Voto do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH)

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Voto do Movimento Nacional dos Direitos Humanos no Conselho Nacional de Direitos da Crianรงa e Adolescente

Carlos Nicodemos

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Expediente Movimento Nacional dos Direitos Humanos RILDO MARQUES DE OLIVEIRA Coordenador Geral LURDINHA NUNES Coordenadora de Formação JOSIANE GAMBA Coordenadora do Conselho BEATRIZ ROSANE LANG Coordenadora de Organização GILMAR FERREIRA Coordenadora de Relação Internacionais RAIMUNDA BEZERRA Coordenador de Cooperação CARLOS NICODEMOS Autor MONICA ALKIMIN (Pedagoga da Organização de Direitos Humanos - Projeto Legal), RENATA DUTRA (Advogada da Organização de Direitos Humanos - Projeto Legal), IAN LUIZ SILVA E SILVA (Advogado da Organização de Direitos Humanos - Projeto Legal) Colaboradores

Editora e Livraria Instituto Paulo Freire JANAINA ABREU Coordenadora Gráfico-Editorial RODRIGO GOMES Identidade Visual, Projeto Gráfico, Diagramação e Arte-final ANA LUIZA VIEIRA Revisora EMÍLIA SILVA Assistente de Produção Gráfico-Editorial

N633v

NICODEMOS, Carlos Voto do Movimento Nacional dos Direitos Humanos no Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente/ Colaboração de Mônica Alkimin, Renata Dutra, Ian Luiz Silva e Silva.. São Paulo: Editora e Livraria Paulo Freire (Ed, L), 2013. 128 p. : tab. : il. color. em anexos 1. Direitos Humanos – Brasil. 2. Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH. 3. Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente. 4. Justiça Penal Juvenil – Votação – Redução penal – Brasil. 5. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei n. 8.069, de 13 jun. 1990 - Brasil. CDD 341.481 CDD 345.04 CDD 361.25

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Soraia Estevez Ferreira CRB-8/SP n. 7837 Direitos Humanos / Direitos civis : CDD 341.481 Responsabilidade, criminalidade (capacidade de cometer crimes, intenção e defesa incluindo delinquência juvenil): CDD 345.04 Cidadania / contra violência pela infância: CDD 361.2

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Apresentação do voto do MNDH no Conanda Desde a formação do Conselho Nacional de Direitos da Criança e Adolescente – CONANDA, por ocasião de exigência de sua implementação trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH sempre fortaleceu e apoiou este Conselho, entendendo ser este uma importante ferramenta da democracia participativa e da luta pela construção dos Direitos Humanos no Brasil. Nesta atuação, o MNDH elegeu as políticas de atendimento da infância e juventude como elemento primordial na nova perspectiva cultural do Estado Brasileiro, diante do princípio e filosofia da Proteção Integral, consagrado na Constituição Federal e também no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Ao longo de seus mais de 31 anos, o MNDH se comprometeu com a causa pela igualdade social e de direitos das crianças e adolescentes frente o sistema político e econômico, portanto, percebe-os como agentes nos interesses por uma nova estrutura social que integre os Direitos Humanos e os sujeitos de direitos como entes livres e destinatários do produto final das políticas públicas. Nesta caminhada, enfrentamos os setores conservadores, que nunca apostaram numa nova modalidade de tratar pessoas e sujeitos como detentores de direitos e alvos dos bens públicos e do Estado. Ao contrário, estes setores que provocam por meios ardis e desproporcionais revigoramentos de uma filosofia retrógrada e autoritária, submetendo seres humanos ao subjugo de um poder econômico discriminador, excludente e autoritário, reforçando a proteção do sistema em que cabem poucos que lutam contra a ampliação das inclusões políticas e via democracia de políticas de atenção social pelo Estado. Ultimamente, estes grupos políticos ocupam a mídia privada de grande circulação, através de sensacionalismo e factoides, impulsionam uma cultura revanchista, punitiva e antidemocrática, trazendo na Justiça Penal Juvenil as soluções para domesticar a desigualdade social, indo na contra mão das propostas e filosofias políticas de inclusão e igualdade político-social. Por estas razões, neste momento político do cenário nacional, cuja conjuntura no Congresso não nos é favorável, o MNDH defendeu na história do CONANDA, com o presente voto, proporcionando não só o enfrentamento aos debates de propostas reducionistas do ECA, mas resistindo pela aplicabilidade integral dos princípios constitucionais e da filosofia da proteção integral. O voto, além de trazer interpretação jurídica resistente ao reducionismo com base constitucional, traz conceitos e elementos históricos do Brasil, demonstra com dados à falta de aplicabilidade de políticas públicas inclusivas e restauradoras aos jovens em conflito com a Lei. Termina o voto, sugerindo um conjunto de ações para o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em conflito com a Lei – SINASE e o monitoramento das políticas territoriais. Neste sentido, convidamos a todos e a todas, pessoas, entidades e movimentos sociais que lutam por Direito Humanos, a ter neste voto do MNDH contra a progressão de tempo de internação, que 4


foi apoiado pela sociedade civil representada no CONANDA, um documento que seja um ponto de partida para agregarmos e incrementemos a luta contra a redução da maioridade penal e a aplicação integral do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei 12.594, que institui o SINASE, em defesa da vida e contra a violência.

Rildo Marques de Oliveira Coordenador Geral MNDH

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Parecer ao Projeto de Lei que altera dispositivos da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre responsabilidade progressiva na prática de ato infracional de extremada gravidade, institui sistema binário de responsabilização de adolescente autor de ato infracional e dá outras providências.

Carlos Nicodemos Conselheiro Suplente Não Governamental representando o Movimento Nacional de Direitos Humano

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Sumário Primeira Parte I – Relatório

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Segunda Parte II – Análise da Proposta

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II.1. Breves apontamentos sobre a História dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil

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II.2. A Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente em sede internacional

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II.2.1. Os Documentos Internacionais sobre os Direitos das Crianças e Adolescentes

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II.2.2. Quadro Internacional de Responsabilização dos Adolescentes

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II.3. O Cenário da Juventude no Brasil

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II.4. A Responsabilização dos Adolescentes Autores de Ato Infracional e o Atual Modelo: necessidade de afirmação dos princípios norteados da medida socioeducativa

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II.4.1. A Idade Penal no Brasil

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II.4.2. Doutrina da Proteção Integral: valor ético adotado pelo Estado Brasileiro na Responsabilização dos Adolescentes

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II.4.3. Da Proposta Apresentada de Ampliação do tempo de Responsabilização (Controle) do Adolescente e a sua Contrariedade aos paradigmas de Direitos Humanos adotados pelo Brasil

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II.4.3.a. Ato Infracional do Autor e o Ato Infracional do Ato: O Adolescente Autor de Ato Infracional e o Sistema de Responsabilização do Estado

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II.4.4.b. Da Inconstitucionalidade da Proposta de ampliação do tempo de restrição de liberdade no caso de atos infracionais de natureza grave

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II.4.5. Princípios Norteadores da Aplicação das Medidas Socioeducativas

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II.5. Do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

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II.5.1. Análise de Dados sobre Adolescentes e Ato Infracional e violência

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II.5.2. Das condições das unidades de restrição de liberdade

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Terceira Parte III – Voto – Parecer

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III.1. Da Inconstitucionalidade das Propostas de Redução da Idade Penal

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III.2. Da Inconstitucionalidade da Proposta de Responsabilidade Progressiva

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III.3. Das Medidas Administrativas e Políticas de Implantação e Implementação da Política Socioeducativa no Brasil à luz da Lei 12.594 de 2012

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III.3.1. Da Política de Proteção do Direito à Vida dos Adolescentes Autores de Ato Infracional

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III.3.2. Da Política Nacional Socioeducativa e seu Respectivo Plano Decenal

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III.3.3. Da Política Estadual Socioeducativa e seu Respectivo Plano Decenal

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III.3.4. Do Diagnóstico da Política de Execução das Medidas Socioeducativas de Privação de Liberdade

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III.3.5 Do Financiamento da Política Socioeducativa

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III.3.6 Da Política de Educação no Sistema Socioeducativo

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III. 3.7. Da Política de Atenção à Profissionalização de Jovens no Sistema Socioeducativo

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III.3.8. Da Política de Atenção à Saúde de Jovens no Sistema Socioeducativo

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III.3.9. Da Política de Enfrentamento às Drogas e os Jovens no Sistema Socioeducativo

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III.3.10. Da Política de Enfrentamento à Tortura de Jovens no Sistema Socioeducativo

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III.3.11. Da Descentralização Política e Administrativa do Sistema Socioeducativo

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III.3.12. Das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto

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III.3.13. Do Sistema de Justiça Juvenil

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III.3.14. Da Responsabilização dos Gestores

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III.3.15. Da Promoção de uma Cultura de Direitos Humanos sobre os Adolescentes no SINASE

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IV – Do Plano de Ação Emergencial

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Anexos

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Primeira parte I – Relatório A presente proposta de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente está fundamentada numa leitura do sistema atual de responsabilização de adolescentes autores de ato infracional e pauta-se no ideal de um sistema de responsabilização progressiva. Em linhas gerais, a leitura do sistema atual pelos propositores foi consubstanciada nos seguintes elementos descritos abaixo: “1.

Responsabilidade infracional dos 12 aos 18 anos de idade;

2. Possibilidade de internação por atos infracionais cometidos mediante violência e grave ameaça à pessoa ou reiteração no cometimento de outras infrações graves; 3.

Limitação da internação ao período máximo de 3 anos;

4.

Liberação compulsória aos 21 anos de idade;

5.

Inexistência de prazo determinado de internação;

6. Generalidade da previsão de internação (aplicação a todos os casos enquadrados nas duas possibilidades legais); 7. Passagem abrupta responsabilidade penal.”

da

responsabilidade

infracional

para

a

Como substituição a esse sistema, os propositores fundamentaram a necessidade de existência de um sistema binário de coibição da criminalidade infanto-juvenil, assim expresso: “1.

Atos infracionais comuns: responsabilidade infracional;

2. Atos infracionais de violência extrema: responsabilidade penal progressiva.” Conforme afirmam os autores da proposta de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente, os critérios para a escolha deste sistema seriam: “1.

Afirmação da intangibilidade da vida;

2.

Valorização da integridade física do cidadão;

3.

Luta contra a violência; 9


4.

Transmissão social de valor fundamental;

5.

Resposta à banalização das ofensas à vida e ao corpo de outrem;

6.

Maior potencialidade na coibição da violência;

7. Maior possibilidade de reprovação objetiva à desconsideração dos patamares mínimos da vida pacífica.” Ainda segundo os propositores, existiriam vantagens na aplicabilidade do sistema binário de coibição da criminalidade infanto-juvenil, nos seguintes: “1. Mantém a plasticidade da intervenção na maioria dos casos; 2. Agrava as consequências apenas para atos infracionais de extremada gravidade; 3.

Dispensa menor investimento do que uma mudança total de sistema;

4.

Adota resposta mais direcionada à expectativa da população;

5. Preserva as conquistas derivadas da Constituição da República, da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Estatuto da Criança e do Adolescente.‟‟

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Segunda parte II – Análise da Proposta "Posto que não há leituras inocentes, comecemos por confessar de que leituras somos culpados." (Althusser)

II.1. Breves apontamentos sobre a história dos direitos da criança e do adolescente no Brasil Não tendo por objetivo fazer uma análise aprofundada sobre o processo de constituição dos direitos da criança e do adolescente, o presente parecer tem por escopo contextualizar historicamente a tutela dos direitos destinados à população juvenil, possibilitando, de forma ampla e crítica, a compreensão acerca do tratamento dado ao adolescente nos dias de hoje, especificamente com relação ao tratamento jurídico quando da prática de ato infracional. É também intenção deste parecer relacionar as análises sobre o tratamento dispensado ao adolescente em conflito com a lei à realidade do respeito aos seus direitos, especialmente após a publicação da Lei n° 12.594/12 e o seu efetivo cumprimento pelos agentes do Estado. Certo é que no estado moderno, com o processo de redemocratização do Estado brasileiro, os Conselhos de Direitos passaram a gozar de uma essencialidade para além do controle formal das ações do poder público. Os Conselhos de Direitos constituem, no Brasil redemocratizado, espaços públicos estratégicos de participação da sociedade civil organizada. Essa participação popular nos Conselhos de Direitos é indicador substancial de validação da democracia. Não fosse assim, estar-se-ia reduzindo o sistema político vigente do Estado brasileiro a sazonais processos eleitorais ditados em nome de uma pretensa governabilidade. O presente parecer, fruto desta participação popular no Conselho Nacional dos Direitos das Crianças, deve ser entendido como uma etapa de um processo que não começa e termina no próprio CONANDA. O CONANDA tem responsabilidade política determinada por sua atribuição de controle social da política de proteção especial aos direitos humanos de crianças e adolescentes. Neste contexto, encontramos a análise da proposta de ampliação do tempo de internação dos adolescentes no sistema socioeducativo. Num outro giro, estão estacionados, nesse campo das atribuições políticas, os órgãos públicos federais, com grau de responsabilidade diferenciada, a Secretaria de Direitos Humanos, assim como o Congresso Nacional, que deverão se posicionar sobre os rumos da política socioeducativa no Brasil à luz do Estado Social e de Direito. 11


Em nível internacional, o mesmo se aplica ao UNICEF, organismo de promoção dos direitos humanos de crianças e adolescentes. A história dos direitos da criança e do adolescente atravessou diversas fases, vivenciou alguns avanços e retrocessos na tentativa inacabada de implementação de um tratamento digno destinado à infância no Brasil. A proteção aos direitos de crianças e adolescentes atingiu os mais variados patamares. Em um extremo inicial, a doutrina da indiferença, perpassando pela doutrina da situação irregular e culminando na Doutrina da Proteção Integral. É certo que ainda temos muito a avançar até a efetivação por completo desses direitos, além da necessidade de cuidar da inocorrência de retrocessos, o que poderia ser exemplificado com o retorno às práticas extirpadas do atual ordenamento jurídico, mas que insistem em assombrar direitos conquistados pela população infanto-juvenil. Na leitura deste capítulo da história, quiçá o mais cruel e desumano, não se pode olvidar do contexto em que estava submetido, iniciado com a violenta dominação do território americano, em nome da expansão mercantilista e a custa do extermínio da população indígena. A essa busca por novos mercados, outra atividade bárbara estava atrelada: a escravidão da população nativa e dos negros - outro pilar fundamental da „nova‟ nação. E é dentro deste contexto de dominação que está escrita a história da infância brasileira. Como, pois, falar em direitos se estes são negados na sua essência desde o surgimento da nação brasileira? Se de um lado violações foram praticadas em face dos índios, consequentemente atingindo seus filhos, do outro as violações seguiram contra os escravos e seus descendentes. Tais elementos faziam surgir novas estratégias de dominação e controle feito pela elite. A abolição do regime escravocrata trouxe outro aspecto sobre este controle das “classes perigosas”: a legitimação pelo Estado, via políticas públicas de urgência, de contenção dos pobres, sem que isso vise a atender os seus direitos fundamentais. Segundo Andrelino, em referência aos acontecimentos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro, ”O sistema escolar, a cultura, a ideologia e outros elementos são meios que a literatura registra para se efetuar o domínio. Como, no início do século XX, grande parte dos grupos subalternos encontrava-se fora da escola e à margem da sociedade, as instituições (escola, igrejas, clubes) serviram como meio de reproduzir os valores que manteriam os grupos considerados subalternos em condição de precariedade de vida durante todo o século XX.1” Ressalte-se ainda que mesmo após a conquista do território brasileiro e o surgimento de uma nova nação, este espaço continuou protagonizando, especialmente, uma triste narrativa de episódios de violação de direitos humanos de crianças e adolescentes e seguiu séculos adiante, após a abolição da escravatura, com uma intervenção tutelar sobre a infância denominada perigosa, o que respaldou as mais brutais intervenções estatais para justificar o seu controle. Como bem salienta Alessandro Barata2, no prefácio do Livro de Vera Malaguti, a “criminalização dos grupos subalternos no Brasil – que, entre os países latino-americanos, é o mais desigual e o 1

