Revista Mangalarga - Agosto de 2020

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AGOSTO

2020

R$15,00

REVISTA OFICIAL

Travessia dos Andes Maior epopeia da histรณria da raรงa completa 35 anos

Mangalarga: O cavalo bom de trabalho



Índice

Abertura 4 8

Palavra do Presidente Apresentação da Capa

Matéria da Capa 10

Travessia da América do Sul

Panorama Mangalarga 16 20 24 30 34 37 38 41 42 43 44

Mangalarga, bom na lida Casca Grossa Rosilhos em destaque Salto de Qualidade............. Trio de Talento Momento de Emoção Resgate Genético Cidade Alerta ABCCRM em luto Amigos do Bem Apresentadores em foco

Lazer & Cultura 45 46 50

Hans Haudenschild O poeta do Mangalarga Cavalgadas e Tradições

A voz do criador 52

Eu sou o Mangalarga do Brasil

Mercado & Finanças 54 55

Leilão Obras Primas Leilão Tingui

Espaço Técnico 56 59 64 66

Projeto de Biomecânica Genética das Pelagens - Parte 3 Poeirão Saúde Digestiva

Painel de Negócios 69 70

Fidelidade Mangalarga Espaço Empresarial

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIADORES DE CAVALOS DA RAÇA MANGALARGA Rua Monte Alegre, 61 - cjto 111 - Perdizes São Paulo - SP - CEP 05014-000 Telefone: (11) 3677-9866 DIRETORIA EXECUTIVA - TRIÊNIO 2018/2020 Diretor Presidente Luis Augusto de Camargo Opice Vice-Presidente Administrativo Financeiro Nelson Antonio Braido Vice-Presidente Técnico Hamilton de França Leite Vice-Presidente de Fomento Alexandre de Oliveira Ribeiro DIRETORIA ADJUNTA - TRIÊNIO 2018/2020 Diretor Adjunto Danton Guttemberg de Andrade Filho Diretora Adjunta de Esportes Camila Glycerio de Freitas Diretores Adjuntos de Exposição Carlos Cesar Perez Iembo Guilherme Pompeu Piza Saad Diretor Adjunto Financeiro Eduardo Rabinovich Diretores Adjuntos de Fomento Felipe Angelin Luís Fernando Sianga Pedro Luiz Suarez Castedo Youssef Haddad Diretores Adjuntos Jurídicos Cristiano Rêgo Benzota de Carvalho Renato Tardioli Lucio de Lima Diretores Adjuntos de Marketing João Luis Ribeiro Frugis Jorge Eduardo Beira Luiz Gustavo Alves Esteves Renata Sari Rodrigo Pedrosa Sampaio Novais Diretor Adjunto de Núcleos Cauê Costa Hueso Diretores Adjuntos de Pelagem Alberto Veiga Junior Leandro Pasqualini de Carvalho Diretores Adjuntos Técnicos Alessandro Moreira Procópio João Paulo Fogaça de Almeida Fagundes CONSELHO SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO - TRIÊNIO 2018/2020 Membros Eleitos Eduardo Figueiredo Augusto Emiliano Abraão Sampaio Novais Fernando Tardioli Lúcio de Lima Pedro Salla Ramos Filho Silvio Torquato Junqueira Membros Efetivos Célio Ashcar Celso Galetti Montalvão Clodoaldo Antonângelo Élio Sacco Felippe de Paula Cavalcanti de Albuquerque Lacerda Filho Flávio Diniz Junqueira Francisco Marcolino Diniz Junqueira Ivan Antônio Aidar Luiz Eduardo Batalha Mário A. Barbosa Neto Renato Diniz Junqueira Sergio Luiz Dobarrio de Paiva CONSELHO DELIBERATIVO TÉCNICO - TRIÊNIO 2018/2020 Técnicos Alcides Moraes Sampaio Filho Geraldo Santos Castro Neto João Batista da Silva de Quadros João Pacheco Galvão de França Filho João Tolesano Junior Marcos Sampaio de Almeida Prado Paulo Lenzi Souza Leite Criadores Dirk Helge Kalitzki Roberto Antonio Trevisan Rodnei Pereira Leme Rogério Camara Nigro Roque Carlos Noqueira Representante MAPA Karen Regina Perez SERVIÇO DE REGISTRO GENEALÓGICO - STUD BOOK Superintendente do Serviço de Registro Genealógico Henrique Fonseca Moraes Junior

Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Palavra do Presidente

A PANDEMIA, O MANGALARGA E O FUTURO

P

or mais que queiramos normalizar nossas vidas e hábitos em função da liberação das atividades econômicas e sociais, parece que os efeitos da pandemia na saúde pública terão sequelas duradouras e, até mesmo, definitivas em nossas vidas. Sociólogos, economistas, psicanalistas, pensadores e acadêmicos em geral têm se dedicado à análise dessa grande crise mundial na saúde pública , para tentar decifrar os possíveis efeitos, que estamos sofrendo, para classificálos em temporários, duradouros e ou definitivos. Um desses efeitos, que espero seja definitivo, é a conscientização sobre a necessidade e importância de termos mais contato com o meio rural, com a “roça”, como se dizia no século passado, proporcionando, principalmente aos filhos e netos, a presença junto à natureza, aos animais, dandolhes uma vida mais simples e muito melhor em termos de qualidade e segurança. Bem, esse efeito positivo já vem sendo sentido no mercado de equinos. Tenho recebido muitas informações sobre o aquecimento das vendas de animais para usuários e pessoas que retomaram maior contato com o meio rural nesses seis meses de distanciamento social, que muitos estão cumprindo em suas propriedades rurais ou cidades do interior. Nós, criadores de cavalos da Raça Mangalarga, precisamos compreender esse momento para estarmos mais preparados para nos aproximar e atender a esse

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importantíssimo mercado, criando animais adequados ao tipo de função que esse novo consumidor pretende, qual seja o de utilizar o cavalo para passeios, cavalgadas com as esposas, filhos, netos e amigos. Não devemos querer transformar, logo de início, esses novos entrantes na Raça Mangalarga em criadores e expositores. Precisamos, primeiro, atendê-los na finalidade básica e inicial para a qual estão adquirindo nossos cavalos, que vem a ser o uso de um animal dócil, de boa marcha e bonito. Mantendo um serviço de pósvenda pró-ativo e permanente, quem sabe poderemos ajudar essas pessoas a criar o gosto pela criação e participação nos nossos eventos oficiais. O serviço pró-ativo de pósvenda tem que começar estimulando o novo usuário a participar do Programa Venha Ser Mangalarga e das Mangalargadas. No Programa Venha Ser Mangalarga, os novos usuários recebem todas as informações básicas sobre a Raça Mangalarga, sua história, caracterização racial e as próprias atividades da ABCCRM. Nas Mangalargadas eles poderão ter contato com animais de diversos padrões e começar a se familiarizar com o ambiente saudável e gostoso da família Mangalarga. Por outro lado, temos notado um efeito negativo advindo da crise de saúde pública que estamos vivendo. A inadimplência vem aumentando consideravelmente,

o que nos faz ter que repensar a forma de administrar e manter as atividades da nossa Associação. Informatizar para facilitar todas as transações que os Associados precisem fazer na comunicação de coberturas, préregistros, registros definitivos, pagamentos, transferências de animais, movimentação de plantel, e outras previstas no Serviço de Registro Genealógico, deixou de ser uma facilidade a ser oferecida aos Associados, mas, sim, uma ferramenta obrigatória para reduzir os custos para os Associados e evitar deslocamentos desnecessários. Para que todo o investimento já feito no desenvolvimento do “Stud Book On Line”, possibilitando que todas as transações, junto ao SRG, passassem a ser feitas via o seu celular, tablet ou computador, possam viger, na sua plenitude e oferecer a tão necessária redução de custos para o Associado da ABCCRM, o novo CDT, a ser eleito em dezembro próximo, deverá debruçar-se sobre esse importante assunto e dar uma resposta efetiva em benefício dos Associados que os elegerão. Os efeitos negativos da pandemia poderão comprometer a sanidade financeira da Associação para os próximos anos, interrompendo um ciclo de investimentos, iniciados na nossa Gestão, e que são fundamentais para a divulgação e marketing da Raça Mangalarga. Para tentar ajudar e colaborar com as dificuldades financeiras que assolam o País e,


Palavra do Presidente consequentemente, a todos os Associados, lançamos uma campanha para regularização de débitos associativos e de plantel vencidos desde janeiro de 2020 até o presente momento, com isenção total de multas e juros, para pagamento à vista ou em até três vezes no cartão de crédito. Para enfrentar esses tempos difíceis, que já podemos sentir no presente e enxergar no radar do futuro, será preciso, mais do que nunca, a União entre os Associados, para que possamos ter metas e objetivos comuns e solidariedade na busca dos recursos necessários à manutenção e ao desenvolvimento da Associação. Mais do nunca é hora dos Criadores e Proprietários Associados assumirem suas responsabilidades pelo destino da Raça e da nossa Associação, pois ambas são nossas e não, apenas, daqueles que nos prestam serviços. Retomamos, finalmente, nossas Exposições com a realização da Exposição Regional de Jacareí (SP), muito bem organizada pelo Núcleo Mangalarga do Vale do Paraíba. Todos os cuidados com a saúde dos que lá foram trabalhar foram tomados, seguindo-se um rígido protocolo de comportamento e cautela. Nossa Exposição de Jacareí foi vistoriada pelas autoridades municipais de saúde pública e recebeu elogios por todos os procedimentos adotados visando os cuidados com a saúde dos presentes, desde sua chegada ao local até a forma de distanciamento no recinto. Parabéns ao Felipe Angelin e aos demais Diretores do Núcleo Mangalarga do Vale do Paraíba! Teremos, de 10 a 13 de setembro, com a iniciativa e organização do Núcleo Mangalarga de Amparo, uma Exposição Regional e a primeira prova da Copa de Marcha

e de Função, no Hipocampo, em Amparo (SP), com recursos oriundos do projeto, que a nossa Gestão conseguiu aprovar, com base na Lei Paulista de Incentivo aos Esportes, perante a Secretaria Estadual de Esportes, e com o patrocínio integral da COBASI, graças ao entusiasmo e apoio do meu amigo e criador Ricardo Urbano. Na segunda quinzena de setembro deveremos realizar, na Hípica de Tatuí, em Tatuí (SP), uma outra Exposição e a segunda prova da Copa de Marcha e de Função, que está sendo organizada pelo Núcleo Mangalarga da Região Oeste do Estado de São Paulo. O Núcleo Mangalarga da Serra da Mantiqueira está requerendo perante a Prefeitura Municipal de São João da Boa Vista (SP) autorização para promover mais uma Exposição e nova prova de Marcha e Função Cobasi. Com essas atividades teremos condições de apresentar nossos animais selecionados para competir em 2020 e, de certa forma, ajudá-los na sua preparação para a Exposição Nacional que iremos realizar de 18 a 28 de novembro deste ano, em local a ser anunciado a depender das condições sanitárias dos possíveis locais que podem receber nossa festa maior. Quero registrar e agradecer as iniciativas dos Haras AEJ, F1, Espinhaço, Malagueta na promoção de encontros, lives e leilões, contribuindo para a divulgação da Raça Mangalarga nesses tempos difíceis. Gostaria de registrar e dar boas vindas ao mais novo Núcleo da Raça Mangalarga, o Núcleo Raiz de Minas, parabenizando na pessoa do seu primeiro Presidente, o Criador e amigo Rilton Romano, todos os criadores e amigos fundadores. Lembro-me da visita que fiz, no ano passado, ao criador Samuel Pereira, em Elói Mendes (MG).

Nesta ocasião lá estavam mais de 30 criadores e usuários da Raça Mangalarga e a semente desse novo Núcleo, plantada naquele encontro, em pouco tempo já se tornou mais uma árvore da nossa floresta Mangalarga! São ações como esta acima mencionada que a Raça e a nossa Associação precisam. União com efetiva participação! Parabéns a todos vocês do Núcleo Raiz de Minas. Chamo também a atenção de todos vocês para o teor do artigo muito bem escrito pela criadora Dra. Renata Sari, nossa colega de Diretoria da ABCCRM, publicado na seção denominada “A voz do criador” desta edição da Revista Mangalarga. No meu discurso de posse proferido no dia 02 de janeiro de 2018, me referi a essa importante questão sobre nossa identidade enquanto Raça. Mineira de nascimento, Paulista de criação e desenvolvimento, mas acima de tudo uma Raça brasileira que tem que ser reconhecida como Mangalarga do Brasil! Para encerrar, quero deixar consignado, em meu nome e de toda a Diretoria, os meus sinceros sentimentos à família da Vanessa Fabiano, nossa Secretária Geral da Associação, que nos deixou vítima do Covid-19. A Vanessa, no breve tempo que trabalhou na Entidade, só amealhou amigos entre seus colegas de trabalho e o respeito e consideração por parte da Diretoria pela sua competência e dedicação. Abraços,

Luis Opice Presidente da ABCCRMangalarga Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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REVISTA OFICIAL

Travessia dos Andes

MAIO

2020

R$15,00

A Travessia dos Andes Maior epopeia da história da raça completa 35 anos

capa desta edição traz um bonito registro da Travessia dos Andes, a incrível cavalgada pela América do Sul realizada pelos pesquisadores franceses Stèphane Bigo e Michèle Corson, com os Mangalargas Urutau de N.H. e Iamani SP1, ao longo de doze meses e dezessete dias, entre os anos de 1984 e 1985.

Pertencente ao acervo do pesquisador, a foto que ilustra a capa resume bem os muitos desafios enfrentados pelo grupo ao longo dos 8.500 quilômetros de viagem, exibindo o momento em que Stèphane e Urutau superaram um dos obstáculos mais arriscados do trajeto, a travessia de uma precária ponte dos Andes bolivianos.

Mangalarga: O cavalo bom de trabalho

Qualidades em destaque

REVISTA MANGALARGA Edição e Redação Pedro Camargo Rebouças (MTB 31427) pereboucas@hotmail.com Representante Comercial Beto Falcão betofotografia@gmail.com Desenho Gráfico Daniel Bertti daniel.bertti@bertti.com.br Departamento de Marketing Sara Feliciano sara.feliciano@abccrm.com.br Departamento de Exposição Francisco Bezerra francisco.bezerra@abccrm.com.br Lucas Diniz lucas.diniz@abccrm.com.br

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s próximas páginas apresentam ao leitor um rico painel das variadas qualidades do Cavalo de Sela Brasileiro. Esse panorama tem início com a matéria sobre a histórica Travessia dos Andes, aventura que comprovou a rusticidade e resistência da raça, e prossegue por meio das reportagens que destacam a aptidão da raça para o trabalho na fazenda e para as disputas de salto e hipismo rural.

um pouco mais sobre a pelagem rosilha, que vem despertando crescente interesse e ressurgindo com força na raça. Isso sem falar na bela poesia de João Bagaiolo, que está em destaque nesta edição e cuja inspiração provém dos cavalos, criadores e criatórios com os quais o poeta tem convivido ao longo de anos de dedicação e de muita paixão pelo Mangalarga.

O apaixonado pela raça poderá, além disso, conferir interessantes matérias técnicas e conhecer

Boa leitura e um forte abraço,

Equipe Mangalarga



Matéria de Capa

Stèphane Bigo e Urutau, seguidos pelo burro Lampari, cavalgam pelo altiplano andino a 4.800 metros de altitude, no Peru. Fotos: Arquivo S. Bigo

TRAVESSIA

DA AMÉRICA DO SUL (PARTE 1) Após 35 anos, a épica viagem protagonizada pelos Mangalargas Urutau de N.H. e Iamani SP1 continua fascinando e encantando a todos Por Pedro C. Rebouças

U

m dos mais incríveis feitos da história da raça Mangalarga e da equinocultura brasileira está prestes a completar 35 anos. Afinal, no dia 12 de dezembro de 1985, após um ano e 17 dias na estrada, o casal de pesquisadores franceses Stèphane Bigo e Michèle Corson chegava a Novo Horizonte (SP), com suas montarias Urutau de N.H. e Iamani SP1, além do burro Lampari, encerrando assim uma cavalgada

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épica pela América do Sul. Ao longo da jornada, iniciada no dia 25 de novembro de 1984, o grupo atravessou seis países sul-americanos, percorrendo um trajeto total de 8.500 quilômetros, ao longo do qual superou uma série de desafios, como altitudes de até cinco mil metros, temperaturas que iam dos vinte graus abaixo de zero a um calor de 45 graus, áreas selvagens como o chaco paraguaio e o pantanal mato-grossense,

trilhas íngremes e ainda o deserto mais árido do mundo, o Atacama, no Chile. Para comemorar essa marcante data, que vem despertando grande interesse na comunidade mangalarguista e que já foi tema de uma edição especial do programa Prosa Mangalarga, a Revista Mangalarga inicia uma série de três matérias sobre essa incrível jornada pela América do Sul. Neste primeiro texto, o foco


Matéria de Capa está direcionado para a fase inicial desse projeto que quebrou uma série de recordes e projetou no cenário internacional as qualidades do cavalo Mangalarga.

Desafio sul-americano Stèphane Bigo conta que a viagem pelo território sulamericano foi sua terceira cavalgada internacional de longa duração. Em 1976, ele já viajara 7.000 quilômetros ao longo da Turquia, Irã, Iraque e Afeganistão, aventura que resultou no livro “Crinières au vent d’Asie”. Três anos depois, em 1979, percorrera 7.500 quilômetros pelas Américas do Norte e Central, indo do Colorado (EUA) à Guatemala, experiência que o levou a publicar o livro “Crinières au vent Indien”. “Depois das minhas duas primeiras viagens, sobre as quais eu fiz livros e conferências, constatei que havia um interesse muito grande pelo testemunho de experiências de pessoas que haviam viajado por diferentes regiões do mundo. Então, apresentei à Unesco, a divisão da Organização das Nações Unidas (ONU) voltada à educação, à ciência e à cultura, um programa cultural que se chamava ‘Conhecimento do Homem’, cujo tema era o homem da América Latina. O projeto foi aprovado e eu decidi viajar pela América do Sul, procurando fazer um itinerário que incluísse o maior número possível de países. Optei por partir do Brasil, pois na época ele possuía grande fama na França e todos queriam visitá-lo. Assim, eu fiz o roteiro da viagem partindo do Brasil, entrando no Paraguai e seguindo para a Argentina, Chile, Peru e Bolívia”, conta Stèphane Bigo. “Para mim, viajar dessa maneira é também uma oportunidade de conhecer os cavalos de cada país, que, além de tudo, são

Stèphane Bigo e Urutau, seguidos pelo burro Lampari, em um dos pontos mais perigosos da viagem, a travessia de um precipício na Bolívia.

mais acostumados ao clima, ao ambiente e à comida da região. Então eu fui à embaixada do Brasil na França para saber quais eram as raças brasileiras. Eles me explicaram que havia o Mangalarga, o Mangalarga Marchador e o Campolina. Eu resolvi viajar com o Mangalarga por conta de sua semelhança com o anglo-árabe francês e então escrevi para a Associação para dizer que eu tinha a intenção de realizar essa viagem e gostaria de saber se seria possível realizá-la com cavalos da raça Mangalarga. O presidente da época publicou

minha carta no boletim da Associação e alguns criadores, como o Adaldio José de Castilho e o Papu (Arnaldo de Almeida Prado Filho), se interessaram e se propuseram a emprestar-nos os cavalos para a viagem”, explica o cavaleiro francês, que hoje se dedica à doma de animais e à instrução de cavaleiros. Adaldio José de Castilho Filho, o Adaldinho, tem clara na memória a ocasião em que o boletim da ABCCRM chegou à fazenda. “Eu me lembro muito bem, pois eu estava com o meu pai no escritório dele quando a secretária entregou

Luis Opice, Stèphane Bigo, Raul Almeida Prado e Adaldio Castilho Filho participaram de live sobre a épica viagem pela América do Sul.

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Matéria de Capa a carta. Eu li o conteúdo e comentei: Pai, olha que interessante, esta é uma grande oportunidade para o senhor mostrar o trabalho que sempre defendeu, baseado na resistência, na rusticidade e na funcionalidade. Meu pai então também se interessou e entrou em contato com a Associação para falar que tinha os animais para emprestar para a viagem. Passado algum tempo, o Stèphane veio a Novo Horizonte na companhia do Dr. Eduardo Marchi e escolheu dois dos nossos cavalos para a expedição, o Plutão e o Triunfo, além de um burro para o transporte da carga, o Lampari.” Adaldinho conta que inicialmente a viagem seria feita em dois animais castrados, ambos originários da seleção da Fazenda N.H., mas uma série de circunstâncias acabou alterando os planos. “Como eu sabia que o Stèphane havia viajado em um garanhão anglo-árabe quando realizou sua cavalgada pelo Oriente Médio, resolvi perguntar a ele se não seria interessante fazer a viagem com um garanhão. Ele achou bom e disse que não teria problema nenhum. Aí, eu falei pra ele que nós tínhamos um cavalo que havia ganhado a prova de Colina, o teste de garanhão, que se chamava Pinguin de N.H.. Ele ficou todo animado, só que o animal estava emprestado para um tio, que criava Mangalarga em Lins (SP). Meu pai então decidiu que iriam o Pinguin e o Plutão.” “Nesse meio tempo, o Stèphane e o Dr. Marchi foram para São Paulo, na Mangalarga, para acertar a documentação para o Pinguin e o Plutão poderem viajar. Meu pai então mandou buscar o Pinguin, mas, próximo a Novo Horizonte, o cavalo saltou por cima da caminhonete que o transportava, bateu com a garupa no vidro e com a espinha na canaleta da picape, uma S10, 12

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Os pesquisadores Stèphane Bigo e Michèle Corson, no período da viagem.

e acabou caindo para fora do carro e quebrando a espinha. Esse era o animal mais importante da nossa tropa naquela época, pai da Xarda de N.H. e campeão da prova de Colina. Estava todo mundo lá na fazenda aguardando. Meu pai entrou em desespero, em depressão, com a perda desse cavalo do qual gostávamos tanto, e ficamos então nos perguntando o que fazer.” “Aí surgiu a ideia de oferecer outro animal pra ele. Um criador chegou a oferecer um cavalo, mas ele não gostou do tipo do cavalo. Eu sugeri então o Urutau, um animal novo, com pouco mais de três anos, mas que eu acreditava que aguentaria o desafio. Nesse meio tempo, entretanto, a Associação havia decidido que seria interessante que o animal de algum outro criador também participasse da viagem. O meu pai decidiu então convidar o seu amigo Papu para que ele também mandasse um cavalo. Assim, fomos eu, meu pai e o Stèphane até Araçatuba (SP), numa fazenda do Papu, onde observamos o Iamani. E aí ficou decidido que o Stèphane e a Michèle iriam viajar no Iamani e no Urutau.” “Entretanto, antes de decidir realmente viajar no Urutau, o Stèphane explicou que era presidente da Associação Fran-

cesa de Cavaleiros de Longo Percurso e que considerava o Urutau muito novo pra fazer uma viagem tão longa. Eu então expliquei que havia domado o Urutau e que ele era o melhor cavalo que eu tinha montado na vida, muito inteligente e com um caráter sempre disposto a ajudar e a servir o cavaleiro. Aí, o nosso amigo francês deu uma volta nele de cerca de três horas e quando retornou dessa breve cavalgada falou que ia viajar no Urutau. Ou seja, ele também havia gostado dele.”

