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Manuel Loureiro, presidente da Fagricoop - Cooperativa Agrícola e dos Produtores de Leite de Famalicão

“Temos um ministério de doutores que não entendem nada de agricultura” Em entrevista ao OPINIÃO ESPECIAL, Manuel Loureiro, presidente da Fagricoop, fala da agricultura sem rodeios. Afirma que os agricultores estão no fio da navalha, esmagados pela indústria transformadora que lhes paga cada vez menos pela sua produção, nomeadamente o leite. A quem está à frente do Ministério, Manuel Loureiro não poupa críticas. São, no seu entender, apenas burocratas que nunca estiverem no terreno para saber o que é, na realidade, a agricultura. Sobre os subsídios, este responsável defende uma maior fiscalização, onde a rentabilidade seja contabilizada e não apenas o tamanho do terreno. Sofia fia Abreu Silva Perante um cenário de crise, o que tem feito a Fagricoop para contornar as dificuldades sentidas na agricultura? A direção da cooperativa, consciente das dificuldades que a fileira do leite atravessa, tem vindo a desenvolver trabalho no sentido de encontrar alternativas à produção de leite e/ou complemento com esta atividade, de que são exemplo a aposta na secção de agricultura biológica criada, até então sem qualquer tipo de atividade. Através de palestras, colóquios e workshops, a Fagricoop tem procurado indicar novos caminhos e alternativas à produção de leite. A cooperativa continua a diversificar a oferta de produtos e serviços aos cooperadores, acrescentando aos negócios existentes a venda de máquinas e acessórios para agricultura e jardinagem, a venda de produtos e acessórios para uso doméstico como churrasqueiras e outros, sempre com o intuito de aumentar o volume de negócios e as margens comerciais, contribuindo para uma gestão sustentada. Relativamente ao negócio habitual da cooperativa, a missão será a de continuar a trabalhar para conseguir ter os melhores produtos aos melhores preços. Outra estratégia tem a ver com o estabelecimento de novas parcerias com novos fornecedores na área dos serviços de modo a intensificar as relações entre a cooperativa e os seus associados, promovendo assim negócios

vantajosos quer para a cooperativa quer para os seus associados. Quais são as principais vantagens de ser associado da Fagricoop? Temos o apoio nas diversas áreas ligadas à agricultura, nomeadamente com técnicos especializados em cada uma das áreas, inclusive na contabilidade e gestão da empresa agrícola. Mas, o aspeto mais importante, e que se calhar ninguém se dá conta, tem a ver com o papel regulador dos preços. Os mercados aplicam margens superiores às praticadas pelas cooperativas aos seus associados. Os concorrentes das cooperativas para competirem com as mesmas em termos comerciais, têm assim de baixar as margens se quiserem vender os mesmos produtos. As pessoas podem comprar produtos bastante mais baratos graças à existência das cooperativas, que tabelam por baixo as margens dos preços dos fatores de produção necessários ao dia-a-dia da empresa agrícola. Quanto à agricultura em concreto, qual a sua opinião sobre a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) para o período 2014-2020? Pelos indicadores até agora disponibilizados será mais do mesmo, ou seja, continuarão a ser privilegiados os detentores das maiores áreas de cultivo, independentemente da forma como se produz e da importância ou utilidade dessa produção. Ou seja, uma exploração da nossa zona, predominantemente de minifúndio, cujas áreas são totalmente aproveitadas e rentabilizadas ao máximo para uma produção efetiva, continuam a ser penalizadas pelo fator dimensão. Do outro lado, temos grandes superfícies, em que algumas vezes apenas são lançadas, de qualquer forma, sementes à terra, tendo como único objetivo receber o subsídio. A PAC deveria privilegiar quem produz, quem tira o verdadeiro rendimento da terra, e não quem tem a maior área de cultivo e, por vezes, pouco ou nada apresenta em termos de produtividade. O que poderá ser feito para mudar esta situação? A gestão dos fundos poderia ser

feita não por área, mas a partir dos dados de faturação de compra e de venda de produtos agrícolas. Essa gestão ou controle passaria para a alçada dos serviços de finanças. Assim só quem fatura o que produz ou quem regista o que compra para a sua exploração, receberia as ajudas ou subsídios. Esta medida faria por exemplo com que organismos criados para gerir os fundos, pura e simplesmente, pudessem ser extintos, pois não seriam necessários. Quem efetivamente produz e gera riqueza para o país seriam os legítimos contemplados com as ajudas ou subsídios. Por exemplo, um agricultor ao faturar o leite proveniente da sua exploração teria direito a ajudas baseadas no leite faturado ou no caso de um produtor de vinho pelos litros de vinho.

É uma questão de justiça? Sim. É uma injustiça os produtores da nossa zona norte, cujas pequenas explorações são rentabilizadas ao máximo para produzir o máximo possível, recebam conforme a área de produção. Em contrapartida, existem por exemplo no Alentejo grandes explorações utilizadas muitas vezes como reservas de caça, com rentabilidades perto do zero, e só porque têm grandes áreas recebem mais ajudas e subsídios. A que se deve a situação em que se encontra a agricultura portuguesa? O problema é antigo e remonta à altura em que Portugal aderiu à CEE (1986). Nessa altura, em troca de betão para autoestradas, a construção de campos de futebol e outras construções ainda mais fúteis, cedemos as nossas cotas de produção

Dados da Fagricoop

Instituída a 26/10/1977 Colaboradores: 33 Volume de negócios: cerca de 17 milhões Capital social: 220 mil euros Sócios: 4 mil Leite produzido pelos produtores: 38 milhões por ano Efetivo animal: 18.300 bovinos (grandes ruminantes); 1500 ovinos/caprinos (pequenos ruminantes)

facebook.com/Fagricoop

de produtos agrícolas e das pescas, destruímos vinhas, pomares e abandonámos terras de cultivo…fomos pagos para não produzir. Para mim tratou-se de uma estratégia concertada pelos outros países da Europa, nomeadamente da Alemanha, para que ao deixar de produzir teríamos de importar os produtos agrícolas que necessitamos, ficando assim dependentes em percentagens que rondam os 30%. Quanto às pescas é um absurdo, um país com cerca 800 kms de costa seja invadido por barcos de outros países que vêm pescar o que é nosso, só porque abdicámos de cotas de pesca em troca de betão. O fator distância também nos prejudica bastante, o centro de decisões está em Lisboa, as pessoas que lá vivem e que compram explorações no Alentejo têm mais facilidade em pressionar os políticos da capital, pois é mais fácil ‘tomarem um café’. Para mim não serve de desculpa dizer que os governos se baseiam em normas e diretivas europeias. Exemplo disso é o imposto automóvel que é uma norma europeia, mas neste caso ‘o crime compensa’. O governo português esquece as normas e paga as multas porque lhe convém. Porque não fazer o mesmo com algumas normas agrícolas? Devemos aliviar os agricultores das regras e diretivas absurdas que penalizam o setor agrícola português e lhe retira competitividade. O que espera do governo para melhorar a agricultura em Portugal? Não acredito nas pessoas dos ministérios, temos um ministério da agricultura gerido por doutores e advogados que de agricultura não entendem nada. Os responsáveis são assessorados por pessoas que desconhecem a realidade da agricultura e mais concretamente a agricultura da nossa região, que tem especificidades muito próprias e únicas. Se todos os nomeados para cargos políticos ligados à agricultura fizessem um estágio em unidades agrícolas, teriam um conhecimento mais profundo do que é a agricultura e das suas especificidades… se calhar as coisas melhoravam. »»»»» continua


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