CAMPOS, Andrelino. Do Quilombo à favela: A produção do “espaço criminalizado” no Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 64. 2 BATISTA,Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis – Drogas e Juventude pobre no Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 32. 12


que está mais próximo ao passado escravista – permaneceu como um tipo de compensação à perda de propriedade sobre os escravos e como uma forma de manutenção da autoridade dos proprietários sobre os libertos e seus filhos. Se antes a propriedade sobre os escravos autorizava a puni-los, torturá-los ou destruí-los, agora, continua-se a punir, torturar e destruir seus descendentes para afirmar simbolicamente um tipo de propriedade sobre eles, para enfatizar sua diversidade, para combater sua tendência natural à insubordinação. A história da criminalização dos jovens pobres no Rio começa no amanhecer da abolição da escravidão e termina com o início do grande processo de emancipação marcado pela Constituição e pelo Estatuto. No meio, está um século de desigualdade e discriminação, de autoritarismo e manipulações urbanísticas, legislativas e policiais direcionadas ao controle repressivo e à guetização de sucessivas gerações de ex-escravos”. Sobre esta política de controle social dos meninos e meninas pobres do Brasil, não se pode esquecer da Doutrina da Situação Irregular, fundamento para o aprisionamento de crianças e adolescentes que se enquadravam no tipo definido como irregular, mas que curiosamente eram os que o Estado não alcançava com as suas políticas públicas. Num capítulo mais recente da história, início do século XX, especialmente no ano de 1927, foi promulgado o primeiro documento legal para a população menor de 18 anos: o Código de Menores, popularmente conhecido como Código Mello Mattos. Como exemplo do disposto acima, o Código de Menores era destinado não a todas as crianças, mas apenas àquelas tidas como estando em "situação irregular". Em seu Artigo 1º, definia os seus destinatários: "O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo." (grafia original) Código de Menores - Decreto N. 17.943 A – de 12 de outubro de 1927. O Código de Menores visava estabelecer diretrizes claras para o trato da infância e juventude excluídas, regulamentando questões como trabalho infantil, tutela e pátrio poder, delinqüência e liberdade vigiada. O Código de Menores revestia a figura do juiz de grande poder, sendo que o destino de muitas crianças e adolescentes ficava à mercê do julgamento e da ética do juiz, num critério subjetivo, não havendo a necessária imparcialidade. Posteriormente, em 1979, entrou em vigor outra legislação, também destinada a este público. O Código de Menores de 1979 constituiu-se em uma revisão do Código de Menores de 27, mas não rompe com sua linha principal de arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil. Esta lei introduziu o conceito de "menor em situação irregular", que reunia o conjunto de meninos e meninas que estavam dentro do que alguns autores denominam infância em "perigo" e infância "perigosa".

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Felício Pontes Jr. distingue três escolas de pensamento jurídico-social sobre a infantoadolescência no Brasil3: “Doutrina do Direito Penal do Menor, que vigorou no Brasil durante o século XIX. Por ela, somente havia o interesse sobre os infantes e jovens, a partir do momento em que estes praticassem ou sofressem atos passíveis de alcance das normas penais, sendo, no caso de agentes processados e julgados segundo as normas processuais penais. Baseavase na imputabilidade do menor, com fundamento na pesquisa do discernimento (CP de 1830 e 1890); Doutrina de Situação Irregular, que vigorou no Brasil no início do século XX a 1990 (representada pelo I e II Código de Menores, revogado pela Lei nº. 8.069 de 13/09/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – e concebia que a criança e o adolescente tornavam-se do interesse do direito especial quando apresentassem uma patologia social, definida em lei, ou seja, uma situação irregular que pode derivar tanto de sua conduta pessoal (caso de infrações, por exemplo), quanto de sua família (menor sujeito a maus tratos), ou da própria sociedade (abandonados etc.)); Doutrina de Proteção Integral, que vigora no Brasil desde o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e baseia-se na concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos universalmente reconhecidos e de direitos especiais, provenientes de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que devem ser assegurados pela família, Estado e sociedade. Inclui-se, neste desenvolvimento, a preocupação com todos os aspectos – seja físico, mental, moral espiritual, social, etc. – que possam convergir para o estabelecimento de condições de liberdade e dignidade, e que garantam a satisfação de todas as necessidades.” Nesse sentido, a restrição de liberdade tinha uma finalidade de “proteção”. Mas esta era destinada tão somente aos que poderiam “ameaçar” as classes dominantes, razão pela qual justificava o Estado a restrição da liberdade como forma de controle. Sobre este controle, Irma Rizzini4, conforme cita Zamora ao comentar sobre um período mais próximo desta história, o surgimento das instituições especializadas na internação de “menores delinquentes”, afirma que no “contexto de uma cidade que viu sua população crescer drasticamente pela imigração quando à instauração de novos setores pauperizados, os poderes públicos responderam com a criação de novas estratégias de controle social.”.

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PONTES JR., Felício. A normativa internacional sobre a infância e a juventude e a legislação brasileira. In: TRINDADE, Antônio A. Cançado. A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. SP, 1996, p. 679-680. 4 ZAMORA, Maria Helena (org.). Para além das grades: elementos de transformação do sistema socioeducativo. Rio de Janeiro, ed. PUC-Rio, p. 14. 14


Em 1988, o país vivenciou um processo de reabertura, de redemocratização. Diversos avanços no campo legislativo puderam ser evidenciados. O marco deste processo é a promulgação, em 1988, da Constituição Federal, considerada a Constituição Cidadã. No tocante aos movimentos sociais pela infância brasileira, esta década representou também importantes e decisivas conquistas. Os debates em torno da necessidade de avanço nas reformas da legislação destinada ao público infanto-juvenil era capitaneada, essencialmente, por dois grupos: os menoristas e os estatutistas. Os primeiros defendiam a manutenção do Código de Menores, que se propunha a regulamentar a situação das crianças e adolescentes que estivessem em situação irregular (Doutrina da Situação Irregular). Já os chamados estatutistas, defendiam uma grande mudança no código, instituindo novos e amplos direitos às crianças e aos adolescentes, que passariam a ser sujeito de direitos e a contar com uma Política de Proteção Integral, como um valor ético universal e norteador das políticas públicas para crianças e adolescentes. Conforma afirmado anteriormente, como ápice deste debate, nasce o documento constitucional que rompe com o regime autoritário anteriormente imposto e, no que concerne aos direitos infanto-juvenis, é consagrada a Doutrina da Proteção Integral, em seu artigo 227, nos seguintes termos: “Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Todavia, ainda há muito a se percorrer, haja vista o Brasil estar inserido num processo, ainda não findado, de redemocratização e de afirmação dos Direitos Humanos, sendo este um dos fundamentos em que não se deve retroceder, sob pena de adoção de normas não condizentes com os paradigmas constitucionais existentes. Logo, antes de qualquer retrocesso ou endurecimento em um sistema jurídico, faz-se mister o esgotamento por completo de todas as alternativas instrumentalizadas em políticas públicas, algumas incessantemente previstas no texto constitucional de 1988.

II.2. A Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente em sede Internacional II.2.1. Os Documentos Internacionais sobre os direitos das crianças e adolescentes Inicialmente, convém salientar a importância dos Documentos Internacionais, dos Tratados, Convenções e Declarações que versam sobre os Direitos Humanos, ainda que de forma perfunctória, haja vista o notório conhecimento sobre o tema dos demais membros deste d. 15


Conselho, bem como dos proponentes da modificação do sistema de responsabilização dos adolescentes autores de ato infracional. Todavia, por serem documentos que são caracterizados como verdadeiras referências neste âmbito, importa neste momento histórico fazer este resgate para aclarar o teor e as consequências da proposta submetida ao Conanda.

Declaração Universal dos Direitos Humanos A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, adotada e proclamada pela Resolução n. 217-A, da Assembleia Geral das Nações Unidas, constitui marco referencial, pois é o primeiro documento oficial construído no âmbito das Nações Unidas para garantir a igualdade de direitos dos cidadãos, inclusive o de crianças. Convém, assim, destacar as garantias descritas na declaração, tais como direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, a impossibilidade de submissão à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Segue afirmando a Declaração: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. (...) Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.(...)Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. (...) Artigo XXVI 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.” Os artigos estampados acima são apenas para exemplificar os direitos assegurados historicamente neste documento. Não foram citados todos porque certamente seria constatado que o rol de descumprimento do Brasil é amplo, uma vez que não há um comprometimento de cumprir os ditames constantes na Declaração.

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Em relação à temática da área da infância e juventude e à responsabilização dos adolescentes quando da prática de ato infracional, importa destacar alguns episódios recorrentes, apesar dos avanços alcançados, mas que ainda não foram efetivados. Sobre a impossibilidade de submissão de adolescentes ou qualquer outra pessoa privada de liberdade, à tortura, verifica-se que o Brasil, conforme diversos documentos comprobatórios, inclusive os relatórios de fiscalização deste Conselho, segue a prática de tortura e maus tratos em face dos adolescentes inseridos no sistema socioeducativo. De acordo com o Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (SPT) da Organização das Nações Unidas, após visita realizada ao Brasil, foi divulgado, em fevereiro de 2012, um relatório sobre esta visita feita em setembro de 2011, no qual revela as diversas alegações dos entrevistados acerca de tortura e de maus tratos desde o momento da apreensão policial. Entre o público vitimizado por essa violência, estão crianças e adolescentes, que relataram situações de tortura sofridas no momento da apreensão e durante a custódia policial, com métodos que incluíam tapas, chutes e socos em todas as partes do corpo. O SPT verificou ainda grave cenário de impunidade quanto aos atos de tortura praticados por agentes do Estado, evidenciado, por exemplo, pela persistência de uma cultura que aceita os abusos cometidos pelos funcionários públicos. O SPT solicitou acesso ao número de indivíduos sentenciados pelo crime de tortura, mas o dado não foi fornecido. Os indivíduos entrevistados pelo SPT não demonstraram esperança de que justiça fosse feita ou de que sua situação particular fosse considerada pelas instituições estatais. Esta situação torna flagrante a realidade brasileira sobre o sistema socioeducativo, permissiva em relação aos castigos degradantes, o que faz necessário o fortalecimento das lutas coletivas em prol dos Direitos Humanos de adolescentes em conflito com a lei, bem como denota a necessidade de ações que visem dar efetividade à Lei 12.594/12. Logo, o Brasil vive um momento de afirmação de direitos amplamente consagrados, oportunidade que retrocessos e limitação dos mesmos constitui grande abalo a um sistema de proteção e garantia fundamentado nos Direitos Humanos. Os demais artigos falam por si, pois é visível o descumprimento desses direitos consagrados internacionalmente, tendo em vista que: todos não são tratados isonomicamente, seja por ausência de políticas públicas, seja por total desconhecimento dos seus direitos e, nesse contexto, convém salientar que o acesso à informação e educação não constitui um direito de todos, mas, sim, de poucos.

Declaração Universal dos Direitos da Criança O primeiro documento internacional que afirmou a preocupação dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes foi a Declaração dos Direitos da Criança em Genebra (1924), mas só em 1959 foi adotada e proclamada pela Assembleia Geral da ONU. Este documento de 1959, de grande importância histórica, em razão de vincular, em seu Preâmbulo, os direitos da criança aos direitos humanos, aponta os direitos da criança como sendo 17


os de proteção, desenvolvimento e sobrevivência, a partir da consideração de que em conta de sua pouca idade e de sua imaturidade, a criança necessita de proteção e cuidados especiais. Em relação à Declaração anterior, acrescenta os direitos ao nome, nacionalidade, educação e o direito a uma infância feliz, incluindo poder brincar e não ser submetida ao trabalho precoce, dentre outros.

Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de Dezembro de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992, e incorporado ao ordenamento jurídico interno, logo cogente, este documento internacional também aborda o tema da proteção à infância. O artigo 23 confere proteção à família, enquanto o 24 segue reafirmando os seguintes direitos: “Artigo 24º. 1. Qualquer criança, sem nenhuma discriminação de raça, cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, propriedade ou nascimento, tem direito, da parte da sua família, da sociedade e do Estado, às medidas de proteção que exija a sua condição de menor. 2. Toda e qualquer criança deve ser registrada imediatamente após o nascimento e ter um nome. 3. Toda e qualquer nacionalidade.”.

criança

tem

o

direito

de

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uma

Convenção Americana sobre os Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica A Convenção Americana de Direitos Humanos, também chamado de Pacto de San José da Costa Rica, foi assinada em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José, na Costa Rica, e ratificado pelo Brasil em setembro de 1992. A convenção internacional procura consolidar entre os países americanos um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito aos direitos humanos essenciais, independentemente do país onde a pessoa resida ou tenha nascido. Este documento é composto por 81 artigos, incluindo as disposições transitórias, que estabelecem os direitos fundamentais da pessoa humana, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação, entre outros. A convenção proíbe a escravidão e a servidão humana, trata das garantias judiciais, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, bem como da liberdade de associação e da proteção à família. No escólio de Wilson Donizeti Liberati5, “com força normativa interna, o Pacto reforçou a posição de defesa aos direitos humanos, principalmente a garantia das instituições democráticas, o regime 5

LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. Medida Socioeducativa é pena?. Ed. Juarez de Oliveira. P.11. 18


da liberdade individual e pessoal e de justiça social fundados no respeito aos direitos essenciais do ser humano.”

Regras Mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça juvenil – Regras Mínimas de Beijing Trata o presente documento de mínimas regras que reconhecem a situação do adolescente, ou seja, a etapa inicial do desenvolvimento humano, e por esta razão necessitam de uma atenção e uma assistência especial, com vista ao seu desenvolvimento físico, mental e social, e uma proteção legal em condições de paz, liberdade, dignidade e segurança. Constitui uma das orientações fundamentais do referido documento: “1.3 Conceder-se-á a devida atenção à adoção de medidas concretas que permitam a mobilização de todos os recursos disponíveis, com a inclusão da família, de voluntários e outros grupos da comunidade, bem como da escola e de demais instituições comunitárias, com o fim de promover o bem-estar da criança e do adolescente, reduzir a necessidade da intervenção legal e tratar de modo efetivo, equitativo e humano a situação de conflito com a lei.” Conforme salienta Donizeti6, “a preocupação maior das Regras Mínimas era a proteção dos jovens, pelo fato de estarem, ainda, no estado inicial de desenvolvimento de sua personalidade e necessitarem de assistência particular, para desenvolver-se física e intelectualmente e para integrar-se, de maneira satisfatória, na sociedade.” Nesse sentido, convém salientar questões afetas à segregação ao cárcere, especialmente de adolescentes e jovens, com a afirmativa de proteção ou resposta socialmente desejável a um ato considerado de natureza grave. De acordo com Alessandro Barata7, ao abordar esse isolamento como forma de punição para a “ressocialização” afirma: “Ressaltamos a necessidade da opção pela abertura da prisão à sociedade e, reciprocamente, da sociedade à prisão. Um dos elementos mais negativos das instituições carcerária, de fato, é o isolamento do microcosmo prisional do macrocosmo social, simbolizado pelos muros e grades. Até que não sejam derrubados, pelo menos simbolicamente, as chances de “ressocialização” do sentenciado continuarão diminutas. Não se pode segregar pessoas e, ao mesmo tempo, pretender a sua reintegração. Todavia, a questão é mais ampla e se relaciona com a 6

Ob. Cit. P. 11. BARATTA, Alessandro. RESSOCIALIZAÇÃO OU CONTROLE SOCIAL. Uma abordagem crítica da “reintegração social” do sentenciado (Universidade de Saarland, R. F. A.). Alemanha Federal. Fonte: http://www.juareztavares.com/textos/baratta_ressocializacao.pdf. 19 7


concepção de “reintegração social”, conceito que decididamente preferimos aos de “ressocialização” e “tratamento”. “Tratamento” e “ressocialização” pressupõem uma postura passiva do detento e ativa das instituições: são heranças anacrônicas da velha criminologia positivista que tinha o condenado como um indivíduo anormal e inferior que precisava ser (re)adaptado à sociedade, considerando acriticamente esta como “boa” e aquele como “mau”. Já o entendimento da reintegração social requer a abertura de um processo de comunicação e interação entre a prisão e a sociedade, no qual os cidadãos reclusos se reconheçam na sociedade e esta, por sua vez, se reconheça na prisão.” Nesse sentido, convém destacar que as Regras Mínimas de Beijing recomendam as garantias no processamento judicial e novas medidas de tratamento, com ênfase na substituição das medidas privativas de liberdade, diferentemente do que é a presente proposta, pautada num sistema que aumenta o tempo de restrição de liberdade do adolescente e jovem. Emílio Garcia Mendez8 salienta que “o caráter breve e excepcional da medida surge, também, do reconhecimento dos provados efeitos negativos da privação de liberdade, principalmente no caso da pessoa humana em condição peculiar de desenvolvimento”. Afirma, ainda, que as medidas restritivas de liberdade devem ser utilizadas como último recurso, privilegiando as medidas em meio aberto. Ora, se estamos diante de um sistema de responsabilização de adolescentes e jovens que se socorre ao direito penal para definir quais atos são passíveis de responsabilização e, ao mesmo tempo é afirmado que a medida de restrição de liberdade imposta pelo Estado quando da prática de ato infracional possui finalidade pedagógica; se é afirmado ainda que o adolescente não pode ser submetido à condição pior do que a de adulto, significa afirmar que a internação é, por si só, e, nos moldes atuais previstos, a medida a ser aplicada aos casos de grave ameaça, fato que não justifica um escalonamento de forma progressiva do tempo da responsabilização, ou seja, da perda da liberdade, haja vista que ser livre é a regra e a exceção é a prisão, destinada aos casos mais graves. A Excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de Medida Socioeducativa, prevista no artigo 35, inciso II da Lei 12.594/12, bem como com previsão em sede internacional e no Estatuto da Criança e do Adolescente, o referido princípio, com o advento da lei 12.594/12, teve seu alcance ampliado para tratar da excepcionalidade da intervenção judicial, primando por mecanismos de autocomposição de conflitos. Originalmente previsto, o princípio da Excepcionalidade com previsão no art. 122, §2º do Estatuto, determina que a privação de liberdade deve ser entendida como última ratio, pois esta é considerada a modalidade mais gravosa das MSEs previstas. Logo, havendo possibilidade de ser imposta medida menos onerosa ao direito de liberdade do adolescente, será esta imposta em detrimento da internação.