Urutau e Iamani Durante a recente live promovida pela Associação sobre essa incrível viagem, Adaldinho contou um pouco sobre as origens de Urutau de N.H., enquanto Raul Sampaio de Almeida Prado, criador, técnico e pesquisador da raça, falou sobre Iamani SP 1, proveniente da seleção do criador Arnaldo de Almeida Prado. “O Urutau era um filho de Libuno de N.H., que era Granadeiro da Nata e que ia a Sheik, e a mãe dele era a Jurity de N.H., que era filha do Astuto da Nata e ia ao Maxixe e também lá no Pensamento. Então era um sangue original mesmo, que meu pai utilizou quando iniciou no


Matéria de Capa

Urutau e Iamani nos Andes peruanos

Mangalarga. Era um cavalo de um temperamento fantástico, um andamento maravilhoso e que me ensinou muito do que hoje eu sei sobre doma de cavalo. Afinal, eu sempre domei cavalos, mas eu percebia que o Urutau tinha uma facilidade muito grande para aprender as coisas, tudo o que você pedia ou tentava ensinar, ele se esforçava para aprender”, descreve Adaldinho, que hoje dá continuidade à seleção N.H. iniciada por seu pai, falecido no ano de 2003. Raul Sampaio de Almeida Prado explica, por sua vez, que o tordilho Iamani SP1 era um cavalo castrado, de linhagem SP pura, filho do Duelo SP na Xepa, que estava com oito anos na época da cavalgada. “A tropa SP, assim como a do Adaldio Castilho, a quem eu conheci bastante e que era um entusiasta das provas funcionais, é uma linhagem que mantêm o objetivo de criação mais perto do original para o qual a raça foi criada, baseado especialmente no trabalho em fazenda, então são animais que no meu entender guardaram essa capacidade. Essas duas linhagens, como outras que existem no nosso Mangalarga, ainda guardam essa capacidade demonstrada pelo Urutau e o Iamani. Afinal, foram os dois que concretizaram esse feito, mas provavelmente haveria outros animais que também conseguiriam realizar essa cavalgada. O

A altitude foi um dos desafios da viagem.

Iamani era um representante da linhagem SP, que está até hoje aí, um cavalo rústico de fazenda, rusticidade que é fundamental para qualquer raça, principalmente nacional.”

Preparação na estrada Segundo Stèphane Bigo, não ocorreu uma preparação específica para a cavalgada. “Eu apenas dei algumas voltas nos animais na fazenda em Novo Horizonte, não houve um treinamento especial nem uma alimentação especial para eles. Mas acredito que o segredo para uma viagem de longa distância como essa é ir aumentando as distâncias pouco a pouco, dia a dia. Assim o treinamento se faz viajando, os animais vão desenvolvendo uma capacidade de adaptação que eles já têm naturalmente, mas que muitas vezes vai se perdendo no processo de criação nos haras ou nas fazendas. E foi o que aconteceu nessa viagem, os cavalos foram se fortalecendo, se tornando mais rústicos, se adaptando à alimentação de cada região e se adaptando à altitude e aos diversos ambientes que atravessamos no decorrer da viagem. A mesma coisa, aliás, aconteceu comigo e com a Michèle. Nós também fomos nos fortalecendo ao longo da viagem.” Adaldinho se recorda do momento da partida do grupo

para sua longa viagem. “O Urutau era novo, ele, aliás, resistiu muito bem, pois não teve preparo ou treinamento específico nenhum. Afinal, do jeito que os dois cavalos saíram da cocheira, o Stèphane os arreou. Em seguida, aconteceu a solenidade que marcou o início da cavalgada e logo chegou a hora deles saírem para o primeiro trecho da viagem, de Novo Horizonte com destino a Foz do Iguaçu (PR). E o mais curioso foi que a rusticidade dos dois cavalos mostrou o potencial dessa viagem, porque eles não tinham alimentação balanceada, não tinham nenhum tipo de ração e também não havia cavalo reserva, era um cavalo para cada cavaleiro, ao contrário do que ocorre nas cavalgadas de longo percurso atuais em que cada cavaleiro leva dois animais e tem a oportunidade de fazer um revezamento entre eles.” O atual titular da tropa N.H. prossegue contando que de Foz, a comitiva entrou no Paraguai e seguiu para Assunção, atravessando na sequência o chaco paraguaio e o chaco argentino, até chegarem em Salta, na Argentina, onde foram alojados na cavalaria do exército. “Nessa ocasião, o Stèphane escreveu pra gente contando que os militares argentinos haviam dito que a viagem dele teria que se encerrar ali, porque os animais não suportariam prosseguir. Esses oficiais contaram a ele que já Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Matéria de Capa

Stèphane Bigo e Iamani guiam Urutau e Lampari durante a travessia do Altiplano Andino

tinham tentado subir a Cordilheira dos Andes por três vezes, sendo que na última delas, com trinta animais criados na região, quando chegaram à altitude de três mil metros, por falta de oxigênio e por conta do mal da puna, os animais começaram a ter sangramentos no nariz e acabaram morrendo. Entretanto, confiando na resistência e rusticidade dos seus animais, o Stèphane decidiu que ia arriscar. Então ele subiu e, quando chegou a três mil metros, notou que os animais nada haviam sentido, assim foi subindo gradativamente e chegou a cinco mil metros de altitude sem que os cavalos sentissem nada, pois eles acabaram se adaptando à falta de oxigênio. Aí, ele começou um segundo trecho da viagem, percorrendo cinco mil quilômetros somente pela cordilheira até chegar ao Atacama.” Stéphane Bigo relata, por sua vez, que quando chegaram ao Altiplano Andino, não sabiam o que os cavalos poderiam aguentar por conta da falta de oxigênio. “Deixamos então os cavalos a três mil metros de altitude, para ver qual era a reação deles e 14

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observamos que eles tinham a tendência a comer duas vezes mais que de costume. Para mim, isso era uma boa indicação de que os cavalos estavam pouco a pouco se adaptando a essas condições. Assim, fui preparando os próximos trechos de forma crescente, primeiro uma etapa de quinze quilômetros, depois de vinte quilômetros, a ponto de que quando cruzamos a fronteira entre a Argentina e o Chile percorremos 70 quilômetros a uma altura de quatro mil a cinco mil metros, pois naquele momento os cavalos já estavam bem adaptados. Foi assim que fizemos.” O cavaleiro e pesquisador francês destaca também que ao longo da cavalgada procurava estabelecer um equilíbrio entre viagem e descanso. “Nós procurávamos fazer cinco dias de viagem e dois dias de descanso, porque o primeiro dia de descanso não é um verdadeiro descanso, pois nós temos muitas coisas a fazer, como lavar as roupas, fazer a manutenção do equipamento e preparar as provisões para o próximo trecho de viagem, então o segundo dia que era realmente

reservado para descansarmos. Para os cavalos, era a mesma coisa. No primeiro dia, não era possível descansar de verdade, era no segundo dia que os animais recuperavam a energia para poder prosseguir. Então foi nesse ritmo que conseguimos percorrer mais de oito mil quilômetros.” Bigo salienta, contudo, que o feito realizado pelo alazão Urutau de N.H. e pelo tordilho Iamani SP1 é algo que foge muito do usual. “Esses animais me deixaram uma impressão excepcional da raça Mangalarga. Afinal, depois de oito mil e quinhentos quilômetros de cavalgada, depois de atravessar os Andes, depois de atravessar o deserto de Atacama e ir até o oceano Pacífico, após todas essas proezas, nós naturalmente ficamos com a impressão de que esses dois cavalos eram excepcionais, capazes de se adaptar a qualquer situação. Eles, enfim, ultrapassaram os limites normais de um cavalo.” (Continua na próxima edição da Revista Mangalarga).



Panorama Mangalarga

MANGALARGA,

O CAVALO BOM NA LIDA

Qualidades como inteligência, resistência e habilidade fazem dos exemplares da raça uma ferramenta indispensável para o sucesso da agropecuária brasileira

Foto: Divulgação

Por Pedro C. Rebouças

Mangalarguistas conduzem o gado na fazenda de Jivago Queiroz.

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universo rural vem vivendo um processo de intensa modernização. O que antes era feito de forma rústica e manual, hoje é realizado por máquinas de última geração, capazes de substituir o trabalho de muitos homens e animais. Basta uma breve visita a feiras como a Agrishow, realizada anualmente

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em Ribeirão Preto (SP), para perceber a pujança do setor de tecnologia agrícola, um segmento que movimenta milhões de dólares todos os anos. Esse espetacular avanço tecnológico, entretanto, não foi capaz de substituir a dupla peão e cavalo nas fazendas que se dedicam à pecuária de corte

país afora. Afinal, a lida com o gado nas grandes propriedades do interior brasileiro permanece dependendo do apoio dado por trabalhadores montados, cujas tarefas compreendem desde a condução e apartação da boiada até a contenção e realização de curativos em animais a pasto. Na avaliação de Renato


Panorama Mangalarga mexer com gado, o cavalo tem que gostar dessa tarefa, ter resistência e habilidade. Imagine só um vaqueiro montado em um cavalo sem essas características, fica tudo mais difícil.” E é justamente nesse aspecto que a raça Mangalarga se destaca, com seus integrantes demonstrando grande aptidão para o trabalho na fazenda. “Eu falo sempre que quem tem um Mangalarga na lida diária sabe o quanto ele faz a diferença, em primeiro lugar porque o pecuarista necessita usar um número menor de cavalos, pois nossa raça é mais resistente, em segundo porque ele tem mais habilidade e vontade. Nosso cavalo foi feito

para a lida com gado de corte, ele gosta de mexer com boi, tem aptidão, habilidade e uma vontade incomparável para esse tipo de tarefa, além de possuir um temperamento diferenciado. No mundo não há nenhuma raça igual ao Mangalarga nesse aspecto, pois a maioria das raças não consegue unir habilidade e vontade e aquelas que chegam perto disso são compostas por ‘trotões’ desconfortáveis para quem passa longos períodos montados”, ressalta Jivago. Renato Giordano conta que começou a criar Mangalarga há pouco tempo, mas logo decidiu utilizar os animais da raça também para o trabalho na fazenda. “Eu

Foto: Divulgação

Giordano, criador da raça Mangalarga e pecuarista no estado do Pará, o cavalo é uma ferramenta indispensável no tipo de pecuária praticada no Brasil. “Aqui, nós desenvolvemos uma pecuária extensiva, com a criação dos animais a pasto em grandes áreas de terra, em que não existe outro modo de tocar o gado a não ser montado, até porque existem os obstáculos no campo, como igarapés, barreiras, morros e passagens, que você só consegue transpor a cavalo.” Giordano explica ainda que o manejo da boiada também só pode ser feito a cavalo. “Os bois são familiarizados com os equinos, você não consegue reunir uma boiada de outro jeito. Se você chegar a pé ou de moto em uma manga, o gado espalha, sai correndo, fica com medo. Com o cavalo, você consegue chegar até perto dos animais. É isso que o torna indispensável e, a curto e médio prazo, eu não vejo nenhuma alternativa para isso.” Opinião semelhante tem Jivago Nascimento Queiroz, criador da raça Mangalarga e pecuarista na região baiana de Itapetinga. “O cavalo é uma ferramenta imprescindível para a lida diária com o gado. Já existiram tentativas de substituí-lo por moto, mas até hoje isso não foi possível, não há nenhuma alternativa real para substituir o trabalho dos equinos nas fazendas. Afinal, o cavalo é mais seguro para o trabalhador e leva menos estresse para o gado. Com isso, proporciona maior segurança e rentabilidade para o pecuarista.”

O jovem Matheus Queiroz ajuda no transporte da boiada.

O fazendeiro baiano esclarece, entretanto, que é preciso ter um cavalo apropriado para essa tarefa, afinal nem todos os equinos estão aptos a ela. “Para

Foto: Divulgação

Cavalo apropriado

O Mangalarga demonstra grande aptidão para a lida com o gado.

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comecei na raça em 2015 e me associei em 2016. Nesse ano, eu comprei vários animais e comecei a selecionar, destinando alguns cavalos para reforçar a tropa da fazenda. Hoje, temos sete exemplares trabalhando direto na lida com o gado. Isso proporcionou uma melhora sensível na nossa tropa de trabalho, no sentido de que passamos a ter animais cuja marcha nos permite chegar mais rapidamente aos lugares onde está a boiada e com tamanho, força e vontade adequados para esse tipo de tarefa.” O mangalarguista paraense acredita ainda que, para a lida de campo, é preciso um cavalo forte. “É importante que o cavalo aguente a chincha de um boi grande, pois laçar um boi de 400 ou 500 quilos, correndo no pasto, não é tarefa fácil. Na hora do tranco o cavalo tem que ter muita força, caso contrário ele tomba. E o Mangalarga é um animal que, em sua grande maioria, gosta de trabalhar com o gado, gosta da lida na fazenda, além de possuir uma estrutura que impõe respeito e protege o peão. Ele se sente mais seguro por estar montado em uma altura mais elevada, onde em caso de um eventual ataque do boi suas partes vitais não serão atingidas. Os equinos da raça são animais que foram criados a campo, então têm realmente essa vantagem de serem valentes e audazes, o que nos ajuda sobremaneira.”

Inteligência e amplitude de movimentos Ainda de acordo com Giordano, os exemplares da raça possuem outras importantes qualidades para a lida. “O Mangalarga é um cavalo inteligente, que aprende fácil o que precisa ser feito. Além disso, tem um grande diferencial na amplitude dos seus movimentos, 18

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Foto: Arquivo ABCCRM

Panorama Mangalarga

A dupla peão e cavalo é fundamental para a pecuária extensiva nacional.

na carregada gostosa e na toada larga e acelerada. Como as nossas distâncias são grandes, isso torna o deslocamento mais confortável e rápido, dá um ganho de meiahora, uma hora, dependendo da distância. Assim, a condição de trabalho dos peões tem um salto de qualidade, o que é fundamental para eles também terem vontade e disposição de trabalhar. Então, na minha opinião, você ter uma tropa Mangalarga no curral é você ter uma ferramenta adequada para o seu funcionário, o que facilita e torna mais prazeroso o trabalho dele.” Já o mangalarguista paulista Fernando Tardioli Lúcio de Lima conta que o Mangalarga exerce um papel de absoluta importância no projeto de pecuária que vem desenvolvendo no Mato Grosso do Sul. “Ele é uma ferramenta fundamental no dia a dia das atividades da fazenda, um instrumento de trabalho imprescindível, pois agrega à tropa qualidades como rusticidade e facilidade de manejo. Além disso, os peões têm profunda preferência, admiração e simpatia pelo Mangalarga, justamente por sua maciez e comodidade na

condução, característica que o diferencia dos animais de outras raças com os quais eles estavam acostumados a trabalhar.” Tardioli explica ainda que outras qualidades também têm peso importante para o sucesso da raça nas fazendas brasileiras. “O caráter, a agilidade, a coragem e o próprio senso de contato e manejo com o boi são características fundamentais para que os animais da raça possibilitem um melhor rendimento aos funcionários e possam contribuir na melhora da produtividade da fazenda”, analisa o criador e pecuarista. Jivago Queiroz, por sua vez, relembra de um interessante caso ocorrido em 2009. “Naquela ocasião, eu vendi um potro diferenciado, que foi recorde do leilão no qual a transação ocorreu. Quando fui saber quem era o comprador, me surpreendi ao ver que era alguém que não criava cavalo nem era associado da ABCCRM. Tratava-se do Carlos Peixoto, um dos grandes fazendeiros do norte de Minas, um apaixonado por pecuária, com várias propriedades. Eu então lhe perguntei por que ele havia comprado o potro. Ele me disse o


Panorama Mangalarga realmente feito para lidar com o gado, apaixonado por esse tipo de serviço.”

Referência para o mundo Na avaliação de Paulo Roberto de Oliveira Vilela Filho, pecuarista e selecionador da raça no estado do Paraná, o cavalo Mangalarga é um verdadeiro símbolo para o agronegócio brasileiro. “O Mangalarga está inserido na pecuária há muitos anos. Ele é uma referência no campo não apenas no âmbito nacional, mas também internacional. Em países como Estados Unidos e Austrália, muitos proprietários rurais conhecem e admiram o trabalho que o nosso cavalo realiza no campo”, destaca o mangalarguista, que ocupou por vários anos o cargo de Diretor de Relações Internacionais da Sociedade Rural do Paraná (SRP). Vilela prossegue destacando que a raça se sobressai tanto na lida com o gado como em outros trabalhos de acompanhamento nas propriedades rurais. “Além de ser muito utilizado para o trabalho na pecuária, no qual é um verdadeiro suporte para a criação de raças bovinas como nelore, guzerá e angus, o Mangalarga é a montaria preferida de muitos fazendeiros que fazem questão

de vistoriar suas propriedades e inspecionar suas plantações, principalmente em lavouras como o café e o milho. Isso ocorre justamente por conta de sua resistência e da comodidade de seu andamento.” O mangalarguista paranaense ressalta ainda outras importantes qualidades da raça para o universo agropecuário brasileiro. “O Mangalarga ‘raiz’ é um equino rústico, que pode ser criado a pasto, pois vive muito bem dessa forma, mantendo-se sempre bonito e sadio. Assim, o fazendeiro consegue manter uma tropa de qualidade a um custo baixo. Outro fator importante é a habilidade da raça para a produção de ótimos híbridos, como burros e mulas, animais com grande aptidão para o trabalho rural. Creio que todos esses fatores são muito positivos para o setor e ajudam a trazer lucro para o pecuarista. Nós temos fazendas no Paraná e no Mato Grosso do Sul e estamos muito satisfeitos com a nossa tropa, que em algumas propriedades é composta por cavalos Mangalargas e em outras por esses animais híbridos de Mangalarga. Não consideramos de forma alguma a possibilidade de substituí-la nem por motos nem por qualquer outra raça de equinos.”

Foto: Divulgação

seguinte: ‘Olha, eu tenho cavalos de várias raças, mas a única raça que realmente consegue suprir tudo que a gente quer, como habilidade e resistência para ir de uma fazenda à outra, é a Mangalarga. Então eu estou cobrindo todas as minhas éguas (árabes, mangalargas marchadoras e campolinas) com cavalos da raça Mangalarga.’ Ou seja, ele estava apurando o sangue da tropa para conseguir animais melhores para a lida com o gado.” O mangalarguista baiano prossegue destacando a habilidade e resistência fora do normal da raça. “O Mangalarga parece incansável. Eu participo de provas de team penning com os meus filhos e já chegamos a competir três dias seguidos com o Mangalarga. Na lida com o gado, é a mesma coisa. Os animais da raça têm uma marcha trotada, diagonalizada, que dá uma resistência muito boa para os animais. A gente leva muito animal de uma fazenda para a outra e quando a gente volta o cavalo está tranquilo. Os outros cavalos cansam em situações como essa, mas o Mangalarga não cansa e o peão também chega inteiro. E se você vai apartar um boi no curral, a diferença de velocidade também é significativa na comparação com os outros. Trata-se de um cavalo

A raça é uma importante ferramenta para a agropecuária brasileira.

