comovedores resultados
Opera Prima (obra de estreia), no 51º Festival Internacional de Berlim.
expressivos, em filmes como Garagem Olimpo (Marco Bechi, 1999) ou O Pântano (La Ciénaga, Lucrecia Martel, 2001).
24
Outra história, desta vez de outro aprendiz, lhe permitirá desenhar o intrincado
Seu segundo filme, A Menina Santa (La niña santa, Lucrecia Martel, 2004), conta a história de duas amigas adolescentes, alunas de um colégio religioso católico.
Pablo Trapero, com Mundo Grua (1999) mostra uma Argentina que projetava
Ambas estão atravessando um período de profunda devoção mística. Uma delas
uma imagem de bem-estar e progresso (a promessa menemista da “revolução
está convencida de que Deus tem uma tarefa para ela, que encontra na busca da
produtiva”) enquanto se aproximava a hecatombe econômica de fortes repercus-
salvação de um médico que a impressionou, e a quem ela quer redimir, numa
sões sociais. Trapero desvenda a agonia social a partir do mundo do trabalho, em
mistura de erotismo sublimado e misticismo difuso.
quase todos seus filmes. A história parte de um homem simples que procura em-
Desde o lançamento de La Pelicula del Rey (Carlos Sorin, 1984), passaram-se 15
prego e é indicado para operar um símbolo da industrialização: o guindaste (ou
anos até a estreia de Histórias Mínimas (2002). No meio, o diretor trabalhou no
grua). Tarefa esta que o protagonista deverá aprender depois dos 45 anos. Trape-
campo da publicidade. Histórias Mínimas é relato de três simples histórias que se
ro declara que lhe interessa muito o mundo do trabalho, e se concentra no que ele
cruzam no longo e deserto caminho que vai para o sul do país. Sorín trabalhou
25
com atores não profissionais que lhe deram o tom de um documentário que se
como o Fipresci de Un certain regard de Cannes, assim como o prêmio de Melhor
tornou ficção, e vice-versa. Nas suas próprias palavras, “Interessa-me a relação
Filme nos Festivais de Gramado, Huelva, Chicago, entre outros, sendo um dos
entre o real e o fictício. É uma aproximação ao documentário, mas a um falso
filmes de arte de maior sucesso no mundo em 2005.
documentário”. Esse sutil traço do neorrealismo lhe permite se aprofundar na
Não é possível comentar neste texto sequer a maioria destes trabalhos por uma
complexidade das coisas simples da vida. Assim, descobrindo pequenos tesouros
óbvia questão de espaço, mas os filmes comentados são suficientemente repre-
ocultos no trivial, Sorín declara “Filmar torna-se uma alegria”.
sentativos da estética do NCA. Em traços gerais, podemos dizer que a construção
Temos que associar a esta safra estética os filmes uruguaios 25 Watts (2001) e
da estrutura espaço-temporal do relato, ou cronotopo (Bakhtin), determina as ações
Whisky (2004), ambos de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll, produzidos pela Control
possíveis dentro da história e as características discursivas de como narrá-la. No Novo
Zeta Films, com coprodução argentina. O cinema desta produtora, como mostra
Cinema Argentino, as histórias são mínimas, breves. O mundo dessas histórias é
seu recente filme La Perrera (Martin Nieto, 2006), é um cinema estética e formal-
geralmente pequeno e cotidiano; o tempo em que acontecem nunca é muito lon-
mente muito próximo ao Novo Cinema Argentino, em mais uma demonstração da
go; suas personagens não são heróis, e sim homens e mulheres jovens e comuns.
permanência da cultura rioplatense, expressão que faz menção ao Rio de la Plata
O espaço é geralmente a intimidade da personagem, sua casa, e mostra-se o
e aos traços culturais comuns entre Buenos Aires e Montevidéu. Rebella e Stoll, mais o produtor e montador Fernando Epstein, realizaram 25
violência. Assim, os espaços do cotidiano nos situam na Argentina de hoje, cons-
Watts em sistema de cooperativa, inaugurando um momento especial do cinema
truindo uma geografia cinematográfica que é retrato vivo deste país no final de
uruguaio: o filme ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Rotterdam.
século. As ruas, os carros, a moda das pessoas, sua música, os modos de comer
25 Watts é um filme sobre um dia na vida de uma turma de amigos, ambientada
e falar na rua. O espaço urbano representado é, geralmente, o da periferia. A ar-
na Montevidéu atual. O nonsense, assim como a simplicidade das suas respostas,
quitetura familiar é o principal cenário intimo do relato, caracterizando, assim, o
marcam o cotidiano destes jovens. O filme, num tom que passa do engraçado
ponto de vista da classe média decadente.
ao melancólico, e cujo estilo lembra o primeiro Jarmusch, foi rodado em preto e
O tempo da história geralmente é breve, as estórias acontecem em questão de
branco, com um orçamento baixíssimo (U$S 20000). A câmera de Bárbara Alvarez
dias, não abraçam períodos extensos da vida, não usam de grandes elipses. São
e a montagem, suave, de Epstein, deixa respirar a esfera dos protagonistas no
pontuais e expressam com intensidade como uma personagem vive seu presen-
realismo que tinge toda esta geração.
te, geralmente atravessando um momento decisivo da sua viagem. Este tempo
Já Whisky, também de Rebella e Stoll, conta a história de dois irmãos uruguaios
presente é historicamente compartilhado com o espectador, que assiste, assim, a
judeus, já na idade madura, mostrando como a geração destes realizadores dire-
uma produção de filmes ambientados no seu próprio contexto e local de pertença.
cionou seu olhar à geração que lhes precedeu. O filme é ambientado nos espaços
O mecanismo da identificação pesa, assim, categoricamente, na poética deste
fechados das personagens: suas casas e seus lugares de trabalho. A vinda ao Uru-
realismo. São poucos os relatos que forçam, e isto pela qualidade formal dos seus
guai do irmão expansivo e de sucesso econômico que chega do Brasil mostra, por
trabalhos de montagem, o distanciamento crítico do espectador, na linha de um
contraste, a apatia e a reserva do outro, solteiro, dono de uma fábrica de meias
realismo brechtiano (Picado Fino, Esteban Sapir 1994, ou Animalada, Carlos Bre-
decadente, metáfora do país. É um filme mais escuro na sua iluminação e mais
chis, 2001). Deste modo, o discurso se ordena sem grandes elipses e opta por uma
lento na montagem, que explora em profundidade a psicologia do protagonista,
analítica do presente, sua duração ambígua e irreversível.
tornando-se uma espécie de comédia triste. Levou inúmeros prêmios no exterior,
26
contato contrastante com a rua, que é cenário público de fluxos, de câmbio e de
A musicalização é também incorporada como um elemento descritivo da pai-
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sagem: a cumbia, ritmo que se impôs no consumo popular, originária de outros
na TV um dos seus principais clientes. Esse realismo transbordou das salas de
países latinos, mostra este processo de “latino-americanização” de Buenos Aires.
cinema, e hoje encontramos sua linguagem na produção de outros meios, como
Nestes filmes, vemos uma cidade que se transformou novamente numa metrópo-
a televisão local e a internet. É por esse motivo que falo de uma representação
le de fluxos migratórios, desta vez, provenientes do terceiro mundo globalizado.
reativada, e que acontece, após dez anos de frutos, não somente no cinema.
Assim, a cidade hoje é fruto do cruzamento da tradição européia, que marcou o século XX, com os novos fluxos de chineses, coreanos, bolivianos e africanos, caracterizando ainda um crisol construído a partir dos aportes migratórios. Esta forma de construir o espaço-tempo fílmico domina a maior parte dos relatos, sejam dramas, comédias ou documentários. Em relação aos formatos da produção, sejam blockbusters coproduzidos com a televisão, ou cinema absolutamente independente, o cronotopo do urbano, atual e cotidiano está presente como marca de um cinema que nos sensibiliza e critica o presente, o presente do Rio de la Plata. Se não é possível falar em movimento, pela heterogeneidade das propostas, podemos sim falar de um espírito comum a esta geração: a impronta autoral, o modo econômico da produção, o desprezo pela retórica e a preocupação com a identidade e o futuro. São cronistas da Argentina democrática, após Alfonsin e Menem. Guardam, quase todos eles, na constituição das suas personagens protagonistas, uma mistura de melancolia e resistência, que é chave do cinema argentino de começo de século. Apesar da beleza da sua poesia, a geração está perdendo seu público... ou não. No “Diccionário de Filmes Argentinos II (1996-2002)”, de Raúl Manrupe e Alejandra Portela, é gigante a listagem dos filmes que aparecem como “não estreados”, ou difundidos em salas duvidosas. Porém, o cinema responde com alta dose de exploração criativa a um processo violento de desestruturação social e de crise econômica, e estes momentos do cinema moderno não passaram nunca despercebidos pelo público, cumprindo seu legado como arte de massas. O Novo Cinema Argentino parece ter encontrado um dos seus traços de identidade no rigor com que efetua o diagnóstico social — in-
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Bibliografia BECEYRO, Raul, Cine y política . Ensayos sobre cine argentino . Santa Fé: universidad Nacional dl Litoral, 1997. Bernardes, Horacio; Lerner, Diego; Wolf, Sergio; Battle, Diego; Castagna, Gustavo; D´Espósito, Leonardo; Félix-Didier, Paula et Outros, Nuevo Cine Argentino: temas, autores y estilos de uma renovassem, Buenos Aires: Ttanka, 2002. IKEDA, Marcelo, Duas Vezes o Cinema Argentino, http:// revistaetcetera.com.br/17/2x_ cine_argentino/index.html IRIBARREN, Maria e Valle, Roberto, “Em busca del debate pendente: diez años de Nuevo Cine Argentino”, In Revista CINECROPOLIS, la ciudad del cine alternativo, Bs As: Nov.2005. Año I. Maristella SVAMPA, La sociedad excluyente: la Argentina bajo el signo del neoliberalismo, Buenos Aires: Taurus, 2005.
teligente quando comparado à reação de outras artes e meios locais, o que lhe ga-
¿Está “estancado” el cine argentino? Debate y polémica en el marco del BAFICI”, CLARIN, MAR 18.04.2006 .
rantiu seu primeiro público. Mas quando duvido da discutida “perda de público”
OUBIÑA, David, “Entre melancolía y resistência “, s/d.
— motivo de uma incandescente discussão no ultimo BAFICI — é porque penso
PEÑA, Fernando Martin, 60/Generaciones/90, Buenos Aires: MALBA / Filmonline /
que este cinema trabalha com uma linguagem cuja rentabilidade estética tem
Instituto Torcuato Di Tella, 2003.
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2 Pizza, Cerveja e Baseado: a Cidade e a Margem por
Malena Verardi1
Na Argentina, no plano cinematográfico, a década de 1990 se caracterizou pelo surgimento do Novo Cinema (Nuevo Cine). Ainda que os filmes que integraram esse movimento não tenham formado um grupo homogêneo, a intenção expressa de se diferenciar do cinema imediatamente anterior foi um ponto em comum entre eles. Essa busca se comprova, entre outros aspectos, pelo trabalho realizado na dimensão do espaço. A busca de pôr em cena uma nova representação, um novo modo de ligação com o mundo urbano, atravessa a maior parte das produções. Nesta resenha, abordaremos o caso de um filme que nos permite dar conta dessas transformações nos modos de representar a cidade, bem como da relação entre os espaços urbanos e suburbanos: Pizza, Cerveja e Baseado (Pizza, Birra y Faso), de Adrián Caetano e Bruno Stagnaro, estreado em 1997. O filme começa com as imagens de uma operação policial. Em sequência, começam os créditos iniciais, intercalados com imagens da cidade. Para quem já esteve lá, Buenos Aires se reconhece claramente em Pizza, Cerveja e Baseado. As
1. Malena Verardi é formada em Artes Combinadas pela Falcultad de Filosofía y Letras, da Universidad de Buenos Aires (UBA). Entregou sua tese de mestrado em Análise do Discurso na mesma instituição e atualmente cursa o Doutorado em Artes da Universidad de Buenos Aires. Foi bolsista do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas) durante o período 2002-2007 e trabalha como docente de História do Cinema Mundial na Facultad de Filosofía y Letras.
