JOHN FROM_20160330_Público [pt]

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https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/isto-nao-e-uma-bandasonora-1727367

Isto não é uma banda-sonora As adolescentes fazem coisas de adolescentes. Ouvem música, programam saídas à noite, percorrem as ruas de sempre do bairro a pensar em paragens mais interessantes. Aborrecem-se, divertem-se, zangam-se, flirtam, destratam os pais. Rua acima, rua abaixo, mão no iPod, cabeça no ar. Adolescentes são adolescentes e Telheiras é Telheiras, bairro de vida recente enfiado entre a Padre Cruz, Campo Grande, e a Segunda Circular que atravessa a cidade de ocidente a oriente, o espaço ocupado (literalmente) por John From, o novo filme de João Nicolau. Não é história de aventura em alto mar, como a primeira longa, A Espada e a Rosa (2010), e não é conto de inércia deprimida na chegada à idade (mais ou menos) adulto, como em Rapace. Mas tal como nessa curta de 2006, Telheiras é personagem, e tal como nela, descobriremos coisas no bairro de que não suspeitávamos – o que fazem uma exposição fotográfica sobre a Melanésia e uma paixoneta adolescente. A fantasia vai passar por ali, vai contaminar o espaço e as pessoas até que ele e elas sejam uma outra coisa, processo que decorre ao som de música tradicional das ilhas da Melanésia e de canções a passarem-se por melanésias, ao som de electrónica para dançar sexta à noite e de dub-reggae, ao som de pop solar delicada, de música a dar-lhe no exotismo como se fazia nos anos 1940 e 1950, da memorável Lambada, dos Kaoma, que fechou a década de 1980 e que, na verdade, nunca nos abandonou. A música tem lugar de destaque no cinema de João Nicolau, realizador que, de resto, é também músico – ouvimolo nos München, nos Silence is a Boy, no Secret Museum of Mankind. John From reafirma-o. Não só porque Rita (Júlia Palha) e Sara (Clara Riedenstein) são adolescentes e, sendo adolescentes em 2016, a música é omnipresente nas suas vidas, fruída e utilizada muito de acordo com o tempo – que se pegue então um iPod para jogar à versão tecnologicamente evoluído do “bem-me-quer-mal-me-quer”. Não, não só por isso. “A ideia era a música ir sendo feita ao mesmo tempo que o filme”, diz João Lobo. Com formação jazz mas músico de horizontes vastos, Lobo foi o director musical de John From pedro cunha/arquivo

“Ele [João Nicolau] não queria um compositor de bandas-sonoras, queria alguém com quem pudesse colaborar. Alguém que fizesse a direcção musical, num trabalho cena a cena, género [musical] a género [musical]

Com formação jazz mas músico de horizontes vastos, Lobo foi o director musical de John From. O termo que designa a função é aqui importante. “Ele [João Nicolau] não queria um compositor de bandas-sonoras, queria alguém com quem pudesse colaborar. Alguém que fizesse a direcção musical, num trabalho cena a cena, género [musical] a género [musical]. O meu objectivo não era seguir uma linha artística, o meu objectivo foi servir o filme o melhor possível”. Hoje habitante de Bruxelas, onde recebeu o telefonema do Público, João Lobo tem a bateria como primeiro instrumento. Ainda não sabe exactamente porque João Nicolau o convidou para John From, mas deixa escapar que “é capaz de ter a ver com o facto de eu fazer várias coisas”. De facto. O seu talento valeu-lhe rasgados elogios

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