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Panorama Mangalarga

MANGALARGUISTA CASCA GROSSA Lenda do MMA mundial e treinador de campeões do UFC, Pedro Rizzo é um grande apaixonado por cavalos e pelas cavalgadas com animais da raça Mangalarga Por Pedro C. Rebouças

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Revista Mangalarga

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Fotos: Arquivo Pedro Rizzo

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o longo de uma trajetória profissional de quase 25 anos, o lutador Pedro Rizzo tornou-se uma referência em todo o mundo para os amantes do vale-tudo e MMA (mix martial arts). Com 31 lutas no cartel, o peso-pesado carioca brilhou nos octógonos e ringues, atuando nas mais importantes organizações do esporte, como UFC (Ultimate Fighting Championship), WVC (World Vale Tudo Championship), IFA (International Fighting Alliance), Affliction e o japonês Pride. Entre os lutadores que enfrentou no decorrer de sua carreira, estão alguns dos principais nomes da modalidade, como Ken Shamrock, Randy Couture, Fedor Emelianenko, Dan Severn, Mark Coleman e Tank Abbott, a quem venceu em uma luta inesquecível na primeira edição do UFC Brasil, realizada em outubro de 1998, na capital paulista. Entretanto, se engana quem pensa que o MMA é a única paixão do lutador, que se aposentou dos ringues no fim de 2015 e hoje comanda a equipe Rizzo RVT, onde treina destaques da nova geração do UFC como Raoni Barcelos, e também o projeto social Usina

Pedro Rizzo pratica horsemanship com a fêmea Carlota OBC.

de Campeões, desenvolvido em parceria com a Refinaria de Manguinhos. Rizzo, afinal, é um grande apaixonado por cavalos e cavalgadas, nutrindo um afeto especial pela Mangalarga, raça por meio da qual teve seus primeiros contatos com o universo equestre, ainda na infância, e que é a sua preferida para os longos passeios que realiza em meio às belas paisagens da Serra da Bocaina, região na divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo onde possui uma acolhedora propriedade rural, seu refúgio para aliviar o estresse do exigente universo profissional do esporte de alto rendimento. “Minha paixão pelos cavalos começou cedo, quando um dos meus tios arrendou uma fazenda,

na qual começou a mexer com gado de leite e onde ele tinha alguns cavalos sem raça definida. Foi nessa época que eu comecei a montar e, logo na primeira vez, foi uma paixão absurda. Meu sonho então passou a ser ter um cavalo. Felizmente, algum tempo depois, um outro tio me presenteou com um cavalo de raça, o Itapoã, pelo qual eu me apaixonei” , explica Rizzo. “A partir desse momento eu comecei a conviver com os cavalos e realmente me apaixonei por eles. Com o passar do tempo, essa paixão ficou cada vez mais forte e já perdura por quase quarenta anos. Hoje em dia eu levo minhas filhas para a fazenda e brinco que a partir de agora elas só vão querer saber de cavalos, pois cavalo é


Panorama Mangalarga

A paixão de Rizzo pelos cavalos começou muito cedo.

uma coisa que, quando você gosta desde pequeno, é uma paixão que fica pra vida toda.” O consagrado lutador conta ainda que nada o deixa mais feliz do que passar uns dias na fazenda. “Por conta do esporte, eu tive a oportunidade de viajar por muitos países, conhecendo lugares incríveis ao redor do mundo, mas eu troco qualquer viagem para ir para a fazenda, pois esse é o momento em que eu estou no local em que eu mais gosto de estar, fazendo aquilo que eu mais gosto, que é conviver com os cavalos e poder montálos. É quando eu consigo reunir minha esposa e minhas filhas em torno dessa minha grande paixão, que aos poucos também vai passando para elas. Isso é muito bom, pois o cavalo nos ensina a ser mais sensíveis e solidários. Na fazenda, a gente pode esquecer um pouco dessa correria da cidade

Rizzo enfrentou os mais duros lutadores da modalidade.

Pedro Rizzo e a esposa Monalisa cavalgam pela Serra da Bocaina.

e encontrar paz, sossego e amor na companhia desses incríveis animais.” Rizzo prossegue revelando que, após ganhar seu primeiro cavalo, foi conhecendo mais sobre as diversas raças equinas e se interessando cada vez mais pelo Mangalarga. “O que mais me encanta na raça é a sua marcha, que é inigualável, não tem outra raça que tenha um andamento como o do Mangalarga. Além disso, é um cavalo dócil, com temperamento excelente e de fácil manejo. Você consegue estar com ele e com a família sem muitos problemas. Lógico que cada cavalo é um indivíduo, então às vezes você pode pegar um animal traumatizado, mas aí não importa a raça que ele seja, pois qualquer cavalo que tenha sido maltratado pode ter esses traumas e ser mais difícil de lidar, mas normalmente os Mangalargas são animais fáceis,

O lutador integrou as mais importantes organizações do MMA.

de temperamento dócil e com andar inigualável.”

Paixão pelas cavalgadas O experiente esportista revela que três atividades equestres estão entre as suas prediletas: o horsemanship, as disputas da modalidade de rédeas e as cavalgadas, com essas últimas ocupando o primeiro lugar em seu coração. “Eu gosto muito de cavalgada, é a minha atividade equestre preferida. E o melhor cavalo para esse tipo de atividade é, sem dúvida, o Mangalarga. Eu tenho uma fazenda em um local privilegiado, na Serra da Bocaina, que faz divisa com o parque nacional. É uma região de natureza exuberante, com trilhas incríveis e cerca de trezentas e setenta cachoeiras. Então, eu brinco que, quando monto a cavalo, estou cavalgando no paraíso, em meio

Rizzo acerta golpe em Tank Abott na primeira edição do UFC Brasil.

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Panorama Mangalarga às mais belas paisagens que se pode imaginar, locais que você só consegue ter acesso a cavalo, pois são lugares muito distantes e que exigem muito condicionamento para se percorrer em um trekking. Então o cavalo te dá essa oportunidade de percorrer esses lugares incríveis.” A modalidade de rédeas, de origem norte-americana, o atrai por sua parte técnica exigente, que lhe permite aprimorar-se como cavaleiro e participar de competições. Já o horsemanship, a doma inteligente, o encanta pela possibilidade de entender e se relacionar com os cavalos de uma forma gentil e compreensiva. Atualmente, a jovem fêmea Mangalarga Carlota OBC, presente do amigo e criador da raça Cauê Costa Hueso, é um dos animais com os quais ele busca manter uma rica interação no redondel por meio das técnicas aprendidas em cursos e seminários de horsemanship. Rizzo afirma, aliás, que a experiência no mundo da luta lhe proporcionou conhecimentos que procura trazer para o universo equestre. “O esporte de alto rendimento, no meu caso a luta, o MMA, proporciona uma calma muito grande em situações críticas. Afinal, quando você sobe em um octógono, para quarenta mil pessoas em um estádio cheio, sabendo que o mundo todo está assistindo, dá aquele nervoso, aquele frio na barriga, então você acaba aprendendo a controlar suas emoções. Assim, toda vez que eu entro no redondel, com um cavalo xucro, um cavalo nunca domado, eu consigo passar para ele essa calma que eu desenvolvi ao longo dos anos.” Ainda de acordo com o exintegrante do UFC, um bom domador tem que ser alguém calmo, que passe tranquilidade para o cavalo. “Na vivência no mundo da luta, nós precisamos 22

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superar momentos críticos, situações difíceis durante o combate, então eu acredito que consigo transferir para esse mundo da doma, do horsemanship, essa calma que eu desenvolvi, pois o cavalo sente todos esses seus sentimentos. Muitas vezes o animal está pulando, está agressivo, mas você consegue se manter firme, tranquilo, e assim consegue tranquilizá-lo. Essa calma em momentos críticos é o que permite formar uma parceria com o cavalo e fazer um horsemanship bem feito, para ter um cavalo companheiro, que vai ser seu parceiro para o resto da vida, e não um cavalo submisso. Eu acho que esse é o maior benefício que eu trago do esporte de alto rendimento, do mundo da luta, para o universo equestre.” O inverso, entretanto, também é verdadeiro, com o convívio com os cavalos proporcionando valiosos aprendizados para enfrentar os desafios dos octógonos. “O cavalo é um animal com o qual você tem que ter paciência, tem que ter calma, tem que entendê-lo, e para isso você tem que desenvolver sua sensibilidade, conseguir sentir o que o cavalo está querendo te mostrar. Assim, eu acho que a convivência com os cavalos me deu

Pedro Rizzo é considerado uma lenda do MMA.

O líder da Rizzo RVT em visita a criatório da raça.

essa paciência e essa sensibilidade para compreender o momento, entender aquela situação de estresse, na qual você tem que ter paciência para mantê-lo calmo e fazê-lo realizar o movimento que você quer ou para domá-lo da forma que você considera melhor. O cavalo me deu essa paciência. Muitas vezes durante uma luta eu não consigo fazer o que eu quero, então eu tenho que ter a paciência para conseguir alcançar o meu objetivo no momento certo. Creio que esse é um aprendizado que eu levei do convívio com os cavalos para o mundo da luta.” O experiente esportista profissional, que em sua carreira como treinador já treinou campeões como Anderson Silva e José Aldo, conta que leva os aprendizados do mundo do cavalo também para a sua vida pessoal. “No horsemanship, há uma técnica em que, para conseguir um determinado objetivo, você alterna pressão e alívio na relação com o cavalo. Então eu brinco que conquistei minha esposa dessa forma, uma hora pressionando e outra aliviando. A mesma coisa acontece na educação das minhas filhas, em um momento estou pressionando e no outro aliviando, para que elas consigam ser pessoas cada vez melhores”, finaliza o campeão dos octógonos, deixando transparecer mais uma vez sua incrível paixão pelos cavalos.



Panorama Mangalarga

ROSILHOS

EM DESTAQUE Rara no plantel da raça, essa diferenciada pelagem vem conquistando novos admiradores e estimulando projetos de seleção especializados em seus exemplares Por Pedro C. Rebouças

Potros rosilhos da criação de Stella Junqueira, na Fazenda Santa Cecília, em São Joaquim da Barra (SP).

O

s cavalos de pelagens raras vêm ganhando cada vez mais espaço na raça Mangalarga. Afinal, apesar dos alazões ainda predominarem dentro da tropa mangalarguista, animais de outras cores também vêm se destacando cada vez mais nas pistas e demonstrando uma expressiva evolução zootécnica. O sucesso desse segmento

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deve-se a motivos variados, como o crescente interesse do mercado, que vê nas pelagens exóticas um atraente diferencial, e também as ações de estímulo adotadas pela ABCCRM, entre elas a implementação de julgamentos para categorias voltadas especificamente aos animais coloridos. Dessa forma, nas últimas duas

décadas, foi possível ver um notável crescimento na participação desses animais nas pistas das exposições, copas e provas promovidas pela Associação, com os pampas, alazões amarilhos e pretos ou zainos liderando o segmento, mas também observando-se a presença regular de tordilhos, castanhos e baios. Os animais coloridos têm


conseguido, além disso, brilhar também na classe geral, com alguns de seus expoentes conquistando prêmios do mais alto patamar dentro da raça, como o Grande Campeonato Nacional Cavalo e o Grande Campeonato Nacional Égua. A pelagem rosilha, no entanto, parece não ter acompanhado este movimento. Apesar de sua inegável beleza, a dificuldade de encontrar reprodutores e matrizes dessa cor parece ter atrapalhado seu processo de retomada nos últimos anos. Agora, no entanto, este cenário parece estar se alterando, com o aumento do interesse por esses exemplares e com mais criadores buscando selecionar essa pelagem. Prova disso é que a 41ª Expo Nacional, realizada em setembro do ano passado, foi a primeira edição do maior evento da raça a contar com uma categoria exclusiva para rosilhos, movimento que deve se repetir nesta temporada, dado o aumento no número de criatórios com exemplares dessa pelagem e o crescente interesse que se observa por ela nas redes sociais mangalarguistas.

Foto: Arquivo ABCCRM

Panorama Mangalarga

Plínio T. Junqueira e Rosilho, em 1936, na Água Branca.

adquirido ainda potrinho por Plínio Torquato Junqueira, vindo a sagrarse Reservado Grande Campeão Nacional na 6ª Exposição Nacional de Animais, realizada no ano de 1936, no Parque da Água Branca, em São Paulo (SP). Entretanto, tornou-se famoso mesmo por sua habilidade para as caçadas. “O seu Plínio foi um caçador famoso, dizem, aliás, que ele foi

o melhor caçador da sua geração, e um dos seus cavalos de caçada mais famosos foi justamente o Rosilho, que, se não me engano, era descendente de uma égua lá do Magino Diniz Junqueira chamada Rosilha. Que eu saiba essa é a grande linha do rosilho no Mangalarga”, analisa o estudioso da raça. Raul explica que considera

Segundo Raul Almeida Prado, técnico da ABCCRM, pesquisador e autor do livro Raízes Mangalarga, a pelagem rosilha sempre foi rara na raça. “O Mangalarga passou na década de 70 por um expurgo muito grande, todo mundo só criava alazão, alazão. Então todas as outras pelagens sofreram uma certa espécie de preconceito. O rosilho, por sua vez, nunca foi uma pelagem muito frequente, mas estava presente na raça. Tanto é que tivemos um animal muito famoso, o Rosilho.” Proveniente da seleção de Magino Diniz Junqueira, Rosilho foi

Foto: Raul A. Prado

Presença antiga

O rosilho Iacumã Porã, da criação de Raul Almeida Prado.

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Panorama Mangalarga positivo o movimento de resgate tanto dos animais rosilhos como de outras pelagens, mas salienta que o criador deve sempre priorizar a qualidade. “É preciso ser criterioso na seleção. A pelagem não pode prevalecer sobre as qualidades do animal, o importante é selecionar um animal com qualidade, independente da cor. Você tem que selecionar um bom animal, bem equilibrado, bom de sela, bem feito. Mas eu vejo com bons olhos esse tipo de seleção quando é feita a partir de bons animais e busca fazer uma reconstituição histórica da tropa. Eu mesmo tenho uma égua e um cavalo rosilho, um jovem garanhão que deve começar a cobrir no ano que vem, ambos descendentes dessa égua que é considerada a grande matriarca dessa pelagem.”

Fazenda Santa Cecília Neta de Plínio Torquato Junqueira, Stella Junqueira está entre os criadores que vêm desenvolvendo um trabalho de resgate da pelagem rosilha. “Eu sou sócia da ABCCRM desde 1976, quando meu avô Plínio Torquato Junqueira me deu a minha primeira égua registrada, chamada Tapuia da Santa Cecília. Vovô teve muitos cavalos da pelagem rosilha, mas com o passar dos anos meu pai decidiu focar na criação dos alazões e aos poucos foi se desfazendo dos animais rosilhos. Passaramse os anos e esta pelagem foi ficando cada vez mais difícil de encontrar na ABCCRM. Então, há uns 15 anos, resolvi fazer um resgate da pelagem. Depois de uma busca incessante, consegui uma égua e um garanhão.” Stella avalia que o trabalho está em um estágio inicial, porém se diz muito satisfeita com os primeiros resultados. “Esse trabalho de seleção vem sendo realizado

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Kalifa RU é o reprodutor do projeto da Fazenda Santa Cecília, de Stella Junqueira.

com base na pelagem, associado a qualidades zootécnicas, como marcha, morfologia, temperamento e funcionalidade, buscando produzir animais rosilhos com qualidade superior. As primeiras gerações mostram que estamos no caminho certo, com uma base bem implantada, visto que estão nascendo potros rosilhos de altíssimo nível zootécnico, com muita marcha e morfologia funcional.” Segundo a criadora, o pensamento é sempre em somar pelagem com qualidade. “Para isso, várias linhagens e animais estão sendo utilizados nesse projeto, como nosso reprodutor, Kalifa RU, e nossas matrizes, Garbosa do Torquato, Faísca do Torquato, Fadinha do Torquato, Zayablanca do PEC, Laís RU, Nagayama TC, África 14, Zoada ACF e Evidência ACF. Além desses animais, temos dois potros filhos do Ceará ACF.” Stella avalia ainda que o movimento de resgate da pelagem rosilha é bastante positivo para a Mangalarga. “Acredito que ele possa valorizar ainda mais nossa

raça, abrindo novos mercados e ampliando nossos caminhos, uma vez que são animais de pelagem diferenciada e muita qualidade, sobretudo em termos de temperamento, atributo que na minha opinião é de suma importância. Agora, vamos aguardar os resultados, mas, para mim em particular, eles já possuem um enorme valor emocional.”

Refrescamento do sangue A seleção de Artur Pagliusi Gonzaga, localizada em Getulina (SP), foi uma das poucas que manteve animais rosilhos em seu plantel ao longo das últimas décadas. Hoje, alguns animais provenientes de seu criatório – que já adotou três sufixos diferentes: Arpagon, M.G. e APG - reforçam outros criatórios interessados em selecionar e resgatar a pelagem rosilha. O principal motivo para essa continuidade está na própria origem do plantel do criador. “Eu comecei a criar em 1964 com um cavalo chamado Bolero da Nata, filho do Kalú (Capitel) na égua


Panorama Mangalarga Tutela SJ (Bentevi em Lontra), todos animais escuros. Junto com ele, comprei cinco fêmeas do seu Nhonhô de Almeida Prado. A égua que mais se destacou entre elas foi a tordilha Embira, que cruzei com o Bolero, um castanho escuro, e assim nasceu a Balalaica Arpagon, tordilha como a mãe. Em seguida, quando estava entrando na segunda fase da criação, vi que precisava comprar outro macho, conforme havia aprendido com o seu Nhonhô, a quem eu venerava. Fui então procurar no Badih Aidar algum animal da linha do Maxixe e comprei um potrinho de ano chamado Jatobá da Nata. Ele era filho do Pensamento Flori com a Leviana Flori, ambos de pelagem alazã bem arrosilhada e filhos do Maxixe, um animal rosilho”, explica Pagliusi. “Eu recriei esse animal e comecei a usá-lo na minha tropa. Ele morreu logo, mas, em 1970, deixou a grande saída da minha tropa, o Fandango Arpagon, um rosilho muito bonito, bom de andar e de 1,50 metro de cernelha, fruto do cruzamento do Jatobá da Nata com a Balalaica Arpagon. O Fandango, por sua vez, produziu animais muito bons. O principal deles foi a Rosilha M.G., fruto do cruzamento com a Ica Arpagon, que era filha do famoso Paladino, por sua vez filho do Sheik, um animal que dava animais interpolados e arrosilhados. A Rosilha M.G. produziu a Galega M.G., também rosilha, de quem eu tirei várias filhas importantes, entre elas a alazã Malta M.G., que hoje está com vinte anos, indo para a décima primeira cria, prenha, bonita e pronta para parir.” Pagliusi relembra que, na ocasião em que o Fandango Arpagon nasceu, o Diretor Técnico da Associação era o Dr. Marchi. “Ele queria só cavalo alazão, pois achava que o castanho era um cavalo mais comum e que o pampa

era um cavalo despigmentado, então ele batia de frente com a linhagem do Capitel, a única que deu pampa na nossa raça. Além disso, ele também não gostava de rosilho, que então diminuiu muito na Mangalarga. No entanto, essa é uma pelagem que vai e volta na raça, porque é uma pelagem composta (aquela que registra a presença de duas ou mais cores interpoladas ao longo do corpo), animais tordilhos podem, por exemplo, dar o rosilho, então sempre existem chances de aparecer rosilhos na raça.” Ainda na opinião do criador, a manutenção de pelagens diferenciadas é essencial para refrescar o sangue da tropa. “É muito importante a busca de animais rosilhos de novo, porque ela, além de preservar o que já existe, amplia o número de animais e dá chance de não sermos uma raça fechada. Nós temos que lembrar que o Turbante J.O., que foi um cavalo muito importante e melhorou muitas coisas na raça, teve mais de mil filhos, o que tornou o nosso

cavalo muito consanguíneo, então essas aberturas de sangue são fundamentais para haver o melhoramento da raça. Creio que estamos bem hoje, mas precisamos sempre melhorar. A partir do momento que você achar que o seu cavalo não tem nada para melhorar, você está candidatandose ao fracasso, porque tudo evolui. Então, na minha opinião, é importante preservar o pampa, o tordilho, o lobuno, o ruão, o baio, o castanho.” Pagliusi deixa, entretanto, um alerta aos novos criadores. “Só é preciso lembrar que o diferencial do Mangalarga para os demais cavalos de sela internacionais é o andamento, então nós temos que preservar as nossas qualidades morfológicas com esse andamento. A grande razão de ser do Mangalarga é a marcha trotada. Afinal, apesar de toda controvérsia que hoje cerca esse termo na nossa raça, a verdade é que todos identificam o nosso cavalo por sua marcha, dêem o nome que for a ela. Então, completando, desde que a pelagem não leve ao cavalo

Rosilho OBC (Carpedien do Infinito em Vereda APG), primeiro Campeão Nacional Rosilho Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Panorama Mangalarga albino, ao cavalo despigmentado, e preserve as qualidades características da raça, todas as pelagens são ótimas. Depende do gosto do freguês. Mas é bom lembrar aos criadores novos que o principal não é a pelagem. Todas as pelagens são bonitas desde que o animal apresente beleza zootécnica superior.”

Padrão de branco A médica veterinária Laura Patterson Rosa, candidata ao título de Ph.D. no Laboratório Brooks de Genética Equina do Departamento de Ciências Animais da Universidade da Flórida, explica que o rosilho é considerado um padrão de branco. “Vamos deixar o conceito zootécnico de rosilho de lado, e falar do conceito genético. Rosilho é a presença de pelos brancos ‘salpicados’ ou entremeados entre a pelagem base do animal, porém mantendo as extremidades (cauda, crina, cabeça e canas/extremidade dos membros) da cor original, sem esses pelos brancos. E podem existir diversos tipos de rosilhos, o que muda é a base. O rosilho em si é a presença dos pelos brancos, nesta distribuição determinada.” Questionada sobre a raridade dessa pelagem no plantel da raça Mangalarga, a pesquisadora esclarece que o rosilho é um padrão de pelagem antigo, que possivelmente precede a seleção humana. “Vemos esse padrão ser selecionado naturalmente em cavalos ferais, como os mustangues americanos. É possivel que a pelagem rosilha dê a esses animais alguma vantagem natural. Porém, quando começamos a selecionar características que gostamos, no desenvolvimento de uma raça, às vezes determinadas pelagens não estão no interesse primário. Pode ser esta uma das razões pela qual a 28

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O potro Rubi da Santa Cecília, criação de Stella Junqueira.

pelagem rosilha se tornou rara no Mangalaga; ” Já quando questionada sobre a importância da preservação dessa pelagem dentro da raça Mangalarga, a estudiosa da Universidade da Flórida destaca que a rosilha é ainda considerada exótica, de alto valor comercial e apreciada mundialmente. “Pelo ponto de vista genético, possivelmente animais rosilhos possuem também uma boa diversidade genética se comparados à média da população, logo, ‘refrescariam’ o sangue da população. Geneticamente, a consanguinidade excessiva é prejudicial pois diminui fatores relacionados à resistência contra doenças, fertilidade e saúde geral do animal. Logo, manter um nível saudável de outbreeding (ou refrescar o sangue) é essencial! Em outras raças, vemos animais de pelagem rosilha alcançarem maior valor de mercado, às vezes até independente da capacidade esportiva.” Por fim, quando estimulada a dar uma orientação sobre o que pode ser feito para resgatar

esta pelagem, Laura explica que idealmente a seleção genética seria o mais fácil a se fazer. “Porém, como ainda não existe um teste genético para a causa específica da pelagem rosilha, a sugestão é localizar animais com esse padrão de pelagem, e utilizar em plantéis selecionados, visando o melhoramento geral, não só a seleção da pelagem mas também de características como morfologia, andamento, saúde, capacidade reprodutiva, etc. Em raças com livro aberto, onde é possível a inserção de sangue exógeno, se torna mais fácil fazer essa seleção. Contudo, uma característica interessante do rosilho é que ao menos em outras raças este alelo tende a se comportar de forma dominante. Isso significa que apenas uma cópia é necessária para expressar o padrão rosilho no animal. Desta forma, torna-se mais fácil de localizar animais ‘portadores’ do rosilho e utilizá-los com sucesso.”