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31
imagens iniciais do bairro Retiro e da Avenida 9 de Julio são seguidas por outras,
mesma miséria que o lado de fora: embalagens de vinho barato, recortes de jornal
dos bairros Once, La Boca, o Porto, a Autopista Panamericana, o Aeroparque e a
colados nas paredes, sujeira. É como se o símbolo da cidade expressasse, de acor-
esquina das ruas Libertador e Callao. Este é, entre os filmes do Novo Cinema Ar-
do com ela, sua mesma dicotomia: um lado luminoso, atrativo aos olhos, e outro
gentino, um dos que oferece de maneira mais ampla uma volta pela cidade, que
lado escuro, miserável. A contraposição entre luz e escuridão constitui outro dos
nesse contexto tem importância fundamental, como um personagem a mais.
elementos de que se utiliza o relato para a construção do espaço dual da cidade. As
O relato mostra uma cidade atravessada em muitas direções por diferentes
avenidas brilhantes e os cartazes publicitários falam de uma noite portenha ligada
meios de transporte, que vão configurando, a partir de seus trajetos, o espaço da
ao espetáculo, ao festivo, à diversão. Por outro lado, a tonalidade fria das luzes da
narrativa. O registro que a câmera realiza, em várias ocasiões acompanhando ve-
pizzaria que eles frequentam, assim como a do lugar onde toca violão o homem
ículos em movimento, contrapõe zonas marginais com outras onde se evidencia
sem pernas a quem roubam, repelem o olhar e constroem outra noite portenha,
um poder econômico muito maior: a villa miseria (favela) do bairro Retiro2 versus
dominada pela escuridão. Pizza, Cerveja e Baseado é um filme noturno, onde a noite
os luxuosos edifícios por detrás; o lixão vizinho ao Rio da Prata na altura da Au-
parece ser o cenário mais adequado para observar as cenas que o dia invisibiliza.
topista Panamericana versus o mesmo rio na altura do Aeroparque; a pizzaria que
A cidade parece cruzada e demarcada por dois elementos que estabelecem a di-
frequentam os protagonistas versus o restaurante em que entram para roubar; a
visão entre o fora e o dentro3: de um lado, a Autopista Panamericana, e do outro,
zona do Retiro e os trailers de comida rápida versus as publicidades luminosas
o Rio da Prata. A primeira, ao mesmo tempo separa e liga o que é capital e o que
das esquina das ruas Libertador e Callao, entre outros.
é interior, este último representado como um “lá fora” desabitado, que podemos
Os espaços que habitam e percorrem os protagonistas evidenciam a crescente
ver de relance quando batem no taxista numa rua de terra paralela à autopista,
pobreza, precariedade e miséria de um lado da cidade, que o outro lado tenta ne-
junto a uma montanha de lixo. O Rio da Prata, por sua vez, funciona como a fron-
gar. Podem ser vistos garotos que brincam em um carro desmanchado, homens
teira por trás da qual se estende a esperança de uma nova vida: “Sabe o que eu
que esperam pelos restos de pizza que outros deixam sobre o balcão — num es-
estava pensando?” diz um dos rapazes para sua namorada, “Que podíamos ir nós
pécie de cadeia de indigência — e o sucateamento dos hospitais públicos. Quando
dois para o Uruguai”; “Nós três”, corrige ela, fazendo alusão à sua gravidez. Essa
um dos protagonistas é atendido no hospital logo depois de um ataque de asma,
cena se passa em frente ao rio por trás do qual se concentram todas as opções de
por exemplo, seu amigo reclama: “Ainda temos que pagar por isso?”, “Pagar o
uma vida melhor. Do lado de Buenos Aires, não parece haver nenhuma possibi-
quê, se é público?”, “Tem que pagar mesmo”. Na mesma cena, um dos jovens
lidade de futuro. De fato, a supressão de todo o futuro será quando, no final, a
rouba a sobremesa de um velho deitado na cama ao lado. Tudo isso aproxima a
cidade expulsa os dois protagonistas, não só para fora de seus limites geográficos,
cidade da descrição que propõe Josefina Ludmer sobre as urbes latino-america-
mas também para fora da vida em si.
nas da literatura: “Territórios de assombro, medo e vertigem, com cartografias e
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Depois da cena em que os rapazes coordenam o próximo assalto com o dono
trajetos que marcam zonas e limites, entre fragmentos e ruínas”.
do táxi, uma tomada aérea mostra Buenos Aires com grande profundidade de
Na primeira sequência do filme, os rapazes se reúnem em frente ao Obelisco.
campo (por trás, se observa novamente o rio). De longe, abafados pela distância,
Em um determinado momento, decidem pular a cerca e entrar. O interior de um
se escutam os sons da cidade. Este plano estabelece uma pausa na narrativa e
dos principais monumentos da cidade, que se situa na região do centro, revela a
funciona como separador entre os fatos que aconteceram até o momento e os que
2. Trata-se da Villa 31, uma das maiores favelas de Buenos Aires, onde atualmente vivem mais de 40 mil pessoas.
3. As cenas que acontecem no Obelisco também operam seguindo esse critério dentro-fora.
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acontecerão dali em diante, já que, no assalto que virá, os rapazes conseguirão as
graficamente à mostra a separação que existe entre ambos os espaços, ambos os
armas para o roubo final. Quer dizer, nesse momento se estabelece a passagem dos
universos. “Los Otros” são aqueles que têm tudo o que os rapazes desejam e são
roubos menores para a instância de maior complexidade: o assalto à discoteca. Por
representados — eles e tudo o que eles têm — como inacessíveis.
sua vez, com este plano, o relato toma distância momentânea da história particular dos protagonistas para focar no espaço concreto em que a história de desenvolve.
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A inclusão do nome de duas conhecidas pizzarias, ligadas ao consumo dos setores populares, delimita o espaço por onde circulam os protagonistas do filme,
Na última cena do filme, em uma longa tomada em plongée do barco que parte
ao mesmo tempo em que evidencia a existência de um consumo para os pobres
rumo ao Uruguai, se observa como Buenos Aires se afasta lentamente. A jovem
e outro para os ricos (desde o nome do filme, que faz alusão a produtos de con-
que consegue subir a bordo é, então, a única que consegue sair do labirinto mor-
sumo popular). Nesse sentido, o restaurante que assaltam se opõe por um lado à
tal no qual se transforma Buenos Aires, com a promessa de futuro e de vida que
pizzaria e, por outro, como espaço de lazer, à discoteca. Mostra-se significativo
conota o bebê por nascer.
que ambos — o restaurante e a noitada — se localizem no bairro Once, refor-
Se a narrativa mostra claramente como os protagonistas são espacialmente ex-
çando a ideia de uma cidade polarizada, que inclui, na mesma região, espaços
cluídos, revela da mesma forma que a exclusão social não é menor, e que ambas
de consumo para populações diferentes. Mesmo assim, a música procedente de
se determinam mutuamente. Grupos como os integrados pelos garotos funcio-
ambos os lugares (a cumbia na noitada, a música suave no restaurante) realça a
nam como “ilhas urbanas”, ao mesmo tempo dentro e fora da cidade-sociedade.
contraposição e a existência de um mercado amplo que, no seu anseio de expan-
Os quatro protagonistas homens são parte de uma sociedade que continuamente
são, contempla o gosto e a capacidade de consumo de diferentes setores sociais.
os expulsa em direção às suas margens.
Voltando à configuração espacial do relato, a discoteca é outro dos espaços onde
A situação de Sandra, a única mulher do grupo, não é a mesma, já que a família
os rapazes não podem entrar. Como a entrada lhes é negada, tentam subverter a
ter casa própria lhe outorga um status social diferente. Aqui também se consta-
situação com o roubo final, quando entram na boate, mas para roubar o dinheiro
ta uma divisão entre os que estão “fora” e os que estão “dentro”. Os primeiros
da bilheteria. Dessa forma, o relato relaciona a exclusão social ao crime.
são, além dos quatro rapazes, todos os personagens que aparecem no prólogo da
O discurso dos rapazes, uma gíria própria que mistura seus jargões com insultos
história, os que pedem esmola, os que vivem na rua, os aleijados, os que limpam
e modismos adolescentes (o que aparece em primeiro plano no título do filme), é
os para-brisas dos carros etc. Os que estão “dentro” são os “ricos e famosos”, os
outro dos fatores que permite pensar na tensão dentro-fora em relação ao conjunto
que vão comer nos restaurante assaltado pelos protagonistas, os que entram nos
mais amplo da sociedade. A linguagem os vincula e os une, ao mesmo tempo em
táxis que os protagonistas roubam, os que vivem nas casas luxuosas do bairro no
que os separa dos Outros, que são, entre outras coisas, os que falam de maneira
qual eles abordam o táxi durante o segundo assalto. Nessa mesma cena, um dos
“diferente”. É interessante marcar que o sotaque do Cordobés, típica de seu lugar
protagonistas freia o carro justamente antes dele se chocar contra a calçada, e o
de origem e que lhe dá o apelido pelo qual todos o chamam, não funciona como um
barulho assusta os moradores de uma das mansões daquela quadra, que abrem
elemento disruptivo no discurso dos rapazes, apenas dota suas falas de singularida-
as cortinas para ver o que aconteceu. O rapaz, por sua vez, olha para as janelas
de. O rapaz cordobês utiliza a mesma linguagem que os outros três, mas tingido pelo
emoldurado pela janela do táxi. O plano contraplano que une ambos os olhares
sotaque característico de sua província natal. Dessa maneira, o que se destaca, acima
evidencia a contraposição de dois mundos diametralmente opostos, ao mesmo
das diferenças regionais, é a presença de um idioleto que lhes outorga uma iden-
tempo em que revela a insatisfação que esse estado das coisas provoca neles. Na
tidade de grupo; de fato, a passageira do táxi que eles assaltam se identifica como
cena mencionada, o enquadre gerado pela janela do carro e pela porta põe geo-
cordobesa, mas o seu modo de falar a situa diante dos rapazes no lugar do Outro.
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A personagem Sandra se distancia do resto do grupo, como já dito, por um lado
pacial e a social, uma abordagem de vários eixos temáticos que, por sua vez, se
porque conhece a conduta dos rapazes e a desaprova, mas por outro lado porque
relacionam entre si: a marginalidade, a exclusão, a juventude. Todos eles desen-
seu discurso tem uma nuance levemente diferente, relacionada à sua situação
volvidos em um espaço-chave: a cidade de Buenos Aires.
social. A família de Sandra tem uma casa, e Sandra vive uma situação familiar
No que diz respeito à perspectiva espacial, o relato apresenta a cidade como de-
da qual quer voluntariamente se afastar (seu pai logo se mostra violento). Tenta
marcada por fronteiras que separam as zonas de possível acesso/ação para os jo-
mudar a vida que leva, exigindo de seu namorado que deixe de roubar e procure
vens protagonistas daquelas cujo acesso não lhes era permitido. A narrativa ma-
trabalho. A intenção do seu namorado, o Cordobés, é que o assalto à discoteca
nifesta a polarização de uma cidade que, cada vez mais, vincula os espaços com
seja um episódio único, porta de entrada para a nova vida que deseja e a qual, no
a capacidade de consumo dos seus habitantes. Embora os protagonistas circulem
fim, não acontecerá. A narrativa indica que a exclusão aperta o seu cerco, encur-
livremente pelas ruas da cidade, cada vez que adentram uma “zona proibida” a
ralando os protagonistas cada vez mais perto dessa borda que separa o “dentro”
imagem se encarrega de mostrar certo incômodo, certa defasagem, evidenciando
do “fora” social.
o não pertencimento dos rapazes. Por outro lado, quando circulam pelos espaços
A passagem do âmbito dos roubos menores até o crime “maior” aparece pontu-
marginais que habitam cotidianamente, se produz uma certa união com a paisa-
ada pela presença da lei, representada pela figura da polícia. Construída em aberta
gem. Trazer à cena esta polarização questiona a naturalização de um olhar que
oposição às figuras dos rapazes, a instituição policial encarna o Outro que estabe-
demonstra indiferença quando a miséria — dos espaços e dos personagens — se
lece de maneira concreta o limite entre o dentro e o fora. A figura de uma sociedade
circunscreve a um determinado âmbito, e o incômodo se essa miséria atravessa
que, em termos gerais e globais, expulsa os jovens para suas margens, ganha corpo
as fronteiras do seu nicho para se introduzir nesse outro espaço, como dito antes,
na figura da polícia — que funciona como o agente condutor dessa expulsão.
luminoso, cheio de brilho. A solução da tensão entre permitido X proibido e den-
A cena do roubo final apela para um planejamento clássico de filmes de ação. A montagem alternada permite acessar o agir dos distintos personagens atra-
da cidade, onde se efetua a sua expulsão final.