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CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Comentários jurídicos e sociais. p. 414, 8ª edição. Ed. Malheiros. 20


Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da Delinquência Juvenil – Diretrizes de Riad Essas diretrizes estão colocadas sob o seguinte fundamento: “A prevenção da delinquência juvenil é uma parte essencial da prevenção do crime na sociedade. Ao enveredarem por atividades lícitas e socialmente úteis e ao adotarem uma orientação humanista em relação à sociedade e à vida, os jovens podem desenvolver atitudes não criminógenas. 2. Uma prevenção bem sucedida da delinquência juvenil requer esforços por parte de toda a sociedade para assegurar o desenvolvimento harmonioso dos adolescentes, com respeito e promoção de sua personalidade, desde a mais tenra idade. 3. Para efeitos de interpretação destes Princípios Orientadores, deverá seguir-se uma orientação centrada na criança. Os jovens devem ter um papel ativo e colaborante dentro da sociedade e não devem ser considerados como meros objetos de medidas de socialização e de controle.” Nesse sentido, significa dizer que o Brasil precisa caminhar no rumo de assegurar a execução das políticas públicas para o público infanto-juvenil, de acordo com o que está previsto no ordenamento pátrio, pois somente medidas de caráter preventivo e que assegurem os direitos essenciais de crianças e adolescentes poderão ser efetivas no enfrentamento a esta temática. A responsabilização mais gravosa do adolescente pela ineficácia do Estado constitui um flagrante e odioso retorno a uma doutrina que tratava a criança e adolescente como meros objetos de controle e aplicação da norma pelo Estado, com finalidades ora higienistas, ora de puro controle diante de anseios de uma classe considerada superior.

Regras Mínimas das Nações Unidas para a proteção de jovens privados de liberdade A Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhecendo a necessidade de proteção especial que os jovens privados de liberdade possuem devido a sua alta vulnerabilidade, criou orientações para assegurar os direitos desses indivíduos em condição peculiar. As RMPJL definem a privação de liberdade como qualquer forma de detenção, de prisão ou a colocação de uma pessoa, por decisão de qualquer autoridade judicial, administrativa ou outra autoridade pública, em um estabelecimento público ou privado do qual não poderá sair por sua própria vontade. A privação deve ser sempre efetuada em condições e circunstâncias que assegurem o respeito pelos direitos humanos, estabelecendo, nesse sentindo, o Estatuto da Criança e do Adolescente que é direito do adolescente privado de liberdade ser tratado com respeito e dignidade. 21


As RMPJL estabelecem que após a sua admissão no estabelecimento prisional, o adolescente deve ser entrevistado por profissionais adequados, sendo elaborado um relatório psicológico e social que identifique quaisquer fatores relevantes sobre sua pessoa e qual tipo de tratamento e programa de educação é o mais adequado. A Lei 12.594 de 2012 dispõe sobre a necessidade de acompanhamento do cumprimento das medidas socioeducativas judicialmente determinadas a Adolescentes. Logo, o plano individual de atendimento (PIA) fora, agora, expressamente, determinado para as medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e de internação; enquanto, “instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente” (art. 52).

Convenção sobre os Direitos da Criança A Convenção sobre os Direitos da Criança é o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal. Foi ratificado pela grande maioria dos países e o Brasil adotou o seu texto na integralidade através do Decreto nº 99.710/90 e depois ratificado pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº 28/90, passando a ser norma cogente interna. Este documento reconhece em sede internacional alguns direitos inerentes à condição de criança, de pessoa em desenvolvimento, elencando o superior interesse desses direitos: “Art. 3 1 – Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança. 2 – Os Estados-Partes comprometem-se a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas. 3 – Os Estados-Partes certificar-se-ão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada.”

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Ressalta Donizeti9 que “o princípio fundamental da Convenção é aquele que dispõe que o melhor interesse da criança será sempre o de maior consideração, concluindo que sua opinião será devidamente considerada.”. Significa dizer a necessidade de participação da criança e do adolescente e a necessidade premente de ruptura com modelos retrógrados de tratamentos à infância como objetos de aplicação da norma, sem considerá-los sujeito de direitos. E mais, a adoção de medidas de cunho segregacionista, privativas de liberdade de crianças e adolescentes, invocando a aplicação do princípio do melhor interesse, devem ser extirpadas da construção de políticas para a infância e juventude, pois estas devem ser pautadas sob um paradigma de direitos humanos. Declaração Mundial sobre a sobrevivência, a proteção e o desenvolvimento das crianças nos anos 90. Como pressuposto de tal Declaração, a ênfase está na prioridade do bem estar das crianças, propiciando a melhoria nas condições de saúde das mães, dos filhos, combatendo a desnutrição, o analfabetismo e a erradicação de doenças que eram (e ainda são em alguns países e locais do Brasil) responsáveis pela morte de crianças. O artigo 20 da supracitada Declaração descreve dez pontos para a proteção da criança e para a melhoria de sua condição de vida, onde os países signatários comprometem-se a executar, seja sob a forma de cooperação internacional, seja através da adoção de políticas públicas internas: 1) Trabalharemos para promover o mais rapidamente possível a ratificação e a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança. Devem ser lançados em todo o mundo programas de incentivo à divulgação de informações sobre os direitos da criança, que levem em consideração os diversos valores culturais e sociais dos diferentes países. 2) Trabalharemos em prol de um esforço consistente de ação em níveis nacional e internacional por melhores condições de saúde da criança, pela promoção do atendimento prénatal e pela redução da mortalidade infantil em todos os países e entre todos os povos. Promoveremos o fornecimento de água limpa a todas as comunidades, para todas as suas crianças, assim como o acesso universal ao saneamento básico. 3) Trabalharemos por condições mais favoráveis de crescimento e de desenvolvimento da criança, através de medidas para a erradicação da fome, da desnutrição e da inanição, minimizando, assim, o trágico sofrimento de milhões de crianças num mundo que dispõe dos meios para alimentar todos os seus cidadãos. 4) Trabalharemos para fortalecer o papel e a condição da mulher. Promoveremos o planejamento familiar responsável, o espaçamento entre partos, o aleitamento materno e a maternidade sem riscos. 5) Trabalharemos pela valorização do papel da família como responsável pela criança, apoiaremos os esforços dos pais, de outros responsáveis e das comunidades no amparo à

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Ob.cit. p. 21 23


criança desde os primeiros anos da infância até a adolescência. Reconhecemos, também, as necessidades especiais das crianças que se encontram separadas de suas famílias. 6) Trabalharemos por programas de redução do analfabetismo, e que garantam oportunidades educacionais para todas as crianças, independentemente de sua origem e sexo; que preparem a criança para o trabalho produtivo e para as oportunidades de aprendizagem para toda a vida, isto é, pela educação profissionalizante, e que permitam que a criança cresça até a idade adulta num contexto cultural e social propício e protetor. 7) Trabalharemos para melhorar as condições de vida de milhões de crianças que vivem em circunstâncias particularmente difíceis: as vítimas do "apartheid" da ocupação estrangeira; os órfãos e os meninos e meninas de rua, e os filhos de trabalhadores migrantes; as crianças refugiadas e as vítimas de desastres naturais e provocados pelo homem; as deficientes e as maltratadas; as socialmente marginalizadas e as exploradas. As crianças refugiadas precisam ser auxiliadas para que encontrem novas raízes. Trabalharemos pela proteção especial às crianças trabalhadoras, e pela abolição do trabalho infantil ilegal. Daremos o melhor de nós mesmos para garantir que a criança não se torne vítima do flagelo das drogas ilícitas. 8) Trabalharemos com empenho para proteger a criança do flagelo da guerra, e tomaremos medidas para evitar outros conflitos armados, a fim de lhe garantir, em todos os lugares, um futuro pacífico e seguro. Promoveremos os valores da paz, da compreensão e do diálogo na educação infantil. As necessidades essenciais da criança e de sua família precisam ser protegidas, mesmo durante a guerra, e em áreas atingidas pela violência. Solicitamos que sejam observados períodos de tranquilidade e corredores de paz, para beneficiar as crianças onde a guerra e a violência ainda perduram. 9) Trabalharemos por medidas comuns de proteção ao meio ambiente, em todos os níveis, de forma que todas as crianças possam ter um futuro mais seguro e sadio. 10) Trabalharemos por um combate global à pobreza, que traz benefícios imediatos ao bem-estar da criança. A vulnerabilidade e as necessidades especiais da criança dos países em desenvolvimento e, em particular, dos países menos desenvolvidos, merecem prioridades. Mas o crescimento e o desenvolvimento precisam ser promovidos em todas as Nações, através de uma ação nacional e de cooperação internacional. Isto exige a transferência de recursos adicionais adequados aos países em desenvolvimento, assim como melhores termos de comercialização, maior liberalização do comércio, e medidas para reduzir a dívida. Isto também implica medidas de ajuste estrutural que promovam o crescimento econômico mundial, em especial nos países em desenvolvimento, assegurando o bem-estar dos setores mais vulneráveis da população, particularmente das crianças.

Cúpula Ibero-americana de chefes de estado e de governo – Declaração do Panamá – “Unidos pela infância e adolescência, base da justiça e da equidade no novo milênio”. Realizada na cidade do Panamá, República do Panamá, com a participação de 21 países iberoamericanos, a X Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo - Declaração do Panamá - “Unidos pela Infância e Adolescência, Base da Justiça e da Equidade no Novo Milênio”, nos dias 17 e 18 de novembro de 2000. 24


A adoção de novos princípios norteadores para a elaboração de políticas públicas para crianças e adolescentes, através de pactos internacionais entre os povos contribuiu para o convencimento dos governantes da necessidade de se conseguir um desenvolvimento humano sustentável e, portanto, a necessidade de consolidação da democracia, da equidade e da justiça social, com base nos princípios de universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. E, nesse contexto, é de importância estratégica dedicar especial atenção à infância e à adolescência, examinar em conjunto, a situação das crianças e adolescentes de Ibero-américa com o propósito de formular políticas e promover programas e ações que garantam o respeito dos seus direitos, seu bem-estar e desenvolvimento integral. São vários princípios e garantias enumeradas, dentre as principais, destacam-se: tratamento com equidade e justiça social, educação integral, significativa e respeitosa da diversidade linguística, étnica, cultural e de equidade de gênero, que apoie o desenvolvimento humano e individual, acesso à educação infantil e ao ensino fundamental gratuito e obrigatório, apoiado nos princípios de não discriminação, equidade, pertinência, de qualidade e eficácia; fortalecer, em cada país, os programas de segurança alimentar, incluindo os que se levam a cabo nas escolas, acompanhando-os de campanhas de difusão e de educação em matéria de nutrição, com especial ênfase em lactantes, crianças pequenas e mulheres grávidas; incorporar nos sistemas educativos, escolar e não escolar, programas de educação sexual, com a participação da família e da comunidade, que fomentem comportamentos sexuais responsáveis, incluindo a paternidade e maternidade responsáveis, a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, a gravidez precoce e a paternidade precoce, fomentar a adoção de medidas dirigidas às crianças e adolescentes com deficiências, tais como programas de reabilitação e de educação, deste modo, difundir maior informação sobre as políticas de adoção e as campanhas a favor das crianças que trabalham ou vivem na rua.

II.2.2 Quadro Internacional de Responsabilização dos adolescentes Nos termos do documento produzido pelo Unicef10 e de acordo com o quadro em anexo Este aspectoto direito brasileiro encontra-se em sintonia com a tendência mundial de fixação da maioridade penal aos 18 anos. Porém quanto à idade inicial de incidência da justiça da infância e juventude fixada aos 12 anos mediante a definição de adolescente, encontra-se dentre os países que adotam idades relativamente precoces para a responsabilização. Além disso, não há no sistema brasileiro faixas etárias diferenciadas de modo a condicionar a qualidade e intensidade das medidas aplicadas, ou seja, já a partir dos 12 anos admite-se a imposição da privação de liberdade. Este aspecto em particular vem sendo discutido na comunidade internacional na perspectiva de sua aplicação unicamente como ultimo recurso.”

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http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/idade_penal/unicef_id_penal_nov2007_completo. pdf. 25


Isto significa dizer que o sistema vigente de responsabilização dos adolescentes possui previsão para a aplicação da medida de internação para os atos infracionais considerados mais graves (excepcionais à regra), enquanto que para os demais atos (sendo a regra de aplicação das medidas socioeducativas), deve prevalecer a adoção de medidas em meio aberto, tendo em vista o caráter da excepcionalidade da internação, por ser, em sua natureza, a medida mais gravosa.