Panorama Mangalarga

SALTO

DE QUALIDADE Segundo Cacá A.Prado, inteligência, serenidade e conexão com o cavaleiro são algumas das qualidades da raça para a prática do hipismo

Foto: Marco Ragazzi

Foto: Divulgação

Por Pedro C. Rebouças

Julia Marostica Schwarz saltando com a égua Serena.

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Cavalo de Sela Brasileiro é um animal de múltiplas habilidades. Afinal, além de sua diferenciada marcha, tão apreciada pelos amantes das cavalgadas, a raça também apresenta bom desempenho em variadas modalidades equestres, como a maneabilidade, a equitação de trabalho, o enduro de regularidade, o team penning e as provas de laço. O Mangalarga, além disso, agrega importantes qualidades ao salto e ao hipismo rural, como conta a cavaleira e instrutora de equitação Cacá Almeida Prado. “A principal qualidade da raça é a serenidade do seu trabalho, principalmente em ambientes diferentes, como durante uma competição. O cavalo Mangalarga

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Cacá Almeida Prado e Guarani durante prova de salto.

conecta-se rapidamente ao cavaleiro, compreende o que o cavaleiro quer dele e faz acontecer. Como disse o José Roberto Pires de Campos, em uma recente entrevista ao programa Perfil Mangalarga, o cavalo Mangalarga é o cavalo que tem vergonha na cara, é exatamente isso.” Cacá conta ainda que a raça está sempre presente na Hípica Monte Alegre, centro equestre sob o seu comando no município paulista de Jaú. “Ao longo desses nove anos que venho atuando como instrutora de hipismo, a Mangalarga sempre foi a raça mais utilizada entre os meus alunos. Afinal, para quem está se iniciando no aprendizado da equitação, a raça proporciona um benefício muito importante,

a segurança. E trabalhar com animais que possuem serenidade e conexão com os alunos é sempre espetacular.” A cavaleira conta que ao longo de sua carreira nas pistas competiu com vários Mangalargas, assim como com animais das raças Árabe, Puro Sangue Inglês, Lusitano, Brasileiro de Hipismo, Árabe-Frisian e Quarto de Milha. Atualmente, sua égua de competição tem mãe Mangalarga e pai Anglo-Árabe. “A mãe imprimiu a mansidão e inteligência, ela identifica facilmente pessoas, situações e trabalhos em pista; o pai imprimiu força para o salto e um pouco de temperamento forte, que, em instantes, volta ao normal devido à genética da mãe.”


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Foto: Divulgação

Ainda de acordo com a instrutora de equitação, a Hípica Monte Alegre possui alguns animais de destaque que vem participando das competições nos últimos anos. “Entre eles, estão Era da Bica, Discoteca MAB e Berlin ACD, além de alguns animais de sangue Mangalarga sem registro, como o admirável Bordado, de criação do Luciano Pacheco de Almeida Prado, e ainda o Guarantã e a Ventania.” Cacá relembra também um conjunto mangalarguista que se destacou e fez história na Abhir (Associação Brasileira dos Cavaleiros de Hipismo Rural), formado pela égua Alvorada JSAP e sua proprietária Júlia Maróstica Schwarz, que sagrouse Campeão do Campeonato de Salto, Campeão do Campeonato de Hipismo Rural e Terceiro Lugar no Top Riders de 2016, além de muitas outras premiações. Outros Mangalargas que passaram pelo centro hípico e fizeram bonito foram Mandarim das Palmeiras, Netuno, Gunter, Guarani e Serena. Além disso, a mangalarguista e instrutora faz questão de falar de Tabu EN, que, além de ter conquistado inúmeras provas de Salto e Hipismo Rural, foi vice-campeão de uma prova de potência, saltando 1,30 metro com a amazona Clara Lallo Marcheti.

animais da fazenda, mas com os cavalos era diferente. Com eles, eu podia entrar no piquete que eles olhavam e atentavam as orelhas em minha direção, na maioria das vezes caminhavam curiosos até mim, adorava quando eles abaixavam aquela cabeça alta para soltar um ar quente e eu podia acariciá-los.” Cacá conta que logo conseguiu acompanhar seu avô materno, José Luiz Pires de Campos, nas andanças pela fazenda. “Sempre que ele entrava no pasto, as éguas o identificavam e caminhavam até ele. Amava isso, gostava de observar como as pessoas se comportavam próximo aos cavalos

O cavaleiro Bruno Pessanha com alunas da Hípica Monte Alegre. Foto:Divulgação

Destaques nas pistas

Ana Camila C. Almeida Prado com o pampa Bordado.

Nascida em uma família com forte ligação com a raça, Cacá teve um contato muito precoce com o mundo dos cavalos, fato que influenciou fortemente a escolha de sua carreira profissional. “Assim como muitos mangalarguistas, tive a alegria de crescer na fazenda. Lembro dos meus primeiros anos de vida, sempre gostei de todos os

Foto: Marco Ragazzi

Ligação familiar

Raquel Prado Rocchi Domeneghetti saltando com a égua Serena.

e como meu avô era diferente nos seus gestos com esses animais. E, nos finais de semana, minha tia Ana Luzia acompanhava a mim e a minha irmã Bia enquanto montávamos o Alazão. Mais tarde meu pai nos apresentou a Prata JL, égua que ensinou tanto a mim como às minhas três irmãs a montarmos sozinhas.” A jovem cavaleira e instrutora de equitação afirma ainda que, além de ter contado sempre com o incentivo do pai, teve importantes influências na comunidade mangalarguista. “Meu pai tinha os seus cavalos e minha mãe amava a égua dela, Natacha da Roda Viva, que vem a ser a mãe da Karol JSAP, premiada nas pistas atualmente. Ele presenteou a minha mãe com essa égua, que foi escolhida pelo meu avô José Luiz. Nossa família sempre amou o cavalo Mangalarga, tanto é que a minha infância veio marcada pelas cavalgadas, treinamentos e exposições. Afinal, sempre gostei de cuidar de todo o processo, portanto nossa família e os cavalos sempre estiveram em primeiro lugar. Entre meus ídolos, tive como grande professor o Leandro Canêdo Guimarães dos Santos e também o Eduardo Figueiredo, a Aracy Oliva e a Dalva Marques, entre inúmeras pessoas incríveis com as quais convivi na raça Mangalarga.” Para Cacá, o que mais encanta no Mangalarga é a inteligência. “De todas as raças de cavalos que a vida me presenteou conviver, a raça Mangalarga estará sempre em meu coração por sua inteligência. O Mangalarga é o cavalo que procura entender quem é cada ser humano, o que o cavaleiro quer dele, faz para acertar e está sempre aprendendo, é um cavalo que muitas vezes está à frente do cavaleiro pela sua vontade de fazer mais, e, ao mesmo tempo, é o animal manso de fácil condução. Como diria um grande amigo, o Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Panorama Mangalarga Mangalarga é domado no olho.”

O hipismo entrou na vida de Cacá em 1999, ano em que a Associação Agropecuária da Região de Jaú fundou sua primeira escola de equitação, com cavalos Mangalargas e mestiços. Ela seguiu então participando de competições até o ano de 2003. Depois disso, passou a se dedicar aos estudos e à faculdade de Medicina Veterinária, formando-se em 2011. “Durante esse período, participei de várias exposições e copas como auxiliar de pista, tive o desejo de um dia vir a ser jurada, mas compreendi que, como amo montar, procurava qualidade em todos os cavalos, então ser jurada não iria ajudar a ABCCRM, já que ser jurado é justamente pontuar as qualidades mas principalmente observar os pontos críticos a serem melhorados. Então, em 2011, voltei para a escola de equitação e assim tive a oportunidade de me aperfeiçoar como cavaleira. Venho realizando diversos cursos no esporte equestre, treinando cavalos de diversas raças e desenvolvendo a carreira como instrutora de equitação. Compreender que a admiração que tenho pelos cavalos é fundamental para conectá-los às pessoas de maneira respeitosa e principalmente segura foi decisivo na minha vida”, explica a jovem equitadora. Ao longo de sua carreira, Cacá participou de importantes disputas. “Entre as principais competições que participei no hipismo, as provas de concurso completo de equitação (CCE) estão entre as favoritas. Tive um prêmio de vice-campeã da modalidade em Pirassununga (SP), 2018, e um terceiro lugar de adestramento em Ribeirão Preto (SP), 2019. 32

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Foto: Divulgação

Início no hipismo

Ana Marina e Era da Bica disputam prova de Cross Country.

Também foi emocionante ganhar uma prova de hipismo rural em Tietê (SP), no ano de 2017. Além disso, todas as participações no Cross Country, com animais de meio-sangue Mangalarga, foram muito especiais. Aliás, participei algumas vezes com a égua da nosssa família Era da Bica, da criação do Haras da Bica, que apresenta uma performance espetacular nas categorias de base de hipismo rural e cross country. Já na raça Mangalarga tive o prazer de competir em exposições e copas de andamento, no período de 1999 a 2003, montando as éguas Natacha da Roda Viva, ESC Onça, Restinga do Bom Sucesso, Narrima JL e Pitanga da Toca. Todas premiadas, como diria meu avô José Luiz.”

Cavalos em família Cacá conta ainda que a experiência dos cavalos em família foi o fator mais importante para que optasse por seguir a carreira de instrutora de equitação. “Eu e minhas irmãs somos quatro meninas completamente diferentes umas das outras, mas nós nos encontrávamos no convívio com o cavalo. Mais do que isso, minha irmã Ana Camila foi diagnosticada, quando tinha um ano e seis meses de idade, com paralisia cerebral. Entre muitas das atividades que ela realiza, estão a convivência com cavalos

e a prática da equitação. Os cavalos proporcionaram a ela um desenvolvimento incrível, hoje, aos 30 anos de idade, ela adora galopar, além de ter saltado por anos na categoria Escola Especial da Abhir. Tanto é que tem uma prateleira repleta de troféus que conquistou com sua determinação e amor aos cavalos. Entre os animais com os quais ela mais competiu estão Mandarim das Palmeiras (o cavalo da infância do João Pacheco Galvão Filho), Bordado, Netuno, Ventania, Alvorada JSAP e Beatriz JSAP, além de atualmente montar a Discoteca MAB. Todos nós somos seres humanos e obviamente temos limitações, estamos no universo para desenvolvê-las. Nesse sentido, os cavalos, além de facilitadores, nos ensinam a ter consciência de quem somos, nos possibilitando aprender a compreender nossas atitudes e possibilitando irmos além.” Por fim, a jovem instrutora de equitação, apaixonada pelo Cavalo de Sela Brasileiro, destaca que a conexão proporcionada pela raça Mangalarga a seus alunos é sem dúvida uma qualidade ímpar, é o ponto chave do sucesso, lhe despertando a gratidão por trabalhar com animais tão inteligentes e amáveis. Além disso, ela acredita que a participação da raça nos esportes hípicos é uma oportunidade para o cavalo Mangalarga mostrar quem ele é. “O cavalo Mangalarga é nobre, inteligente, sabe amar e compreender um ser humano. Em uma era em que o digital passou a ser tão importante para a sociedade, por que não adicionar a consciência, a presença do cavalo inteligente, que reflete rapidamente as suas emoções e ensina que o controle do pulsar, do sentir, do cavalgar é tão importante quanto o tocar de uma tela plana.”



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TRIO DE TALENTO

Os irmãos Maria Fernanda, Maria Eduarda e Luiz Fernando conquistaram a todos com suas apresentações durante a copa virtual promovida por Dalva Marques Por Pedro C. Rebouças

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Foto: Divulgação

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m trio de jovens e promissores mangalarguistas cativou a todos que acompanharam a copa virtual de apresentadores promovida pela treinadora, apresentadora e jurada de marcha Dalva Marques. Realizada no início de julho, a disputa contou com concorridas batalhas entre apresentadores de equinos e muares de marcha. O trio em questão é composto pelos irmãos Maria Fernanda S.S. Haddad, de 15 anos, Maria Eduarda S.S. Haddad, de 12 anos, e Luiz Fernando S.S. Haddad, o caçula da família com sete anos, todos filhos do premiado treinador e apresentador Luiz Antônio Haddad, que integra a equipe do Haras Lagoinha, de Jacareí (SP). Além de protagonizarem concorridas disputas com os vídeos de suas apresentações, nas quais exibiram sua equitação e a marcha dos animais da raça, os jovens mangalarguistas também conquistaram a todos por seu empenho nas redes sociais, estimulando a participação e pedindo votos aos amigos e aos admiradores do cavalo Mangalarga. De acordo com o pai das crianças, assim que souberam da competição e receberam o convite para participar, os três ficaram muito empolgados. “Como estava tudo muito parado por conta da pandemia, logo ficamos animados com essa competição. Além disso, a Maria Fernanda e a

Luiz Antônio Haddad com a esposa Fernanda Sesti da Silva Haddad e os filhos Maria Eduarda, Luiz Fernando e Maria Fernanda.

Maria Eduarda têm uma grande admiração pela Dalva, a quem vêem como uma referência feminina na raça, isso foi um estímulo a mais para elas quererem participar. E o Luiz Fernando, o mais novo da turma, também

quis participar e acompanhar as irmãs. A gente só não esperava que fosse dar tanta repercussão. No fim, foi tudo muito contagiante, a gente acabou se empenhando bastante para pedir para o pessoal participar e votar.”


Panorama Mangalarga Interesse precoce Haddad revela que as crianças nasceram no meio do cavalo e desde cedo demonstraram interesse pelas atividades equestres. “Já faz dez anos que nós estamos aqui no Lagoinha e nesse período eles sempre tiveram oportunidade de montar comigo. Eu tento passar pra eles os conhecimentos que adquiri nesses anos todos atuando com cavalos, não só para que eles deixem um pouco de lado o computador e o celular, mas também para que a gente possa formar cidadãos, pessoas melhores.” Ainda de acordo com o pai dessa animada turma, o interesse dos três por aprender a montar e apresentar animais cresceu bastante nos últimos anos, quando tiveram a oportunidade de participar das provas sociais na Exposição Nacional e também na Exposição de Taubaté. “É por isso que eu acho importante incentivar a participação da criançada nos eventos da raça, buscando especialmente disputas que proporcionem alguma emoção para prender o interesse delas. Elas adoram isso e ficam realmente motivadas.” Para Maria Fernanda, a expe-

Maria Fernanda participa da prova juvenil durante a Expo Nacional.

riência foi muito positiva. “Eu gosto muito de competição. Foi um prazer participar e conseguir ganhar a categoria feminina da copa virtual. Além disso, adorei ver o envolvimento com o público que a disputa gerou.” A adolescente conta que desde pequena acompanha o pai no contato com os cavalos. “Aqui, no Lagoinha, eu fui me envolvendo e me interessando cada vez mais pelos cavalos, sempre contando com o incentivo tanto do meu pai

Luiz Fernando na disputa da prova mini-mirim da Expo Nacional.

como da minha mãe. Com isso, eu fui aprendendo a gostar mais e hoje essa é uma verdadeira paixão pra mim. Inclusive pretendo me aprimorar cada vez mais para ser uma grande cavaleira na raça, sempre tendo meu pai como minha grande inspiração.” Já Maria Eduarda se encantou com toda a mobilização que a disputa provocou. “Eu gostei muito de todo o envolvimento das pessoas com a disputa e do grande número de visualizações que os

Maria Eduarda monta Hisdano do PEC no Haras Lagoinha.

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Lagoinha, a participação infantil sempre foi incentivada pelo criatório. “Desde que as provas mirins surgiram na Mangalarga, o Haras Lagoinha sempre estimulou a participação das crianças nessas disputas, pois a gente acha que essa é uma oportunidade muito interessante tanto para atrair gente jovem como para formar futuros profissionais. Por isso, quando promovemos aulas no haras, sempre as incentivamos a participar, sob a responsabilidade de seus pais. Isso permite que a raça vá se renovando.” Marisa também elogia o formato da competição e destaca a divulgação positiva que ela proporcionou aos animais da raça. “Eu achei muito bacana a iniciativa da Dalva, que surgiu de um olhar feminino, mais sensível. Além disso, foi uma ótima divulgação da índole do nosso cavalo, pois mostrou crianças montando em harmonia com os animais. A Maria Eduarda, por exemplo, levou o cavalo na marcha, com regularidade, em uma demonstração perfeita do conjunto, em que o animal aceita naturalmente o comando de uma criança. Agora, espero que em

breve a gente possa sair do virtual e volte a participar dos eventos da raça.” Os três irmãos aproveitam ainda para deixar um recado com o intuito de incentivar mais crianças a se envolverem com os cavalos e com a raça Mangalarga. “Montar a cavalo, além de ser um hobby, é uma paixão. Então é importante que as crianças nunca desistam e corram sempre atrás de seus sonhos, deixando tudo na mão de Deus, pois Ele sabe de todas as coisas.” Por fim, Haddad mostra sua satisfação com os bons momentos vividos por conta da disputa. “Sentimos gratidão a Deus e a todos, pois pudemos ver o quanto nossa família é querida no meio do cavalo e quantas amizades a gente construiu nesse tempo todo na raça. Então a palavra que define essa experiência é gratidão, afinal nós tivemos um grande apoio. Nossos amigos se empenharam, pedindo fotos e divulgando as crianças nos seus grupos. Não podia imaginar o alcance que essa disputa teria, com páreos atraindo mais de oito mil visualizações. Foi realmente muito legal.”

Foto: Haras Lagoinha

vídeos com as apresentações tiveram, inclusive com pessoas de outros países participando e ajudando a mim e aos meus irmãos. É muito bom ver a exposição que a raça Mangalarga alcançou por conta dos nossos vídeos. Sou muito grata por tudo isso.” A talentosa cavaleira mirim ressalta também sua paixão pela raça. “O cavalo Mangalarga, especialmente a pelagem pampa, representa para mim a paixão e o amor. Eu pretendo continuar montando e aprendendo cada vez mais para me tornar uma grande apresentadora na raça. Eu sou muito grata a Deus por essa oportunidade.” O caçula da turma afirma, por sua vez, que o que mais o agradou foi ver todos que se mobilizaram para ajudar a ele e suas irmãs. “Foi muito legal! Muitas pessoas ficaram nos conhecendo e quiseram nos ajudar por causa da votação. Cavalo é minha paixão! Eu amo a raça Mangalarga, amo montar a cavalo e acho a pelagem pampa linda. E também quero me tornar um apresentador para poder participar das exposições como meu pai faz.” Os irmãos têm oportunidade de montar com o pai cinco vezes na semana. “Nós somos muito gratos à dona Marisa Iorio e ao senhor Paulo Eduardo por permitirem que eles montem. Assim, quando o expediente termina, eu aproveito para dar atenção e ensiná-los a montar. Eu sou chato, cobro bastante e tento passar todos os meus conhecimentos. Além disso, quando tem um tempinho, o Jorge Roberto Pires e o José Roberto Pires, que prestam assessoria ao haras, dão uma ajuda para a criançada, que, aliás, também aproveita para prestar atenção quando o haras promove algum curso de equitação para a equipe.” Segundo a criadora Marisa Iorio, uma das titulares do Haras

Maria Eduarda, Luiz Fernando e Maria Fernanda são apaixonados pela raça.


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MOMENTO DE EMOÇÃO Amigos promoveram uma emocionante homenagem ao mangalarguista Jonas Montezel Por Eduardo Perrenoud

Foto: Divulgação

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criador Jonas Montezel, tradicional selecionador de Mangalarga, apaixonouse pela raça aos dez anos, quando ganhou o primeiro cavalo, história de amor que se consolidou com a compra, faz quarenta anos, de uma propriedade em que havia quatro animais Mangalargas. Estabeleceu-se então no município paulista de Santa Isabel, onde montou o haras Urso Branco, nome que também é o afixo que utiliza. E desde então essa paixão só fez crescer. O “seu” Jonas, como é conhecido, atuou ativamente, junto com outros associados, na implementação de vários marcos importantes na ABCCRM, como a inclusão em exposições dos animais puros de pelagem pampa, a idealização da copa de andamento e a exigência de exames de DNA para comprovação de paternidade. Profundo conhecedor das características raciais do Mangalarga, desenvolve no Urso Branco um trabalho de seleção reconhecido. O foco está no resgate e fixação das qualidades que possuíam alguns dos pilares da raça, como Fogo, Capitel, Sheik e Maxixe, realizando um trabalho de “inbreeding” bastante original e bem-sucedido. Sempre disposto a transmitir seus conhecimentos a quem o procura, além de disponibilizar a todos o patrimônio genético que desenvolveu ao longo do tempo, “seu” Jonas amealhou muitos

Jonas Montezel recebeu o quadro das mãos dos amigos mangalarguistas.

amigos e admiradores. E estes decidiram fazer-lhe uma justa homenagem, presenteando-o com um quadro do garanhão chefe do seu plantel, o pampa de alazão Triunfo do Urso Branco. A escolha do artista para fazer a pintura foi unânime, recaindo sobre o conceituado Hans Haudenschild, autor dos quadros mais representativos dos expoentes da raça. A entrega da obra aconteceu no sábado 13 de junho, e estiveram presentes para prestigiar o ato os criadores Eduardo Perrenoud, Nilton e Patrícia Furlan, Nei Remédio, Carlos Thomaz, João Caldas e Gilmar Oliveira, além dos técnicos e membros do CDT Paulo Lenzi e Tidão Sampaio. Acompanharam o evento de forma virtual os também criadores Moisés Nunes, residente nos EUA, e Geraldo Torres Neto, o idealizador da homenagem.