vés de movimentos rápidos, cortes, travellings e panorâmicas. Num determinado
No que diz respeito à perspectiva social, o relato dá conta da impossibilida-
momento, a câmera diminui seu movimento, percorrendo lentamente corpos e
de de inserção no tecido da sociedade que se impõe aos protagonistas. Essa dita
rostos, o que aumenta a tensão. Ao começarem os disparos, o volume da música
impossibilidade se confirma, sobretudo na dificuldade que eles têm de ingressar
se eleva a um primeiro plano sonoro, deixando os gritos em segundo plano. Dessa
no mercado de trabalho. Não casualmente, o filme começa com uma voz em off
maneira, a trilha abandona a diegese para exercer uma função de contraste: a
que anuncia as taxas de desemprego e subemprego na Argentina. A leitura que se
conotação festiva que sugere a música cumbia se contrapõe ao drama que trazem
depreende da história é que é essa exclusão do mapa social que conduz os prota-
as feridas e mortes. A perseguição até o porto, aonde finalmente chegam os pro-
gonistas ao crime. Os rapazes entendem os atos delinquentes que praticam como
tagonistas e a polícia, também segue os contornos da sequência policial clássica:
dentro de um quadro laboral, ou seja, que tem incorporada a dinâmica própria do
a câmera em movimento reproduz o vertiginoso trajeto do carro em que fogem
emprego e muitas das suas variáveis: relação patrão-empregado,estratificação
Pablo e Cordobés, através da cidade noturna. As sirenes policiais indicam que
entre os empregados etc. Inclusive o dinheiro obtido através dos roubos é usado
os perseguidores os seguem de perto. Finalmente, perseguidores e perseguidos,
para comprar comida e pagar eventuais entradas em boates; que dizer, para o
chegam ao porto, de onde partirá a embarcação para Montevidéu.
lazer e a alimentação, os mesmos fins aos quais a população empregada costuma
Pizza, Cerveja e Baseado propõe, desde o cruzamento de duas perspectivas, a es-
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tro X fora se produz no encurralamento dos marginais até, justamente, a margem
destinar o seu dinheiro. Mas é como se esse “trabalho” fosse o único possível
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numa sociedade que não lhes oferece outras opções. De fato, os próprios rapazes não se consideravam delinquentes. Isso evidencia que cada ramo do crime requer, para sua implementação, um determinado tipo de população, e o dos roubos menores parece ser o único espaço que a sociedade destina para este tipo de jovens. Apesar de o filme abordar os vínculos entre pobreza, exclusão social, marginalidade e crime através de uma leitura que não aprofunda muito os aspectos dessa relação complexa, Pizza, Cerveja e Baseado tem o mérito de ser um dos primeiros filmes — se não o primeiro — a questionar as mudanças operadas na sociedade argentina a partir da implementação do modelo neoliberal. É, além disso, um dos primeiros a escolher uma imagem áspera, desarrumada e errática como o suporte mais propício para o desenrolar dessas temáticas. Pode-se discutir a estrutura dicotômica (bons X maus) que a história apresenta, certa idealização do marginal, assim como a eficácia do sistema de identificações personagem-espectador, já que este sempre reduz a capacidade de se distanciar do objeto e, portanto, de construir um olhar crítico. Apesar disso, o filme é certamente uma proposta interessante na hora de refletir sobre as transformações do campo social argentino durante os últimos anos.
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3 O mundo do trabalho no Novo Cinema Argentino: Mundo Grua, Bolívia, Pizza, Cerveja e Baseado e as estéticas da precariedade por
Cecilia Nuria Gil Mariño
Os anos anteriores aos acontecimentos de dezembro de 2001 foram o cenário da irrupção de um novo grupo de cineastas, que fizeram dos baixos orçamentos e do retrato do cotidiano uma aposta estética que procurava construir um relato verosímil do mundo onde viviam, seja no documentário ou na ficção. Embora a categoria do “novo” tenha sua própria historia no cinema argentino, bem cedo as obras desses jovens diretores do fim dos anos noventa e inícios do século XXI começaram a ser chamadas de Novo Cinema Argentino. O então recente Festival Internacional de Cine de Buenos Aires (BAFICI), criado em 1999, viraria o quadro ideal para a sua exibição e para o encontro com a crítica e a audiência. A respeito dos universos narrativos e estéticos dessas obras, Gonzalo Aguilar (2006) propõe que “Por supuesto, se puede hacer una lectura política o desde la identidad de cualquiera de los films del nuevo cine, pero la responsabilidad interpretativa queda en manos del espectador. Antes que un mensaje a descifrar, estas películas entregan un mundo: un lenguaje, un clima, unos personajes... un trazo. Un trazo que no responde a preguntas formuladas insistentemente de antemano sino que bosqueja sus propios interrogantes” (2006:23).
Desta maneira, no contexto de uma sociedade atravessada pelo conflito social e
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exploração comparáveis à realidade do trabalho da época na Argentina.
pela crise econômica crescente — que a fachada da convertibilidade já não conseguia
Mundo Grua conta a historia da instabilidade de trabalho de Rulo e as conseguin-
segurar —, e marcada pelo vazio da espetacularização da politica, apareceram estas
tes problemáticas familiares e sentimentais que esta situação acarreta. Trata-se
vozes emergentes. Grande parte destes novos cineastas, frente às imagens da festa
de um homem de uns cinquenta anos que mora com seu filho, desempregado, e
menemista da pizza com champanhe e às do grupo sushi do governo da Alianza
que tenta trabalhar como operador de gruas. Os dois compartilham a dificuldade
de De laRúa, voltaram-se para um rosto mais cotidiano da sociedade, marginaliza-
para conseguir emprego, configurando-se uma sociedade na qual o desemprego
do do espaço do espetáculo. David Oubiña (2003) assinala que a estética oficial do
se tornara uma marca estrutural. A partir de uma montagem com poucas varia-
novo cinema se caracterizou por um “rescate del universo sumergido de los marginales”.
ções de plano e de um relato descontínuo e errante, enfatiza-se a impossibilidade
Nesta mesma direção, Fernando Martín Peña (2012) sobre Adrián Caetano, um dos
de mudança da situação socioeconômica de Rulo. O mundo do trabalho é repre-
principais referentes desta nova geração, sublinhava que “Políticamente lúcido, fue el
sentado a partir da falta e da imobilidade.
mejor cronista del desastre neoliberal argentino y supo expresarlo en su tragedia mayor, el
Por outro lado, Bolívia dá conta também do universo da precariedade do trabalho,
enfrentamiento de pobres contra pobres, como sintetiza la perspectiva metafórica y trágica
mas com a introdução da segregação étnica, quando a incorporação da violência
de sus obras maestras La expresión del deseo y Bolívia.” (2012: 235).
propõe um perigo latente que transforma a imobilidade em conflito. O filme de
Nesse sentido, filmes como Mundo Grua, de Pablo Trapero (1999) e Bolívia, de
Caetano retrata os três dias que transcorrem entre o momento em que Freddy, um
Adrián Caetano (2001) constituem territórios interessantes para se pensar a re-
imigrante boliviano recém-chegado a Buenos Aires, é contratado no bar do Enrique
presentação do universo do trabalho e os trabalhadores no discurso cinemato-
como “parrillero” e sua morte, depois da briga com a personagem de “el Oso”.
gráfico da época. Mundo Grua foi o ganhador da primeira competição do BAFICI e
As figuras dos trabalhadores nos dois filmes não estão estilizadas, mas sim
colaborou com a projeção internacional do seu diretor, sendo um dos primeiros
erigidas como estereótipos sociais que facilitam a identificação das suas historias
diretores desta camada a ser reconhecido internacionalmente.
como verossímeis na sociedade da qual emergem. Porém, no filme de Trapero
Por sua vez, Pizza, Cerveja e Baseado, de Adrián Caetano e Bruno Stagnaro (1998),
podemos observar uma espécie de estetização das ferramentas de trabalho. No
cuja estreia foi em novembro de 1997 no Festival Internacional de Cine de Mar
início do filme, sobre os títulos, a grua dança ao tempo com a música e olha
del Plata, foi aclamado pela crítica, e sua estreia comercial, em janeiro de 1998,
imponentemente para a cidade. Da mesma forma, os planos das máquinas es-
superou os cem mil ingressos de bilheteria — mesmo concorrendo com a estreia
cavadoras em Comodoro Rivadavia, por conta do jogo de luz e sombra, possuem
de Titanic, de James Cameron, na Argentina (Peña, 2012: 228-229). Com uma es-
uma fotografia muito cuidadosa, que transforma a maquina em um objeto belo,
tética desarrumada, coerente com a Buenos Aires que procurava retratar, o filme
sem paralelo na representação do corpo do Rulo. Nesta mesma direção, podem ser
desenhava o cotidiano e as estratégias de sobrevivência de um grupo de jovens nas
pensados os planos detalhes do trabalho dentro do bar em Bolívia. Pode-se dizer
margens da sociedade, afastando-se do habitual “miserabilismo” e dando espaço
que tem lugar um tipo de cisão entre a figura dos trabalhadores e o trabalho em
ao humor e à construção de personagens mais complexos. Em relação ao primei-
sim mesmo, como objeto estético e temido de ser perdido a qualquer momento.
ro fotograma do filme, Stagnaro disse que “Esa era la impronta de lo que hacíamos:
Em relação à ideia do conflito, Mundo Grua dá conta das tentativas de organiza-
una mezcla entre cierto amateurismo y una urgencia que no se detenía” (entrevista ao
ção dos trabalhadores que protestam pela falta de viandas durante o dia de traba-
jornal La Nación, 28 de agosto de 2018). Embora o universo do filme não seja o do
lho e que se reúnem para defender suas fontes de trabalho em momentos de crise
trabalho, mas o do delito, neste mundo também aparecem relações de poder e de
da empresa. Porém, o filme remarca a debilidade dessas tentativas e a constante
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da realidade das personagens é o desemprego. Rulo, mais uma vez, perde o emprego. O conflito é representado de maneira fraca. Acima deste, sempre prevalece
No filme de Caetano, a discriminação não se reduz à nacionalidade, mas tam-
a imagem da resignação dos trabalhadores. Essa debilidade organizacional e o
bém se amplia à homossexualidade a ao gênero na representação da mulher tra-
desamparo social — reforçado pelo geográfico, no caso da paisagem patagônica
balhadora, na personagem de Rosa, sobre a qual se insinua constantemente sua
de Caleta Olivia — são agravados pela despersonalização das relações de poder
condição de objeto sexual nesse mundo de homens. Embora os dois filmes com-
dos tempos da flexibilidade trabalhista; há uma ausência de chefes concretos,
partilhem a escolha pelo preto e branco para retratar a crueza desses mundos,
a exploração como modo omnisciente. Rulo, como estereótipo social, nunca se
à diferença de Mundo Grua, o conflito se vê acompanhado da construção de um
rebela contra a sua situação. Isto também não o leva a uma atitude de inércia,
universo de encerramento dado pelo bar de Enrique, com planos muito fechados
mas sim para o errático; aceita o desemprego com naturalidade, como norma da
que evocam um exterior perigoso para Freddy e uma tensão que permanece la-
sociedade na qual vive. Quando ele vai embora de Comodoro, lhe dizem “o que a
tente e que cresce por acumulação. O conflito sempre está por explodir. Contudo,
gente pode fazer, Rulo?” e ele responde, “já era, ché”. O plano seguinte é fechado
pela montagem, o assassinato do Freddy se nos apresenta de maneira abrupta,
e mostra ele com seu rosto resignado.
contribuindo para a ideia da fugacidade e velocidade da violência. Deste jeito, o
No caso de Bolívia, o conflito e a violência estão ligados ao binômio desemprego-discriminação. O filme começa com a entrevista de trabalho de Freddy,
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do seu país na hora de contratar um empregado.
conflito não se apresenta na chave de classe como no caso anterior, senão no meio dos explorados, dos desempregados, uma briga de pobres contra pobres.
com uma voz over sobre imagens que já apresentam o conflito da imigração. São
As relações de exploração e poder entre pobres também foram retratadas com
planos detalhe em que observamos diferentes ícones da argentinidade, tais como
agudeza no seu filme anterior Pizza, Cigarro e Baseado. Trata-se da história de um
uma foto de Gardel, fotos de futebol, de Maradona, um mapa de um estado argen-
grupo de jovens que sai para roubar diariamente para passar o dia a dia, beber
tino. A câmara também se detém para marcar a presença da lei com a imagem do
uma cerveja, comer uma pizza da Ugis — uma das pizzarias mais baratas da cida-
decreto policial e o pôster que certifica a exigência do recibo de pagamento como
de naqueles anos. Entre eles, está Sandra, que está grávida do Cordobés, a quem
um direito. Os títulos do filme são sobre um jogo de futebol entre Argentina e Bo-
pede o tempo todo que deixe de roubar e que consiga um emprego. O Cordobês
lívia, como marcas da nacionalidade e da rivalidade e do conflito entre os países,
e Pablo são constantemente submetidos e explorados pelos seus chefes — pelos
neste caso, na dimensão esportiva. Desde o início, aparece a ideia da assimilação
seus patrões como eles chamam —, na parte que têm que entregar depois dos
e a diferenciação que marcam duas arestas diferentes da discriminação: o não re-
roubos. Esse sistema de exploração se apresenta como um destino trágico: assim
conhecimento das diferenças nacionais e o sublinhar dessas mesmas diferenças,
que eles tentam torcê-lo, os esperarão a morte e a cadeia.
com ênfase. Enrique confunde a nacionalidade de Freddy como peruano em vez
Porém, esse filme não constrói personagens passivos ou resignados. Pelo con-
de boliviano, Freddy remarca “sou boliviano”, assim como Oso enfatiza que os
trário, suas personagens sonham com um futuro que lhes é negado e procuram
responsáveis da sua ruina são os uruguaios. O uso de gentilícios para os diferen-
se rebelar – assim como Freddy tenta se defender. A subversão desse presente e
tes países é utilizado ao longo do filme e, na maioria dos casos, acompanhado de
imutável opressor acha na cena do Obelisco sua metáfora. As personagens entram
insultos, especialmente para assinalar que os imigrantes são concorrência para
sem licença, sobem até em cima e olham a cidade do topo, a partir do falo da
a mão de obra nacional. A personagem do Oso é quem representa este ressenti-
própria cidade. Eles, os que estão nas margens, os invisíveis, olham do alto para
mento aos trabalhadores imigrantes de maneira mais contundente, mas a perso-
uma cidade que os rejeita ou que os prende. A cena acaba quando a polícia pren-
nagem do Cordobês também reclama com Enrique que ele não olha para a gente
de Sandra. Stagnaro relata que a própria equipe técnica não tinha licença para
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entrar; assim que eles viram a porta aberta, entraram, e sabiam que a qualquer momento ia chegar a polícia. Eles só não queriam perder o material filmado, e foi por isso que Marcelo Lavintman, o diretor de fotografia, teve a ideia de levar uma câmara a mais com cinta virgem para quando fossem requisitados. Ele conta que a polícia não deu muita importância para a câmara, só lhes importava que estavam em um lugar onde não podiam estar (entrevista ao jornal La Nación, 28 de agosto de 2018). Esses filmes, partindo de apostas estético-sociais diferentes, deram conta da precariedade trabalhista e da crescente violência social da sociedade daqueles anos. Irromperam com a urgência que seu tempo lhes ditou. Vinte anos depois, mais uma vez voltam ser urgentes diante da violência do avanço neoliberal do contexto político argentino. Mas já não somos os mesmos.