II.3. O cenário da juventude no Brasil O Brasil possui uma população com mais de 190 milhões de pessoas, de acordo com os dados do Censo Demográfico de 201011, dos quais 60 milhões têm menos de 18 anos de idade, o que equivale a quase um terço de toda a população de crianças e adolescentes da América Latina e do Caribe. São dezenas de milhões de pessoas que possuem direitos e deveres e necessitam de condições para desenvolverem, com plenitude, todo o seu potencial12. De acordo com dados do UNICEF, o país tem 21 milhões de adolescentes com idade entre 12 e 17 anos. De cada 100 estudantes que entram no ensino fundamental, apenas 59 terminam a 8ª série e apenas 40, o ensino médio. A evasão escolar e a falta às aulas ocorrem por diferentes razões, incluindo violência e gravidez na adolescência. Um breve estudo sobre o Mapa da Violência 2013 revelaram dados sobre a ineficácia das políticas públicas, utilizando como indicadores os elementos descritos abaixo: “Segundo as recentes estimativas populacionais, para o ano de 2011 o país contava com um contingente de 34,5 milhões de jovens na faixa dos 15 aos 24 anos de idade. Esse quantitativo representa 18,0% do total dos 192,3 milhões de habitantes que o IBGE projetava para o país nesse ano.” Todos os países do mundo, incluindo o Brasil, utilizam o sistema classificatório de morbidade e mortalidade desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde – OMS. Assim, para a codificação dos óbitos, foi utilizada a causa básica, entendida como o tipo de fato, violência ou acidente causante da lesão que levou à morte. Dentre as causas de óbito estabelecidas pelo CID-10, agrupamos vários capítulos sob a denominação Causas Violentas, de interesse central para o presente estudo: 

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Acidentes de Transporte, como indicativo da violência cotidiana nas vias públicas e corresponde às categorias V01 a V99 do CID10. Incorpora, além dos comumente denominados “acidentes de trânsito”, outros acidentes derivados das atividades de transporte, como aéreo, por água etc. Homicídios, como indicador por excelência de formas conflitivas de relacionamento interpessoal que acabam com a morte de algum dos antagonistas. Corresponde ao somatório das categorias X85 a Y09, recebendo o título genérico de Agressões. Tem como

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/sinopse.pdf. http://www.unicef.org/brazil/pt/activities.html. 26


característica uma agressão intencional de terceiros, que utilizam qualquer meio para provocar danos, lesões que levam à morte da vítima. Suicídios, indicador de violência dirigida contra si próprio e corresponde às categorias X60 a X84, todas sob o título Lesões Autoprovocadas Intencionalmente.”

Especificamente sobre a mortalidade de jovens, o presente estudo constatou os seguintes dados: “Para analisar a estrutura e especificidades evolutivas da mortalidade na faixa jovem, utilizaremos o seguinte procedimento: dividiremos a população em dois grandes grupos: os jovens –15 a 24 anos de idade – e os não jovens: aqueles que ainda não chegaram a sua juventude - menos de 15 anos de idade, e aqueles que já passaram da faixa - 25 ou mais anos de idade.      

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Entre os jovens apenas 26,8% dos óbitos é atribuível a causas naturais; Na população não jovem esse percentual eleva-se para 90,1%; Na população não jovem 9,9% do total de óbitos correspondem às causas externas; Já entre os jovens, essas causas são responsáveis por 73,2% das mortes. Se na população não jovem só 3,0% dos óbitos foram homicídios, entre os jovens os homicídios são responsáveis por 39,3% das mortes. Essas são as médias nacionais. Em diversos estados, como Alagoas, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Distrito Federal, mais da metade do total de mortes juvenis foram provocados por homicídio. Acidentes de Transporte são responsáveis por mais 20,4% dos óbitos juvenis, e suicídios adicionam ainda 3,7%. Na população não jovem acidentes de transporte originaram 3,0% e suicídios 0,7%; Em conjunto, essas três causas são responsáveis por quase 2/3 (63,4%) das mortes dos jovens brasileiros. Entre os não jovens: 6,8%.” Ainda sobre a mortalidade de jovens, o estudo revela dados relevantes quando aborda os jovens das capitais, demonstrando que estes serão os focos prioritários e alvos inquestionáveis da violência homicida no país. Nesse sentido, podemos verificar que: Em todos os anos analisados as taxas juvenis das capitais mais que duplicam as taxas totais; Os níveis de violência que ceifam a juventude das capitais chegam, em diversos estados, a limites absurdos. Não podem ter outra qualificação taxas como as de Maceió, que atingiram a inaceitável marca de 288,1 homicídios por 100 mil jovens ou as de João Pessoa de 215,1 no ano de 2011. Mas também são inaceitáveis taxas como as de Salvador, Vitória, Recife, Fortaleza, Natal, Manaus, Belém ou Belo Horizonte, com índices que ultrapassam os 100 homicídios por 100 mil jovens. A capital com os menores índices de violência contra sua juventude, São Paulo, com sua taxa de 20,1 homicídios por 100 mil jovens, ainda está bem acima dos níveis considerados epidêmicos: 100 homicídios. 27


Em julho de 1993 aconteceu a Chacina da Candelária, quando policiais abriram fogo contra um grande número de crianças que dormia no entorno da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro. Morrerem oito crianças e adolescentes entre 11 e 19 anos de idade. No Brasil de 2011, o SIM registrou 18.436 jovens assassinados: 51 a cada dia do ano. Isto é, acima de oito Chacinas da Candelária diária. Quando trabalhadas as informações internacionais sobre o tema, permite obter uma visão comparativa sobre níveis de violência existentes no país. Vemos assim que, com uma taxa de 27,4 homicídios por 100 mil habitantes e 54,8 por 100mil jovens, o Brasil ocupa a sétima posição no conjunto dos 95 países do mundo com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde sobre o tema, dados compreendidos entre 2007 e 2011. Comparando nossos níveis de homicídios na população total, a taxa de 27,4 homicídios por 100 mil habitantes é:   

274 vezes maior que a de Hong Kong. 137 vezes maior que as do Japão, Inglaterra e Gales ou Marrocos. 91 vezes maior que as do Egito ou Sérvia.

Já nossa taxa de 54,8 homicídios por 100mil jovens resulta:   

547 vezes superior às taxas de Hong Kong. 273 vezes superior às taxas da Inglaterra ou Japão. 137 vezes superior às taxas da Alemanha ou Áustria.

Esses dados revelam a premente necessidade de investimentos em políticas públicas, com o objetivo de prevenção, caminho totalmente oposto ao da presente proposta. O que este documento aponta é o descompromisso estatal com as crianças e jovens deste país, pois o Estado segue reiteradamente descumprindo as leis destinadas a ele e, ao final, os punidos por esta ineficiência são as crianças e adolescentes, que quando não são alcançados pela violência nas suas mais variadas faces (doméstica, sexual, letal etc.), é destinado a este público, caracterizado em razão da sua cor, raça, condição socioeconômica, o sistema socioeducativo. Com o intuito de dar pertinência a presente análise, o estudo sobre o sistema socioeducativo e a situação dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas será abordado mais adiante.

II.4. A Responsabilização dos Adolescentes Autores de Ato Infracional e o Atual Modelo: necessidade de afirmação dos princípios norteados da medida socioeducativa Inicialmente, convém destacar os ensinamentos de Mário Volpi, ao abordar o tema da adolescência e a responsabilização em sua obra “Sem liberdade e sem direitos: a privação de liberdade na percepção dos adolescentes em conflito com a lei, de 2001 e Adolescentes privados de liberdade”:

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“Estamos tentando desconstruir um mito que existe sobre a adolescência no país - o mito da adolescência problema - e mostrar esta fase da vida como uma grande oportunidade de aprendizagem, socialização e desenvolvimento. A partir da desconstrução deste mito, o Estado e as políticas públicas podem começar a oferecer melhores oportunidades para os adolescentes nesta fase específica da vida.” A Lei 8069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, estabeleceu em seu artigo 103 que “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Desta maneira, os comportamentos proibidos, contrários aos interesses da sociedade, praticados por crianças e por adolescentes, serão considerados negativos sob o manto do direito penal. Logo, o controle das condutas proibidas de crianças e de adolescentes passa por um controle social, também de caráter penal. Neste campo, dando uma ampla noção do que significa o controle social, o consagrado e já mencionado Professor E. Raul Zafforoni sinaliza no sentido de ser um conjunto de mecanismos de controle exercido por uma instituição sobre uma coletividade ou sociedade, dizendo ainda que: “Qualquer instituição social tem uma parte de controle social que é inerente a sua essência, ainda que também possa ser instrumentalizada muito além do que corresponde a essa essência. O controle social se exerce, pois, através da família, da educação, da medicina, da religião, dos partidos políticos, dos meios de massa, das atividades artística, da investigação científica, etc.”13 Fica evidente que o Controle Social é maior do que o Controle Social Penal, deixando este numa condição especial de subsidiariedade, portanto aplicável somente quando os demais Sistemas falharem. Especialmente na seara infanto-juvenil, o Estatuto da Criança e do Adolescente está apoiado em um sistema tríplice (Primário, Secundário e Terciário) que será objeto de estudo mais adiante, e que pressupõe para sua efetividade um compromisso real e político dos governantes na implementação das políticas públicas que envolvem a temática. De acordo com um estudo realizado pela Unicef em novembro de 2007, mencionado acima, sobre os fundamentos para a não redução da idade penal, bem como determina a Exposição de Motivos do Código Penal na Reforma de 1984, a fixação da maioridade constitui um critério de política criminal. “Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 anos.”

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Nicodemos, Carlos. A NATUREZA DO SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇAO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL. 29


Nesse sentido, pertinente é a crítica ao sistema que pretende ampliar o tempo de restrição de liberdade para os atos infracionais de natureza grave, uma vez que, apoiado ainda no documento produzido pelo próprio Unicef, co-autor/apoiador da presente proposta, pois “Diversos exemplos de aplicação bem sucedida do Estatuto da Criança e do Adolescente reforçam que a busca por soluções para a criminalidade envolvendo adolescentes passa pela implementação das medidas socioeducativas já previstas na legislação. Com destaque às medidas socioeducativas em meio aberto que responsabilizam o adolescente pela prática do ato infracional, permitindo a frequência à escola, o convívio familiar e comunitário. As medidas privativas de liberdade devem ser reservadas aos casos de reconhecida necessidade em razão dos inegáveis prejuízos que a institucionalização produz no desenvolvimento de qualquer pessoa”. Ainda em caráter inicial, importa colacionar as palavras do autor Costa Saraiva 14: “No caso dos adolescentes autores de delitos, a responsabilização se dá a partir dos doze anos, o que empresta um caráter quase draconiano à nossa Lei, em cotejo com os demais países em cuja maioria a idade de responsabilização se dá aos quatorze. (..) É certo que o sistema socioeducativo, relativo às sanções a que se sujeitam esses adolescentes, carece de efetividade. Programas de Meio Aberto ainda são poucos e muitos ineficientes, a reclamar urgentes providências. Isso passa pela necessária compreensão do que são essas sanções, no que se distinguem das penas aplicáveis aos maiores de dezoito anos e quais suas convergências. Também é preciso superar, nessa mudança cultural, o paradigma da ambiguidade, do que o velho sistema era pródigo.”

II.4.1. A Idade Penal no Brasil Dispõe o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”, uma vez que se materializou, no Estatuto, o princípio constitucional da inimputabilidade penal aos cidadãos brasileiros em idade inferior a 18 anos, pressuposto de que só haverá ato infracional se houver uma figura típica penal, anteriormente prevista na lei, não obstante que a responsabilidade pela conduta começa aos doze anos. O aludido diploma legal estabelece, em seu art. 104:

14

http://www.jbsaraiva.blog.br/blog/wp-content/uploads/2009/01/responsabilidadepenal.pdf. 30


“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei [...] devendo ser considerada a idade do adolescente à data do fato.” Além de estar disposto no atual Código Penal brasileiro, a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos incorporou-se à Carta Magna brasileira, em 1988, quando foi promulgada, com sua disposição no art. 228: “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.” Como é cediço, criança (até doze anos incompletos) fica isenta da responsabilidade, sendo encaminhada ao Conselho Tutelar para a aplicação das medidas protetivas e não de caráter retributivo-penalizador, que podem ser aplicadas independentemente de ordem ou processo judicial, com intervenção em torno da família, submetendo-se os pais ou responsáveis às penas e restrições impostas pela Lei. Nesse sentido, o art. 228 da CRFB elevou em nível de garantia constitucional à criança e ao adolescente o limite de idade para fins de imputabilidade penal. O limite de 18 anos, também previsto no art. 27 do Código Penal, está em consonância com as concepções mais modernas da criminologia, que enfatiza o sistema da prevenção em detrimento da política de penalização e controle social. Embora existam propostas de emendas15 à Constituição tramitando no Congresso, com o escopo de reduzir a maioridade penal, através de uma interpretação sistemática da Constituição Federal, verifica-se que o art. 228 não é passível de alteração por ser verdadeiro direito individual, logo, revestido sob o manto da imutabilidade das cláusulas pétreas. Pois, conforme nos informa Tânia Pereira da Silva, baseada em Gersino Gerson Gomes16: “O art. 60, § 4º, IV, CF, expressa que os direitos e garantias individuais não serão passíveis de emendas à Constituição com o intuito de aboli-los; o art. 5º, § 2º, CF, revela que os direitos e garantias individuais não estão limitados àqueles descritos no texto, portanto, esse parágrafo nos traz duas certezas. A primeira, que a própria Constituição Federal admite que encerra em seu corpo direitos e garantias individuais, e que o rol do art. 5 não é exaustivo. A segunda, que direitos e garantias concernentes com o princípio da própria Constituição e de tratados internacionais firmados pelo Brasil integram referido rol, mesmo fora de sua lista.” Importa ainda salientar que embora topograficamente estar disposto no artigo 228, e não no rol das garantias fundamentais do artigo 5º da Constituição de 1988, devem ser rechaçadas 15

PECs nº 171/1993; 150/1999; 167/1999; 633/1999; 37/1995; 91/1995; 301/1996; 531/2002; 64/2003; 179/2003; 272/2004 e 48/2007. 16 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. 2º edição. 31


interpretações contrárias ao entendimento de que este artigo constitui uma garantia fundamental, portanto uma cláusula pétrea. Tânia Pereira da Silva salienta que apesar de essa idade (leia-se 18 anos, logo, imputável) não ser um marco preciso no advento da capacidade de compreensão do injusto e de autodeterminação, não resta dúvida que o ECA tem o mérito de romper com o sistema do discernimento, fonte de inesgotável insegurança para os juízes, dando margem para aplicação da lei pautada em um critério puramente subjetivo. Outro fator que merece ser destacado é o abandono do caráter assistencial, curativo e, sobretudo, corretivo-repressivo dos códigos de menores, propondo uma releitura sobre a prática do ato infracional, a partir da separação por critério etário na aplicação das medidas e assegurando a exclusividade das medidas socioeducativas aos adolescentes considerados autores de ato infracional. Todavia, a responsabilização do adolescente quando da prática de ato infracional, ou seja, a aplicação das medidas socioeducativas previstas no art. 112, perpassa pelas garantias do devido processo legal.

II.4.2. Doutrina da Proteção Integral: valor ético adotado pelo Estado Brasileiro na Responsabilização dos Adolescentes Impulsionado pelos debates internacionais, o Brasil incorporou em seu ordenamento jurídico, em sede constitucional, a Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas, marco da ruptura com a doutrina da situação irregular e a legislação anterior sobre o tema. A partir deste marco principiológico recém-inaugurado com a Constituição Cidadã, passou a ser imperiosa a elaboração de um novo diploma legislativo sobre a infância e a juventude, fundamentado na perspectiva da enunciação de direitos e garantias dos mesmos. Dentro deste contexto foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, que aborda mecanismos garantidores dos direitos, consagrando na ordem jurídica a doutrina da proteção integral. Verifica-se que apesar do avanço legislativo, uma prática permeada pela doutrina da situação irregular, de cunho tutelar assistencialista, mesmo existindo um processo, durante os anos 80 de “desconstrução do modelo assistencial-repressivo no tratamento da infância”, o que denotou o início da ruptura com o modelo anterior, mas certamente ainda há muito a fazer para o verdadeiro alcance da efetividade desses direitos fundamentais da população infanto-juvenil17. Apesar do exposto acima, não se pode esquecer que a adoção da Doutrina da Proteção Integral pelo Brasil se fez através da luta e articulação da sociedade civil, razão pela qual em muitos aspectos se avançou no que concerne à lei 8.069/90. Especialmente no que tange aos adolescentes autores de ato infracional, um dos avanços que podem ser exemplificados com o advento da referida lei é a aplicabilidade de diversas garantias constitucionais anteriormente negadas a este público.