“Seu” Jonas ficou extremamente feliz e comovido com o presente. Declarou ao grande amigo Eduardo Perrenoud ter sido esse um dos momentos mais importantes em sua vida de criador, enviando especial agradecimento a todos que participaram da iniciativa. O renomado artista e criador de Mangalarga Hans Haudenschild entusiasmou-se sobremaneira com o convite e a responsabilidade de transpor para a tela o garanhão Triunfo do Urso Branco, contribuindo diretamente com a surpresa propiciada ao “seu” Jonas. “Foi um desafio e tanto pintar esse cavalo, muito forte e de uma pelagem cheia de detalhes, sem dúvida um dos trabalhos mais difíceis, gratificantes e bonitos que tive a oportunidade de produzir”, comentou Hans, emocionado, após assistir ao vídeo da entrega do quadro. Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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RESGATE

GENÉTICO Projeto foi tema de edição especial do programa Prosa Mangalarga Por Pedro C. Rebouças

Alta importância O Presidente Opice abriu a conversa contando que a Associação abraçou esse projeto por entender que ele é da mais alta importância para o banco genético da raça resgatar grandes cavalos e grandes linhagens, que foram sempre as molas mestras da raça e que por razões históricas acabaram ficando pelo meio do caminho. “Agora, através deste projeto, estamos trazendo de volta grandes animais e criadores tradicionais que, por motivos diversos, acontecidos no passado,

acabaram se distanciando um pouco da raça Mangalarga. Nós criamos até um programa para o registro de animais cujos préregistros e registros definitivos não haviam sido feitos, com isso nós já tivemos mais de 150 animais que entraram no plantel oficial da nossa raça”, comentou o dirigente mangalarguista. Opice explicou ainda que o atual projeto é uma continuação do Projeto Raízes Mangalarga, encabeçado por Raul Almeida Prado e seus irmãos Paulo e Marcos, no início da década passada. “Essa primeira experiência aconteceu mais ou menos na época em que

Foto: Divulgação

O Programa Prosa Mangalarga exibiu, na noite de 11 de junho, uma edição especial sobre o Projeto de Resgate Genético da Raça Mangalarga. A atração, que se estendeu por um tempo recorde de três horas e cinquenta minutos, promoveu um rico debate a respeito da relevância desse trabalho, implementado oficialmente no ano passado com o objetivo de revigorar as tradições rurais da raça e fortalecer a mesma por meio do aumento da variabilidade genética e da adoção de formas de avaliação mais objetivas de seleção. O bate-papo contou com a participação do Presidente da ABCCRM (Associação Brasileira de Criadores de Cavalos da Raça Mangalarga), Luis Augusto de Camargo Opice, assim como dos coordenadores do projeto Raul Sampaio de Almeida Prado e Gabriel Francisco Junqueira de Andrade (Bié) e dos membros da comissão do projeto André Fleury (Deco), Carlos Eduardo Purchio (Cadu) e Rafael Meirelles. Por sua vez, os criadores Josué Eduardo Grespan e Marcelo Luís Cerqueira atuaram como condutores e mediadores do programa.

A animada conversa se estendeu por quase quatro horas.

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eu estava entrando na raça, mas naquela ocasião a Associação acabou não abraçando o projeto como ele mereceria ser abraçado por sua qualidade de resgatar genéticas, para refrescar o sangue da raça e possibilitar aos criadores o uso de animais de qualidade extraordinária.” Ainda na fase de introdução do debate, Raul Almeida Prado explicou as transformações vividas pela raça nas últimas décadas. “O Mangalarga, por conta das mudanças sociais que aconteceram ao longo dos anos, foi se afastando de suas raízes culturais e zootécnicas, e passou a ser um cavalo que saiu da fazenda e foi se mudando para o haras. Foi virando mais urbano, se sofisticando e tentando se modernizar, então, como o brasileiro tem um complexo nacional de inferioridade, chegouse a essa conclusão de que o modelo europeu seria mais adequado para nós, apesar de ele não ter nada a ver com as nossas condições. Assim, nesse meio tempo, foram prevalecendo alguns animais das linhagens que se prestavam mais a esse critério único de seleção que passou a ser adotado por meio das exposições.” O coordenador do projeto prosseguiu explicando que, tendo em vista que isso aconteceu, várias criações importantes do cavalo Mangalarga foram se afastando, se esgotando, enquanto algumas passaram para o Mangalarga Marchador, chegando-se hoje a uma situação na qual parecem existir duas raças distintas. “Nós temos o cavalo que você leva para a exposição e o cavalo que você usa para passear em casa. Eu quero passear com o mesmo cavalo que eu levo na exposição. A ideia do projeto foi então, além de resgatar esse espírito rural que eu acho importante, tentar alertar, orientar e mostrar determinadas linhagens

Foto: Divulgação

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Os integrantes do projeto já visitaram cerca de vinte criatórios.

que estão saindo da nossa raça. Porque se a gente não correr, essas linhagens vão embora, pois não há espaço para elas.” Raul destacou ainda que outro ponto importante do projeto é a ampliação da base genética do cavalo Mangalarga. “Hoje, nós estamos caminhando para uma consanguinidade muito estreita em termos de raça. É preciso lembrar que, no Mangalarga, somos nós com nós mesmos, pois esta é uma raça presente apenas no Brasil. É diferente do que acontece, por exemplo, com a raça árabe, na qual, se você tem um cavalo consanguíneo, é possível ir buscar novos animais em outros centros de seleção como o Egito, a Alemanha ou os Estados Unidos. Então, eu acredito que o criador até pode ter uma tropa consanguínea no seu plantel, mas a Associação não pode, ela tem a obrigação de zelar por essas linhagens todas. Afinal, cada uma delas tem suas características, positivas ou negativas, e pode colaborar para refrescar o sangue da raça.”

Mudança cultural Na continuação da conversa, o Presidente da ABCCRM lembrou que a raça já vem passando por uma significativa mudança cultural e comportamental, com muitos criadores passando a fazer questão de montar seus animais. “Eu tenho visto alguns grandes criadores participando com seus principais animais das Mangalargadas e cavalgadas. A família Novais tem feito isso, participando sempre com a tropa de pista deles. O Alexandre Ribeiro também já participou de Mangalargadas com animais de pista. Além disso, recentemente eu fui visitar o Cassiano Terra Simão e fizemos uma cavalgada por sua propriedade, na qual ele montou uma égua Grande Campeã Nacional por mais de duas horas. Então, eu acho que vem acontecendo uma transformação, em decorrência justamente da mudança de mentalidade da Associação, que passou a prestigiar a marcha e o uso dos animais.” Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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por cento dos animais teriam sido absorvidos pela própria Mangalarga, diferente do que aconteceu naquela ocasião. Além disso, hoje, o Raul, que vivenciou aquela primeira experiência, sabe para onde foram os animais que participaram do Projeto Raízes. Isso pode ajudar muito nesse trabalho. A gente só não pode deixar de ressaltar que tudo que foi feito ao longo dos anos tem uma grande importância, pois nós estamos hoje com um animal muito bom. Entretanto, creio que tudo que puder vir para somar é sempre muito bem- vindo.” O mangalarguista Rafael Meirelles ressaltou, por sua vez, que a paixão pela raça que compartilhava com seu pai - Carlos Rubens Meirelles, falecido em fevereiro deste ano - o levou a integrar o projeto. “Nossa ideia foi a de tentar ajudar essa iniciativa e buscar fomentar o pensamento de trazer para a raça um cavalo mais ligado à vida campeira, um animal mais rústico e brasileiro, por isso a gente resolveu participar, para o cavalo melhorar e para que existam mais opções de sangue para todo mundo poder usar. Acho que vai ser algo muito bom para a raça como um todo.” Um dos idealizadores do projeto, Carlos Eduardo Purchio declarou estar muito feliz por ver esse trabalho acontecendo. “Eu agradeço muito ao Opice por ter abraçado essa empreitada e também me sinto muito contente por poder participar dessa comissão com a participação de tantas ‘feras’ da nossa raça”, explicou o mangalarguista, lembrando que tudo começou a partir da despretensiosa ideia de realizar um leilão com animais de linhagens antigas. O fato foi lembrado também pelo Presidente Opice. “Um dia o Cadu me ligou e comentou que ele, o Deco e o Rogério Cruz,

da Prime Selection, estavam pensando em fazer um leilão de linhagens antigas. Eu achei a ideia ótima e disse que teria total apoio da Associação. Passado algum tempo, ele e o Deco saíram de viagem para garimpar animais para o leilão. Quando voltou, o Cadu foi lá na Associação e comentou que ficou maravilhado tanto com os animais como com a recepção do pessoal, dos donos das tropas que eles foram ver. Eu acabei me interessando e comecei a rodar com ele e com o Deco. Fomos em mais de vinte criatórios. Aí, constatamos que era preciso fazer alguma coisa a mais, assim veio a ideia de chamar o Raul para liderar esse trabalho de resgate, que é justamente uma retomada do Projeto Raízes.” A rica conversa entre os mangalarguistas abrangeu ainda muitos outros tópicos e teve um tempo de duração recorde para o programa Prosa Mangalarga. Para conferir tudo que foi conversado nessa edição especial, acesse a página oficial da ABCCRM no YouTube, onde a atração está disponível ao público, assim como todas as demais edições do Prosa Mangalarga.

Foto: Pedro Rebouças

Em seguida, Gabriel Francisco Junqueira de Andrade, o Bié, ressaltou os grandes desafios que o projeto tem pela frente. “Esse é um trabalho muito importante, mas reconheço que há uma dificuldade muito grande para se recuperar esse material genético. O Raul é um pesquisador e acredito que ele vai conseguir localizar muitos animais, mas hoje são poucos os exemplares que realmente refletem esse resgate genético. No entanto, vamos lutar por esse objetivo, mesmo que não consigamos tudo, pelo menos uma parte a gente consegue.” André Fleury, o Deco, que também atua como jurado e técnico da raça, destacou a evolução zootécnica do Mangalarga, assim como o momento propício em que a raça se encontra para a realização do projeto. “Como tenho participado das exposições e estou no dia a dia vivenciando a raça, é preciso destacar que o Mangalarga evoluiu muito. Isso é algo que a gente não pode menosprezar. Os animais estão andando muito bem, estão se equilibrando, mas eu acho que a gente tem que pensar lá na frente. Quando eu era menino, já se via essa preocupação com relação à endogamia na raça Mangalarga. Então imagino que hoje essa questão seja ainda mais relevante, por isso essa preocupação do Raul e nossa para retomar esse projeto.” Ainda de acordo com Deco, a raça está atualmente em uma fase melhor para absorver esse gênero de iniciativa. “Eu acho muito bacana estar retomando esse projeto neste momento, porque eu sinto que a maioria dos criadores vai apoiá-lo, pois eles sentem necessidade disso. Tenho certeza que se os criadores da época daquela primeira iniciativa tivessem a dimensão da verdadeira importância desse trabalho, cem

Raul Almeida Prado, em 2003, com animal do antigo Projeto Raízes.


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CIDADE ALERTA

Programa da TV Record destacou o bom trabalho prestado pelos animais da raça no Regimento de Cavalaria de Goiânia Por Pedro C. Rebouças

O

O repórter Fred Silveira destacou as qualidades da raça.

Fotos: TV Record

programa Cidade Alerta Goiás, transmitido pela filial da Rede Record no estado, veiculou uma ampla matéria sobre a parceria entre a raça Mangalarga e o Regimento de Cavalaria de Goiânia (GO). Com cinco minutos de duração, a reportagem foi ao ar no fim da tarde de 29 de junho, destacando os bons resultados que o trabalho vem obtendo. Segundo a matéria, graças à parceria iniciada no ano passado, por meio do projeto Amigos da Cavalaria, a tropa do regimento vem sendo renovada com animais da raça Mangalarga, contando atualmente com doze exemplares da raça, que mostram muitas qualidades para o patrulhamento urbano, como coragem, força e imponência. O repórter Fred Silveira destacou ainda que o andamento é um importante diferencial do cavalo Mangalarga. “Uma das maiores vantagens da raça está justamente no conforto que ela proporciona aos policiais, que passam até oito horas por dia realizando o patrulhamento montado, isso reflete diretamente na qualidade do serviço que é prestado para a sociedade goiana.” A intenção do comandante do regimento, o tenente coronel Alysson Sobrinho, de substituir toda a tropa por animais da raça também foi ressaltada pela reportagem. “Nada mais justo do que a cavalaria do estado de Goiás

O tenente coronel Alysson Sobrinho exaltou o êxito da parceria.

valorizar uma raça genuinamente brasileira. Além disso, esse é um cavalo que apresenta qualidades muito positivas para a Polícia Militar e para o Choque Montado, pois ele apresenta a coragem, a estatura e a imponência que a cavalaria precisa.” Em depoimento ao programa, o Presidente da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos da Raça Mangalarga (ABCCRM), Luis Augusto Opice, explicou os motivos que levaram a entidade

a aceitar esse desafio. “Nós prontamente abraçamos esse projeto dada a importância dele para a nossa raça, assim vários criadores cederam animais que estão hoje sendo utilizados pelo regimento de Cavalaria. Afinal, para nós, como criadores, é motivo de muito orgulho e alegria ver que o Mangalarga vem se destacando no patrulhamento das ruas, especialmente pelo curto tempo de adaptação que eles tiveram a essa atividade.” Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Panorama Mangalarga

ABCCRM EM LUTO

Marcelo Boaro Jr. atuou como jurado, técnico e médico veterinário.

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Associação Brasileira de Criadores de Cavalos da Raça Mangalarga (ABCCRM) perdeu recentemente dois dedicados colabores: Marcelo Boaro Junior e Vanessa Fabiano. Dono de uma notável carreira na raça, na qual atuou como jurado, técnico e médico veterinário, Marcelo Boaro Junior faleceu no dia 06 de junho, aos 46 anos de idade. O profissional, que era filho do consagrado apresentador Marcelo Boaro, mais conhecido entre os amigos mangalarguistas como Barba, também ocupava o cargo de gerente do Haras Piratininga, em Barretos (SP). “Marcelinho, como era chamado por todos, deixa um vazio enorme em nossos corações, pois

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Revista Mangalarga

Agosto, 2020

Foto: Arquivo ABCCRM

Foto: Norberto Cândido

Por Pedro C. Rebouças

Vanessa Fabiano era considerada uma colaboradora exemplar.

viveu por 14 anos em nossa casa, gerenciando nossa criação de cavalos Mangalarga. Foi das mãos dele que nasceram os principais animais que o Haras Piratininga possui. Um amigo correto, honesto, um ótimo profissional. Estamos em luto e assim iremos permanecer, com uma dor muito grande por não o termos mais entre nós”, destacou o criador Luiz Aparecido de Andrade, em comunicado veiculado nas redes sociais pelo Haras Piratininga. Vanessa Fabiano, por sua vez, faleceu no dia 25 de julho, na capital paulista, aos 42 anos. Coordenadora da Secretaria Geral da ABCCRM, a dedicada profissional ingressou no quadro de funcionários da entidade em

novembro de 2019, após uma longa carreira na área jurídica. Na páginal oficial da ABCCRM no Facebook, o Vice-Presidente Administrativo Financeiro da ABCCRM, Nelson Antonio Braido, registrou seus sentimentos aos familiares e amigos e ressaltou que Vanessa Fabiano era uma colaboradora exemplar, dedicada e muito profissional. Já o Diretor Adjunto de Núcleos, Cauê Costa Hueso, lembrou que a Coordenadora da Secretaria Geral da ABCCRM era uma pessoa ímpar, muito prestativa e de bom coração. Além disso, o dirigente destacou que a família mangalarguista perde uma amiga.


Panorama Mangalarga

AMIGOS DO BEM Com o apoio da família Mangalarga, live do Haras Tarlim arrecadou mais de 40 toneladas de alimentos para a população do sertão nordestino Por Pedro C. Rebouças

Foto: Divulgação

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Haras Tarlim promoveu, na tarde do sábado 25 de abril, uma movimentada live, exibida direto da sede do criatório, em Jaguariúna (SP). A transmissão, que se estendeu por mais de oito horas, contou com a apresentação da tropa do haras e com espetáculos musicais, proporcionando um agradável momento de descontração à comunidade mangalarguista, durante essa difícil fase de quarentena por conta do novo coronavírus. O evento, além disso, teve o mérito de promover uma relevante ação de caráter social, responsável por atrair recursos para a instituição Amigos do Bem, cuja atuação busca transformar a realidade de milhares de famílias no sertão nordestino. Com forte adesão dos criadores e adeptos da raça, a iniciativa resultou na doação de mais de 40 toneladas de alimentos. Na avaliação de Alcione Albanesi, presidente da Amigos do Bem, o balanço da ação foi muito positivo. “Agradecemos muito o Haras Tarlim e a família Mangalarga por apoiarem o nosso projeto e nos ajudarem a arrecadar alimentos para quem tanto precisa. Com a live e o leilão (realizado em março), obtivemos um total de 45 toneladas de alimentos. São 3.000 cestas básicas para atender

Fernando Tardioli comandou a live na companhia de André Freire e Cauê Hueso.

famílias que vivem na extrema pobreza.” Alcione explica que a crise da covid-19 trouxe novos desafios a um cenário já bastante complexo. “A situação no sertão nordestino é extremamente preocupante. Nossas dez mil crianças, que recebiam alimentação nos nossos centros educacionais do sertão, estão agora em suas casas, sem comida e qualquer outro recurso.” A presidente lembra ainda que a Amigos do Bem atua há 26 anos, transformando vidas e enfrentando os desafios diários de atuar nas regiões mais carentes e isoladas do país. “No entanto, o problema agora é ainda mais grave, os hospitais dos municípios não têm estrutura nenhuma, como

álcool, luvas, máscaras, remédios, leitos ou qualquer equipamento. Por isso, criamos um plano de ação emergencial para amenizar este sofrimento. Mas para isso precisamos de muitos recursos.” Diante desse panorama, a presidente da entidade destaca a importância dos recursos obtidos por meio de ações como as promovidas pelo Haras Tarlim. “Estes recursos serão aplicados em nosso plano de ação emergencial, para levar milhares de cestas básicas e kits de saúde e higiene para mais de cem mil pessoas, além da distribuição de água para abastecer mais de 130 cisternas do sertão e de dar apoio aos hospitais locais que não têm nenhuma estrutura.” Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Panorama Mangalarga

APRESENTADORES

EM FOCO

Competição virtual revelou novos talentos e colocou em evidência o trabalho de apresentadores consagrados Por Pedro C. Rebouças

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Revista Mangalarga

Agosto, 2020

Foto: Divulgação

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comunidade mangalarguista continua mostrando muita criatividade para enfrentar os difíceis dias de quarentena. O casal Dalva Marques e Silvio Parisi é um bom exemplo disso. Inspirados no sucesso da Copa Virtual de Marcha, promovida no mês de abril, pela Central da Marcha, eles resolveram promover uma disputa com foco nos apresentadores. Acostumada a ter uma rotina movimentada, seja treinando e apresentando animais ou julgando provas de marcha, Dalva Marques conta que tanto ela como o marido vinham sentido muita falta das exposições e copas que costumam movimentar a raça nesse período do ano. “Nós estávamos sentindo a necessidade de fazer algo para matar a saudade das pistas, por conta dessa fase complicada que o País e o mundo estão atravessando. Como já haviam acontecido as disputas virtuais de marcha, pensamos em um novo modelo de competição, visando mostrar o trabalho dos apresentadores já consagrados, além de descobrir novos talentos. E que talentos!” Dalva conta que a competição deixou muita gente feliz, pois proporcionou aos profissionais

Maria Eduarda participou da disputa recordista de votos.

do setor uma ótima oportunidade para exibirem seu trabalho e sua paixão pelos equinos e muares. Realizada pela página da mangalarguista no Instagram, a disputa contou com a participação de 66 competidores, incluindo, além dos representantes da raça Mangalarga, apresentadores de muares e também das raças Pampa e Mangalarga Marchador. Os concorrentes foram divididos em cinco categorias: apresentadores de equinos masculino e feminino, apresentadores de muares masculino e feminino e, ainda, apresentadores mirins. Segundo Dalva, as crianças deram um show de apresentação à altura dos adultos. “As disputas encantaram o Brasil e o mundo. Afinal, tivemos votação de outros

países, como Japão, Itália, México, República Tcheca, Eslováquia e Estados Unidos. O pessoal desses países chegou inclusive a criar grupos para apreciar as apresentações.” Assim, a organizadora faz uma avaliação extremamente positiva da competição. “Foi um verdadeiro espetáculo! Superou as expectativas, tivemos disputas com oito mil visualizações e mais de sete mil votos, registrando a participação de pessoas de todas as idades. O recorde de votação foi a disputa entre a Maria Eduarda Haddad e a Maria Izabel Herman, que registrou um total de 7.861 votos. Assim, agradecemos a Deus e a todos que fizeram deste um dos maiores eventos virtuais dessa quarentena.”