Bibliografia Aguilar, Gonzalo (2006), Otrosmundos. Un ensayosobre el Nuevo Cine Argentino. Buenos Aires: Santiago Arcos Editor. JornalLa Nación, A 20 años de Pizza, birra, faso, el recuerdo de sus protagonistas URL: “https://www.lanacion.com.ar/2162599-a-20-anos-pizza-birra-faso-recuerdo. Oubiña, David (2003), “El espectáculo y sus márgenes. SobreAdrián Caetano y el nuevo cine argentino”. Punto de Vista. No. 76. Peña, Fernando Martín (2012), Cienaños de cine argentino. Buenos Aires: Editorial Biblos.
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4 Entrevista com Martín Rejtman sobre Rapado por
Alejandro Ricagno e Quintín
Como foi seu primeiro contato com a direção cinematográfica? Um curta-metragem Super 8 em preto e branco que fiz em um curso de Simón Feldman e que nunca terminei. Quando comecei a estudar cinema, não estava muito interessado em filmar. Era muito ingênuo. Pensava que era possível aprender de outra maneira. Agora, isso me parece uma estupidez absoluta. Mas eu estava ali envolvido. Assistia um pouco do que acontecia ao redor, me inebriava do ambiente de uma filmagem, por mais que fosse uma filmagem amadora. Fiz o curso do Feldman e fiz outro na Escola Panamericana de Arte. Depois, fiz um curso de roteiro com Aída Bortnik, de quinze dias, que foi brilhante, acredite se quiser. Te digo isso porque não gosto dela como roteirista, mas dando aulas era realmente muito boa. Depois, aos vinte anos, eu fui aos Estados Unidos, estudar na New York University. Um ano de curso super intenso. Pela primeira vez filmei realmente, e muito. Depois, fui à Itália por um ano. Trabalhei como assistente de montagem em um longa-metragem em episódios, feitos por egressos em uma escola de cinema, e que não estreou comercialmente. Quando voltei a Buenos Aires, trabalhei com Desanzo [Juan Carlos Desanzo] como ajudante de direção em La Búsqueda e En Retirada, e fiz um filme de meia hora em 16mm (em preto e branco) que se chama Doli vuelve a Casa. Depois, retornei aos Estados Unidos. Fiz mais um ano na uni-
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versidade e outro filme de meia hora. Trabalhei no projeto de um longa que co-
por balas em troco e de notas de dinheiro falsas. E também economia enquanto
mecei a filmar e que não pude terminar. O filme se chamava Sistema Español, mas
orçamento. É um filme feito com dois contos. Eu sabia que não iria dispor de muita
esse era um título provisório. Foi uma semana de rodagem. Passei rápido por uma
grana, então me propus fazer algo que fosse bem modesto quanto às pretensões de
depressão e escrevi o roteiro de Rapado. Dois anos mais tarde, estava filmando.
atores, de cenografia, de extras. Aí mesmo existe um condicionamento.
Tinha contos de Rapado antes do roteiro ou o inverso?
Então o filme é uma mise-en-scène do que é fazer um filme?
Alguns contos vieram antes do roteiro, outros depois. Muitos dos contos eu es-
Sempre é assim. O método de um filme está sempre no filme.
crevi para conseguir ideias para um roteiro. As ideias me pareciam mais naturais quando estavam em um texto do que quando vinham assim e nada mais.
Em que se diferem as atuações de Rapado do que é para você o estilo de atuação
O roteiro de Rapado carrega uma quantidade mínima de informações, e isso vai
do cinema argentino?
contra todo um cinema argentino em que tudo está explicito. É algo intencional?
Primeiro, que não há psicologia. Também não há grandes progressões dramáticas nos personagens. Tudo está muito contido. A partir do roteiro, propus uma situação que me permitiu ter controle sobre cada uma das atuações para poder atingir
Meu trabalho é olhar, escutar e, a partir disso, escrever ou filmar. Trabalho muito
uma coerência no tom — que é o que eu não via no cinema argentino, onde cada
com a observação, com coisas que me acontecem, que me contam ou que vejo. Tudo
um tem seu estilo de interpretação. Aparece Brandoni e é Brandoni, aparece Cipe
isso eu processo de uma maneira estranha e converto em contos ou roteiros. Antes
Lincovsky e é Cipe Lincovsky. Tratei de unificar, apesar de as interpretações se-
de me pôr a escrever ou de decidir o que vou filmar, estudo um pouco o território.
rem diferentes. Tem Lucio, que é quase imperturbável, e tem Damián, que é como
Vejo o que há no lugar, para captar algo dali. Então, comecei a ver o que havia aqui,
uma paródia de Lucio, e que, para o filme, é um charlatão.
qual era o território, que elementos me podiam servir para construir algo. Você não pode construir algo do nada nessa altura da história do cinema argentino. Nem as atuações, nem a posição da câmera, nem a montagem, nem o uso da música. Não fiz nenhuma análise, mas tinha a impressão que o cinema argentino não era contemporâneo. A primeira necessidade que senti foi a de fazer um filme contemporâneo, basicamente. Não achava que houvesse algum no cinema argentino. Decidi voltar um pouco atrás. Por exemplo, nunca gostei dos diálogos no cinema argentino. Então, busquei começar do zero. Se de todos esses elementos não há nada que me interesse, como posso fazer algo bom dentro desse caos? Então, tratei de reduzir tudo. Rapado é um filme que fala sobre a economia, em todos os sentidos. Fala sobre o equilíbrio. Existe um personagem que teve algo roubado, e ele rouba outra coisa para manter um equilíbrio. Todo o tempo se fala de economia, de escambo de coisas, do dinheiro que se troca por fichas, das fichas que te dão
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Seguimos com outra questão: fale sobre o posicionamento da câmera. Mais do que o posicionamento da câmera, eu falaria sobre como desenvolver uma cena. O que fazer com uma cena. Onde colocar a câmera e quanto tempo dar a cada plano. É mais complexo que colocar a câmera em uma posição. Tratei de esquartejar menos as cenas e de deixar que elas fossem o que tinham que ser. Não as provocar através de uma montagem. Não se trata de usar mais planos-sequência, e sim de observar a cena, não a construindo através da montagem. O germe disso já estava nos meus curtas anteriores. Acreditamos que, estranhamente, a sua pegada é de um cinema social. Não somente pela questão da economia, mas pelo retrato de certa camada da classe média alta que surgiu há pouco e que geralmente está ausente no cinema argen-
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tino dos últimos tempos. E, sobretudo, partindo da perspectiva do adolescente dentro de uma classe que está se convertendo em terra de ninguém... Busquei falar sobre gente entre 18 e 20 anos, que havia terminado o colégio e ainda não havia começado a trabalhar. Estavam em um tempo quase morto. Trato de não propor coisas. Simplesmente escrever e depois dar forma, mas não propor temas ou teses a serem apresentadas. Se não, sinto que tudo fica maniqueísta, e me incomoda. Tem a ver com deixar que as coisas aconteçam e não as provocar. Sobre o tema da classe média e dos “pós-adolescentes”: encontrei uma explicação que tem a ver com neutralidade média, com a indefinição, não é classe alta nem baixa. É como uma espécie de lugar intermediário. Escolhi mostrar tudo isso de uma maneira quase neutra. Ainda que isso eu tenha pensado depois. O que é o que mais você gosta no fato de dirigir? Durante a filmagem, eu perco a consciência, mal me dou conta se estou desfrutando ou não, me deixo levar e avanço. Nesse sentido, terminar é o melhor. Quando você termina, entra em um estado de felicidade tal que não se pode acreditar. Me aconteceu isso com esse filme. No momento do término da filmagem, você desfruta retrospectivamente de toda a filmagem.
Extraído de Alejandro Ricagno e Quintín, “Un cine contemporáneo”, em El Amante nº 53, Julho de 1996.
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5 Entrevista com Lucrecia Martel sobre O Pântano por
F.M.P., Paula Félix-Didier e Ezequiel Luka
Lucrecia Martel nasceu em Salta, em 14 de dezembro de 1966. Estudou no Centro Experimental de Realização Cinematográfica do Instituto Nacional de Cinema (hoje, ENERC) e frequentou paralela e posteriormente outros cursos e oficinas. Fez seu primeiro curtametragem em vídeo, intitulado Beijos Vermelhos, em 1992. Três anos depois, realizou o curta Rei Morto, que integrou a primeira edição de Histórias Breves. Manteve uma atividade mais ou menos constante na TV, onde atravessou algumas experiências difíceis (como deve ter sido Boro Boro, de Pucho Mentasti), mas também outras satisfatórias (Magazine For Fai, tanto na TV a cabo quanto em sua breve passada pela TV aberta). Em 1998, fez dois documentários para TV sobre Encarnación Ezcurra e Silvina Ocampo, com produção de Lita Stantic. O Pântano é seu primeiro longa-metragem.
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Lucrecia Martel: As Histórias Breves estrearam em maio de 95 e por isso nós, os
mos que cortar, porque pressupunha uma semana a mais de filmagem. Por outro
realizadores dos curtas, nos encontrávamos bastante, tivemos várias reuniões. Da-
lado, o filme era eterno e era muito arriscado terminar meu primeiro filme com
niel Burman, que estava mais metido na indústria do cinema, ou Bruno Stagnaro,
três horas de duração. É invendável.
por sua história familiar, eram mais conscientes de que depois de fazer um curta,
Mas enfim, antes de Lita, com ajuda de Daniel Burman pedi um crédito para fa-
deveria escrever-se um roteiro de longa. Eles viam isso como um próximo passo
zer o filme, em 97. Me deram um crédito pequeno, não era suficiente para filmar,
e, então, um pouco contagiados, todos falávamos em fazer um longa. Eu não tinha
então fui para Salta totalmente persuadida de que, por meio da minha própria
nada em mente, mas como todos se propuseram a escrever, eu comecei a anotar
sedução, iria convencer alguém a colocar grana no filme. Calculei exatamente
coisas também. Tínhamos isso como o natural, como aquilo que deveria acontecer.
quanto investi em papéis e burocracias nessa primeira etapa: gastei quase quatro
Sempre escrevo, mas comecei a escrever sistematicamente sobre o mesmo
mil dólares em papéis e fotocópias: o roteiro, os orçamentos, diagnósticos de não
tema: cenas familiares, diálogos que eu lembrava, que pareciam pra mim diver-
sei o quê, a história do cinema argentino… O que eu tentava era que o governo
tidos ou muito alarmantes pelo que não era dito, ou pelo conteúdo. Havia uma
aceitasse que aquilo era parte de uma indústria, que aceitassem apoiar, que me
diversidade de personagens e nada muito claro. Me esqueci qual foi o primeiro
reconhecessem. Havia todo um sistema através do qual se podia redirecionar im-
impulso, mas lembro ter escrito quatro ou cinco cadernos em sete ou oito meses.
postos, caso fosse investido dinheiro em certas coisas; no agronegócio era feito.