17

ZAMORA, Maria Helena (org.). Para além das grades: elementos de transformação do sistema socioeducativo. Rio de Janeiro, ed. PUC-Rio, p. 36. 32


Como é de amplo conhecimento dos que militam na área da infância e juventude, o Estatuto da Criança e do Adolescente estrutura-se a partir de três sistemas de garantias, vejamos: o Sistema Primário, o Sistema Secundário e o Sistema Terciário. O Sistema Primário trata das políticas públicas de atendimento a crianças e adolescentes e estão previstas nos arts. 4º e 86-88. O Sistema Secundário trata das medidas de proteção dirigidas a crianças e adolescentes em situação de ameaça ou violação de direitos, previstas nos arts. 98 e 101. O Sistema Terciário aborda a responsabilização do adolescente autor de ato infracional, através das medidas socioeducativas, previstas no art. 112, as quais podem ser aplicadas aos adolescentes que cometem atos infracionais. Significa dizer que este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas), prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção terciária (medidas socioeducativas), age de modo harmônico, sendo acionado cada um deles no momento adequado. Quando a criança ou o adolescente não se beneficiarem do sistema primário de prevenção, é acionado o sistema secundário, cujo agente responsável é o Conselho Tutelar. Se o adolescente cometer um ato infracional é acionado o terceiro sistema de prevenção, operacionalizando-se as medidas socioeducativas, através do sistema de Justiça. Ocorre que este sistema, apesar de sua previsão harmônica não vem sendo cumprido nos termos do que foi pactuado através das Leis 8.069 de 1990 e, complementar ao que toca o adolescente autor de ato infracional, o disposto na Lei 12.594 de 2012. Tendo em vista que o Estado brasileiro não vem cumprindo, ou seja, materializando o disposto no Estatuto, denotando um quadro de Estado em conflito com a lei, fato que lamentavelmente acarreta na responsabilização, mais uma vez, do adolescente pelas ineficiências das políticas públicas, do Sistema Primário. Em alguns casos, o adolescente chega a alcançar o Sistema Secundário18, porém, na grande maioria deles, é destinada a contenção através do Sistema Terciário. Ou seja, após uma trajetória de negações de direitos fundamentais e uma falha gravíssima do Estado em não dar cumprimento à Lei, este adolescente é atendido com uma política pública de controle social.

II.4.3. Da Proposta Apresentada de Ampliação do tempo de Responsabilização (Controle) do Adolescente e a sua Contrariedade aos paradigmas de Direitos Humanos adotados pelo Brasil Reitere-se que a adoção de critérios delimitadores da idade penal constitui uma questão de política criminal que, segundo o Professor Nilo Batista, podem ser definidos como um conjunto de valores éticos da sociedade que desencadeia ações de controle social. Nesse sentido, convém salientar que a adoção da idade penal aos 18 anos, nos termos da Exposição de Motivos do Código Penal (Reforma de 1984), foi por critérios de política criminal, que fundamentou esta adoção com a Doutrina da Proteção Integral, valor ético norteador da responsabilização dos adolescentes autores de ato infracional.

18

Vide os casos de adolescentes vítimas de violência letal que não chegam à rede de proteção. 33


Sobre a política criminal, insta salientar os ensinamentos de Fragoso19 sobre o tema, pois o autor afirma que “uma política criminal moderna orienta-se no sentido de discriminalização e da desjudicialização, ou seja, no sentido de contrair ao máximo o sistema punitivo do Estado, dele retirando todas as condutas antissociais que podem ser reprimidas e controladas sem o emprego de sanções criminais”. Significa dizer que embora haja o caráter pedagógico da medida socioeducativa imposta ao adolescente, não se pode olvidar que a restrição de liberdade constitui uma das mais graves sanções imposta ao ser humano. A título de exemplo de mecanismos alternativos ao cárcere, importa destacar que o Brasil adotou em relação aos adultos a Lei 12.403/2011, que modificou o Título IX do Código de Processo Penal e passou a ser denominado “Da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória”, de forma a disciplinar a prisão cautelar, como também trazendo alternativas ao recolhimento do acusado ao cárcere durante o processo. E, no campo socioeducativo, foi editada a Lei do Sinase (12.594/12) com o intuito de regulamentar o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, prevendo também medidas alternativas ao cárcere, ainda não implementadas, em razão da necessidade de adoção de políticas pública para a sua concretude. Logo, importa reafirmar que o adolescente não pode ser submetido à condição mais gravosa que o adulto, nos termos da legislação especial20 e, sendo a restrição da liberdade a última ratio, dado o seu caráter subsidiário e por ser a medida que mais afeta os direitos fundamentais, deve ser utilizada tão somente para responsabilizar os atos de natureza grave, sob pena de instalação de um modelo de controle sobre o ato infracional do autor e não o ato infracional do delito. Sobre este tema, significa afirmar, no que concerne ao histórico de implementação das políticas voltadas especialmente para os adolescentes responsabilizados pela prática de ato infracional, que apesar dos avanços do Estatuto, existe um abismo que separa o plano teórico do Estatuto da Criança e a efetivação de seus direitos neste texto consagrado politicamente, pois aponta raízes que conduzem a interpretação da existência deliberada de um longo e largo processo de criminalização deste grupo, pautada como uma estratégia de controle e contenção da marginalização decorrente da exclusão socioeconômica do país.21. O referencial histórico desta política dirigida encontra-se desde o início dos anos oitenta, com a orientação anglo-americana denominada “Movimento de Lei e Ordem”, institucionalizada e incorporada pelos Estados Unidos da América e pela Inglaterra. Baseada na punição contra os grupos socialmente excluídos como um mecanismo automatizado pelo estado capitalista, cuja aplicação obedece aos ditames da produção individual de cada pessoa na sociedade, as crianças, passaram a ser alvos preferenciais de uma política fundada na força punitiva e retributiva do Estado.

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BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. P.36. Editora Renavan. Leis nºs 8.069/90 e 12.594/12. 21 ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (org). Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo. ILANUD. 2006. Texto: Natureza do Sistema de responsabilização do adolescente autor de ato infracional (autor Carlos Nicodemos). P. 61. 34 20


A hipótese de caracterização social da criança como um ser improdutivo e oneroso para as pretensões desenvolvimentistas do Estado capitalista é grande, e sua criminalização através das ações estatais é fato emergente e inegociável para o interesse da sociedade burguesa. As entranhas deste sistema remontam àquilo que Baratta22 denominou como processo de criminalização. Em sua clássica obra sobre Criminologia Crítica, defende o celebre autor que: ”O momento crítico atinge a maturação na criminologia quando o enfoque macrossociológico se desloca do comportamento desviante para os mecanismos de controle social dele e, em particular, para o processo de criminalização”. Referida análise dos sistemas de controle social promovido por Alessandro Baratta, nos conduz para o entendimento de que existe de fato, em curso, a partir do controle social exercido pelo Estado, um processo de criminalização, posicionado e dirigido para os grupos economicamente não integrados ao sistema de produção do Estado neocapitalista. Este processo de criminalização, nas suas fases e etapas, apresenta três níveis de efetivação de um sistema, que objetivamente vê no direito penal, não só um ramo de normas jurídicas dentro de um sistema normativo maior, mas, sim, um aliado a serviço de um interesse politicamente definido. A afirmação neoliberal no Estado brasileiro, da existência de uma cidadania infanto-juvenil (mera expectativa política da lei 8069/90), concebida por uma norma consagrada pela participação popular, é ingrediente determinante para a legitimação do processo de criminalização que recai sobre milhares de adolescentes denominados infratores. Para Alessandro Baratta23, este processo de criminalização se instaura a partir da produção da norma, onde os direitos são reconhecidos normativamente de maneira distinta pelo Estado legislador. Segundo que o processo de aplicação da norma penal não se efetivará obedecendo à lógica do Estado Liberal de igualdade entre todos os cidadãos. Para o Professor Juarez Cirino24, esta etapa do processo de criminalização é marcada por duas variáveis: “A aplicação das normas criminais depende da posição de classe do sujeito (variável independente): o lupenproletariado e dos grupos marginalizados reúnem maiores probabilidades de criminalização; a posição precária no mercado de trabalho (desocupação, sub-ocupação e a mão-de-obra desqualificada) e a socialização defeituosa (família, escola, etc.) são variáveis intervenientes no processo de criminalização”.

22

BARATTA, Alessandro. CRIMINOLOGIA CRÍTICA E CRÍTICA DO DIREITO PENAL. 3ª Edição. Editora Revan. 2002. Rio de Janeiro. P.161. 23 Ob. Cit. P. 162. 24 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A Criminologia Radical. Editora Forense. 1981. Rio de Janeiro. P.32. 35


Especial atenção merece a proposição do mencionado autor sobre as variáveis intervenientes, de modo que possamos contextualizar o abismo que aqui defendemos existir entre o que foi proposto pela norma estatutária (Lei 8069/90) e a realidade social de crianças e adolescente, preferencialmente aquelas criminalizadas pelo Estado brasileiro. A dita socialização defeituosa, mencionada por Juarez Cirino, passa, ao nosso entender, pela negação de direitos contemplados juridicamente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como por exemplo, o direito a educação, a saúde, ao lazer, a convivência comunitária e familiar, etc. Todos direitos reconhecidos não só pela lei ordinária 8069/90, mas também pela Constituição Federal de 198825. A questão então reside no porquê da negação destes direitos. Objetivamente a agenda de investimento para a política de desenvolvimento do Estado brasileiro não apontou e não se dirige para um norte que possa reverter um quadro de profundas desigualdades sociais, onde crianças e adolescentes são as principais vítimas. Assim, como vítimas excluídas do sistema econômico da política estatal, passam então a integrar o exército de milhares de milhões de brasileiros que serão negativamente etiquetados como potenciais criminosos. A terceira etapa do processo de criminalização, que dá contorno ao sistema de responsabilização do adolescente autor de ato infracional, é a execução das penas e das medidas de segurança que, a bem deste debate, também poderíamos enquadrar as medidas socioeducativas. Para Baratta, a execução da pena vai cumprir antes de tudo um papel estigmatizante sobre o individuo frente à sociedade. A condição de apenado potencializa o processo de exclusão social e econômica, criando categorias inferiores de pretensos cidadãos, que serão subjugados a toda sorte de um sistema exploratório. Neste sentido, o mesmo se aplica a condição de adolescentes autores de ato infracional que, quando apreendidos pelo sistema formal punitivo, são colocados numa engrenagem ressocializadora, cuja lógica de reintegração social passa pelo desenvolvimento de atividades laborativas de categorias inferiorizadas no mercado de trabalho, como, por exemplo, aprendizes para fábricas de vassouras ou de palitos de picolé. Desta maneira, a execução de medidas socioeducativas aprimora o sistema de controle punitivo e social do adolescente autor de ato infracional, denunciando, como diz Baratta26: “(...) o momento culminante de um processo de seleção que começa ainda antes da intervenção do sistema penal, com a discriminação social e escolar, com a intervenção dos institutos de controle do desvio de menores, da assistência social, etc. O cárcere representa, geralmente, a consolidação definitiva de uma carreira criminosa.” 25 26

Vide Artigo 227. Ob. Cit. P. 166. 36


Assim, qualquer estudo no sentido de buscar a natureza semântica, histórica ou mesmo jurídica do sistema de responsabilização do adolescente autor de ato infracional deverá considerar antes de tudo o aspecto político que coloca em evidência um largo distanciamento entre a realidade que se encontram milhares de infanto-juvenis e a lei 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. No nosso entendimento, somente uma ponte fundada sobre os pilares de uma cidadania substancial e não formal (mera expectativa liberal), poderá encurtar a distância que separa o real (jovens criminalizados) do ideal (ECA - 8069/90.).

II.4.3.a. Ato Infracional do Autor e o Ato Infracional do Ato: O Adolescente Autor de Ato Infracional e o Sistema de Responsabilização do Estado Ao longo dos anos e das décadas que se vem debatendo e discutindo sobre a essência e natureza do ato infracional, das medidas socioeducativas ou mesmo do sistema de responsabilização do Estado para os adolescentes autores de ato infracional, ficou evidenciado que o referencial de partida dos modelos de apuração da responsabilidade da infração juvenil estavam, como estão, pautados num sistema de inspiração penal. Isto quer dizer que, quando tratamos da questão do adolescente autor de ato infracional, antecipadamente remetemos o problema para um sistema de controle penal disponibilizado na órbita do Estado. É certo que este sistema penal, na sua essência, traz toda a carga histórica da punição, com seu contorno de sacrifícios e dor do responsabilizado, o homem delinquente. Neste sentido, não houve como não há um zelo e preocupação de promover uma cisão entre o sistema penal vigente para os adultos e um sistema de controle juvenil para os adolescentes autores de ato infracional. Não temos dúvidas que esta fusão é mais do que erro de lógica científica. Trata-se de uma opção política do Estado, a partir de uma base ideológica, desencadeando seus mecanismos de controle, pautado em uma estratégia repressora de contenção dos grupos socioeconomicamente excluídos. A tentativa que faremos agora, no sentido de buscarmos elementos que definem e fundamentem um sistema de responsabilização do adolescente autor de ato infracional, separado desta percepção histórica punitiva, não pretende abstrair esta realidade social, política e econômica, mas tão somente sinalizar para possíveis caminhos de reflexão sobre a existência de um sistema de controle social para o ato infracional. Dando um passo atrás para entendermos com um pouco mais de exatidão o sistema de responsabilização do Estado, é necessária uma rápida passagem pelas batalhas que foram travadas ao longo dos séculos sobre a definição das melhores aptidões científicas de tratamento do problema do delito, a partir da figura do homem delinquente. Neste campo, a literatura sociológica e jurídica voltada para o problema do delito e seus sistemas e formas de punição, são uníssonas no sentido de apontar para formulações do pensamento clássico (Século XVIII) e positivista (Século XIX), como os de maior ressonância na história. 37


O primeiro, como afirma o Professor Garcia-Pablos de Molina27 “Concebe o crime como fato individual, isolado, como mera infração à lei: é a contradição com a norma jurídica que dá sentido ao delito, sem que seja necessário uma referência à personalidade do autor (mero sujeito ativo do fato) ou a realidade social, para compreendê-lo.”. Esta consideração que aponta os fragmentos históricos da Escola Clássica, de base iluminista e liberal, nos permite entender que o sistema de responsabilização pensado por seus autores, como F. Carrara e C. Becaria entendia o delito como uma expressão da vontade livre do homem. A liberdade como um direito deveria ser exercida sempre a favor do direito e no sentido da lei. Sua contrariedade era resultado de um uso negativo e equivocado deste direito. Assim, este mau uso do direito à liberdade, deveria ser combatido com um outro mau, que é a pena. Esta deveria ser aplicada de forma reativa e retribucionista, procurando, sempre, não entender as motivações daquela conduta, mas tão somente a defesa da sociedade e de seus interesses de preservação. Nasce, então, aí, a consideração acerca da figura do delinquente como um homem (ou adolescente) livre que, por exercício equivocado deste direito, faz uma opção pela contrariedade a norma penal. Temos, então, o surgimento do homem em conflito com os parâmetros legais do Estado, ou como preferem alguns, partindo do referencial dos direitos da criança e do adolescente, o adolescente em conflito com a lei. Logo, a primeira referência do sujeito frente ao sistema de responsabilização do Estado contra o delito, pautava-se na lógica da igualdade entre todos os cidadãos que, dotados do direito de liberdade, deveriam fazer um uso positivo deste direito, sob ameaça de uma forte sanção. Migrando estes pressupostos para o campo da política de controle social dos adolescentes autores de ato infracional nos tempos atuais, no Brasil, vamos perceber o quanto esta formulação do pensamento clássico contaminou os programas e políticas de atenção à delinquência juvenil. Basta, para isso, constatarmos que, na maioria das ações de atendimentos aos adolescentes autores de ato infracional, o confinamento sem projetos políticos e pedagógicos dão o tom destas políticas sociais, apesar de mais de um ano em vigor da Lei 12.594/12. Isto ocorre muito em razão do entendimento da sociedade de que, antes de qualquer proposta de (re)educação, é preciso expiar a culpa dos adolescentes autores de ato infracional. Pelo que nos parece, este tem sido o fio condutor das ações de controle punitivo do Estado para os adolescentes autores de ato infracional, conforme bem demonstra a presente proposta.