Lazer & Cultura

HANS HAUDENSCHILD

Famoso por retratar os mais belos animais da raça, o artista celebra seu octagésimo aniversário em plena atividade Por Pedro C. Rebouças

que cria no Haras Três Estrelas, em Tatuí. Hans dedicou-se ainda à publicidade, tendo ocupado os cargos de diretor de arte e diretor de criação em agências como Erwin Wasey Advertising, Alcântara Machado e Norton Publicidade. Essa vivência no mundo da propaganda foi levada também para a ABCCRM, onde integrou as diretorias comandadas por Alípio Pereira Marques de Oliveira, Fausto Simões, José Oswaldo Junqueira e Felippe Cavalcanti de Albuquerque. Durante esse longo período de colaboração, deu importantes contribuições, sendo a principal delas a criação, em 1973, da logomarca “Mangalarga: o cavalo de sela brasileiro”. Inspirada na cabeça do cavalo Colorado, a obra tornou-se o principal símbolo da raça, ilustrando os documentos oficiais, veículos de comunicação e

redes sociais da ABCCRM. Na apresentação do livro “A pintura equestre de Hans Haudenschild”, o criador João Francisco Franco Junqueira recorre ao Divino para explicar o talento do artista mangalarguista. “Deus às vezes é cruel em sua criação e às vezes é muito generoso. No caso do meu amigo Hans, Ele foi de uma bondade enorme. Colocou numa só pessoa o dom de expressar, nos traços de uma pintura, todas as coisas belas que existem nesse nosso mundo e deu a ele o gosto de apreciar essa maravilhosa beleza plástica que tem o cavalo. Só podia dar no que deu. O Brasil ganhou um notável pintor de cavalos. Quando digo pintor de cavalos, não estou querendo dizer apenas alguém que consegue colocar na tela as formas desse animal. O Hans consegue captar nos seus traços a personalidade de um cavalo.” Foto: Divulgação

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ono de uma trajetória ímpar na raça Mangalarga, o artista plástico Hans Haudenschild celebrou, no dia 24 de junho, seu aniversário de 80 anos. Nascido em Tatuí (SP), em 1940, filho de pai suíço e mãe italiana, o renomado pintor foi criado numa fazenda no interior de São Paulo, onde sua ligação com o universo equestre teve início. “Meu convívio com o Mangalarga tem sido intenso e duradouro, pois ganhei a primeira potranca quando completei sete anos. A partir daí, meu envolvimento com os cavalos se intensificou e passei a fazer parte dessa história, na condição de criador e também como artista plástico, retratando a óleo sobre tela este cavalo que é um verdadeiro orgulho para todos nós”, destaca o pintor. O ano de 1955, quando realizou o primeiro retrato a óleo de um cavalo, pode ser apontado como o ponto inicial da carreira do artista no mundo dos cavalos. Desde então, com seu estilo hiper-realista e conhecedor da anatomia equina, tornou-se um dos principais nomes do segmento, sendo solicitado a pintar Grandes Campeões das raças Árabe, Quarto de Milha, Puro Sangue Inglês, Pampa e, especialmente, Mangalarga, aquela que é sua grande paixão e

Hans Haudesnschild com sua mais recente obra, o retrato de Triunfo do Urso Branco.

Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Lazer & Cultura

O POETA

DO MANGALARGA O Cavalo de Sela Brasileiro é a principal inspiração das poesias e acrósticos do poeta João Bagaiolo Por Pedro C. Rebouças

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em outra direção ou sentido, forma também outras palavras ou frases. No caso dos acrósticos voltados ao universo mangalarguista, que tanto se destacam na obra de Bagaiolo, os versos se desenvolvem sempre a partir das letras que compõem o nome do homenageado. Bagaiolo, aliás, faz questão de recitar os poemas um a um, sempre de cabeça. Já os demais presentes fazem questão de ouvir atentamente a todos. O anfitrião Caito, Caio Affonso Junior, que abriu as porteiras de sua propriedade para esse alegre e por vezes emocionante sarau caipira, é um dos incentivadores e divulgadores da obra do amigo, que em breve deve ser eternizada em um livro com renda revertida a causas beneficentes. O recital da agradável tarde de inverno começa com uma homenagem à cidade de Bocaina, terra que o jauense Bagaiolo também aprendeu a amar e admirar.

Foto: Pedro Rebouças

ma brisa agradável refresca o início de tarde quente e seco de um inverno atípico no interior paulista. Na varanda do casarão centenário da chácara Villanova, sede do Haras Guarantã, em Bocaina, a mesa está posta com um gostoso bolo e café fresco. Ao seu redor, uma animada e agradável prosa se desenrola, com as qualidades do Mangalarga sendo celebradas e declamadas em bem elaborados versos pelo mangalarguista João Bagaiolo. Afinal, para esse grande apaixonado pela raça, tudo pode virar poesia, seja um cavalo, um criador, uma família, uma cidade, um cavaleiro ou um haras. Para a conversa com o jornalista da Revista Mangalarga, ele trouxe mais de trinta dessas poesias que ganharam vida no papel em forma de acrósticos, composições poéticas cuja versificação, quando lida

João Bagaiolo com os acrósticos que homenageiam a raça Mangalarga e o Presidente Luis Opice.

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Revista Mangalarga

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Lazer & Cultura Berço do Mangalarga, tem Obras de Jorge, Guica e Calixto, iluminadas pela mais linda fogueira de São João,

As poesias, aliás, chegam de formas diferentes ao poeta. Conforme ele conta, algumas vêm de uma vez, prontas, fruto de uma inspiração de momento. Outras exigem trabalho, um pouco de labuta, para lapidar o tema da homenagem em palavras cujos sons e imagens ressoem no coração dos ouvintes. A homenagem à raça Mangalarga, que Bagaiolo aprendeu a admirar ainda na infância, quando frequentava o bairro jauense do Banharão, onde seus avós tinham uma propriedade rural, foi dessas que chegou pronta, com os versos brotando na boca do poeta antes de migrarem para o papel. Marcha cômoda que rende muito, é o Andamento campeão! Não nega estribo, é um Grande companheiro. A sua beleza com tanta classe, nos Leva a outra dimensão. Até chegarmos a ele foram décadas de dedicação, de Respeitados e apaixonados criadores, Gente que Respira e sonha A raça que encanta de geração em geração... Os poemas também podem ser mais curtos e rápidos ou ganharem uma forma mais extensa com muitos versos e estrofes. O famoso Turbante J.O., por exemplo, foi retratado no papel com um formato sintético e ágil, na homenagem feita anos atrás ao senhor José Oswaldo Junqueira. Tiragem Unica, Raçador Brilhante. Assim Nasceu Turbante, E virou lenda... O mesmo aconteceu com o acróstico para o garanhão Topázio J.O., esse entregue em mãos a seu criador, ainda no momento da vibrante emoção da comemoração do Grande Campeonato Nacional.

Foto: Pedro Rebouças

Casarões deslumbrantes do tempo do café, Ancorados nas melhores terras de Santa Fé. Iniciada por valorosos imigrantes, Nunca perdeu o charme e a inspiração. Assim é Bocaina, a cidade que povoa o meu coração...

Bagaiolo com o amigo e grande incentivador Caito.

Teve Ousadia Parou Á exposição. Zeus Inclinou-se ante O novo campeão! Por sua vez, o tributo ao Dr. Geraldo Diniz Junqueira, feito poucos dias após o seu falecimento, ganhou um formato mais extenso, em uma justa homenagem ao decano criador. Grande personalidade do mundo Mangalarga, de Orlândia E do Brasil, profundo conhecedor da Raça que muito ajudou a “construir”, e que tanto Amava. A quem Lhe pedisse Dividia seus conhecimentos, Obtidos Durante uma vida Inteira dedicada ao Nosso cavalo. Incansável, foi sua marca! Numa escala de Zero a dez Justo seria lhe atribuir cem... Um ser humano formidável, que Nunca será esquecido. Quem o conheceu pode descrevê-lo como Um apaixonado E dedicado criador, Inspirador de seus descendentes e de todos nós, um esteio da Raça! Que a partir de agora, fica saudosa do sempre querido Amigo, Geraldo Diniz Junqueira.

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Lazer & Cultura Os criatórios da raça, por sua vez, merecem especial destaque na coletânea de João Bagaiolo. Entre eles, há os que conheceu profundamente, outros que aprendeu a admirar e ainda aqueles com cuja beleza costuma sonhar. O antigo Haras das Palmeiras, que o marcou na infância e juventude, mereceu a seguinte homenagem. Havia muitas palmeiras... A sombra delas, sobre um gramado impecável, Reinavam solenes, A mais linda tropa Mangalarga, e um grande rebanho bovino, Semeados e amados por Dona Sophie Elma Capps de Moraes Alves e seu Affonso de Moraes Alves Se o tempo pudesse dizer... Pediria para que nada mudasse, Aquela paisagem, o que a compunha, um conjunto Lapidado pela Mente brilhante daquele casal. Era um pedaço do Paraíso, que hoje não existe mais. Isso serve de alerta, às futuras gerações, Reconhecer a grandeza do trabalho feito pelos Antepassados, e aprenderem a lição, Sobre uma obra perfeita, não se muda uma vírgula, só cabe a

Estamos nesse pedaço de Céu, Seja pela beleza da paisagem e Por cada detalhe, que nos Inspiram, e dão a certeza, de que estamos Nas mãos de Deus, Hoje e sempre! Aqui no Espinhaço, fica a liÇão, onde o Homem, Emiliano Abraão e Os Seus, construíram com amor, respeito à Natureza, a seus semelhantes e aos animais, um dos lugares, neste mundo, onde se quer chegar, e nunca partir...

Os amigos, aliás, também são celebrados em poesias e poemas. Josué Eduardo Grespan, por exemplo, foi lembrado por meio dos seguintes versos. Dos apaixonados pelo Mangalarga Um tem cadeira cativa, e Garantida, e se faz necessário, em qualquer decisão que se Refira a nossa raça. Ele faz das tripas coração, Sai de sua zona de conforto Para dar sua melhor contribuição, e A nós, a quem sempre recebe, com maestria, Não podemos deixar de reconhecê-lo, e lhe retribuir um dia, na mesma proporção!

preservação...

Já o Haras Origem, do amigo Fernando Rivaben, mereceu uma comovente descrição.

Onde a energia que emana, Renova a vida que brota colorida, na Imensidão, do verde de vários tons. Lar da melhor Genética, do cavalo lapidado com carinho E amor, por Fernando Rivaben e os Seus, que Merecem da Família Mangalarga, a mais profunda gratidão. O Haras Espinhaço, com toda a beleza de seu cenário, também inspirou o poeta mangalarguista, que dedicou ao criatório os seguintes versos: Há sonhos, que vivemos de olhos Abertos, chegamos a confundir, ilusão com Realidade. Assim nos sentimos, Sempre que

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Revista Mangalarga

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Foto: Teixeira

Harmonia perfeita entre A natureza e o homem, Revela o dom de Deus, na Alma de quem o projetou, Paraíso Simplesmente encantador.

O cavalo Ethoino de C.P.A. já foi celebrado em poema de Bagaiolo.

Já a homenagem ao amigo Caito, anfitrião dessa agradável tarde, celebra um dos destaques de sua seleção, o pampa de preto Ethoino C.P.A. (T.E.). Entre Tantas Honrarias, Ostenta Importante Nacional, Obra


Lazer & Cultura Conquistada Pelo Andamento, Tão Especial! A beleza e os feitos de outros destacados animais também inspiraram a poesia de Bagaiolo. Vermute ACF foi um deles: Vencedor E Raçador, Merece Um Tesouro E Aclamação, Campeão! Fez história e se tornou paixão... Popó Juja foi outro cujas qualidades ganharam versos em um belo poema: Para trazer mais brilho e felicidade à Raça, em 21 de janeiro de 2000, nasceu O incrível Garanhão Popó JUJA, um dos maiores representantes e orgulho do Ótimo e conceituadíssimo Criatório de

debruçam os apaixonados que de olhos abertos chegam a sonhar, por tanta emoção ao vê-lo marchar...

As poesias de Bagaiolo prosseguem, sempre se inspirando no mundo do cavalo. Infelizmente, o espaço na revista é pouco para tanta inspiração. Há poema para o presidente da ABCCRM, Luis Augusto de Camargo Opice, e para amigos como Roberto Carlos Barros, Rubens Mazon e Luiz Valentin Villanova. Há ainda versos em homenagem aos haras Três Rios, Urso Branco, EGAF, Araxá, Tarlim, Duas Águas e Jatobá. Isso sem falar nas estrofes que celebram outros grandes animais, como Jubileu do Vassoural, Oceano 3P, Orgulho Juja e Xadrez das Duas Águas. Muitos outros, aliás, estão por vir. A expectativa é que boa parte dessa rica produção possa ser reunida no livro que o autor planeja para mostrar um pouco de sua obra, iniciada de forma despretensiosa para conquistar o coração da esposa Alessandra, construída sob a luz da sabedoria do médium Chico Xavier e sempre baseada nos ensinamentos de sua mãe Esther, inspiração do último acróstico a ilustrar esta matéria. Eterna professora, Sempre pronta a ensinar, Talentosa pintora! Hoje desfruta de recordar o passado, onde vem Escrevendo uma linda, inspiradora e Rica história, que é motivo de orgulho e motivação para todos nós, filhos, netos e bisnetos, frutos do seu amor. moorr.

José Urbano Junqueira de Andrade, de Dona Beth Torres, de

Foto: Arquivo familiar

Baninho e de Viviane. Um Raçador que é a síntese da perfeição. Que faz Jus a tanta fama e desperta paixão. A janela do tempo que marca sua passagem, é onde se

A esposa de Bagaiolo, Alessandra, inspirou os primeiros versos do poeta da Família Mangalarga.

João Bagaiolo, o cavaleiro mais à frente do grupo, é adepto das cavalgadas há muitos anos. Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Lazer & Cultura

CAVALGADAS E TRADIÇÕES EQUESTRES COM CAVALOS MARCHADORES Islândia e Índia são dois destinos que propiciam o contato com equinos de marcha e com eventos muitos especiais dentro do cenário equestre

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eu texto nesta edição é sobre dois eventos tradicionais que visitamos durante cavalgadas, oportunidade de testemunhar a cavalo tradições equestres muito antigas. São poucas as raças de cavalos marchadores no mundo em comparação aos cavalos trotadores e, da mesma forma, as opções de cavalgadas disponíveis são em menor número. Marchadores na Europa

“Round Up” / “Reunir a Tropa” Um número crescente de pessoas está indo cavalgar nas terras altas da Islândia. São várias as opções de cavalgadas, uma que acho muito interessante é acompanhar a cavalo o tradicional evento anual do “Round Up” ou “Reunir a Tropa”. É uma tradição muito antiga, documentos do século XIII já mencionavam o “Round up” e muito pouco mudou ao longo do tempo. Agora ocasionalmente usam pequenos aviões para localizar os cavalos do ar, mas todo

Paulo Junqueira cavalga com um cavalo Marwari na Índia.

o processo ainda é fiel aos antigos costumes. De acordo com o que me contou uma criadora local, a razão

Fotos: Paulo Junqueira

O cavalo Islandês, mais famosa raça de marchadores do continente europeu, é uma raça criada a partir de cavalos trazidos para a Islândia pelos vikings no século IX. A criação de cavalos é uma tradição no país, gerações de famílias rurais

mantêm suas criações de cavalos; toda cidadezinha de mais de duzentas pessoas tem um clube com uma pista de equitação.

O cavalo islandês é o mais conhecido equino marchador da Europa. 50

Revista Mangalarga

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Na Islândia, os cavalos são soltos nas montanhas durante o verão.


Lazer & Cultura para levarem os cavalos para as montanhas é a necessidade prática de alimentar os cavalos no verão, e preservar um pouco de grama na fazenda durante o inverno; e também a crença romântica de que esses verões livres nos campos influenciam a personalidade dos potros. “Queremos mantêlos o mais selvagem possível”, me explicou Steinun. “O cavalo tem personalidade”, disse ela, enfatizando a importância dos instintos naturais que aprendem um com o outro. “Além disso, as montanhas ajudam a criar um cavalo de pés firmes e musculosos, endurecido pelo clima severo e por espaços abertos”. Em outras palavras, os torna resistentes como os próprios islandeses. Por isso, eles ficam uma parte do ano nas Terras Altas, pastando livres e se reconectando com seu lado selvagem, sem nenhum contato humano por meses. No final do verão ou início do outono eles são trazidos das montanhas. Os fazendeiros recrutam amigos, vizinhos e alguns convidados (turistas) que se juntam com a missão de localizar e agrupar todos os cavalos espalhados pelas montanhas e levá-los para o curral. O terreno dessa “cavalgada” é bastante variado e inclui os pântanos das montanhas, os vales verdes que estão começando a mudar suas cores do verde para as cores do outono; cachoeiras, lagos e rios azuis das águas do degelo e o desfiladeiro de Kolugljúfur. Picos nevados ao longe criam um pano de fundo branco, contrastando com as cores vermelho e amarelo do outono no vale e nas colinas. É uma visão espetacular ver aquelas centenas de belos cavalos correndo ladeira abaixo, voltando para casa. No final os cavalos são reunidos num grande curral aonde são separados e distribuídos para seus proprietários. Depois, todos comemoram numa grande

O cavalo islandês é o mais conhecido equino marchador da Europa.

Visitar a Feira de Camelos de Pushkar é uma experiência inesquecível.

O mangalarguista Gustavo Abel experimentou a marcha dos exemplares indianos.

festa que inclui muita música e a dança “réttardansleikur”. É uma festa tradicional de islandeses que compartilham seu amor por cavalos.

cavalgadas, destaco a cavalgada no Rajastão que inclui visita à Feira de Pushkar (Pushkar Camel Fair), maior feira de camelos da Ásia, oportunidade única para conhecer a rica história e cultura da Índia. Pushkar é uma pequena cidade do Rajastão localizada em uma região desértica, a quase 1.000 km de Delhi. É uma das cidades sagradas mais antigas da Índia, que, uma vez por ano, se transforma em um palco de negociações e shows ao ar livre, com camelos e cavalos vindos com seus donos de toda a Índia e até de países vizinhos. Durante séculos, homens das tribos se reuniram em Pushkar na lua cheia para trocar camelos, gado e cavalos. Nos últimos anos, cerca de 50.000 animais vêm participando do evento. Na semana da feira, o comércio é pulsante, com artigos artesanais raros, tecidos, joias e boas oportunidades para compras. Ao percorrer o Rajastão a cavalo, temos uma visão privilegiada da vida rural indiana. A rica diversidade do campo traz muitas surpresas agradáveis, e a melhor delas são os belos cavalos Marwari, resistentes e inteligentes, conhecidos por sua bravura e energia. O Marwari é um cavalo elegante distinguido por suas orelhas em forma de lira que se curvam para dentro com as pontas se encontrando no meio. Ele é parte integrante da herança cultural do Rajastão e chegou a ser considerado em risco de extinção. A Feira do Camelo em Pushkar é uma excelente oportunidade para conhecer a Índia rural na sua forma mais original e interagir com a cultura local.

Marchadores da Ásia Na Índia tem duas raças de cavalos marchadores, o famoso Marwari e o Kathiawari. São várias as opções de excelentes

Por Paulo Junqueira Arantes Cavaleiro profissional e Diretor da agência Cavalgadas Brasil www.cavalgadasbrasil.com.br Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Foto: Silvio Calazans

A voz do criador

Não me ative às fronteiras, fui desbravar o Brasil.

EU SOU O MANGALARGA DO BRASIL Meu sangue é verde e amarelo e que orgulho isso me faz sentir!

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Revista Mangalarga

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e vales do Rio de Janeiro, senti a doce liberdade junto aos ventos pampeiros e pelos cânions do Rio Grande do Sul. Andei pelas geadas de Santa Catarina, cavalguei nos estados do nordeste. Conheci Alagoas, terra dos recifes de corais, senti a areia sob meus cascos nas praias da Bahia e a linda extensão litorânea do Ceará. Corri nas dunas dos Lençóis Maranhenses, brinquei nas belas rochas resistentes e antigas da Paraíba e nos lagos e várzeas de Pernambuco. Andei pelos manguezais do Piauí e cavalguei

na Serra de Bongá no Rio Grande do Norte e na vegetação rasteira de Sergipe. Ao passo cheguei na floresta

Foto: Juliano Araujo

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asci em Cruzília, Minas Gerais, berço da família Junqueira, mas acabei me embrenhando pelo Estado de São Paulo, onde fui aprimorado e até moldado e ganhei o apelido de Paulista. Não me ative às fronteiras, fui desbravar o país. Atravessei no passo as serras aplanadas e altas de São Paulo. Em uma constante toada, fui rever meus parentes nas serras onduladas de Minas Gerais e segui a leste, chegando no Espírito Santo e pude sentir a leve brisa do oceano. Marchei pelas colinas

Meu sangue é nacional, conquistei o meu país.


Foto: Norberto Cândido

A voz do criador

Foto: Modesto Wielevicki

Sou para qualquer missão e cumpro com louvor.

patrão, sou parceiro nos esportes, sou soldado militar e sempre fui o eleito para as cavalgadas. Sou para qualquer missão e cumpro com louvor, sou sempre trabalhador. Meu temperamento é dócil e equilibrado; sou altivo, corajoso e desbravador como todo o povo brasileiro. Meu sangue é verde e amarelo e que orgulho isso me faz sentir! Talvez seja por isso que não me chamam mais pelo apelido, não sou mais assim reconhecido. Cruzei fronteiras, me instalei nos quatro cantos da terra de Nosso Senhor. Sim, eu cresci. Saí do Sudeste, desbravei o mundo e provei o meu valor. Meu sangue é nacional, conquistei o meu país. Uni pessoas, fortaleci famílias. Não podia ser diferente... sim, eu sei o meu nome e sei de onde vim! Eu pertenço a uma só nação, EU SOU O MANGALARGA DO BRASIL.

Sou altivo, corajoso e desbravador como o povo do meu país.