Estava trabalhando em Magazine For Fai e isso nos tomava a vida. Não pagava a
Então eu queria que reconhecessem O Pântano como algo industrial, para ter acesso
vida, mas nos tomava; era feito com muito prazer, mas era um esforço terrível.
a determinados créditos, e para isso eu tinha que começar mais ou menos a partir
Então, quando o programa já estava conceitualmente organizado, falei com um
dos irmãos Lumière. Me reuni com todo mundo, com gente de cinemas, com todos,
amigo para que me substituísse durante um tempo curto e fiz um acordo para
mas a única coisa que consegui foram cartas de apoio. Nenhum centavo. Para pio-
trabalhar meio período. Nesse tempo livre de um mês, escrevi o roteiro de O Pân-
rar, eu estava sem trabalho porque For Fai tinha sido cancelado, foi na época em que
tano, baseado no que eu tinha reunido nos cadernos.
a VCC foi vendida, que era o sinal de TV a cabo que produzia o programa.
O disparador foi um caso que uma amiga me contou: a cena do acidente na
Mas decidi ficar em Salta e começar o casting, pensando que, quando todos vissem
piscina e um diálogo muito engraçado de uma tia dela. Não sei por que, mas esse
esse movimento, alguém iria se interessar. E com uma amiga que tinha estudado
acontecimento foi um pouco disso que impulsiona como serão organizadas nar-
cinema em Córdoba, que viu meu curta e gostou, começamos a fazer o casting. Arru-
rativamente as coisas. A partir desse acontecimento, reorganizei todo o restante
mamos tipo um rancho que tinha em um terreno perto da minha casa e colocamos
do material, deixando muitas coisas de fora, claro. Imprimi, fotocopiei (a vida no
anúncios por todos os lados. Havia muitas crianças e adolescentes no filme, então
cinema é 90% papel) e comecei a compartilhar cópias com os amigos. Fiz algu-
tínhamos que criar um ambiente de confiança, falar com os pais, dar entrevistas.
mas poucas correções e esse foi o primeiro roteiro, que mais tarde Lita Stantic
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escolheu e que mandamos para Sundance. Digo isso porque às vezes durante a
O casting era para convocar todos os personagens?
gênesis de um projeto, tem gente que tem super claro quantas versões fez do
LM: Sim, a chamada era: “De seis a oitenta anos”. A vida. E começou a aparecer
roteiro. Eu só me lembro de uma correção, e logo uma coisa de cortar e cortar,
gente, das nove da manhã à meia-noite, parando apenas para comer. Passava o
porque era longo e não tínhamos dinheiro para fazê-lo inteiro. Tivemos que tirar,
dia com a minha amiga filmando, atendendo ligações, recebendo gente… Uma
por exemplo, um personagem que era irmão de Mecha (Graciela Borges). Era algo
quantidade enorme, faziam fila. Quem me dera se toda essa gente fosse agora ver
que eu amava, eu tinha chamado Urdapilleta para que fizesse o papel, mas tive-
o filme em Salta.
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Esse casting foi muito útil pra mim. Eu não tinha uma formação profissional propriamente dita. Tinha feito a Escola de Cinema de Avellaneda, a parte de de-
que estar ali no ambulatório, e na real, entre ficar no ambulatório e vir, eu vim...”. Conversávamos, chorávamos, fazíamos cenas divertidas… Foi algo muito humano.
senhos animados, e esse foi o único momento no qual eu me aproximei tecni-
Numa outra vez, veio uma mulher com seu marido. Ele insistiu em entrar com
camente do cinema. Esse e o fracasso do CERC, escola do Instituto, que fiz entre
ela durante o teste. Primeiro passei com ela, ela sai e ele, então, me diz “Você está
88 e 90: crise econômica, crise acadêmica, não tinha aula, um desastre... A gente
buscando dinheiro pro seu filme”. “Sim”. “Quanto tem mais ou menos?”. “Bem, ainda
sabe o que conta dentro da nossa formação, e ali eu tive aulas isoladas, além de
não tenho nada”. “Olha”. Ele me diz “minha mulher tem um terreno e eu desenhei um
tudo atravessadas por nossas crises internas. Nesse momento, era uma péssima
forno crematório. Com quarenta mil dólares eu poderia construí-lo”. Enquanto isso,
instituição, causava muito dano às pessoas que a frequentavam. Minha turma
a mulher do lado de fora não sabia do plano. “Eu já tenho tudo calculado”, dizia.
estava dividida entre “bons” e “ruins”, com Diego Kaplan, Diego Lublinski… Te-
Não sei com quanto mortos recuperaríamos os investimentos no forno e, além de
nho certeza de que não tínhamos razões suficientes para estarmos uns contra os
tudo, sobraria dinheiro para o filme. Teríamos que matar mais ou menos metade
outros, mas a instituição mesmo gerava esse mal estar.
de Salta e cremá-los...
Vindo disso, eu tinha muito pudor de trabalhar com atores. O casting era para
Mas terminou em 97, as fotocópias não tinham servido de nada e voltei amar-
mim uma forma de superar essa situação terrível. Além disso, eu tinha muitas
gamente a Buenos Aires, sem trabalho e sem nada. Justo quando me ligou Lita
inquietações éticas: “Não vou te pedir nada que eu não faria” etc.
para fazer alguns episódios de uma série de documentários sobre mulheres para televisão. Isso foi em fevereiro, e lembro que estava a minha mãe de visita e eu
Você fazia perguntas, fazia com que atuassem?
feliz: “Lita Stantic! Lita Stantic! Não acredito!”. Mas, até esse momento, nunca tinha
LM: Depois de mais ou menos vinte pessoas, começou a surgir algo, comecei
relacionado meu roteiro à Lita, nunca tinha pensado na possibilidade. Parecia que
a entender como fazer. Primeiro, falávamos por quinze, vinte minutos (eu não
a ela interessavam outros filmes.
tinha data de estreia, então tínhamos tempo), e aí me contavam mais ou menos
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de onde vinham. Em Salta, ninguém tem a ambição de ser ator de cinema. Então
Da série, você fez Encarnación Ezcurra e Silvina Ocampo...
vinham por tédio, curiosidade… são outras as motivações. E descobrir isso era
LM: Sim. Era muito bom porque era algo interessante, era dinheiro e ainda impli-
bem interessante, principalmente com as mulheres mais velhas (muitas delas
cava conhecê-la. Enquanto estávamos trabalhando — demoramos um ano — me
atuaram nas cenas que são vistas pela televisão em O Pântano).
disse que desse o roteiro para ela ler. Até esse momento, eu já o tinha inscrito em
Com base nessa conversa, fazíamos uma cena do mundo familiar, onde eu era a
todos os concursos possíveis e perdi em todos. Entreguei a ela, ela leu, me disse
irmã, a esposa, o marido, o namorado… qualquer pessoa que surgisse na conversa
que gostou muito e que queria fazê-lo. Te juro que eu achei que era brincadeira.
com eles. Então eu os fazia dialogarem comigo, e isso foi ótimo. Não que tenha
Disse a ela: “Bem, sim, deve ser porque trabalhamos juntas...”. Meio que falei mal
modificado o roteiro, ainda que pudesse ter acontecido, já que foi algo muito in-
de mim… Mas é que já tinham me iludido outras vezes: “Me interessa fazer esse
tenso. Mas me ajudou muito a perder o pudor com as pessoas. No fim do dia, nos
roteiro”, e depois nada. Com Lita foi impressionante. Disse isso e no dia seguinte
sentíamos muito carregadas, como em outro mundo, cheio de discussões familia-
estava trabalhando para o filme, sem contrato, sem nada. Ela me disse, então:
res… uma coisa louca e ao mesmo tempo estimulante. De repente, vinha alguém
“Inscreve no Sundance”, e isso era um gasto: tinha que prepará-lo, produzi-lo… Eu
chorando e te dizia “Não, eu na verdade vim porque meu marido está internado e tenho
já estava meio cansada de fazer fotocópias que não rendiam nada. Se não fosse
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ela, eu não teria feito. Mas, no dia 8 de dezembro, me liga um senhor inglês e me
ta e dois dias, incluindo alguns aqui em Buenos Aires, a cena de Juan Cruz Bordeu
diz que o filme tinha ganhado. Digo à minha mãe: “Ganhamos o prêmio do Sun-
com a personagem de Mercedes Morán.
dance, vamos poder filmar!”. “Entendeu?”, minha mãe me disse “Que dia é hoje? Oito de dezembro, dia da Virgem!”. E foi assim que O Pântano pôde acontecer, graças ao
O som tem uma importância brutal em O Pântano. Como você decidiu que se
milagre da Virgem combinado a Robert Redford.
daria dessa forma?
O mais interessante do Sundance é que fazem reuniões com pessoas que podem
LM: Antes de mais nada, foi o ressentimento por eu não ter nenhuma cultura
realmente se interessar pelo seu projeto. Eu tive reuniões com José María Mo-
musical. Meu primeiro aparelho para rodar vinis eu comprei em 96 e em casa
rales, o produtor espanhol, que terminou entrando com a sua empresa Wanda,
devíamos ter quatro vinis. Sou um zero à esquerda com relação à música. E talvez
e com a NDF, que também participou. Depois, conseguimos contribuições, e Lita
por não escutar música a gente preste mais atenção a todo o restante. Acho que
envolveu a produtora argentina Cuatro Cabezas. Eu tinha um pouco de resistência
no meu caso é, sem dúvidas, uma coisa que sinto primeiro como ressentimento e
em trabalhar com Cuatro Cabezas, pensava que iam querer fazer um O Raio com o
depois como estética.
filme. Mas a verdade é se comportaram muito bem. Não gosto dos créditos, tem
Inclusive, pra mim, a música não conta para os filmes — e até me incomoda
uma animação meio estranha, mas isso não foi modificado por falta de tempo,
cada vez mais. Em muitos filmes que vejo me pergunto para que usaram a música.
não porque eles não quisessem mudar. O total do orçamento é mais ou menos
Escrevendo, inclusive, a música nunca surgia pra mim. Nada de: “... e aqui entra
de um milhão e duzentos mil dólares, o que parece muito, mas a verdade é que,
a música”. Nunca tive nada disso no roteiro e, em troca, tinha sim um monte de
quando você arma um projeto como esse, com tantas partes pequenas, tudo enca-
referências a sons particulares.
rece. Quando se depende desse tipo de financiamento, também tem menos margem de negociação, não se pode pagar nada adiantado, muito menos barganhar.
O verão em Salta é muito abundante em sons. A cidade de Salta está em um vale, e o momento das tempestades é o verão. E são muito fortes, com muita descarga elétrica, muito barulhentas. Às vezes entram no vale, mas muitas vezes elas dão a
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Além disso, a filmagem deve ter sido complexa, não? Dá para ver isso no filme
volta sem entrar. Dessa forma, tem todos esses sons, os morros ao redor servindo
acabado…
de caixa… é muito sinistro, os graves se sentem muito presentes, as trovoadas
LM: Sim, muito: crianças, campo, morro, chuva… Não era fácil. A essa altura,
ao longe… E tem uma questão técnica que é óbvia: as frequências baixas te al-
além do mais, tivemos que fazer outro casting, porque as crianças do primeiro já
teram completamente a nível orgânico: as mais agudas também, mas as baixas
não serviam. Muita gente ficou, isso sim, em papéis de apoio. Esse primeiro cas-
te afetam imediatamente, te alertam. Mas, além disso, no verão temos vários
ting nos deu um conhecimento enorme sobre todas as pessoas: pudemos escolher
tipos de cigarras, todos os bichos da estação, que são frequências muito agudas.
cada papel, por menor que fosse, com muita precisão.
Essa combinação faz panoramas sonoros que para mim eram muito interessan-
Terminamos o segundo casting em agosto de 99, fomos dois meses depois para
tes. Muitas coisas de O Pântano acontecem através das conversas, por isso esses
filmar e um dos meninos já tinha crescido um tanto assim. Queria matá-lo. Era
pequenos momentos de diálogo em voz muito alta, e isso me dava frequências
um touro. E estava a mãe lá, o que eu podia dizer? “Que pena que seu filho é tão sau-
médias. Com tudo isso, eu sentia que tinha mais que o suficiente para o filme.
dável, senhora...” Então tivemos que voltar a procurar crianças menores e torcer
E depois havia outras coisas que, pra mim, operam dramaticamente, como os
para que continuassem pequenos até o fim das filmagens. Foram no total quaren-
sons das coisas que se sabe que podem quebrar. Tem sons que nos fazem pres-
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sentir a fragilidade, certos aumentos das baixas frequências através dos quais se
Mas, além disso, tem outra coisa. A trilha sonora é potencializada no filme,
espera um disparo, por exemplo, o crescente das cigarras. É bem estranho como
não apenas porque não usei música, mas porque o relato não está estruturado em
isso funciona, porque às vezes as cigarras produzem um som que te dá vontade de
função de uma trama clássica. Quando acontece isso, tudo que tem a ver a com
sair e jogar uma bomba Napalm para que não sobre nenhuma, mas, de repente, a
a sensorialidade (as texturas, o som) ganha uma importância extraordinária, e
frequência desce e entra num registro diferente, ou começa a subir, subir, subir…
temos que fazer uso dela para sustentar o filme.