27

GRACIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. 4ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. 38


Esta expressão carrega, no seu sentido histórico, um olhar desprovido de qualquer percepção das interdependências sociais que circunscrevem o homem na sociedade, fazendo do mesmo o centro da responsabilidade penal do Estado. Por outro lado, não menos complexo, surge, no século XVIII, a denominada Escola Positivista, cujo postulado principal era no sentido de desviar o foco do problema do delito da norma jurídica para a figura do delinquente. Desta maneira, se instaura um rompimento metodológico de compreensão do delito, passando este a ser a expressão, não mais de uma vontade, mas sim de um processo de causalidade inerente ao homem delinquente, ora por fatores endógenos, ora por fatores externos. No campo das proposições do pensamento positivista, merece especial relevo, o entendimento acerca do sistema de responsabilização. Este, sempre pautado na fixa ideia de que o homem vivendo em sociedade deve ser sempre responsabilizado pelos seus atos, mesmo que tenha sido compelido à prática do delito por fatores estranhos a sua vontade. A Escola Positiva teve em César Lombroso seu principal formulador e ideário, tendo como seus principais seguidores Enrico Ferri e Rafaelo Garófalo. Em breve passagem sobre o envolvimento de crianças com o crime, sua percepção denota um pouco o que afirmamos no início deste texto, quando defendemos que a compreensão acerca do sistema de responsabilização do Estado nunca se preocupou em promover uma separação entre crianças e adultos. Neste sentido, fazendo estudos sobre a causalidade do delito, tendo o homem como referência, afirmou Cesar Lombroso28 que: “E, se partindo daí, nos encontramos com Roussel, Barzilai e Ferri, para desacreditar as casas de correção, elas que podemos chamar justamente de oficinas de corrupção, acreditamos haver, para a nação, uma imensa vantagem em fundar, em nosso país, em lugar delas, casas para loucos criminosos, ou, melhor ainda, um asilo perpétuo para menores afetados de tendências criminais obstinadas ou de loucura moral”. O desvio de foco científico, promovido pela Escola Positiva de C. Lombroso, leva a construção de um sistema de responsabilização na estrutura do Estado moderno, focado ainda no homem, agora como causa determinante para o crime. Seus efeitos ainda emergem em tempos atuais no sistema de responsabilização do adolescente autor de ato infracional frente ao Estado, quando se propõe, por exemplo, o recolhimento de crianças e adolescentes nas ruas, em situação de risco social e pessoal, por parte da polícia. Neste ato, o que se leva em consideração não é o abandono social que se encontra a criança e ou adolescente, mas sim a ameaça que os mesmos representam para a sociedade naquela situação de quase-delito. 28

Lombroso, Cesar. O Homem delinquente. 2ª Edição Francesa. Tradução Oscar Antonio Corbo e Maristela Tomasini. Editora Ricardo Lenz. 2001. P 158. 39


Não importa aqui o direito à liberdade consagrada em vários livros jurídicos nacionais e internacional, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8069/90, mas sim o direito da sociedade em ser protegida da ação destes juvenis. Desta formulação, surge a compreensão patológica de que a infração é inerente ao próprio sujeito, ou seja, uma resposta biológica da estrutura orgânica do homem. Daí temos, então, a formulação histórica e semântica do homem delinquente que, sob o enfoque da análise do problema social do ato infracional, uma grande massa de pessoas da sociedade, prefere denominar Adolescentes Infratores. Estes dois modelos de interpretação científica do delito, com toda sua base eclética científica, englobando aspectos da sociologia, direito, antropologia, filosofia entre outras matérias, acabou norteando, desde o Estado Moderno, a elaboração dos programas e políticas que desenharam e orientam o Estado na formação do sistema de responsabilização frente ao delito. Ora, o delito é resultado do exercício de um direito mal empregado, e, como tal, precisa ser sancionado, independentemente de suas motivações, ora é a expressão de uma patologia do homem, somada a uma variável social, que apontam a necessidade de existirem mecanismos de segregação que transcendem a condição de ser histórico daquele que será punido. Fugindo desta armadilha histórica, encontramos, nas bases de uma análise crítica dos estudos sobre o delinquente, uma alternativa diferenciada que pode pautar sob novos entendimentos, a verdadeira condição do adolescente no sistema de responsabilização do Estado. Neste campo, merece destaque o trabalho desenvolvido pelo Professor Eugênio Raul Zaffaroni29, na passagem sobre os estudos acerca das bases da ciência penal que apontou para uma possível diferença entre o direito penal do autor e do direito penal do ato, advogando que: “Ainda que não haja um critério unitário acerca do que é o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma” forma de ser “do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. (...) Desta maneira não se condena tanto o furto como o ”ser ladrão“, não se condena tanto o homicídio como o ser homicida, o estupro como o ser delinquente sexual etc.” Sendo, assim, para o sistema de responsabilização do Estado frente ao delito praticado, o que está em questão não é a conduta específica do adolescente, que naquele momento contraria o interesse jurídico, mas sim, sua condição social de adolescente infrator ou em conflito com a lei. O contraponto desta armadilha fincada no sistema de controle sancionatório do Estado encontrase na ideia de entender o adolescente como um ser historicamente inacabado, um sujeito da história que, mesmo na condição de adolescente autor de ato infracional (expressão que

29

ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 2ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. 1997. São Paulo. P. 118. 40


preferimos), deve ser controlado pela dimensão do ato que praticou e não pela situação política e social que acabou por ocupar por força de um modelo de Estado criminalizador. É necessário registrar, para fins de melhor compreensão, que todo este arcabouço histórico está pautado naquilo que a moderna criminologia denomina como Controle Social Penal. Como aqui demonstramos e afirmamos, a questão do sistema de responsabilização dos adolescentes autores de ato infracional, está historicamente contaminada pelo sistema penal adultocêntrico, todos sob a lógica da punição. A pergunta então neste momento seria: existe algum sistema além do Controle Social Penal do delito capaz de neutralizar os efeitos punitivos empregados pelo Estado? A resposta para esta questão teoricamente pode ser encontrada em alguns estudos formulados no século XX, no campo da criminologia, especialmente a criminologia moderna ou contemporânea que, desenvolveu uma leitura secundária e minimizadora do Sistema de Controle Social Penal do Estado, apontando a existência de um sistema maior, que posicionaria o sistema punitivo numa perspectiva alternativa e subsidiária.

II.4.4.b. Da Inconstitucionalidade da Proposta de ampliação do tempo de restrição de liberdade no caso de atos infracionais de natureza grave Após esta breve análise da aplicabilidade da Doutrina da Proteção Integral como um novo paradigma, reafirmando o compromisso estatal com os direitos humanos, insta salientar o público destinatário desta Doutrina, considerada e afirmada um Princípio Constitucional. Como é cediço, assim preceitua o artigo 227 da Constituição da República de 1988: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Este artigo constitui a base da Doutrina da Proteção Integral que, conforme a previsão acima, eleva a adoção desta Doutrina com o status de norma constitucional. No que tange à responsabilização do adolescente quando da prática de ato infracional, a Doutrina da Proteção Integral traduz uma opção de política criminal a adoção da idade penal aos 18 anos, sendo ela um referencial ético. Nesse sentido, mister salientar que a concepção da Doutrina da Proteção Integral se dá através dos princípios norteadores de direitos humanos, consagrados em documentos internacionais e em sede constitucional que, em seu artigo 1º, estabelece como Princípio da República Federativa do Brasil, a primazia dos Direitos Humanos.

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Conforme abordado acima, a Doutrina da Proteção Integral se materializa através do Estatuto da Criança e do Adolescente, obedecendo a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, a condição de prioridade absoluta e a promoção de ações de proteção da família, da sociedade e do poder público através de três sistemas: Primário, Secundário e Terciário. O Estatuto da Criança e do Adolescente, além de instrumentalizar este sistema, afirma ainda que a aplicação desta lei especial será destinada às crianças e adolescentes, e excepcionalmente aplicada aos jovens de 21 anos de idade: “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.” Isto significa que quando se aplica uma medida socioeducativa a um adolescente, deve-se aplicar uma medida protetiva de forma conjunta, tendo em vista a proteção integral, marco ético para a responsabilização do adolescente autor de ato infracional. Embora uma proposta de alteração da Lei em comento pretenda a sua modificação para a ampliação do seu alcance, em relação ao seu público, uma vez que prevê um maior tempo de internação, fato que acarretaria aplicação deste sistema ao jovem de 26 anos, tal fato é incompatível com a Doutrina da Proteção Integral, que está apoiada em princípios especiais para a proteção da infância e juventude. Significa assim dizer que a presente proposta é inconstitucional, uma vez que o Princípio da Proteção Integral é aplicável às crianças e adolescentes. A justificativa de proteção dos jovens, ampliando o tempo de internação é irrazoável, uma vez que a proposta em exame constitui uma “redução às avessas”, utilizando o cárcere como forma de controle social, não priorizando as políticas públicas primárias e secundárias.

II.4.5. Princípios Norteadores da Aplicação das Medidas Socioeducativas Princípio da Brevidade e Excepcionalidade – Artigo 121 da Lei 8.069 de 90 e artigo 35, inciso V da Lei 12.594 de 2012. O princípio da Brevidade está consolidado na normativa especial que regulamenta a matéria sobre adolescentes autores de ato infracional, no art. 121 da Lei 8.069/90, que assim determina: “Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.” Saliente-se que o aspecto da temporariedade da imposição de medida socioeducativa também está disposto em norma principiológica da Constituição Federal, conforme transcrição abaixo: 42


“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;” Emílio Garcia Mendez30 salienta que “o caráter breve e excepcional da medida surge, também, do reconhecimento dos provados efeitos negativos da privação de liberdade, principalmente no caso da pessoa humana em condição peculiar de desenvolvimento”. A lei do Sinase reforça este aspecto da brevidade, todavia, de forma mais abrangente, não se limitando à brevidade da MSE de internação, mas “a brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial, o respeito ao que dispõe o artigo 122 da Lei 8.069/90”. Tal fato denota, mesmo que numa perspectiva de interpretação teleológica, sob o fundamento de adaptar o sistema de responsabilização às “novas exigências sociais”, que deve ser considerado os valores da exigência do bem comum, o ideal de justiça, a ética (neste caso da Doutrina da Proteção Integral), a liberdade, a igualdade, para qualquer pretensão de alteração do Sistema vigente.

Respeito à convivência familiar e comunitária A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, assegura o direito à convivência familiar e comunitária a toda criança e adolescente, nos seguintes termos: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Este direito à convivência familiar e comunitária, já consagrado no ordenamento jurídico31 recebeu novo enfoque para reforçar a importância de sua aplicabilidade, especialmente quando se tratar 30

CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Comentários jurídicos e sociais. p. 414, 8ª edição. ed. Malheiros 31 Lei 8.069/90: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à 43


de adolescente autor de ato infracional. Reitera-se o fato de que sobre o adolescente em conflito com a lei pesa apenas a restrição à sua liberdade, mas que deve ser pautada no respeito a este direito fundamental, devendo a ele ser assegurada ampla convivência familiar e comunitária, rompendo de vez com a lógica autorizativa do magistrado de “verificação” dos laços constituídos pelo adolescente e a comunidade, determinando de forma equivocada, quem são os “integrantes” da relação familiar e comunitária e que, por isso, poderão ter o direito de visita, quando caso de adolescente internado.

II.5. Do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo A lei 12.594/12 foi publicada no dia 18 de janeiro de 2012 e já está em vigor no ordenamento jurídico brasileiro há mais de um ano. Esta lei tem por propósito a regulamentação da execução das medidas socioeducativas aplicáveis ao adolescente autor de ato infracional, além de uniformizar, a nível nacional, o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei. Nesse sentido, o SINASE busca dar efetividade aos princípios dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente, quando diante de um procedimento de apuração ou execução de ato infracional. Importa salientar que a interpretação do referido diploma deve estar norteada princípios já consolidados, mas especialmente a interpretação destes comandos contidos na lei do SINASE deve estar em consonância com as tratativas internacionais que versam sobre os direitos humanos da criança e do adolescente, sob pena de um retrocesso no tratamento da infância e às concepções já abolidas do sistema brasileiro. A lei do SINASE contempla diversos avanços na temática da execução de medidas socioeducativas e a padronização de seus procedimentos, reafirmando a primazia dos direitos humanos de crianças e adolescentes. A inédita previsão da responsabilização dos agentes públicos ou daqueles envolvidos com a execução das normas contidas na lei do SINASE que agirem no descumprimento dos mandamentos desta lei ou forem omissos na sua execução, poderão ser responsabilizados através da lei de Improbidade Administrativa, assim: “Art. 29. Àqueles que, mesmo não sendo agentes públicos, induzam ou concorram, sob qualquer forma, direta ou indireta, para o não cumprimento desta Lei, aplicam-se, no que couber, as penalidades dispostas na Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências (Lei de Improbidade Administrativa).”

educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 44


Desta forma, busca-se com o artigo acima alcançar a responsabilização dos agentes por descumprimento das normas apregoadas na lei do SINASE, fato que contribui para dar mais efetividade aos comandos contidos no documento legal. Insta salientar o papel da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que constitui órgão da Presidência da República que trata da articulação e implementação de políticas públicas voltadas para a promoção e proteção dos direitos humanos, como o público alvo da presente petição, adolescentes em conflito com a lei. Conforme preceitua a Lei 12.594/12, constitui competência da União: “Art. 3º Compete à União: I - formular e coordenar a execução da política nacional de atendimento socioeducativo; II - elaborar o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, em parceria com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; III - prestar assistência técnica e suplementação financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas; IV - instituir e manter o Sistema Nacional de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo, seu funcionamento, entidades, programas, incluindo dados relativos a financiamento e população atendida; V - contribuir para a qualificação e ação em rede dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo; VI - estabelecer diretrizes sobre a organização e funcionamento das unidades e programas de atendimento e as normas de referência destinadas ao cumprimento das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade; VII - instituir e manter processo de avaliação dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo, seus planos, entidades e programas; VIII - financiar, com os demais entes federados, a execução de programas e serviços do Sinase; e IX - garantir a publicidade de informações sobre repasses de recursos aos gestores estaduais, distrital e municipais, para financiamento de programas de atendimento socioeducativo.” Ainda com base no referido diploma legal, preceitua o artigo 18: “Art. 18. A União, em articulação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, realizará avaliações periódicas da implementação dos Planos 45


de Atendimento Socioeducativo em intervalos não superiores a 3 (três) anos.” O parágrafo terceiro do artigo supracitado afirma que “a primeira avaliação do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo realizar-se-á no terceiro ano de vigência desta Lei, cabendo ao Poder Legislativo federal acompanhar o trabalho por meio de suas comissões temáticas pertinentes.” Todavia convém ressaltar que ainda não houve a implementação de uma Política Nacional de Atendimento Socioeducativo, fato que tem gerado enormes e graves violações de direitos humano dos adolescentes autores de ato infracional.