Amazônica do Amapá, em toada fui até a hidrelétrica de Foz do Iguaçu no Paraná, me banhei nas nascentes da Amazônia, me diverti nas chuvas no Acre, passei pelas lindas seringueiras de Rondônia. No centro Oeste, marchei no Distrito Federal, galopei na serra do Caiapó em Goiás. Segui o curso do Rio Araguaia e no Mato Grosso conheci manduvi e carandá. Cavalguei no Pantanal, toquei boiada em Mato Grosso do Sul e segui em toada para a Serra das Traíras em Tocantins e pela baía de Guajará no Pará. E cheguei no Topo do Mundo! Minha raça, resistência e coragem me permitiram atravessar a maior cadeia montanhosa que

existe no planeta, a Cordilheira dos Andes, cavalgando por mais de oito mil quilômetros, enfrentando todos os climas que se possa imaginar, respirando o ar rarefeito de mais de cinco mil metros de altitude e atravessando seis países. Com a minha rusticidade e altivez entrei para a história por força dessa cavalgada que nenhuma outra raça do meu país se arriscou a fazer. Ali, em solo estrangeiro, mostrei minha garra e meu sangue brasileiro. E assim, quando eu dei por mim, percebi que embora nascido em Minas Gerais e reconhecido em São Paulo, meu solo é meu país. Sou destinado para as fazendas, sou o cavalo do peão e do

Renata Sari Mangalarguista, mãe de quatro filhos, advogada, sócia do escritório Sari Advogados e do Haras Apoena, casada com o mangalarguista Deolindo José de Freitas Junior, advogado, empresário, sócio nos negócios e um grande parceiro pela vida. Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Mercado & Finanças

9º LEILÃO

OBRAS PRIMAS O remate contou com a participação de compradores de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraíba e também dos Estados Unidos Por Pedro C. Rebouças

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Revista Mangalarga

Agosto, 2020

Fotos: Divulgação

A

Business Leilões promoveu, em conjunto com o C.T.E. RPN, a nona edição do Leilão Virtual Obras Primas. Realizado na noite de 10 de junho, com a condução do leiloeiro rural Roberto Leão, o remate ofertou 24 lotes, entre reprodutores, matrizes, potros e potrancas da raça Mangalarga. Segundo Rodrigo Paradeda Nunes, diretor do C.T.E. RPN, o leilão alcançou um índice de liquidez de 82% e uma cotação média de R$ 14.000,00. “Nós tivemos também a participação de investidores dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraíba, além de um comprador dos Estados Unidos, responsável pela aquisição de dois lotes”, destacou o responsável pela assessoria do remate, que considerou positivo o balanço da noite, especialmente considerando-se o momento delicado provocado pela crise da covid-19. Ainda de acordo com Paradeda, o lote mais valorizado dessa nona edição do leilão foi o potro pampa de alazão Laçador LPC. Produto do cruzamento entre Emblema LPC e Celebridade LPC, o promissor

O remate obteve uma valorização média de R$ 14.000,00.

Roberto Leão, Alexandre Todeschini e Rodrigo Paradeda comandaram o evento.

animal foi vendido pelo criador mineiro Leandro Pasqualini de Carvalho para o Haras da Ginga, alcançando a cotação de R$ 37.200,00.

Para obter mais informações, entre em contato com a Business Leilões pelo telefone (21) 24913808 ou pelo e-mail business@ businessleiloes.com.br.


Mercado & Finanças

LEILÃO TINGUI MANGALARGA Remate atraiu compradores da Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Maranhão e Alagoas Por Pedro C. Rebouças

O

arrecadaram um montante de R$ 232.200,00, enquanto o lote composto por um animal com registro na Associação do Pampa alcançou a cotação de R$ 9.880,00. O lote mais valorizado da noite foi o jovem garanhão pampa de preto Guarantã do Tingui (T.E.), produto do cruzamento entre Torpedo da Janga e Índia Pitanga, que atraiu um investimento de R$ 21.320,00. Outro destaque do remate foi o lote composto por Xacarela do Tingui. Filha de Araketu RTA em Donzela do Tingui, a matriz tordilha atraiu um investimento de R$ 16.640,00. Segundo Ricardo Falcão, titular do Haras Tingui, durante 37 anos o Mangalarga trouxe muita felicidade a ele e a seus familiares,

entretanto novos rumos levaram à liquidação do plantel do criatório. “Desejo que os bons ventos soprem a favor do cavalo Mangalarga e, quem sabe, esses mesmos ventos nos tragam de volta para a raça, pois saímos do Mangalarga, mas o Mangalarga não saiu de nós.” Transmitido pelo portal Leilonorte, com retransmissão pela TV ClimaTempo, o Leilão Mangalarga Tingui contou com condução do leiloeiro rural Guillermo Sanchez, assessoria comercial de Cachala Mangalarga, comunicação de Publiarte e assistência técnica de Jacier Maciel Flor. Para obter mais informações, entre em contato com a Leilonorte pelo telefone (71) 3486-5893.

Fotos: Leilonorte

Leilão Virtual Liquidação de Plantel Mangalarga Tingui movimentou o mercado da raça na noite de 01 de junho. Promovido pelo Haras Tingui, com organização da Leilonorte e chancela da ABCCRM, o remate negociou 28 lotes, entre os quais estavam garanhões, éguas, potros e potrancas, além de um macho castrado, todos eles frutos do criterioso trabalho realizado pelo criatório ao longo de 37 anos de seleção. Segundo os organizadores, o leilão movimentou uma receita total de R$ 242.080,00, atraindo 21 investidores de cinco estados brasileiros: Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Maranhão e Alagoas. Os 27 exemplares da raça Mangalarga

Ricardo Falcão negociou 28 lotes de sua seleção.

Guillermo Sanchez comandou a noite de negócios.

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Espaço Técnico

AVALIAÇÃO BIOMECÂNICA EM EQUINOS DE MARCHA

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Revista Mangalarga

Agosto, 2020

Foto: Divulgação

D

esde que o homem se aproximou dos equinos há milhares de anos, ele tem buscado incessantemente entender o que os torna tão espetaculares.Através dos tempos, os equinos têm se aprimorado nas mais diversas funções como resultado da atuação do homem numa interação entre Ciência e Arte. Arte, associada à definição dos objetivos e características de seleção que cada criador traça com seu ‘feeling’, ou que os cavaleiros e treinadores utilizam para avaliar a evolução de seus animais. Ciência, no desenvolvimento e aplicação de estudos da morfologia, da fisiologia e de tudo aquilo que interfere no desempenho animal e auxilia na definição de critérios precisos de seleção. Nada mais excitante do que acompanhar a evolução de um animal desejado, que se inicia na escolha do acasalamento, passa pela gestação, tendo o primeiro pico de emoção no nascimento do potrinho. Depois vem o acompanhamento do seu desenvolvimento até o auge, que é o momento de montálo seja para um passeio ou competição. Os tempos atuais se

As análises biomecânicas têm como objetivo elucidar particularidades relacionadas à dinâmica de locomoção.

caracterizam pela velocidade das inovações e transformações das tecnologias que chegam também à Equideocultura. Especificamente, a locomoção equina é algo que envolve movimentos dos vários segmentos do corpo animal, sobretudo dos membros, com diferenças na coordenação, ritmo e cadência que irão caracterizar os diferentes andamentos. Esses, são resultantes de combinações genéticas e de fatores de manejo, sendo reconhecidos como andamentos naturais, ou seja, aqueles herdados dos ancestrais, o passo, o galope, o trote, a andadura e as marchas. O passo e o galope, com melhor ou

pior qualidade, todos os equinos realizam, sendo o primeiro mais lento e o segundo o mais veloz. De velocidade intermediária temos o Trote, a Andadura e as Marchas com suas variações. A Marcha Trotada da raça Mangalarga, assim como as marchas Batida e Picada observadas nas demais raças brasileiras de equinos marchadoras, são a expressão máxima do desempenho desses animais e têm despertado grande atenção ao meio equestre, não faltando polêmicas a respeito delas. A qualidade que se busca nesses grupos de animais ainda sofre de grande empirismo e heterogeneidade de conceitos.


Espaço Técnico Um dos desafios a se enfrentar é a transformação de variáveis qualitativas avaliadas de forma subjetiva na seleção de animais, em variáveis quantitativas, avaliadas de forma objetiva, por meio de procedimentos precisos, executados por pessoal qualificado. As análises biomecânicas têm como objetivo, elucidar particularidades relacionadas à dinâmica de locomoção, impossíveis de serem observadas a olho nu. A partir delas, dar sustentação, ou, apresentar correções e sugestões que devam ser aplicadas nas avaliações destes animais, seja nas pistas de julgamento ou no processo de seleção praticado pelos criadores.

Projeto Biomecânica Mangalarga 2020 A ABCCRMangalarga está iniciando neste segundo semestre de 2020 um novo projeto de análises biomecânicas para estudar a marcha e a morfologia do Mangalarga utilizando parâmetros biomecânicos relacionados à cinemática e morfometria. Animais nos diversos criatórios da raça, machos e fêmeas, jovens e adultos serão filmados para análise da marcha e mensurados para avaliação da morfologia. As filmagens dos animais serão realizadas com câmera de alta velocidade a 240 quadros por segundo (240fps) em pista de chão batido, plano com 7 metros de comprimento para captura das imagens. Dentre as variáveis estão previstas de serem quantificadas:

Pista – Avalia a sequência de pegadas (marcas deixadas pelo casco quando toca o solo) dos membros posteriores em relação aos anteriores, sendo possíveis

três situações: retropegada, sobrepegada ou ultrapegada.

Comprimento da passada – avalia o deslocamento do animal, sendo tomada pela medida linear em centímetros existente entre duas pegadas sucessivas de um dos membros anteriores definido como referência.

Frequência da passada – avalia a rapidez dos movimentos, sendo tomada pelo número de toques ao solo de um mesmo casco tomado como referência por segundo. Expressa em passadas por segundo ou Hertz.

Velocidade da passada – Relação entre deslocamento em função do tempo, expressa em metros por segundo (m/s) ou quilômetros por hora (km/h).

Percentual

de

apoio

– Quantifica a proporção de tempo de cada uma das possíveis combinações de apoios em uma passada completa. São possíveis as seguintes combinações de

apoios: Bipedais diagonais; Bipedais laterais; Tríplices apoios anteriores; Tríplices apoios posteriores; Quadrupedais; Monopedais anteriores; Monopedais posteriores; Bipedais anteriores; Bipedais posteriores; Suspensão (ausência de apoios).

Simetria – Para cada animal quantifica-se o tempo de apoio de cada membro em uma passada e a partir daí avalia-se a simetria entre apoios dos membros individualmente. Calcula-se também a simetria entre bípedes (dois membros), podendo ser S. Longitudinal – Relação entre a soma dos tempos de apoio dos membros anteriores e a soma dos posteriores; S. Lateral – Relação entre a soma dos tempos de apoio dos membros de um mesmo lado e a soma do lado; S. Diagonal – Relação entre a soma dos tempos de apoio dos membros de uma diagonal e a soma da diagonal oposta. Para exemplificar, abaixo estão algumas tabelas com valores de dois animais hipotéticos.

Tabela 1 – Velocidade em quilômetros por hora, comprimento em centímetros, frequência das passadas e pista apresentadas por dois diferentes animais. Animal

Velocidade (km/h)

Comprimento (cm)

Frequência (Hz)

A B

12,8 13,1

225 229

1,6 1,6

Pista (R.S.U) Sobrepegada Sobrepegada

Tabela 2–Percentual das diferentes combinações de apoios apresentados em uma passada completa por dois diferentes animais. Animal

Bipedais Diagonais

Bipedais laterais

Tríplices

Suspensão

A B

95% 97%

1% 0%

3% 0%

0% 1%

Monopedais posteriores 1% 2%

Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Espaço Técnico Tabela 3 –Avaliação da simetria entre os membros. Percentual do tempo em que o membro fica apoiado durante uma passada completa AE

AD

PE

A B

50 48

50 48

50 51

PD 50 52

Foto: Márcio Mitsuishi

Animal

Anterior Esquerdo(AE), Anterior Direito(AD), Posterior Esquerdo(PE), Posterior direito(PD)

As novas tecnologias têm muito a contribuir à melhoria da equideocultura.

Tabela 4 –Avaliação da simetria entre bípedes Animal

A B

Laterais (AD+PD/ AE+PE)

Diagonais (AD+PE/ AE+PD)

Longitudinais (AD+PD/ AE+PE)

1,0 1,01

1,0 0,99

1,0 0,93

Anterior Esquerdo(AE), Anterior Direito(AD), Posterior Esquerdo(PE), Posterior direito(PD). Bípedes laterais = relação entre a soma dos apoio dos membros do lado direito e os do lado esquerdo;Bípedes diagonais = relação entre a soma dos apoios da diagonal do anterior direito e posterior esquerdo em relação à oposta; Bípedes longitudinais= relação entre a soma dos apoios dos dois membros anteriores em relação aos dois posteriores

Com relação à morfometria serão tomadas medidas lineares e angulares dos animais com marcação dos pontos em material reflexivo e equipamentos apropriados, executados por uma única pessoa especializada e treinada. Estão previstas de serem quantificadas as seguintes medidas:

O rápido desenvolvimento das tecnologias as torna cada vez mais acessíveis e indispensáveis de serem aplicadas em uma equideocultura crescente em competitividade. A utilização desses procedimentos tem muito a contribuir como subsídio ao conhecimento, aprimoramento das técnicas e consequente melhoria dos criatórios e da raça como um todo.

Medidas Lineares Alturas: Cernelha, Dorso, Garupa, Costados, Vazio substernal, Membro anterior, Membro Posterior Comprimentos: Cabeça, Pescoço, Dorso Lombo, Garupa, Espádua, Braço, Antebraço, Canela anterior, Quartela anterior, Ílio-Fêmur, Coxa, Perna, Canela Posterior, Quartela Posterior. Perímetros: Canela anterior, Canela posterior, Tórax.

Medidas Angulares Inclinações: Espádua, Braço, Quartela anterior, Garupa, Coxa, Perna, Quartela Posterior. Ângulos: Escápulo-umeral, Úmero radial, Joelho, Canela-Quartela anteriores, Casco anterior, Coxo-Femural, Fêmuro-tibial, Jarretes, Canela-Quartelas posteriores.

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Professor Alessandro Moreira Procópio Diretor Técnico da ABCCRMangalarga


Espaço Técnico

PELAGENS: DESVENDANDO O CÓDIGO GENÉTICO Terceiro artigo da série sobre a genética das pelagens apresenta o tema “Padrões de Branco”

A

pelagem colorida intercalada de manchas brancas tem valor acentuado nos equinos. Esta predileção por cavalos manchados não é recente, e atualmente se traduz em maiores valores comerciais, além de registros raciais específicos. Finalizando a nossa série de artigos sobre pelagens, discutirei a genética dos genes causadores de padrões de branco, ou manchas. Estes genes são responsáveis por modificar a distribuição dos melanócitos (células produtoras de pigmento) durante o desenvolvimento embrionário, levando à ausência destes em partes do corpo, que aparentam então manchas de pêlo branco sobre pele rosada.

Relembrando genética das cores das pelagens e introdução às manchas despigmentadas.

As pelagens dos equinos são baseadas em dois pigmentos: eumelanina (preto) e feomelanina (vermelho/marrom). Todas as cores dos cavalos são baseadas nestes dois pigmentos, conforme explicado nos artigos anteriores. Porém, as manchas brancas são fruto da ausência de pigmento, ou de células produtoras destes (melanócitos), naquela região da pele do animal. No Brasil, somos carentes em termos para denominar estes padrões de manchas brancas, e poucas raças possuem outras nomenclaturas além de “Pampa”. Portanto, utilizarei também a nomenclatura genética para descrever estes genes geradores de “padrões de branco”. É importante frisar que mais genes causadores são descobertos a cada ano, e que variantes específicas podem ocorrer dentro de uma raça ou linhagem. Logo, é essencial que o animal seja testado geneticamente para determinar o padrão de branco que ele possui, e qual o potencial

Testes Genéticos de Pelagens disponíveis comercialmente para o criador Padrão de Branco

Símbolo

Raça

Ano Descoberto

Tobiano

To

Diversas

2007

Sabino 1

Sb1

Diversas

2005

Branco Dominante

W1-23?

Diversas

2007-2017

Frame Overo

O

Diversas

1988

Splashed White

SW1-6

Diversas

2012 -2020

Appaloosa e Pattern 1

LP e PATN1

Diversas

2013 - 2017

Machiatto

M

Um único garanhão FranchesMontagnes

2012

em transmitir para a prole.

Padrões de Branco causados pelo gene KIT O primeiro grupo que iremos discutir são os padrões de brancos causados por alterações genéticas do gene receptor de tirosina kinase (KIT), no cromossomo 3 do cavalo. Este gene controla a distribuição das células precursoras dos melanócitos, ou células no embrião que darão origem aos melanócitos, além de diversas outras linhagens celulares. Estas precursoras são chamadas de células da crista neural, pois elas primeiro se desenvolvem na linha dorsal do embrião, onde estará a medula e o conjunto cerebral. É importante lembrarmos deste detalhe, pois a expressão fenotípica (ou visual) das manchas brancas obedece essa origem celular – partindo da “coluna” em direção ao ventre e extremidades!

Tobiano, ou o famoso padrão “Pampa” clássico. O mecanismo genético que causa o padrão tobiano (To) é um dos meus favoritos, por ser também um dos mais interessantes e complexos geneticamente. O tobiano é causado por uma alteração genética chamada inversão, onde um “pedaAgosto, 2020 Revista Mangalarga

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Espaço Técnico ço” do cromossomo está no sentido contrário do resto. Para os genes localizados dentro ou fora da inversão, não faz a menor diferença estar no sentido certo ou no inverso, porém, para as duas extremidades da região invertida e genes que possam ter sido “cortados” por elas, significa que agora uma parte do gene está em uma ponta, e a outra parte na ponta oposta, porém ao contrário! Obviamente que na maioria dos casos, uma inversão é letal e não permitiria ao feto se desenvolver, porém no tobiano, a área interrompida é logo antes do gene KIT. Neste caso, presumese que esta área regule a função do gene. Com a sua regulação interrompida, o KIT já não sabe mais para onde enviar ou não as células precursoras dos melanócitos, causando as conhecidas manchas brancas na pelagem. Esta alteração foi descoberta em 2007, por minha chefe, Dra. Samantha Brooks. A Dra. Brooks também desenvolveu o teste que é utilizado até hoje no Brasil para atestar homozigose! O tobiano é também um padrão de branco extremamente antigo. O fóssil de um cavalo do Leste Europeu, datado em 3.500 anos atrás, foi testado geneticamente e demonstrou-se que este animal possuía o alelo To! Visualmente, o tobiano apresenta-se como um padrão de manchas brancas geralmente verticais, mantendo a cor na região da cabeça do animal e no peito/bordo inferior do pescoço – conhecido no exterior como “escudo”. Atravessa a linha do dorso, e pode criar manchas brancas na crina e cauda, além de exacerbar calçamentos. As bordas das manchas são bem definidas, e a pele sob as manchas é rosada devido a ausência de células pigmentadoras. É também de conhecimento popular que animais homozigotos (tendo dois alelos To) possuem pequenas manchas coloridas dentro das manchas brancas, conhecidas como 60

Revista Mangalarga

Agosto, 2020

“pawprints”. Porém, nem sempre esta premissa é verdadeira. Existem casos de animais heterozigotos e até homozigotos tobiano que possuem apenas características de animais sólidos, sem manchas brancas no corpo, o que se denomina de “cripto-tobiano” (em relação ao alelo estar escondido). No entanto, geneticamente estes indivíduos podem produzir animais manchados de branco. Não se sabe exatamente qual mecanismo regulador “normaliza” a função do KIT nestes indivíduos, mas algumas raças são repletas de exemplos, como os pôneis Hucul.

Sua primeira aparição foi em um fóssil encontrado na Sibéria, datado de mais de cinco mil anos atrás. Visualmente, o Sabino 1 em heterozigose (um alelo) aparenta o que denominamos no Brasil como “bragado”. Porém, em homozigose, ele geralmente faz com que o animal nasça quase ou completamente branco. Estes animais são saudáveis, sem problemas de saúde originados do padrão sabino, possuindo olhos escuros e as vezes resquícios de pigmento em algumas partes do corpo. Como no Brasil não se realiza testes para o padrão Sabino 1, não se sabe a frequência nas raças equinas brasileiras. Porém este alelo está presente em várias raças do mundo inteiro, o que faz sentido, dada a sua origem ancestral. Na Mangalarga, é possível que o padrão bragado seja causado pelo Sabino1 em alguns animais, ou uma variante deste.

Tobiano Homozigoto To/To Observe as manchas coloridas dentro do padrão branco (“pawprints”), bem como o “escudo” e outros detalhes visuais descritivos do tobiano.

Sabino 1 Homozigoto SB1/SB1

“Cripto-Tobiano” da raça Hucul To/_ Apesar de testar positivo para tobiano, este animal da raça Hucul não possui marcações características.

Sabino 1, o mais antigo Sabino 1, de alelo SB1 também é causado por uma mutação no gene KIT. Este padrão de branco é o mais antigo encontrado em fósseis de cavalos domésticos.

Sabino 1 Heterozigoto SB1/N


Espaço Técnico Branco Dominante, e as suas 23 (ou mais) variedades. O Branco Dominante, assim chamado pois algumas das suas variedades fazem com que o animal nasça completamente branco, com apenas olhos escuros, é mais um conjunto de alterações no gene KIT. Depois de diversas descobertas de mutações no KIT causando alterações na pelagem, os cientistas acharam por bem agrupar todas sob a mesma nomenclatura, alterando apenas o número que vem depois. Como são muitas, abordarei apenas algumas originárias de animais da raça Puro Sangue Inglês, e W20, que é encontrado em diversas raças no mundo, inclusive em raças brasileiras (testados pessoalmente por mim no laboratório do Brooks Equine Genetics Lab). O W20 é extremamente interessante pelo seu efeito potencializador. Sozinho, geralmente dará origem a calçados e/ou uma mancha branca na fronte. Porém, em conjunto com outro alelo causador de padrão de branco (inclusive o tobiano!), ele potencializa esse efeito, levando a manchas brancas maiores, ou até ao branco total. Outros Branco Dominante (W) comumente conhecidos são: W2 – originária da linhagem de PSI do garanhão “Ky. Colonel”, de 1946, animais completamente brancos;

W5 – originada da linhagem de PSI do garanhão “Puchilingui”, de 1984, animais semelhantes ao sabino 1 até completamente brancos; e W19 – encontrado em cavalos árabes, causa padrão de branco extensivo na cabeça, membros e manchas brancas na barriga. Existem raças equinas em que o padrão racial determina animais completamente brancos – nascidos brancos. Uma destas é o Camarillo White Horse, onde muitos dos animais possuem o W4, originário de um dos garanhões fundadores da raça chamado Sultan. Os brancos dominantes não são letais pós-desenvolvimento nem representam problemas de saúde para o animal, inclusive em suas variedades completamente brancas.