As cigarras não sabem de estrutura dramática tradicional, digamos. Eu tinha uma enorme quantidade de coisas para trabalhar no nível sonoro. Inclu-
Bem, realmente, dizer “do que se trata” O Pântano, é muito difícil. De repente,
sive, como nas cenas que acontecem em Buenos Aires não tínhamos essa riqueza
podemos articular uma impressão, ou fixar o impacto de uma cena por conta
natural do ambiente, o que fizemos foi imaginar que o local em que estavam as
de um ruído, mas é muito difícil explicar o que acontece sem banalizá-lo.
personagens era próximo ao aeroporto. Então, as frequências baixas são os moto-
LM: É que se você trabalha não sei quantos meses em um roteiro, tanto na trilha
res de aviões, por exemplo, e podíamos jogar também com as vibrações dos vidros.
sonora e tanto na imagem, e depois pode resumir todo esse trabalho em poucas frases, pra mim tem algo que não funciona. Até o filme mais argumental, quando
Tem coisas mais sutis e inquietantes também. Como essa explosão na casa
está bem feito, é muito difícil de resumir. Isso faz com que não seja fácil “vender”
de Tali, enquanto o marido está banhando o filho. Existe uma tensão ali, por
O Pântano. Fizemos um texto para Berlim que, pra mim, era qualquer coisa, mas
outra coisa, ela está muito contida e, de repente, ouve-se essa explosão, que
precisávamos de algo escrito que fosse concreto.
é como se fosse ela. Você também usou uma deformação estranha na voz das meninas, quando brincam com o ventilador.
Durante a filmagem, você trabalha a mise-en-scène de alguma forma particular?
LM: Ah, me dá muito medo esse efeito.
LM: Olha, Diego Guebel me recomendou que trabalhasse com um desenhista para fazer um storyboard. Eu não via a necessidade disso, mas enfim, testamos. Me
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Dá a sensação de que você escreveu um roteiro à parte só com o áudio
reuni com um cara, um desenhista fantástico, durante três dias no hotel onde
LM: O operador de áudio me disse algo assim quando leu o roteiro: “Mas isso está
ensaiávamos, para fazer o storyboard, mas a verdade é que não me servia. Alguns
cheio de indicações sonoras”. Para mim, o normal é começar a escrever por esse
necessitam ter tudo desenhado antes porque lhes serve, para deixar as coisas
lado. No que eu estou escrevendo agora, a primeira coisa que eu tive clara foi
mais claras, mas não no meu caso. Você pensa de uma determinada forma, mas aí
o tipo de frequências que ia usar, os contrastes entre os gritos e o segredo, por
quando chega para a filmagem acontece que está nublado, esse canto está escuro,
exemplo. E quando você já tem esse conceito, tudo começa a se formar. Ter essas
a cama está mais para um lado, e uma das crianças está com febre e não pode
coisas claras te proporciona um panorama sonoro que, quando nos dedicamos ao
andar rápido… Então, pra mim nada disso serve. Me serve ter claro o conceito
trabalho de pensá-lo, define uma coisa muito profunda para o filme. Porque no
básico da cena. Depois para isso, de acordo com como estão as coisas, se traba-
cinema você pode fechar os olhos, mas não pode deixar de escutar. Em uma cena
lha. Sempre tinha uns vinte minutos de bloqueio criativo, claro. Diria que Fabia-
de terror, uma facada, você pode fechar os olhos, mas irá escutá-la, e, se a ouviu,
na Tiscornia, que era assistente de direção, é uma gênia impressionante, e ela e
então a viu. Como o que você me disse da cena de Tali. Não se vê nada estourando,
Hugo Colace (o diretor de fotografia) aguentavam os bloqueios. Até que a coisa
mas se escuta: então aconteceu.
surgia e dizíamos: “Fazemos assim, daqui, lá, ali...”. E pronto.
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Olha [tira um caderno, cheio de notas], eu quando vou filmar tenho uma folhi-
ensino médio, em 1984. Todo meu ensino fundamental e médio eu passei pen-
nha do roteiro assim, e aqui anoto o que vou fazer para cada parte, às vezes com
sando que iria ser cientista. Além do que, nesse momento, em Salta, o cinema era
algum desenho, um rabisco, e outras vezes com alguma indicação mais precisa,
algo que... Eu nem sabia que se podia estudar isso em Buenos Aires. Apesar de que
alguma palavra que tem que ser dita em algum momento… Mas não sinto falta de
havia estreado Camila (Bemberg, 1984), que todas nós adolescentes tínhamos ido
nada mais que isso. Além disso, a equipe sabia exatamente que filme estávamos
assistir para chorar, mas isso era tudo uma coisa distante.
fazendo e tinham uma fé enorme no projeto, o que ajuda muitíssimo. Sobretudo
Para mim, era mais fácil pensar em estudar astronomia: com quinze anos, me
para que esses minutos de bloqueio não fossem vistos como: “Isso é um desastre!
presentearam um telescópio e me tornei uma fanática, lia tudo sobre o tema. Virei
Vou embora!”, coisas que podem acontecer e começar a colocar tudo em perigo.
ateia nessa época, também. Um dia, disse seriamente ao meu pai: “Bom, eu que-
Isso não. Tomavam café, comiam e seguíamos em frente.
ro estudar astronomia”. E ele, claro, me respondeu: “Vai pensando em outra coisa”. Até escrevi para a NASA, em espanhol, uma carta que começava com: “Estimados
E a direção de atores?
senhores da NASA”.
LM: Para mim, tínhamos que alcançar algo em particular, que são esses códigos, essa linguagem particular que se dá entre famílias. Eu tinha medo de que isso
E como chegou ao cinema?
não surgisse, de que não existisse essa confiança física que existe no entorno
LM: É que pensei que meu problema era eu ter uma contradição: tinha ido a um
familiar. Principalmente porque havia pessoas super conhecidas e uma garotada
colégio humanista – muito grego, muito latim —, mas eu me imaginava cientis-
totalmente desconhecida. Então fizemos várias reuniões em um hotel em Buenos
ta. Assim, me passou pela cabeça, absurdamente, que na publicidade as coisas se
Aires, com todos, em uma cama de casal, como depois há em várias cenas do fil-
unem: o criativo e o mercado, o marketing, a ciência. Cheguei aqui e o único lugar
me. No hotel imagino que pensavam que estávamos lá para fazer um pornô.
que havia para estudar publicidade era a Universidad del Salvador. Fui me inscrever, subi as escadas e vi a foto do Papa. E como eu era ateia militante, disse: “Fo-
Isso se vê bem nesta cena, perto do meio do filme, quando as crianças brincam,
da-se. Aqui não!”. Então, me matriculei em Comunicação Social na UBA, que era o
dançam, cantam em volta e em cima da cama onde está Mecha. Podemos ver
mais parecido. Havia algo interessante nesse momento ali, em 86. Era a abertura,
um afeto especial ali, que inclusive contrasta com o restante e, como especta-
o “alfonsinismo”. A coordenadora e esse curso faziam uma invenção radical para
dores, agradecemos àquilo porque nos distensiona bastante.
estudarmos o fenômeno da comunicação durante a ditadura, e como sair dela. Era
LM: É exatamente no meio. Me interessava que isso acontecesse nessa casa, su-
bem interessante naquele momento. Mas logo aconteceu o que tinha que aconte-
postamente a mais católica, a mais rigorosa, por ter toda uma instabilidade fa-
cer, que era o desastre, porque não tinha um perfil ideológico, uma base forte. E
miliar. Que esse momento de alegria se produzisse em um lugar mais enérgico e
então, o curso entrou em uma nebulosa — eu também entrei, e o deixei.
que o lugar mais seguro, ao contrário, fosse o do acidente. Essa coisa paradoxal é o que produz esse atordoamento diante da vida.
Há pouco, encontrei um colega de faculdade e ele me contou que está fazendo em Berlim um doutorado sobre o conceito de “desaparecido” na Argentina. E tem uma coisa interessante que aconteceu há alguns anos, em um concurso para
Você veio a Buenos Aires com o objetivo de estudar cinema? LM: Não, não tinha a menor ideia sobre o que eu queria fazer quando terminei o
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diretores estreantes. Um amigo que esteve no júri me contou que setenta por cento dos roteiros tratavam sobre desaparecidos. E eu sinto que em O Pântano, em
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Felicidades (Bender, 2000) e em muitos outros filmes argentinos recentes há algo sobre isso, algo que tem a ver, ainda que não seja debatido, com o ponto de vista político explícito típico dos anos 80. Uma densidade, um nó que claramente está presente, que tem a ver com isso e que está surgindo sozinho. Eu acho bom. Olha o meu caso: minha família é de classe média e por fora de política, e nos criaram por fora de toda essa questão política. E ainda assim surge. É verdade que isso acontece em vários longas e curtas. O tema é sentido, ainda que não seja citado; vê-se manifestar o que estava latente. LM: Sim, o medo por exemplo. O que sinto é que a coisa tem perdido sua carga política explícita e conjuntural e fica a carga dramática humana, o peso de tudo sobre a história, a culpabilidade, a não reparação… A ausência — porque todo mundo sente falta de um alguém, próximo ou não. Tudo isso tem uma presença muito forte no que estamos fazendo, e até te diria que é algo que me dá certa esperança. Porque senão é terrível. Se isso não se transforma numa carga coletiva, é terrível. O Pântano é terapêutico? LM: Eu sou zero profissional, não tem nada em mim que me permita fazer as coisas de maneira profissional. Isso me limita muito no terreno da sobrevivência. O que sinto de O Pântano, e que me dá um pouco de vergonha, é que pertence ao gênero “grito desesperado” e, nesse sentido, acho que é sim terapêutico. Acho que também aparece aí uma certa coisa reflexiva sobre a vida. Sinto que tenho que encontrar uma saída de ação, porque, digamos, eu mesma me sinto no pântano. Não sinto que eu esteja falando dos outros, não me sinto nada fora de tudo o que se vê no filme. E o grande esforço que estou fazendo agora, com o que estou escrevendo, creio que é para sair do pântano, literal e não literalmente. Sinto que a existência é muito complexa e não me parece simples. Acontece também que é a história de amor mais forte que tenho. Às vezes temos que jogar os pratos, bater a porta, e O Pântano está neste lugar. Porque outra opção é se jogar da janela e isso, como saída já acho menos saudável.
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6 A Mãe de Todas as Batalhas por
Mariano Llinás e Laura Citarella1
Non é una favola, e dagli spogliatoi escono i ragazzi, e siamo noi.2 Canção oficial da Copa do Mundo de Futebol de 1990, na Itália
1. Este é o relato do apaixonante processo de produção de Histórias Extraordinárias, com a explicação de todos os detalhes que costumam ser esquecidos, contados pelo seu diretor, Mariano Llinás, e por sua produtora, Laura Citarella 2. Não é uma fábula, e dos vestuários / saem os jogadores, e somos nós.