II.5.1. Análise de Dados sobre Adolescentes e Ato Infracional e violência De acordo com o Projeto de Monitoramento dos Direitos de Crianças e Adolescentes32, dos 5.564 municípios brasileiros, apenas 182 estão no processo de municipalização das medidas socioeducativas, encontrando-se em implantação; e em 454 municípios este processo já foi concluído, o que representa 3,3% dos municípios com processo em implantação e 8,2% com processos concluídos. Em termos percentuais, o Estado de Goiás apresenta 51,2% dos Municípios com o processo de municipalização concluído, enquanto que o Rio de Janeiro conta com 1,1%, ou seja, 01 Município com processo concluído. Os Estados do Amazonas, Bahia, Rio Grande do Sul e Santa Catarina não declararam. Há registros de 40.356 adolescentes brasileiros em cumprimento de medidas socioeducativas, sendo 17.651 (43,7%) em cidades do interior e 22.705 (56,3%) nas capitais. São Paulo é a Unidade da Federação com maior número de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, ou seja, 20.062 adolescentes, dos quais 52,2% no interior e 47,8% na capital. O Estado de Alagoas apresenta o menor número, com 46 adolescentes, todos no interior. Os atos infracionais mais frequentes cometidos pelos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas são o roubo (25,4%), o furto (16,9%) e o tráfico de drogas (8,3%). O roubo é mais significativo nas capitais (32,9%) e o furto no interior (25,7%). A faixa etária de 16 a 17 anos apresenta maior porcentagem de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas (44%), seguida da faixa etária de 18 a 21 anos (34,5%) e de 12 a 15 anos (17,6%). Dos 44% de adolescentes de 16 a 17 anos em cumprimento de medidas socioeducativas 42,5% são no interior e 45,2% nas capitais. Há registros de 0,2% de crianças até 11 anos de idade em cumprimento de medidas socioeducativas. Dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, 51,8% possuem nível de escolaridade de ensino fundamental, 37,8%, sem informação, 6,5%, ensino médio, 3,4%, menos que o ensino fundamental e 0,4% EJA/Supletivo, sem especificar nível. Dos 17.856 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa privativa de liberdade, 11.901 cumprem internação, sendo 11.454 do sexo masculino e 447 do sexo feminino, 3.471 32

http://www.monitoredireitos.org.br. 46


estão em internação provisória, dos quais 3.278 do sexo masculino e 193 do sexo feminino e 1.568 cumprem medida socioeducativa de semiliberdade, 1.476 do sexo masculino e 92 do sexo feminino. O Estado de São Paulo lidera o ranking ao registrar 6.506 adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas privativas de liberdade. O número de homicídios na população de 0 a 19 anos de 1997 para 2007 teve uma variação percentual de 22,9%, o que representa um aumento de 6.645 casos para 8.166 casos registrados, conforme já abordado em capítulo anterior. O Estado do Maranhão apresenta a maior variação percentual (405,9%), o que representa um acréscimo de 34 para 172 casos registrados. Por outro lado, o Estado de São Paulo registrou uma diminuição na variação percentual de 60,8%, o que representa uma queda de 2.051 homicídios em 1997 para 804 homicídios em 2007. O Estado do Espírito Santo lidera o ranking ao apresentar a maior taxa (29,0) de homicídios (em 100.000) na população de 0 a 19 anos em 2007, seguido de Alagoas (27,1) e Pernambuco (27,0). O número de homicídios na população de 15 a 24 anos, em 2007, foi maior entre negros com 11.905 casos, com maiores registros no Rio de Janeiro (1.677), Pernambuco (1.652) e Bahia (1.251). Por outro lado, há registros de 4.512 casos de homicídios de brancos, sendo que São Paulo e Paraná apresentam os maiores números, 991 e 947 casos, respectivamente.

II.5.2. Das condições das unidades de restrição de liberdade Diversos são os documentos que apontam para as condições degradantes do sistema socioeducativo, especialmente sobre as unidades de privação de liberdade. A título de exemplos desta lastimável situação de violação e negação dos direitos fundamentais, podemos citar o Relatório de Fiscalização do Conanda, no Espírito Santo, que constatou dentre outras violações, a prática da tortura e dos maus tratos: “A este respeito, os representantes destacaram que na UNIS e na maioria das outras unidades, o controle da disciplina continuava sendo aplicado com meios cruéis ou de maneira ilegal e arbitrária, improvisada e sem obediência a qualquer regulamento. Destacaram sua preocupação pela transferência de alguns beneficiários das presentes medidas a outras Unidades, posto que tal medida continua sendo ineficaz para proteger sua vida e integridade pessoal em virtude da ocorrência do mesmo tipo de fatos violentos nas unidades para onde foram transferidos. A respeito dos fatos de violência ocorridos na UNIS com posterioridade à Resolução de 1 de setembro de 2011, os representantes informaram, entre outros, que: a) vários internos reclamaram que o atual coordenador de segurança da Unidade „costuma ameaçar os adolescentes de forma coletiva com a tranca […] e com a ação da [equipe de] intervenção‟; b) em 30 de agosto de 2011 um adolescente foi agredido por dois agentes, e quase teve seu braço quebrado. Em 14 de setembro um socioeducando denunciou ter sido algemado na posição de „Jesus 47


Cristo‟ por 4 horas e outro adolescente denunciou que no dia anterior foi colocado com a cara no piso e arrastado; posteriormente foi agredido por agentes e ficou ferido em seu braço e punho. Este mesmo dia outro interno denunciou ter sido agredido com o escudo de um agente de contenção; c) em 27 de setembro de 2011 ocorreu um motim no espaço pedagógico em virtude da agressão a um interno por um funcionário, durante o qual destruiu-se a escola. Posteriormente, alguns socioeducandos foram agredidos por agentes da Secretaria de Justiça do estado do Espírito Santo. Um destes adolescentes foi asfixiado por um agente, fazendo com que desmaiasse por três vezes; d) em visitas realizadas em dezembro de 2011 e março de 2012 os socioeducandos denunciaram que são recluídos em celas como castigo para supostamente “refletir” por períodos que variam entre dias e até semanas inteiras. Ademais, em 16 de março de 2012, um adolescente reclamou ao defensor público de ter ficado 22 horas trancado e de passar muito tempo sem sair ao sol e sem aulas. A este respeito, os representantes destacaram que, de acordo com informação sustentada no livro de ocorrências da Unidade, evidenciou-se a continuidade da prática de celas de castigo na UNIS, especificamente a cela 2 do Módulo Despertar 3, e a cela 7 do Módulo Despertar 2”. Sobre a situação do Rio de Janeiro, outro exemplo do atual estado da execução dessas medidas, trechos do documento VERDADEIRAS MASMORRAS – HUMAN RIGHTS apontam que: “Os centros de detenção juvenil do Rio de Janeiro estão superlotados, são imundos e violentos e não conseguem garantir, em praticamente nenhum aspecto, a proteção dos direitos humanos dos jovens. São comuns os espancamentos nas mãos dos guardas. “Eles nos espancam por qualquer motivo”, disse Dário P., 18 anos, no Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo (conhecido como CAI-Baixada). “Eles entram em nossas celas e aí começam a nos bater.” Ele nos informou que os guardas espancaram-no com tanta força que deixaram-lhe a boca ensangüentada e uma vez, disse ele, bateram-lhe nas partes genitais. “Eles gritam os números das celas – quatro, cinco seis! – e aí temos que tirar nossas roupas [para ser revistados]; se não obedecermos, eles nos espancam.” Ainda sobre a situação do Rio de Janeiro, Trechos do relatório na escuridão – HUMAN‟S RIGHTS WATCH apontam que: “Apesar dos esforços do DEGASE para obstruir nossa investigação, pudemos avaliar as práticas nos outros centros, o Centro de Atendimento Intensivo-Belford Roxo (CAIBaixada) e o Instituto Padre Severino. Para 48


isso, examinamos arquivos de processos judiciais e outras provas documentais, além de entrevistarmos pais, jovens ex-internos, autoridades de detenção e outras pessoas familiarizadas com as condições nesses centros. Os espancamentos e outros maus tratos que constituem a rotina das instalações de detenção do Rio de Janeiro, são resultado de uma falha sistêmica do processo de responsabilização ou prestação de contas. Simplesmente, não há monitoramento independente e eficaz dessas instituições. Os promotores públicos têm poderes para inspecionar os centros de detenção juvenil, mas quase nunca o fazem. Defensores públicos tem tentado preencher este vazio, mas uns 20 distritos judiciais (comarcas) não tem um defensor público, fato que significa que alguns jovens nesses distritos não têm representação legal alguma.” Convém ressaltar que não estão sendo citados os recentes relatórios sobre o sistema socioeducativo produzidos pelo Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura do RJ, que também apontam para existência da tortura. Tal circunstância denota a necessidade de implementação com a máxima urgência do Sinase, conforme previsto pela Lei 12.594/12, dando efetividade ao que determina a norma, primeiramente com a implementação do plano decenal, pois só a partir de então será possível um monitoramento de sua implementação. Somente após a implementação de todas as políticas públicas instrumentalizadas na Lei 12.594/12, além das necessárias à vigência dos demais sistemas (primário e secundário), será possível a discussão sobre medidas alternativas à responsabilização, tendo em vista que o estado terá cumprido o seu papel. O Conselho Nacional de Justiça através do Programa Justiça ao Jovem, lançado em 2010 pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), sob a denominação de Medida Justa, foi elaborado com a intenção de realizar uma radiografia nacional a respeito da forma como vem sendo executada a medida socioeducativa de internação. Nesse sentido, relatórios oriundos dessas visitas foram elaborados, demonstrando a situação da execução das medidas socioeducativas no Brasil. Sem a pretensão de realizar uma análise aprofundada sobre os dados levantados nas visitas acima mencionadas, iremos nos ater tão somente a uma abordagem exemplificativa da situação em alguns Estados. Com relação ao Estado de Alagoas, o CNJ33, mesmo após ter realizado visita anterior e deixado recomendações para o Estado, reiterou em visita posterior as seguintes: Diante de tudo que foi constatado, recomendamos as seguintes providências de expedição de ofícios: 33

http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-ao jovem/relatorio_2_etapa_justica_ao_ jovem_alagoas.pdf 49


1- ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de Alagoas, comunicando-o do teor do presente relatório, na qualidade de gestor do sistema socioeducativo em meio fechado e semiaberto, alertando-o de que: a) é necessária a efetiva implementação de projeto pedagógico para a ressocialização dos adolescentes, atendendo as exigências da lei e do SINASE, com capacitação constante dos servidores; b) expansão da descentralização das unidades de internação, com a criação de vagas em unidades que sigam os padrões do SINASE; c) realização de reformas para adequação das instalações que se encontram deterioradas, conforme exposto no teor deste relatório; sugerindo, ainda, ao Senhor Governador, a interlocução com o Poder Judiciário para viabilizar a melhoria da situação vivenciada atualmente pelos adolescentes privados de liberdade; No tocante ao Estado do Ceará34, foram constatados vários problemas, tais como a superlotação e a deficiência do sistema para a execução da medida de internação, que variam desde o padrão arquitetônico semelhante ao sistema prisional, até questões afetas a localização das unidades de internação, pois todas ficam situadas na capital, circunstância que viola a convivência familiar e comunitária, razão pela qual urge a necessidade de descentralização dessas unidades. Com relação ao Mato Grosso do Sul, algumas recomendações foram feitas, diante das violações de direitos humanos constatadas nas unidades de privação de liberdade: Diante de tudo que foi constatado, tomamos as seguintes providencias de expedição de ofícios: 1- ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado do Mato Grosso do Sul, comunicando do teor do presente relatório, na qualidade de gestor do sistema socioeducativo em meio fechado e semiaberto, alertando-o de que: a) é necessária a efetiva implementação de projeto pedagógico para a ressocialização dos adolescentes, atendendo as exigências do ECA e da lei do SINASE, com capacitação constante dos servidores; b) expansão da descentralização das unidades de internação, com a criação de vagas em unidades que sigam os padrões do SINASE e retirem os adolescentes em delegacias; c) realização de reformas para adequação das instalações que se encontram deterioradas, conforme exposto no teor deste relatório; d) contratação de servidores para que possa ser fornecido integralmente o atendimento socioeducativo aos adolescentes internados. 2- aos Excelentíssimos Senhores Presidente, Corregedor e Coordenador da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, dando ciência do presente relatório e sugerindo, dentro da 34

http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-ao-jovem/ceara.pdf. 50


conveniência administrativa e jurisdicional, a realização de cursos de aperfeiçoamento voltados a magistrados e servidores que trabalhem em juízos com competência. Importa ressaltar que de acordo com o COMITÉ DE LOS DERECHOS DEL NIÑO 35 das Nações Unidas[1], faz-se necessária a ruptura da lógica retributiva-penalizante das medidas socioeducativas, bem como a necessidade dos Estados –partes adotarem medidas que eliminem tais práticas no campo da justiça juvenil. “El respeto de la dignidad del niño requiere la prohibición y prevención de todas lãs formas de violencia en el trato de los niños que estén en conflicto con la justicia. Los informes recibidos por el Comité indican que hay violencia en todas las etapas Del proceso de la justicia de menores: en el primer contacto con la policía, durante La detención preventiva, y durante la permanencia en centros de tratamiento y de otro tipo en los que se interna a los niños sobre los que ha recaído una sentencia de condena a La privación de libertad. El Comité insta a los Estados Partes a que adopten medidas eficaces para prevenir esa violencia y velar por que se enjuicie a los autores y se apliquen efectivamente las recomendaciones formuladas en el informe de las Naciones Unidas relativo al estudio de la violencia contra los niños, que presentó a la Asamblea General en octubre de 2006 (A/61/299).” E mais, de acordo com a Associação Nacional dos Centros de Defesa – Anced36 “A opção brasileira foi, pois, uma lei inspirada nas garantias constitucionais historicamente conquistadas, e nos princípios norteadores da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Há de ser observado que o ECA consagrou valores, princípios e garantias orientadores de direitos e responsabilidades, como a dignidade, o respeito à diversidade cultural, religiosa, étnico-racial, de gênero e orientação sexual, a universalização de acesso a direitos, a convivência familiar e comunitária, o devido processo legal e o direito à participação, em especial o de ter sua opinião levada em consideração nos procedimentos judiciais ou administrativos em que participam as crianças. Isso tudo para firmar posição no campo dos direitos humanos de crianças e adolescentes.”

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OBSERVACIÓN GENERAL Nº 10 (2007) Los derechos del niño en la justicia de menores. Justiça Juvenil. A visão da ANCED sobre seus conceitos e práticas, em uma perspectiva dos Direitos Humanos. P. 77. 36

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Terceira parte III – Voto – Parecer III.1. Da Inconstitucionalidade das Propostas de Redução da Idade Penal Apesar de não ser objeto de análise da proposta denominada Responsabilidade Progressiva, importa reafirmar, oportunamente, que o presente voto é pela sua inconstitucionalidade da redução da idade penal, pelos fundamentos empíricos de ordem social e econômico, acima narrados, assim como pelos aspectos legais supramencionados.

III.2. Da Inconstitucionalidade da Proposta de Responsabilidade Progressiva Considerando os critérios éticos adotados pelo Estado brasileiro para o exercício do controle social baseado nos Princípios de Direitos Humanos. Considerando que, tratando de crianças e adolescentes, este controle social está esculpido na Doutrina da Proteção Integral encarnado no Artigo 227 da Constituição Federal. E que, para consecução da proteção permanente de crianças e adolescentes e sua elevação jurídica a condição de prioridade absoluta o Estado adotou de forma indissociável os sistemas primário, secundário e terciário, na forma da Lei 8069/90. Considerando que o sistema terciário é o denominado Sistema Socioeducativo que, por determinação legal, deve adotar na aplicação de uma medida socioeducativa uma correspondente medida protetiva do sistema secundário visando reafirmar direitos fundamentais violados e não assegurados dos adolescentes autores de ato infracional; E, visto que o Sistema de Responsabilidade Progressiva sugere um alargamento de execução da medida socioeducativa até os 26 anos de idade, o que romperia com o ordenamento jurídico vigente, Lei 8069/90, em especial a sincronia e relação dos sistemas de intervenção consagrados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Declarar, nos limites da competência do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, a inconstitucionalidade da proposta por violar a doutrina da proteção integral assegurada no Artigo 227 da Constituição Federal de 1988.

