Caderno de Debates 4 - Brics: tensões do desenvolvimento e impactos socioambientais

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Caderno de Debates 4

do grupo no continente, especialmente a intervenção do Brasil. O instigante artigo de Patrícia dos Santos Pinheiro e Sérgio Botton Barcellos “A cooperação internacional na África e os BRICS em questão” mostra que a política de cooperação internacional do Brasil está inteiramente baseada na abertura de novos mercados africanos para as empresas brasileiras. Desde a Índia, recebemos a visão de Amita Bhide no texto “Reviewing Urban Displacement in India” (Revendo deslocamentos urbanos na Índia) que apresenta um debate sobre os processos de deslocamentos urbanos em curso no país. Ao descrever os violentos e autoritários processos de despejo de imensos contingentes populacionais - que já viviam em áreas autoconstruídas e com baixo acesso a infraestrutura urbana - a autora desvenda o caráter desigual e antidemocrático do remodelamento urbano no país. Sob o “mantra: a urbanização é o motor do crescimento para o desenvolvimento”, o que se passa nas cidades indianas assemelha-se aos processos vividos em outras cidades do bloco, tais como cidades da África do Sul e do Brasil. Nota-se que a expulsão de população de áreas de valorização imobiliária, de áreas de expansão de grandes projetos de desenvolvimento ou ainda de locais em violenta transformação urbana (que frequentemente tem significado a gentrificação) é o motor da produção do urbano. Tais processos reconhecíveis nas cidades já desiguais do BRICS aprofundam e consolidam um modelo que segrega, é desigual, antidemocrático e espoliativo. Destacamos o protagonismo das agências estatais – geralmente articuladas em novos arranjos com grandes corporações privadas - neste novo urbano, que é constitutivo e também um dos pilares do modelo de desenvolvimento. Fechamos o Caderno com um ensaio de Lívia Duarte “Caminhada com o Dragão Desperto” um relato de impressões de uma brasileira na China. Através dele nos aproximamos das tensões deste país que, no centro da articulação do BRICS, pressiona e contribui para a remodelagem das economias dos “emergentes” - dragando água e minérios - a fim de construir suas novas cidades. O “dragão desperto”, como aponta a autora, é um dragão a cada dia mais urbano, já que tem como horizonte de planejamento o deslocamento de 100 milhões de chineses para as cidades. Esperamos com estes artigos aqui reunidos ajudar na construção de uma visão mais crítica do que tem significado a agenda de desenvolvimento do BRICS para os povos e populações impactadas em seus territórios e em seus modos de vida. Diante da diversidade entre os países que integram o BRICS, há algo em comum entre eles: o caráter profundamente desigual e predatório dos seus modelos de desenvolvimento. Assim como os Munduruku lutam pelo seu direito de existir segundo seus próprios códigos, outros grupos ameaçados pelo modelo perseguido pelo BRICS também o fazem. Gostaríamos que nosso Caderno contribuísse nesta empreitada de construção de resistências, na defesa daquilo que estamos chamando de “territórios de utopia”.


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