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Contar o processo de produção de Histórias Extraordinárias é, basicamente, narrar
ro consiste em uma série de abstrações: os lugares a que se refere são abstratos,
o desafio de uma guerra árdua e prolongada e, finalmente, de um descobrimento.
os personagens são meras ficções etc. É raro encontrar roteiros pensados para
Desde o princípio, quando o filme começou a vislumbrar-se como uma fatalidade
lugares ou atores específicos, ou seja, filmes concebidos a partir de imagens. Po-
(uma doce fatalidade, uma eufórica fatalidade) que em algum momento iria de-
demos dizer, então, que esse tipo de roteiro é uma soma de exigências, de neces-
purar-se sobre nossas vidas, pensamos nele como uma espécie de batalha final.
sidades, de problemas. No momento de começar a produção do filme, a forma de
Já fazia vários anos que nós do El Pampero Cine nos ocupávamos de experimentar
encarar esses problemas é a elaboração de um orçamento. Como tudo no roteiro é
no terreno da produção, de buscar caminhos que fizessem da arte do cinema algo
ilusório, esse orçamento é altíssimo; deve prever o custo máximo para cada coisa
mais acessível, mais humano, que se aproximasse mais da experiência hipotética
a que o roteiro faça referência.
de um artista do que da de um homem de negócios ou da de um político. É possí-
Para sermos claros: se o roteirista escreve “Carlos se senta e observa a paisa-
vel ser um artista e que nossa obra exija milhões: os arquitetos que construíram
gem. Ao longe, podem-se avistar dois motociclistas que fazem suas motos soa-
as pirâmides foram artistas, Michelangelo foi um artista, as batalhas de Griffith
rem estrondosamente”, a pessoa encarregada de elaborar o orçamento anotará,
e os edifícios de Lang são obras de artistas. O que não é possível é que exista uma
nas necessidades de produção, os motociclistas (que deverão ser extremamente
matéria artística cuja condição de viabilidade seja da ordem dos milhões, uma
qualificados, uma vez que deverão saber como pilotar suas motos) e seus as-
matéria artística que seja inconcebível sem que suas fontes estejam no horrendo
sombrosos veículos. Nem sonhará em pedir emprestadas duas motos: entrará em
mundo dos contratos e do dinheiro.
contato com o lugar que aluga veículos para filmagens e perguntará sobre o custo
Provar a nós mesmos que essa liberdade era possível (o que era equivalente a
do aluguel de duas (por via das dúvidas, três) motos, por uma (por via das dú-
provar que o cinema era possível) foi o nosso norte durante muitos anos. Dessa
vidas, duas) diárias de filmagem. Assim, essas onerosas motocicletas, das quais
busca, surgiram vários filmes completamente diferentes entre si, cujo único fio
o roteirista talvez nem se lembre, passarão a integrar, de forma secreta, porém
condutor era a presciência das formas habituais de produção. Pois bem: o objetivo
letal, esse orçamento impossível.
era que Histórias Extraordinárias fosse algo como a tacada final, um tipo de grande
A questão é que esse orçamento será, mais que o roteiro, a forma que o filme
movimento que lançasse por terra todos os preconceitos de uma classe cinema-
vai adquirir nos meses seguintes; a cifra hipotética que o definirá. Buscar os mi-
tográfica cega e falaciosa; um grupo de pessoas vagamente relacionada com o
lhões de euros que essa cifra exige será o que vai definir o filme durante anos. Se
cinema que insistia em negar que aquilo que fazíamos rotineiramente durante
alguém propõe incluir um ator caro, esse número vai se duplicar; quando o ator
muitos anos fosse algo recomendável ou sequer possível.
caro disser “não”, a cifra volta a baixar, mas nada modificará o orçamento inicial,
Para entendermos algumas definições, vamos esboçar um pouco a forma como
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totalmente distante da realidade.
funciona o sistema de produção, a fim de chamá-lo, de alguma maneira, de “in-
Esse sistema (que poderíamos chamar de “preventivo” e que se esgota na ima-
dustrial”. (Apressemo-nos a nos desfazer dos exemplos dos grandes estúdios da
gem clássica do carro na frente dos bois) se estende a todas as etapas de produção
Califórnia; deles nada sabemos, ninguém sabe nada de sua forma de fazer filmes.
do filme: a equipe de filmagem funcionará de forma estagnada; vai requerer seus
Concentremo-nos no modelo europeu, que é o que a imensa maioria das compa-
próprios assistentes e seu próprio orçamento. Como ninguém terá consciência
nhias cinematográficas sul-americanas imitam). Pois bem: antes de mais nada,
real do funcionamento desses departamentos, ninguém saberá quanto dinheiro
costuma haver um roteiro. Um projeto de filme concebido por um roteirista ou
está sendo gasto, nem se está sendo gasto de forma orgânica. O diretor, por sua
por um produtor, completamente alheio a qualquer ideia de produção. Esse rotei-
vez, será uma espécie de rei isolado e solitário, completamente alheio ao manejo
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financeiro do filme que tem em mãos: simplesmente pedirá coisas, e então seu exército de chefes e assistentes irá satisfazê-lo. Ninguém, salvo ele e seus dois ou três amigos no set, saberá de verdade o que se está filmando e o que é necessário ou não. Todo o conjunto se moverá como um exército desajeitado, como uma máquina pouco funcional e contrafeita, como esses alambiques insanos em que se destilava licor nos tempos da lei seca. Diga-nos a verdade: oh, homem ou mulher do cinema que alguma vez tenha sido assistente de arte ou de produção, não é real o que estamos dizendo? Você já não passou noites em claro por algo que figurava em sua lista de obrigações, algo que demorou para conseguir, te mantendo em uma agonia silenciosa durante semanas, e, quando finalmente conseguiu e o levou ao set, como um guerreiro que voltou da terra santa com o santo graal, recebeu do seu rei um olhar indiferente, um silêncio de incompreensão e de distância, e você viu o seu graal se perder, quase invisível, no fundo do quadro, em um ângulo lateral, submergindo na noite dos tempos pela escassa profundidade de campo? Pois bem, homem ou mulher do cinema, eis aí o seu profissionalismo! Eis aí a sua indústria! Foi a tudo isso que decidimos nos opor ao longo de todos esses anos. No entanto, a crítica era sempre a mesma: está muito bom, tem seu mérito, mas só serve para alguns filmes. Se quiser fazer cinema de verdade, as coisas são diferentes. Pois bem: o objetivo com Histórias Extraordinárias foi produzir um objeto que superasse qualquer expectativa e qualquer horizonte. Que fizesse com que esses comentários condescendentes fossem impossíveis, inoportunos. Um filme infinitamente mais complicado que os que costumam ser produzidos pela indústria (e com os quais se costuma justificar os seus milhões), mas que custou uma décima parte do mais simples de todos eles. Essa era a nossa meta: contrariar a todos, mostrar que tudo era mentira, fazer uma façanha que recuperasse (ainda que somente para nós) o sabor distante da aventura e da épica. Este foi o desafio. Depois veio a guerra.
A análise técnica Antes de tudo, devemos esclarecer que o filme representava um desafio, e não apenas por razões inerentes à realização em si, senão também porque a estrutura do trabalho era maior do que a dos outros filmes anteriores do El Pampero Cine e, portanto, se tratava de algo novo. Para dar um exemplo, quando fizemos a primeira análise técnica do roteiro — que tinha 110 páginas — , nos deparamos com uma média de 70 atores, a quantidade de locações a filmar era aproximadamente 60, as diárias de filmagem somavam cerca de 10 semanas e a quantidade de viagens a fazer era, por assim dizer, elipticamente, cem. Entre as complicações de produção (existia uma seção que provisoriamente chamamos de “problemas sem solução”) figurava uma arlequinesca série de exigências: leões, viagens para a África, cenas ambientadas na Segunda Guerra Mundial, monolitos que explodiam em curvas remotas do Rio Salado, longas sequências náuticas filmadas de um barco para o outro, muitas viagens, uma inundação e dois (não um, dois!) incêndios. Por outro lado, havia um imenso trabalho de arte pela frente. Era necessário um barco com cara de tubarão que pudesse percorrer o rio, se adaptando aos seus níveis altos e baixos. Havia milhares e milhares de cartas, fotos, documentos e papéis para desenhar, laboratórios satânicos cheios de bombonas de éter, caixas chegadas do Congo contendo (ou que tivessem contido) animais selvagens. Finalmente, era imprescindível percorrer (como se fosse a Lola Gallo do filme) a incomensurável província de Buenos Aires, de um lado para o outro, mais de cem vezes. Essa era a situação. Desde o princípio, compreendemos que a única opção diante de tamanho monstro era não nos prostramos, por mais imponente que fosse a sua figura, e enfrentá-lo com os meios que tínhamos ao nosso alcance — como se se tratasse de uma série de pequenos filmes, cada um com seus problemas particulares. Cada sequência seria filmada em uma cidade diferente; isto, que de antemão pode parecer complicado, era, por outro lado, a maneira perfeita de pulverizar a ameaça homogênea que o roteiro representava. Não se podia fazer uma filmagem corrida. Tinha de haver pausas para reforço. Essa, sem dúvidas, foi uma das chaves para
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que a produção corresse bem: a filmagem dispersa e pausada, com tempo para
res do set. Nossa filmagem foi sustentada por uma equipe de, em média, quatro
refletir sobre o que foi feito e compreender os erros. Vários dos melhores filmes
pessoas, além dos atores. Uma vez chegamos a ser dez. Nunca fomos mais de dez.
argentinos da última década (desde Mundo Grua até El Hombre Robado) foram fei-
O exemplo mais extremo disso foi no Hotel Azul, quando chegamos a ser apenas
tos dessa forma.
duas pessoas da equipe técnica (o cinegrafista e o ator/diretor, os dois sozinhos, os únicos que se ocupavam do filme em toda a cidade). Nesse esquema então,
A equipe técnica Em meio a tudo isto, um dos objetivos principais da produção era que as pessoas envolvidas cobrassem o necessário para não precisarem procurar outros trabalhos por fora. Até o momento, tínhamos trabalhado sempre em cooperativa, ou acertando sobre o dinheiro que entrasse após a estréia do filme. Dessa vez, a exigência incluía repartir o dinheiro durante o processo de produção. Obviamente, nunca pudemos igualar as cifras da indústria, mas se pode dizer que o dinheiro que cada um recebia era digno e admissível. Falamos aqui de repartir o dinheiro, e não de salários: “salário” é aquilo que se paga a um empregado, a alguém que realiza uma tarefa determinada para o patrão. Ninguém no El Pampero Cine nunca foi patrão de ninguém, somos apenas um grupo de pessoas que trabalha por um objetivo comum, e que divide o dinheiro ganho de acordo com as suas
o tradicional modo de trabalho do cinema mudava para uma organização onde todo mundo fazia um pouco de tudo. A diretora de arte, claramente se ocupava da arte, o foquista, quando havia um, fazia o foco, mas também ia comprar garrafas d’água quando estava ocioso, ou ajudava quem estivesse na produção a resolver algum problema. Jamais ocorreu o diálogo cacarejado que ouvimos em todas as filmagens: “O pessoal da produção deveria ter conseguido isso” ou “Eu não tenho nada a ver com isso, pergunta para o cinegrafista”. Ao sermos cinco, essa mesquinha divisão gremial desaparece, e é substituída por um esquema natural comunitário: o diretor atua e pinta as locações com a diretora de arte, o técnico de som segura o isopor nas cenas mudas, os atores empurram a caminhonete e compram os seus próprios cigarros.
O financiamento
responsabilidades e seu trabalho em relação ao filme. Todos os que trabalharam ali sentiam o filme como algo próprio (às vezes como algo hostil, pelo qual se so-
O filme foi financiado por uma coprodução com um canal de televisão a cabo, I-
fria, como algo que os obrigava a estar numa manhã fria de inverno nas serras de
Sat. O I-Sat fez um investimento de US$30.000 em troca da pré-venda definitiva
Tandil, longe do calor de suas esposas ou mães), mas jamais como se prestassem
e de uma porcentagem dos ganhos das vendas para televisão por doze anos. Além
um favor para o projeto de outrem. Nesse sentido, o filme era hospitaleiro, era
disso, o filme teve um subsídio do Instituto Cultural de la Provincia de Buenos Aires,
fácil se sentir parte da sua sinergia e do seu alvoroçado movimento.
depois de ter sido declarado de interesse especial. Esse aporte foi de cerca de
Como poderia se imaginar, esta concepção (para nomeá-la de um modo quase
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US$10.000 (equivalente a US$3.000 hoje).
paródico) “socialista” do trabalho cinematográfico tinha como condição absoluta
Por outro lado, o filme teve uma série de investidores “simbólicos”, que con-
de possibilidade uma equipe reduzida e com papéis flexíveis. Eliminar o esquema
tribuíram não com dinheiro, mas em questões materiais. A Universidad del Cine, o
de departamentos (o departamento de arte, o de fotografia, com seu séquito de
principal deles, colaborou com aproximadamente 70 mini DVs e algumas diárias
técnicos assistentes) e substituí-lo por uma conformação ágil, onde se otimizasse
de equipes de iluminação e som, além da imprescindível pós-produção para de-
(com as devidas desculpas por essa palavra horrorosa) a presença de cada um que
senho de trilha sonora e mixagem de som. Os municípios da província de Buenos
estivesse na filmagem. Não queríamos estranhos tomando mates pelos corredo-
Aires cooperaram com algumas hospedagens, comida e — apenas excepcional-
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mente — com o transporte. As equipes de câmera, de edição e alguns de som
Quer dizer, não houve um “cartel” que controlasse os pagamentos. À medida que o
eram da El Pampero Cine. O músico Gabriel Chwojnic emprestou suas equipes de
filme ficava sem dinheiro, se faziam ajustes quanto aos pagamentos, mas isso não
som, incluindo a cabine de gravação para algumas dublagens e para a música fi-
aconteceu antes de chegarmos a rodar 70% da filmagem. Para nós, o tratamento
nal. Além do mais, também tínhamos os amigos. Muitos deles emprestaram suas
com os atores foi prioritário; era necessário para nós acertarmos um precedente
casas, seus carros, suas famílias, seus escritório e sua boa vontade. Esse dado
nesse sentido, dado que nós nos dispusemos a trabalhar com pessoas com pouca
(que não parece ser muito sério), não obstante, não é menor, e não é arriscado
ou nenhuma experiência cinematográfica. A relação humilhante que a indústria do
dizer que a esses colaboradores anônimos devemos 30% do orçamento real do
cinema estabelece com seus atores (começando pelos castings, verdadeiras seleções
filme, orçamento esse nunca calculado, cujos valores reais nunca saberemos.