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III.3. Das Medidas Administrativas e Políticas de Implantação e Implementação da Política Socioeducativa no Brasil à luz da Lei 12.594 de 2012 Alternativamente às propostas de redução da idade penal, assim como àquelas que visam ampliar o tempo de internação dos adolescentes no Sistema Socioeducativo, passamos a sugerir para aprovação do CONANDA: III.3.1. Da Política de Proteção do Direito à Vida dos Adolescentes Autores de Ato Infracional Considerando os indicativos de vitimização de adolescentes, especialmente motivados pelo envolvimento com a criminalização das drogas, sugerir as seguintes medidas: a) Priorizar a institucionalização do Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte através de lei e orçamento público, evitando sua descontinuidade e continua solução de continuidade junto aos estados da federação; b) Estabelecer novos mecanismos de financiamento desta política evitando paralisações por questões de burocráticas e administrativas; c) Instituir uma política nacional de prevenção à letalidade contra jovens, coordenada e articulada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República com outros ministérios, atuando com base no princípio da descentralização política e administrativa em ações de formação para o trabalho, saúde, educação, assistência social e esporte; d) Promover uma pesquisa em relação ao quantitativo de adolescentes assassinatos no Sistema Socioeducativo nos últimos 10 anos. III.3.2. Da Política Nacional Socioeducativa e seu Respectivo Plano Decenal Opinar pela priorização na elaboração do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, em parceria com os Estados, o Distrito Federal e com os Municípios. Visando subsidiar a elaboração da Política Nacional Socioeducativa, apurar os investimentos orçamentários do Governo Federal na área de educação, saúde, profissionalização, cultura e assistência social aos adolescentes no Sistema Socioeducativo. III.3.3. Da Política Estadual Socioeducativa e seu Respectivo Plano Decenal Estabelecer no âmbito do CONANDA-Conselho Nacional dos Direitos da Criança e dos Adolescentes, um sistema de avaliação e monitoramento da implantação e implementação da Política Estadual Socioeducativa e seus Planos Decenais de Atendimento Socioeducativo, na forma do Artigo 18 e seguintes da Lei 12594 de 2012. Visando subsidiar a elaboração da Política Nacional Socioeducativa, apurar os investimentos orçamentários dos Governos estaduais na área de educação, saúde, profissionalização, cultura e assistência social aos adolescentes no Sistema Socioeducativo locais. 53


III.3.4. Do Diagnóstico da Política de Execução das Medidas Socioeducativas de Privação de Liberdade. Sugerir ao CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças a contratação de uma pesquisa nacional sobre o cumprimento das diretrizes estabelecidas a respeito da organização e funcionamento das unidades e programas de atendimento e as normas de referência destinadas ao cumprimento das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade, assim como quanto à implantação do Plano Individual de Atendimento, na forma dos artigos 18 e 52 da Lei 12594 de 2012 e a quantidade de unidades dotadas de projeto político pedagógico. III.3.5 Do Financiamento da Política Socioeducativa a) Opinar para que o CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes promova uma análise do orçamento público destinado às ações do Sistema Socioeducativo e a execução dessas medidas, nos termos dos incisos III e VIII, do artigo 3º c/c Artigo 30 da Lei 12.594/12, especialmente os recursos destinados às ações de privação de liberdade, visando uma eventual gestão política e qualificação e aumento destas verbas. b) Sugerir que o CONANDA defina sua destinação orçamentária para o Sistema Socioeducativo, considerando o Artigo 31 da Lei 12594/2012; c) Sugerir ao CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes que promova as ações de promoção e garantia dos direitos humanos dos adolescentes no SINASE através da modalidade do fundo a fundo. III.3.6 Da Política de Educação no Sistema Socioeducativo Sugerir a implantação e implementação de programas e projetos na área de educação de adolescentes no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, na forma do Artigo 33 e 82 da Lei 12594 de 2012. III. 3.7. Da Política de Atenção à Profissionalização de Jovens no Sistema Socioeducativo Sugerir a implantação de programas e projetos na área de profissionalização de adolescentes no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, na forma do Artigo 33 c/c Artigos 76, 77 e 78, 79, 80 e 82 da Lei 12.594 de 2012, inclusive com a extensão do programa do PRONATEC para o SINASE. III.3.8. Da Política de Atenção à Saúde de Jovens no Sistema Socioeducativo Opinar pela implantação de um Plano Integrado com os órgãos da área de saúde em âmbito federal e nos estados, para cumprimento do Artigo 60 da Lei 12594 de 2012; III.3.9. Da Política de Enfrentamento às Drogas e os Jovens no Sistema Socioeducativo. Sugerir a implantação de programas de atendimento a Adolescente com Transtorno Mental e com Dependência de Álcool e de Substância Psicoativa, em nível nacional, coordenados pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, assim como instituir um Plano de 54


Ação com demais órgãos federais para mobilização de recursos do Fundo Nacional de Combate as Drogas, na forma do Artigo 32 e 64 da Lei 12594 de 2012 para o SINASE; III.3.10. Da Política de Enfrentamento a Tortura de Jovens no Sistema Socioeducativo Sugestionar em relação à prática de tortura no sistema socioeducativo no Brasil: a) Instituir a “cláusula de barreira” nos contratos e convênios de financiamentos de ações sociais e de direitos humanos do Governo Federal para os estados, na hipótese da prática de tortura de contra adolescentes no sistema socioeducativo, regulamentado através de instrumento normativo próprio. b) Promover uma agenda de ações preventivas e coercitivas de enfrentamento a tortura de adolescentes no sistema socioeducativo junto ao Comitê Nacional de Combate e Enfrentamento a Tortura, recentemente aprovado no Senado Federal e aguardando sanção da Presidência da República. III.3.11. Da Descentralização Política e Administrativa do Sistema Socioeducativo Sugerir seja estabelecido no âmbito do CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, um comitê de acompanhamento do processo de descentralização política e administrativa estabelecido nos Artigos 83 e 84 da Lei 12594 de 2012, quanto à transferência da execução de medidas socioeducativas pelo Poder Judiciário para o Poder Executivo e das unidades de internação dos municípios para os estados. No mesmo norte, sugerir ao CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes e a Secretaria de Direitos Humanos que promovam ações de fortalecimentos dos Conselhos de Direitos das Crianças e dos Adolescentes em todos os níveis, Fóruns e Redes da sociedade civil organizada, notadamente aqueles com ações de controle social sobre o SINASE, visando fortalecer o processo democrático de participação popular na defesa dos direitos humanos dos adolescentes autores de ato infracional. III.3.12. Das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto Considerando a natureza excepcional da Medida Socioeducativa de Internação, priorizar e fortalecer a implementação de uma Política Nacional em Meio Aberto, coordenada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República com alocação de recursos orçamentários complementares daqueles existentes no Ministério do Desenvolvimento Social. III.3.13. Do Sistema de Justiça Juvenil Sugerir ao CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes um estudo e formulação de diagnóstico sobre a situação de funcionamento, eficácia, eficiência e especialização dos órgãos que integram o Sistema de Justiça Juvenil como a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Judiciário, com ênfase na garantia das prerrogativas constitucionais dos adolescentes no SINASE.

55


III.3.14. Da Responsabilização dos Gestores Sugerir a formação de um Grupo Temático no âmbito do CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, com participação de membros do Sistema de Justiça, visando formular uma proposta de criação de um sistema de monitoramento e responsabilização de gestores públicos por descumprimento das normas da Lei 12594 de 2012, na forma dos Artigos 28 e 85 da mencionada lei, apurando-se, inclusive, a quantidade de servidos públicos responsabilizados por inobservância ao dever legal de promover o SINASE. III.3.15. Da Promoção de uma Cultura de Direitos Humanos sobre os Adolescentes no SINASE Sugerir ao CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e a SDH-Secretaria de Direitos Humanos, que promova um Plano de Comunicação voltado para todos os segmentos da sociedade brasileira, de maneira ampla, dialogando para uma nova percepção social e política sobre a situação dos adolescentes no SINASE.

56


IV – Do Plano de Ação Emergencial Opinar para que seja elaborado um Plano de Ação Emergencial para o Sistema Socioeducativo no Brasil, coordenado pelo CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças dos Adolescentes e a Secretaria de Direito Humanos, para no prazo de 36 meses implantar e implementar as ações acima descritas, além de outras complementares. Ao final deste prazo, seja instituída uma metodologia de avaliação de resultados deste Plano Emergencial e, diante das demonstrações, seja formado um grupo temático para avaliar a pertinência e cabimento de um estudo quanto à necessidade de uma proposição para ampliação do tempo de internação para os adolescentes autores de ato infracional. É o Parecer.

SMJ Carlos Nicodemos Conselheiro Suplente Não Governamental representando o Movimento Nacional de Direitos Humanos

57


Anexo I

Tabela comparativa em diferentes países: Idade de Responsabilidade Penal Juvenil e de Adultos Países

Responsabilidade Penal Juvenil

Responsabilidade Penal de Adultos

Alemanha

14

18/21

De 18 a 21 anos o sistema alemão admite o que se convencionou chamar de sistema de jovens adultos, no qual mesmo após os 18 anos, a depender do estudo do discernimento podem ser aplicadas as regras do Sistema de justiça juvenil. Após os 21 anos a competência é exclusiva da jurisdição penal tradicional.

Argentina

16

18

O Sistema Argentino é Tutelar. A Lei N° 23.849 e o Art. 75 da Constitución de la Nación Argentina determinam que, a partir dos 16 anos, adolescentes podem ser privados de sua liberdade se cometem delitos e podem ser internados em alcaidías ou penitenciárias.***

Argélia

13

18

Dos 13 aos 16 anos, o adolescente está sujeito a uma sanção educativa e como exceção a uma pena atenuada a depender de uma análise psicossocial. Dos 16 aos 18, há uma responsabilidade especial atenuada.

Áustria

14

19

O Sistema Austríaco prevê até os 19 anos a aplicação da Lei de Justiça Juvenil (JGG). Dos 19 aos 21 anos as penas são atenuadas.

Bélgica

16/18

16/18

O Sistema Belga é tutelar e portanto não admite responsabilidade abaixo dos 18 anos. Porém, a partir dos 16 anos admitese a revisão da presunção de irresponsabilidade para alguns tipos de delitos, por exemplo os delitos de trânsito, quando o adolescente poderá ser submetido a um regime de penas.

Bolívia

12

16/18/21

O artigo 2° da lei 2026 de 1999 prevê que a responsabilidade de adolescentes incidirá entre os 12 e os 18 anos. Entretanto, outro artigo (222) estabelece que a responsabilidade se aplicará a pessoas entre os 12 e 16 anos. Sendo que na faixa etária de 16 a 21 anos serão também aplicadas às normas da

Observações

58


legislação. Brasil

12

18

O Art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às medidas socioeducativas previstas na Lei.***

Bulgária

14

18

Canadá

12

14/18

Colômbia

14

18

A nova lei colombiana 1098 de 2006, regula um sistema de responsabilidade penal de adolescentes a partir dos 14 anos, no entanto a privação de liberdade somente é admitida aos maiores de 16 anos, exceto nos casos de homicídio doloso, sequestro e extorsão.

Chile

14/16

18

A Lei de Responsabilidade Penal de Adolescentes chilena define um sistema de responsabilidade dos 14 aos 18 anos, sendo que em geral os adolescentes somente são responsáveis a partir dos 16 anos. No caso de um adolescente de 14 anos autor de infração penal a responsabilidade será dos Tribunais de Família.

China

14/16

18

A Lei chinesa admite a responsabilidade de adolescentes de 14 anos nos casos de crimes violentos como homicídios, lesões graves intencionais, estupro, roubo, tráfico de drogas, incêndio, explosão, envenenamento, etc. Nos crimes cometidos sem violências, a responsabilidade somente se dará aos 16 anos.

Costa Rica

12

18

Croácia

14/16

18

A legislação canadense (Youth Criminal Justice Act/2002) admite que a partir dos 14 anos, nos casos de delitos de extrema gravidade, o adolescente seja julgado pela Justiça comum e venha a receber sanções previstas no Código Criminal, porém estabelece que nenhuma sanção aplicada a um adolescente poderá ser mais severa do que aquela aplicada a um adulto pela prática do mesmo crime.

No regime croata, o adolescente entre 14 e dezesseis anos é considerado Junior minor, não podendo ser submetido a medidas institucionais/correcionais. Estas somente são impostas na faixa de 16 a 18 anos, quando os adolescentes já são considerados Senior Minor. 59


Dinamarca

15

15/18

El Salvador

12

18

Escócia

8/16

16/21

Eslováquia

15

18

Eslovênia

14

18

Espanha

12

18/21

A Espanha também adota um Sistema de Jovens Adultos com a aplicação da Lei Orgânica 5/2000 para a faixa dos 18 aos 21 anos.

Estados Unidos

10*

12/16

Na maioria dos Estados do país, adolescentes com mais de 12 anos podem ser submetidos aos mesmos procedimentos dos adultos, inclusive com a imposição de pena de morte ou prisão perpétua. O país não ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

Estônia

13

17

Sistema de Jovens Adultos até os 20 anos de idade.

Equador

12

18

Finlândia

15

18

França

13

18

Grécia

13

18/21

Guatemala

13

18

Holanda

12

18

Honduras

13

18

Hungria

14

18

Inglaterra e Países de Gales

10/15*

18/21

Também se adota, como na Alemanha, o sistema de jovens adultos. Até os 21 anos de idade podem ser aplicadas as regras da justiça juvenil.

Os adolescentes entre 13 e 18 anos gozam de uma presunção relativa de irresponsabilidade penal. Quando demonstrado o discernimento e fixada a pena, nesta faixa de idade (Jeune) haverá uma diminuição obrigatória. Na faixa de idade seguinte (16 a 18) a diminuição fica a critério do juiz. Sistema de jovens adultos dos 18 aos 21 anos, nos mesmos moldes alemães.

Embora a idade de início da responsabilidade penal na Inglaterra esteja fixada aos 10 anos, a privação de liberdade somente é admitida após os 15 anos de idade. Isto porque entre 10 e 14 anos existe a categoria Child, e de 14 a 18 Young Person, para a qual há a presunção de plena capacidade e a imposição de penas em quantidade diferenciada das 60


penas aplicadas aos adultos. De 18 a 21 anos, há também atenuação das penas aplicadas. Irlanda

12

18

A idade de inicio da responsabilidade está fixada aos 12 anos porém a privação de liberdade somente é aplicada a partir dos 15 anos.

Itália

14

18/21

Sistema de Jovens Adultos até 21 anos.

Japão

14

21

A Lei Juvenil Japonesa embora possua uma definição delinquência juvenil mais ampla que a maioria dos países, fixa a maioridade penal aos 21 anos.

Lituânia

14

18

México

11**

18

Nicarágua

13

18

Noruega

15

18

Países Baixos

12

18/21

Panamá

14

18

Paraguai

14

18

Peru

12

18

Polônia

13

17/18

Sistema de Jovens Adultos até 18 anos.

Portugal

12

16/21

Sistema de Jovens Adultos até 21 anos.

República Dominicana

13

18

República Checa

15

18

Romênia

16/18

16/18/21

Rússia

14*/16

14/16

A responsabilidade fixada aos 14 anos somente incide na pratica de delitos graves, para os demais delitos, a idade de inicio é aos 16 anos.

Suécia

15

15/18

Sistema de Jovens Adultos até 18 anos.

Suíça

7/15

15/18

Sistema de Jovens Adultos até 18 anos.

Turquia

11

15

Uruguai

13

18

Venezuela

12/14

18

A idade de inicio da responsabilidade juvenil mexicana é em sua maioria aos 11 anos, porém os estados do país possuem legislações próprias, e o sistema ainda é tutelar.

Sistema de Jovens Adultos até 21 anos. A Lei 2.169 define como "adolescente" o indivíduo entre 14 e 17 anos. O Código de La Niñez afirma que os adolescentes são penalmente responsáveis, de acordo com as normas de seu Livro V.***

Sistema de Jovens Adultos.

A Lei 5266/98 incide sobre adolescentes de 12 a 18 anos, porém estabelece 61


diferenciações quanto às sanções aplicáveis para as faixas de 12 a 14 e de 14 a 18 anos. Para a primeira, as medidas privativas de liberdade não poderão exceder 2 anos, e para a segunda não será superior a 5 anos.

**

* Somente para delitos graves. Legislações diferenciadas em cada estado. *** Complemento adicional.

Referências: FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF). Porque dizer não à redução da idade penal. Karyna Batista Sposato (elab.). Brasília [DF]: UNICEF, 2007 (16-20p.) UNICEF; ITAIPU Binacional; TACRO; Marcia Anita Sprandel. /, Angela Gabriela Espínola Linares, Elena Krautstofi (coord.) Situação das crianças e dos adolescentes na tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai: desafios e recomendações. Curitiba: Itaipu Binacional, 2005 (p.67)

62


Anexo II

63


Anexo III

64


Editora e Livraria Instituto Paulo Freire Rua Cerro CorĂĄ, 550, Lj. 1 SĂŁo Paulo - SP - Brasil (11) 3021-1168 www.paulofreire.org editora@paulofreire.org livraria@paulofreire.org @editoraipf

65


66


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