Cinema: Um épico da formação do Brasil moderno [PT]

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Cinema: Um épico da formação do Brasil moderno outraspalavras.net/poeticas/cinema-um-epico-da-formacao-do-brasil-moderno José Geraldo Couto

17 de setembro de 2020

Em Todos os mortos, uma família de cafeicultores encontra-se, numa São Paulo que se urbaniza, com sua ex-escravizada. Sob o drama familiar, feridas históricas: o fim recente da escravidão, a infância da República e a aurora do século 20 Por José Geraldo Couto, no Blog do Cinema do Instituto Moreira Salles Em sua 48ª edição, o Festival de Cinema de Gramado, que começa nesta sexta-feira, terá suas mostras competitivas exibidas pela TV, no Canal Brasil, e pela internet, na plataforma de streaming do canal. Na robusta programação, entre curtas e longas-metragens brasileiros e latinoamericanos, estão os novos filmes de Ruy Guerra (Aos pedaços), Felipe Bragança (Um animal amarelo), Camilo Cavalcante (King Kong en Asunción), Angela Zoé (O samba é primo do jazz), Joana Mariani (Me chama que eu vou), Cibele Amaral (Por que você não chora?) e da dupla Marco Dutra e Caetano Gotardo (Todos os mortos). É deste último, programado para sábado (19/9), que vamos tratar aqui. Voltaremos a falar do festival na próxima semana. Pelo título e pela filmografia pregressa de Marco Dutra ( Trabalhar cansa, Quando eu era vivo, As boas maneiras), seria lógico esperar que Todos os mortos fosse um filme de terror. É e não é. O elemento fantástico só intervém no final, e mais como alegoria do que como fenômeno sobrenatural. O horror que o filme aborda é mais insidioso: tratase da nossa (de)formação social e seus fantasmas onipresentes. A história se passa em São Paulo na virada do século XIX para o XX, mais precisamente nos meses finais de 1899 e iniciais de 1900. As trajetórias de duas famílias se entrelaçam. A matriarca Isabel (Thaia Perez), ex-senhora de escravos numa fazenda de café vendida depois para imigrantes italianos, mora na cidade com uma filha adulta, Ana (Carolina Bianchi), que toca piano e tem um comportamento estranho e introspectivo. A outra filha, Maria (Clarissa Kiste), virou freira e vive num convento, visitando a família nos feriados – e a narrativa toda se dá em torno de feriados (Independência, República, Natal, Carnaval). Ritual fake Convencida de que a esquisitice de Ana provém de um trauma vivido na infância na fazenda, a freira Maria vai ao interior buscar a ex-escrava Iná (Mawusi Tulani), praticante de uma religião de origem africana, para que esta encene um ritual de

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