de pessoal onde os atores esperam horas e horas para fazer macacadas, aspirando a
Com os US$30.000 do I-Sat foi feita a pré-produção e 70% da filmagem. Era
míseros papéis que desconhecem até a hora de filmar) era, para nós, um dos gran-
uma filmagem muito complicada já que, como foi dito, envolvia muitas viagens.
des erros a modificar. O filme pretendia recuperar a experiência do teatro indepen-
As colaborações dos governos municipais ou de algumas instituições privadas
dente (do qual provinha a imensa maioria dos atores envolvidos), incorporando-os
foram essenciais para o filme. Muitos prestavam sua colaboração desinteressa-
de maneira ativa ao processo de produção. Trabalhava-se muito junto a eles; eles
da, simplesmente por afinidade com o filme. Essa rede de contatos se deu quase
eram companheiros, e a antipatia tradicional entre a equipe técnica e a equipe ar-
como um efeito dominó de um município para o outro. O fato de nossa estrutura
tística não existiu mais, senão apenas como pretexto para piadas de duplo sentido
de trabalho ser tão pequena em relação a outras coisas que já se havia tentado na
e de uma série inesgotável de trocadilhos sacanas.
província, facilitava muito nossa produção. É difícil pensar que se tivéssemos sido
Também tivemos colaboradores cujos cachês dentro da indústria teriam sido
uma equipe de filmagem tradicional, as instituições teriam se comportado com
impossíveis para nós. Essas aparições incluem os narradores, alguns fotógrafos,
a mesma generosidade. Nossa filmagem era quase secreta, se integrava automa-
artistas, músicos e técnicos de imenso prestígio (Daniel Hendler, Juan Minu-
ticamente com as comunidades, desprovida da horrenda característica invasiva
jín, Pablo Dacal, Nacho Rodríguez, Jano Seitun y Faca Flores, os artistas do Gru-
própria das grandes produções. Essa característica artesanal, oposta aos grandes
po Mondongo, os fotógrafos Bonelli, Mohadeb y Apezteguia etc.), que sentiram
e incômodos movimentos de caminhões e pessoas, se fez notar em cada povoado,
afinidade pelo projeto desde o início e participaram sem cobrar nada além da
como o elemento que havia reconciliado a comunidade com o cinema, depois de
promessa de alguns presentinhos simbólicos que, é justo reconhecer, nunca che-
terem passado por experiências traumáticas com a indústria, a publicidade e a
garam a receber. Esse é outro ponto importante para o filme: o intercâmbio com
televisão. Todo mundo, em todos os lugares, virou nosso amigo.
outras áreas e com outras artes. Trabalhar com os companheiros que estão realizando tarefas que reconhecemos com afins à nossa, sem que isso tenha que estar
Os atores
mediado pela abjeta negociação de bônus e recompensas. Somos colegas, irmãos, e estaremos dispostos a ajudar quando for preciso.
No caso dos atores, todos os atores profissionais que trabalharam cobraram um salário básico de $300 por dia. À medida que iam somando-se os dias, se fazia uma média ou uma espécie de “pacote” por todo o trabalho. A divisão do dinheiro foi democrática, e não houve diferenças quanto ao montante que cobrou cada um.
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O descobrimento Pois bem. Essa crônica do filme poderia continuar por páginas e páginas. Poderíamos detalhar como foram feitas as cenas da Segunda Guerra Mundial em apenas um dia, ou nossa aventura africana, que terminou com um autêntico brinde pelo fim das filmagens em um restaurante remoto em Moçambique. Como o próprio filme, a enumeração de histórias que ele envolve é infinita, e com cada uma dela poderíamos produzir artigos como este. Talvez (assim esperamos) essa sucessão de pequenas façanhas viva secretamente no filme e o constitua tanto quanto seus argumentos e suas imagens. Tomara que sim. Tomara que seja certa a ideia de que a forma de produzir um filme fique impressa em cada um de seus fotogramas, como uma música de fundo. No que nos diz respeito, é justo dizer que a experiência de Histórias Extraordinárias nos devolveu a fé no cinema como um campo infinito, como um veículo para dar conta do mundo sem mais ferramentas que o olho de uma câmera. Esse é o nosso descobrimento final: essa atividade nobre e vital, agora sabemos, ainda é possível. O mundo, agora sabemos, está esperando.
Março de 2009 link do texto original: https://books.google.com.br/books?id=J83mPZVZ6mAC&pg=PA163&lpg=PA163&dq=No+es+posible+que+exista+una+disciplina+art%C3%ADstica+cuya+condici%C3%B3n+de+posibilidad+sean+los+millones&source=bl&ots=nbVwS7wv81&sig=cuL606hwipJNDr1pr4mH3dOwTNU&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwjNlOyHppneAhWOjFkKHdB5BAwQ6AEwAXoECAkQAQ#v=onepage&q=No%20es%20posible%20que%20 exista%20una%20disciplina%20art%C3%ADstica%20cuya%20condici%C3%B3n%20 de%20posibilidad%20sean%20los%20millones&f=false
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RAPADO (Rapado)
O PÂNTANO (La Ciénaga)
Martín Rejtman | 1992 75’ 12 anos
Lucrecia Martel | 2001
O filme conta a história de Lucio, um adolescente cuja motocicleta, dinheiro
A vida de duas mulheres e de suas famílias na província de Salta, no norte
e tênis são roubados. Ele decide, então, roubar para si outra motocicleta.
da Argentina. Em meio a um calor insuportável, esses dois grupos de pes-
103’ 14 anos
soas viverão entrelaçados com seus problemas e descobertas. LÁBIOS DE CHURRASCO (Labios de Churrasco) Raúl Perrone | 1994
62’
14 anos
BOLÍVIA (Bolivia)
Três garotos, filhos do subúrbio, da rua e da depressão econômica, peram-
Adrián Caetano | 2002 72’ 14 anos
bulam por um pequeno mundo onde a delinquência, a incompreensão e a
Três dias na vida de Freddy, um imigrante boliviano que trabalha ilegal-
solidão são companheiros permanentes.
mente como cozinheiro em um pequeno restaurante em Buenos Aires.
PICADO FINO (Picado Fino)
HISTÓRIAS MÍNIMAS (Historias Mínimas)
Esteban Sapir | 1995
Carlos Sorín | 2002 87’
77’ 14 anos
Livre
Um jovem que vive no subúrbio de Buenos Aires fica sabendo que sua na-
Diferentes histórias de personagens de um mesmo povoado: uma jovem que
morada está grávida, se torna amante de outra jovem e tenta encontrar uma
ganha um prêmio de um programa de TV, um idoso que procura seu cão
saída rápida para seus problemas.
fugitivo e um homem que busca a decoração de bolo ideal para dar ao filho de uma ex-cliente.
PIZZA, CERVEJA E BASEADO (Pizza, Birra y Faso) Bruno Stagnaro, Adrián Caetano | 1998
78’
16 anos
UMA NOIVA ERRANTE (Una Novia Errante)
Cinco garotos tentam sobreviver a qualquer custo nas ruas de Buenos Aires.
Ana Katz | 2006 85’
A namorada de Cordobés está grávida, mas ele só quer gastar dinheiro com
Inés e Miguel discutem em um ônibus de viagem, a caminho de Mar de las
bebida, pizza e cigarro.
Pampas. Ao descer sem a companhia do noivo, entre ficar no balneário e vol-
12 anos
tar a Buenos Aires, Inés não faz nenhuma das duas coisas – ou faz ambas. MUNDO GRUA (Mundo Grúa) Pablo Trapero | 1999
89’ Livre
HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS (Historias Extraordinarias)
Rulo, um ex-baixista de 50 anos que se tornou operador de grua, vive às
Mariano Llinás | 2008
voltas com suas decepções. Divorciado e com um filho adolescente para cui-
A história de X, de H e de Y, três homens comuns cujas vidas serão modifi-
dar, ele vai ter que lutar para combater a ameaça do desemprego na com-
cadas por diferentes acasos, os quais, por sua vez, gerarão novas histórias.
253’ 14 anos
plicada Argentina da década de 1990.
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LA SALADA (La Salada)
ANA E OS OUTROS (Ana y los Otros)
Juan Martín Hsu |2014 91’ 14 anos
Celina Murga | 2003
Durante a semana, milhares de pessoas migram para a periferia de Buenos
80’ 12 anos
Ana, vinte e poucos anos, volta depois de muito tempo a Paraná, sua cida-
Aires para comprar mercadorias em La Salada, o maior mercado informal
de natal. Lá, ela encontra antigos amigos, faz novos, e passa a repensar sua
da América do Sul. O lugar serve de cenário para um mosaico de persona-
vida, e também seu futuro
gens que se cruzam entre seus corredores. VIVA OS CROTOS! (¡Que vivan los Crotos!) ALANIS (Alanis) Anahí Berneri | 2017
Ana Poliak | 1995 83’ 16 anos
75’ 14 anos
Um imigrante trabalha para a empresa ferroviária argentina. Sendo uma
Alanis, uma jovem prostituta, vive em um confortável apartamento com
testemunha da história da terra da prata neste século, o filme também é um
seu filho Dante e uma antiga colega de trabalho, que a ajuda com o bebê
atalho das mudanças na Argentina durante os últimos 100 anos.
enquanto ela atende seus clientes. Quando dois policiais invadem o local se passando por clientes, sua colega é presa, e Alanis se vê vivendo na rua, sem ter sequer uma fralda para Dante. APENAS PARA FUMANTES (Vagón Fumador) Verónica Chen | 2001
91’ 16 anos
Uma mulher suicida e um garoto de programa se encontram ao acaso em um caixa rápido e iniciam um relacionamento. LAS ACACIAS (Las Acacias) Pablo Giorgelli | 2011
96’
12 anos
Rubén é um solitário motorista de caminhão que transporta madeira e faz, há anos, o trajeto de Assunção, no Paraguai, até Buenos Aires, na Argentina. Mas sua viagem será um pouco diferente desta vez. Ele deve dar carona, a pedido de seu patrão, para a paraguaia Jacinta e sua bebê, Anahí. SÁBADO (Sabado) Juan Villegas | 2002
68’
14 anos
Um sábado a mais em uma Buenos Aires desolada e irreconhecível. Seis jovens tentam evitar a solidão, alterando suas rotinas. Buscam, sem êxito, algo que produza alguma sensação diferente e que lhes devolva sentido.
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Realização Lúdica Produções Curadoria Thiago Ortman Coordenação e Produção Diogo Cavour e Paula Goulart Assistência de produção Laura Batitucci
Palestrantes Lucas Paraizo, Maria Celina Ibazeta, Mariana Dias, Tamires Alves
Agradecimento especial Natalia Christofoletti Barrenha
Masterclass Flávio Kactuz, Hernani Heffner
Agradecimentos Alice Cavour, Ary Freitas, Carlos Escaleno, Carlos Müller, Celina Wolffett, Claudia Freitas, Cynthia Jacquet, Dalva Desirée Climent, Eduardo Cantarino, Fabián Núñez, Fernando Martín Peña, Flora Bezerra, Fred Benevides, Juan Martin Hsu, Julia Dias, Lúcio Cavour, Marcio Ortman, Matias Blanco, Nina Tedesco, Pedro Henrique Ferreira, Rafael Sánchez, Regina Ortman, Talita Spesse e Victor Guimarães.
Sessão comentada Luiza Lusvarghi Gráfica Colibri
Identidade visual e design gráfico Flávia Trizotto CATÁLOGO Website Paula Goulart Assessoria de imprensa Alexandre Aquino Coordenação de mídias sociais Gabriela Moscardini Revisão Natalia Francis Vinheta Thiago Ortman Courier Cynthia Jacquet, Matias Blanco, Talita Spesse Tradução de legendas Jasmin Sánchez, Leonardo Villa-Forte, Natalia Francis, Daniel Maggi
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Coordenação editorial Diogo Cavour e Paula Goulart Organização Thiago Ortman Identidade visual Flávia Trizotto Textos Andrea Molfetta, Alejandro Ricagno, Cecilia Nuria Gil Mariño, Ezequiel Luka, Fernando Peña, Laura Citarella, Malena Verardi, Mariano Llinás, Paula Félix-Didier, Quintín Tradução de textos Jasmin Sánchez, Talita Spesse, Thiago Ortman Revisão Natalia Francis
“A organização da mostra lamenta profundamente se, apesar de nossos esforços, porventura houve omissões sem intenção na listagem anterior. Comprometemo-nos a reparar tais incidentes em caso de novas edições.”
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ISBN: 978-85-93732-05-8 91
Alvará de Funcionamento da CAIXA Cultural RJ: nº 041667, de 31/03/2009, sem vencimento. | Distribuição gratuita. Venda proibida.
Cuidar, guardar, preservar o meio ambiente: responsabilidade de todos.