O impossível regresso [PT]

O impossível regresso publico.pt/2020/07/22/culturaipsilon/critica/impossivel-regresso-1925293 Jorge Mourinha

Duas palavras para definir a primeira longa de Gonçalo Waddington, actor, encenador, dramaturgo, argumentista. Primeira: impressionante — pela maturidade com que pega num tópico problemático e o vira do avesso, trabalhando-o por um ângulo inesperado, e pela precisão com que constrói pacientemente o seu filme, com um controlo formal absolutamente impecável. Segunda: laboratorial — pelo modo clínico, distante, seco, quase entomológico, como coloca as suas personagens num labirinto, quais cobaias experimentais, e fica ali a assistir com muita paciência ao que dali vai sair.

1/3

Patrick Realização: Gonçalo Waddington Actor(es): Hugo Fernandes, Alba Baptista, Lydie Barbara As comparações são sempre redutoras e nem sempre fazem justiça ao que há de genuinamente pessoal num filme, mas são também inevitáveis de algum modo; e Patrick, pelo próprio tema que escolhe abordar de modo esquinado, ora nos remete para a frieza glacial do cinema austríaco (Michael, de Markus Schleinzer, é aqui a referência evidente), ora nos recorda o formalismo sensorialista de Sandro Aguilar (aliás um dos produtores do filme).

Pondo por outras palavras: Patrick inspira-se no caso Rui Pedro — o desaparecimento em 1998 de um menino de onze anos que nunca foi encontrado — para construir uma ficção.

O que aconteceria se um menino como Rui Pedro fosse encontrado, dez anos mais tarde, dez anos mais velho, e regressasse ao seio da sua família? É esse o choque em câmara lenta que Waddington conta: quando Mário, que foi raptado a mando de um pedófilo belga e que se tornou Patrick ao longo de uma década, é subitamente deslocado para a família que o seu desaparecimento desintegrou, como se tudo pudesse recomeçar no ponto em que tinha sido interrompido. E não pode. Patrick e Mário podem ser a mesma pessoa, mas Patrick já não pode voltar atrás, já não pode voltar a ser Mário. O que está feito não pode ser desfeito.

2/3

Patrick não vulgariza, não sensacionaliza; quer olhar para as suas personagens como gente e não como manchetes de jornal, e isso é prova da enorme inteligência que subjaz ao filme de Waddington (como já subjazia às suas múltiplas criações teatrais).

Mas pelo meio desse cuidado narrativo e formal, Patrick tomba numa secura cortante e estéril, oblíqua e densa, onde o espectador é mais um simples observador assistente e a emoção acaba por ficar toda do lado de lá do ecrã. Nada que impeça Patrick de ser uma prometedora estreia na longa-metragem, e a confirmação de que o talento de Gonçalo Waddington ainda tem muito para nos revelar.

3/3