Frame Overo, o causador da “sídrome do potro branco” Anteriormente falei sobre o Branco Dominante, e como algumas de suas variedades causam animais completamente brancos de olhos escuros, porém saudáveis. O Frame Overo, às vezes chamado de “overo” no Brasil, mas geralmente em confusão com outras pelagens, é um dos poucos genes em que a premissa de saúde não é verdadeira. Frame Overo, de alelo O, age de forma pleiotrópica – controlando mais de uma característica, ou

tendo vários efeitos no organismo. Causado por uma mutação no gene EDNRB, este é o exemplo clássico de como o belo pode ter efeitos negativos. Em heterozigose, apresenta-se como um padrão de branco visualmente atrativo, com manchas brancas em sentido horizontal, que não cruzam a linha do dorso e de bordas indefinidas ou “recortadas”. Porém, alguns animais podem carregar o alelo O sem apresentar nenhum tipo de marcação branca no corpo, além de calçamentos e mancha na fronte. O acasalamento de dois animais portadores do Frame Overo (O/N x O/N) tem 25% de chance de produzir um animal homozigoto. O homozigoto seria extremamente interessante, se este alelo impactasse apenas a cor da pelagem. Quando em homozigose, o Frame Overo torna-se letal, causando uma síndrome conhecida como “Síndrome do Potro Branco” em alusão ao fato do potro nascer completamente branco. Porém, não é a cor do animal a causa da sua morte, e sim a falta de inervação no trato gastro intestinal, uma doença denominada de aganglionose ileocólica. Por falta dessa inervação, o intestino do potro não tem motilidade, levando a impactação e morte dolorosa por sídrome cólica nas 8-12 primeiras horas de vida do animal. A eutanásia nesses casos é a única opção humana. É essencial que animais sejam testados para o alelo Frame Overo, pelo risco de terem esse alelo sem alteração visual na pelagem.

Splashed White 1-6...?

Exemplos de animais com Branco Dominante e da interação destes alelos. O sinal positivo (+) significa que o animal é heterozigoto, ou só possui um alelo do respectivo W. Fonte: Hauswirth, Regula & Jude, Rony & Waud (Haase), Bianca & Bellone, Rebecca & Archer, Sheila & Holl, Heather & Brooks, Samantha & Tozaki, Teruaki & Penedo, Cecilia & Rieder, Stefan & Leeb, Tosso. (2013). Novel variants in the KIT and PAX3 genes in horses with white-spotted coat colour phenotypes. Animal genetics. 44. 10.1111/age.12057.

O padrão de branco reconhecido como Splashed White tem sua causa genética visualmente indistinguível entre eles. Dos seis alelos descobertos até o momento (SW1, SW2, SW3, SW4, SW5 e SW6), os dois últimos em 2019

Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Espaço Técnico

Frame Overo Clássico O/N

Frame Overo sem padrão visual O/N

alguns animais podem também não apresentar manchas brancas além do calçamento e fronte. Algumas variedades de Splashed White (SW5 e SW6, especificamente) são também causadoras de surdez nos animais. O mecanismo que leva a esse problema auditivo é o mesmo que causa a mancha, um defeito no mecanismo de direcionamento das células da crista neural. Estas células também se desenvolvem em partes essenciais do sistema auditivo, e quando ausentes ou em pouca quantidade, o animal nasce surdo. Porém, a surdez é uma característica desejável em algumas linhagens de cavalos – a exemplo dos Quartos de Milha de Rédeas. Por não ouvirem ou terem audição reduzida, o barulho das platéias durante as competições não atrapalha a performance destes animais. Logo, animais SW tendem a ter performances melhores em competições!

Appaloosa e Pattern 1 – “o combo genético”

Potro com Aganglionose Íleocólica O/O

e 2020, as suas características fenotípicas são extremamente semelhantes, mesmo que a causa genética não seja. Mutações em dois genes, MITF (SW1, SW3, SW5, SW6) e PAX3 (SW2, SW4) causam um padrão de manchas brancas que é comumente exemplificado como se pegássemos o cavalo pelo dorso e o mergulhássemos em um recipiente com tinta branca. Podem causar olhos azuis, além das manchas brancas de padrão horizontal iniciando-se nas extremidades e fronte, em direção ao dorso. E 62

Revista Mangalarga

Agosto, 2020

Splashed White Mínimo SW4 SW4/N

Splashed White Intermediário ??

Splashed White Extremo ??

O alelo appaloosa (LP, de “Leopard”, por causa das manchas) é o causador da pelagem appaloosa, ou “persa” como conhecida em algumas regiões do Brasil. É também um padrão de branco, do tipo mais exótico, e com diversas correlações que explicarei adiante. Primeiramente, o nome appaloosa pode se referir tanto à pelagem como à raça de cavalos norte-americana conhecida por esta pelagem e ao alelo Leopardo (LP). De causa descoberta em 2013, o alelo LP é também extremamente antigo, possivelmente já existindo em ancestrais dos cavalos antes da domesticação. Porém o LP não explica completamente o efeito visual e variedades da pelagem appaloosa. Ele age em conjunto com o Pattern 1 (padrão 1), uma mutação que parece regular o gene RFWD3, que por sua vez regula a expressão fenotípica do LP, uma mutação no gene TRPM1. O padrão de branco appaloosa pode ser progressivo com a idade, com animais jovens apresentando manchas pequenas, que tornam-se mais aparentes ao longo da vida. Características desta pelagem incluem pele e mucosas “sardentas”, área ao redor da íris (esclera) branca, cascos listrados e manchas brancas geralmente iniciando-se na garupa, que podem tomar o corpo todo, com diversas pintas coloridas internamente (quase como um cão da raça dálmata). Em homozigose, as manchas desaparecem e dão


Espaço Técnico

Diversos exemplos da interação do LP com PATN1. Alelos em minúsculo significam que o animal não possui este alelo. Fonte: Holl, Heather M., Samantha A Brooks, Sheila Archer, Keith M. Brown, Julia Malvick, Maria CT Penedo and Rebecca R Bellone. “Variant in the RFWD3 gene associated with PATN1, a modifier of leopard complex spotting.” Animal genetics 47 1 (2016): 91-101 .

lugar a um efeito “congelado” ou “arrosilhado”. Porém o segundo efeito do LP age de forma aditiva, e leva à Cegueira Estacionária Noturna Congênita (CENC, ou CSNB) quando em homozigose. Estes animais têm dificuldade visual à meia luz e no escuro, e podem se tornar hiperreativos por medo, já que a visão é um dos principais sentidos dos cavalos. Seleção contra homozigose é recomendada, ou ao menos conscientização do manejo adequado dos animais afetados para evitar acidentes.

Rosilho, o desconhecido Finalizando a nossa série sobre a genética das cores de pelagem e padrões de branco, desmistificarei o Rosilho, um padrão de branco ainda de origem genética desconhecida. Uma pesquisa realizada em 1984, em cavalos de tração belgas, determinou que a

região genética de onde o possível causador da pelagem rosilha estava era nas proximidades do gene KIT. Nesta pesquisa não conseguiram determinar animais homozigotos para essa região, o que levou os cientistas a imaginar que o rosilho seria letal (em fase pré-embrionária, logo no início da divisão celular) em homozigose. Atualmente, vemos que essa pressuposição não é real, com exemplos de diversos garanhões em várias raças que são homozigotos para esta região, e produzem 100% de produtos rosilhos. A causa genética do rosilho ainda está sendo pesquisada, e vem confundindo cientistas há décadas. Uma das hipóteses é que cada raça possui uma mutação específica causando o mesmo fenótipo (como vemos no Splashed White ou Dominant White), o que torna a pesquisa ainda mais complexa – e os resultados aplicáveis a apenas uma raça! Independentemente, o Rosi-

lho ainda desperta paixões. Fenotipicamente, apesar da ideia de rosilho clássica ser a sobre pelagem castanha (pelos brancos no corpo, entremeados entre pelos castanhos), o rosilho pode agir sobre qualquer pelagem base – preto (Blue Roan), alazão (Strawberry Roan), baio palha, amarilho... – e até em animais com outros padrões de branco concomitantes. Animais rosilhos são visualmente atraentes, conquistam altos valores no mercado equestre graças a sua bela pelagem, e têm sido mais ativamente selecionados na Mangalarga nos últimos anos, graças ao interesse em resgatar esta pelagem tão exótica. Contudo, para uma seleção adequada, é essencial que pesquisas sejam realizadas para determinar as características genéticas da pelagem e do animal, e maximizar a qualidade da seleção em menor tempo. Investimentos em estudos científicos na genética também proporcionam a oportunidade de entender outros padrões de pelagem, doenças e até características comportamentais e de performance da raça, que auxiliam o criador em sua tarefa de seleção e reprodução no melhoramento da raça. Com base na série de artigos sobre genética da pelagem, você consegue adivinhar quais os alelos presentes no exemplo abaixo? (Resposta abaixo da foto)

E/_, A/_, To/_, LP/N, PATN1/_ + Rosilho Castanho Tobiano Appaloosa Rosilho

Dra. Laura Patterson Rosa Médica veterinária, candidata Ph.D. em genética equina Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Espaço Técnico

POEIRÃO:

O GRANDE ENCONTRO DA FAMÍLIA E DOS AMIGOS

C

onquistando cada vez mais público e participantes, o famoso “POEIRÃO” vem contagiando o País. Por se tratar de uma prova aberta, animais com ou sem registro de todas as raças de MARCHA vêm se destacando nesses concursos por todo o Brasil. No mesmo final de semana, eles acontecem em várias cidades, de diferentes regiões. Sempre com muitos participantes e com a presença de um público totalmente envolvido e movido pela paixão aos animais... MANGALARGAS, Campolinas, Mangalargas Marchadores, Piquiras e Muares... registrados ou não... Dão show de apresentação e qualidade de MARCHA. Muitos não medem esforços para participarem ou apenas para assistirem os concursos, e, assim, acabam viajando todo final de semana atrás dessa grande paixão. Esses “POEIRÕES” geralmente acontecem em apenas um dia, o que facilita para organizadores e participantes, diminuindo gastos com locação de baias e minimizando tantos outros custos que envolvem os eventos equestres. Os participantes chegam pela manhã e, finalizada a competição, retornam pra casa no mesmo dia.

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Revista Mangalarga

Agosto, 2020

Foto: Divulgação

As mulheres também têm marcado presença no evento.

Foto: Emidinho Madeira

Os Poeirões vêm atraindo cada vez mais público.


Espaço Técnico Entretanto, eles podem acontecer em dois dias também, o que acaba exigindo uma estrutura adequada para acomodação dos animais. Embora seja uma prova aberta, sem tanto requinte, os cuidados com os animais são os mesmos dos grandes eventos. Alimentação, suplementação, ferrageamento adequado e condicionamento físico em ordem. Exames de AIE, mormo, assim como vacinas em dia. Algumas dúvidas surgem em relação aos POEIRÕES e às provas oficiais... Nos POEIRÕES, participam animais registrados ou NÃO, já nas oficiais as participações são restritas a animais registrados em suas respectivas associações, com árbitros credenciados nessas entidades, o que NÃO acontece nos POEIRÕES, onde o árbitro é de livre escolha do organizador, desde que esteja por dentro do regulamento e julgamento. As categorias são as mais variadas, criando-se a possibilidade da participação de todos, com todos os tipos de andamento. As categorias incluem: equinos dente de leite e adultos Mangalarga e Mangalarga Marchador, Marcha Diagonal, Marcha Batida, Marcha Picada e Marcha de Centro, sendo que em todas elas machos e

fêmeas são julgados separados. Além disso, Muares Marchadores, Muares Diagonalizados e Burros são julgados de forma separada. Por fim, há as categorias sociais: Patrão, Patroa, Mirim e Feminina. Nas categorias de MARCHA são avaliados os seguintes quesitos: estilo, rendimento, regularidade, resistência, maciez e comodidade. Lembrando que os animais passam por uma inspeção antes e no final de cada categoria, pois são totalmente proibidos os usos indevidos de embocaduras, de ferrageamentos ou de qualquer artifício que ocasione desconforto, ferimentos ou até mesmo que altere a qualidade natural de cada animal. Muitos POEIRÕES estão recebendo a chancela de algumas associações. Os Muares pela Abcjpega, onde os três primeiros já estão classificados para a Nacional da entidade. Já as categorias de Marcha Mangalarga passam a fazer parte do Ranking da ABCCRM. Importantes criadores também vêm abrilhantado os POEIRÕES com suas participações, o que encanta, desperta o interesse em adquirir um animal mais qualificado e consequentemente facilita a negociação, o que vem

Foto: Divulgação

Detalhe dos troféus do 2º Poeirão Hipocampo.

aquecendo esse mercado. Observamos a satisfação de muitos que NÃO são criadores, mas sim apaixonados por bons animais de MARCHA, realizados ao apresentar seus animais em pista. Você que ainda NÃO conhece, vale a pena prestigiar... O POEIRÃO é o grande encontro da família e dos amigos. Com certeza... Um verdadeiro espetáculo!!!

Foto: Divulgação

Dalva Marques Jurada, Treinadora e Apresentadora do CT Rancho Bigorna

Foto: Divulgação

As categorias incluem as diferentes variedades de marchas e raças.

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SAÚDE DIGESTIVA:

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diminuindo o desperdício (Figura 2). Porém, isso traz consequências desastrosas para a fisiologia digestiva do animal. Muitos cavalos movimentam a cabeça de forma a jogar o alimento de cochos elevados para comer no chão (Figura 3a e b); nesses casos, o tratador reclama que o animal é ‘porco’ comendo no chão, enquanto tem um cocho ‘adequado’ para ele, chegando a colocar barra de ferro (Figura 4) para evitar que o animal jogue comida fora do cocho. Enquanto, na verdade, este animal está sendo mais inteligente que o homem, preferindo atender a sua fisiologia evolutiva de ingerir alimento do chão. Qual o tamanho ideal da partícula do volumoso? O mais integral e longa possível, dentro de um manejo correto de pastagens; isto é, o capim ou feno deve ser fornecido sem picar e, preferencialmente, em pastagem, mas isso infelizmente é inviável na maioria dos estabelecimentos. Mesmo que disponibilizemos capim do tipo elefante, o ideal é dar na forma integral (Figura 5) ou, no máximo, cortado a facão com tamanho mínimo de 10 cm. Qual a umidade ideal do alimento volumoso? A maior

Figura 1: Altura correta de cochos mesmo para ração, no Haras das Mangueiras.

Foto: Divulgação

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uitas dúvidas e questionamentos são colocados em nosso dia a dia, quando falamos sobre mastigação e salivação em equinos. Na verdade, poucos planejam ações para melhorar, facilitar e potencializar essas questões fisiológicas no manejo diário dos cavalos considerando suas reais necessidades. Basicamente, vamos abordar a questão de altura do cocho, tamanho de partícula do volumoso e a umidade deste tipo de alimento. De maneira simples e direta, sempre que tiver dúvidas quanto ao que é ideal para o animal, pense em como ele age na natureza (princípio básico do bemestar animal, e não por acaso). Sendo assim, começando pela altura do cocho, qual a ideal? Claro que o mais próximo do chão possível (Figura 1). Observamos frequentemente cochos de ração na altura do peito, para que o cavalo não tenha ‘trabalho’ de baixar a cabeça, assim como fenil e manjedoura em local elevado, muitas vezes logo acima do cocho de ração para evitar desperdício, pois quando o animal puxa o alimento volumoso o excedente deste cai no cocho de ração

Foto: Rosvita Sydow

ESTÍMULO À SALIVAÇÃO E MASTIGAÇÃO

Figura 2: Altura incorreta de fenil em baia.

possível, isto é, preferencialmente alimento fresco, onde a umidade dos capins e leguminosas está ao redor de 70%. Mas e se tiver apenas feno disponível? Pode-se amenizar esta situação molhando o feno por 10-15 minutos antes do fornecimento, pois o feno absorve parte desta água, elevando sua umidade, perceptível visualmente na coloração do feno (Figura 6). Isso se mostra tão importante que é frequente cavalos, diante de um feno seco, ele mesmo colocar o


Foto: Divulgação

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Figura 5: Fornecimento de capim fresco e feno sem triturar, mesmo o capim elefante. Foto: Divulgação

feno no bebedouro para, somente após alguns minutos, ingerir um alimento mais umedecido (Figura 7). Mas porque essas pequenas atitudes diárias no manejo afetam a saúde digestiva? Relembremos o início do processo digestório natural do cavalo, dependente de duas condições anátomo-fisiológicas fundamentais para o desenrolar da boa digestão: dentes e a salivação. O dente do cavalo é do tipo hipsodonte, isto é, possui erupção contínua por toda a vida do animal, sendo necessário e fisiológico, que ocorra o desgaste correto para que a arcada dentária possa ter uma oclusão funcional ideal, sem prejuízo à saúde futura do animal. A pressão de desgaste de um dente molar ao tocar no outro em cada ciclo mastigatório (movimento de mastigação), varia de 89 a 199 kg/ dente/ciclo mastigatório. Podese perceber então que a estrutura do dente evoluiu de forma a promover um desgaste natural durante um pastoreio que pode tomar até 20horas/dia em cavalos soltos na pastagem. Na ausência deste desgaste natural, surgem os diversos tipos de problemas

Figura 6: Coloração do feno após 15 minutos sob imersão em água, após reidratação em comparação ao mesmo lote sem imersão Foto: Divulgação

Figura 3: Cavalos jogam alimento no chão, seguindo sua natureza.

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Figura 04: Cocho com barra de ferro para evitar que cavalo jogue alimento no chão, contrariando sua natureza.

Figura 7: Alguns eqüinos, quando postos frente a um feno naturalmente com baixa umidade, colocam-no no bebedouro antes da ingestão para que melhore sua umidade.

odontológicos tão comuns em cavalos nos dias de hoje, especialmente pelo tipo de manejo e alimentação não adequada que

se impõe ao animal. O processo digestório começa pela preensão do alimento pelo animal que, ao cortar o capim em uma pastagem, usa os dentes incisivos para o corte e preensão. Dos incisivos, o alimento passa para os pré-molares e molares que devem mastigar e triturar o alimento. Quanto maior for a partícula do volumoso, mais mastigação se torna necessária para triturar adequadamente este alimento; quanto mais o cavalo mastiga, maior desgaste natural e fisiológico ocorre nestes dentes, promovendo o desgaste correto por toda a vida, com uma oclusão funcional ideal. Neste processo de preensão do alimento, na natureza, o cavalo o faz diretamente do chão, com a cabeça baixa. Isso é muito importante para o bom início do processo, pois, ao se alimentar com a cabeça abaixada, ocorre uma elevação da irrigação sanguínea nas glândulas salivares promovendo uma maior salivação, com consequências saudáveis para o animal. A saliva dos equinos possui características físico-químicas muito importantes para a saúde do animal. Além de ter ação tamponante do bicarbonato, que equilibra o pH ácido do estômago decorrente da presença de ácido clorídrico que lesiona a mucosa na ausência de saliva, esta é rica em um fator de crescimento epidermal que promove a renovação desta mucosa. O equino produz entre 25 e 30L de saliva diariamente (estimativa para um cavalo de 500kg de peso vivo). Quanto mais saliva produzir, mais protegida estará a mucosa gástrica, o que previne casos de gastrite e úlceras gástricas. O estímulo para produção de saliva nos animais pode ser exógeno (fatores psicológicos e sensoriais, como ver o alimento, Agosto, 2020 Revista Mangalarga

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Espaço Técnico sentir seu cheiro ou mesmo ouvir o tratador abrindo a porta e pegando o balde de ração) e endógeno, este representado pela posição da cabeça e pelo tempo de mastigação. No caso da mastigação, quanto maior for a partícula, mais o animal deve mastigar, promovendo maior salivação. O terceiro fator citado no início deste artigo, umidade do volumoso, é fundamental para a produção de saliva. Complementamos a pergunta de qual a umidade ideal com “o que estimula mais a produção de saliva: feno ou volumoso fresco?”. Intuitivamente, muitos respondem a essa questão pensando: alimento seco, boca seca, mais saliva. Porém, esse raciocínio está incorreto. Quando o cavalo se alimenta de feno, ele realiza cerca de 55 a 66 ciclos mastigatórios por minuto,

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totalizando aproximadamente, 4.200 ciclos mastigatórios por dia. Ao se alimentar de capim fresco, que tem maior volume (7 kg de feno equivalem a, aproximadamente, 21 kg de capim) o cavalo realiza cerca de 100 a 105 ciclos mastigatórios por minuto, totalizando, aproximadamente, 6.000 ciclos mastigatórios por dia. Sendo assim, pastagem fresca estimula mais a mastigação do que o feno, estimulando maior produção de saliva. Após essas considerações, pode-se entender por que animais estabulados, ingerindo apenas alimentos secos (ração e feno) e com limitado tempo de mastigação, apesar de estarem matematicamente nutridos, nem sempre apresentam o resultado esperado sendo necessário muitas vezes ofertar alguns suplementos específicos e, frequentemente, são acometidos por úlceras gástricas.

A condição de estresse diário pelo confinamento e isolamento certamente comprometem a saúde do animal, sendo de difícil solução em grandes centros, mas pequenas mudanças nas atitudes do manejo nutricional (altura de alimentação, tamanho da partícula e umidade do alimento e quantidade de forragem) podem ajudar a amenizar alguns problemas diários com os quais nos deparamos nos cavalos. André G. Cintra. MV, Prof. Esp. Autor dos livros “Alimentação equina: nutrição, saúde e bemestar” e “O cavalo: características, manejo e alimentação” e coautor do livro “Manual de gerenciamento equestre: textos, tabelas e planilhas”. Contato: agcintra@gmail.com. Site www. andrecintra.vet.br (colaboração de Luiz Fernando Rapp O. Pimentel, MV, PhD)


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