

3.1.5
3.1.6
3.1.7
6.2.2 Apresentaçãodaspráticasmilenaresdadegustaçãodoazeite
O presente documento constitui-se como um Guia de Boas Práticas que permita compatibilizar, de forma sustentada, a relação entre Olivicultura e Arqueologia.
A presença da oliveira, quer na sua vertente selvagem, zambujeiro, quer na domesticada, faz parte da paisagem do atual território português. O azeite como produto final do fruto desta árvore representa, ao longo dos tempos e para diversos povos, um elemento da maior importância, podendo considerarse que a alimentação não foi sempre o aspeto mais relevante da sua utilização: iluminação, cosmética ou medicina, foram igualmente vertentes que, em períodos mais recuados, representavam os principais mercados associados ao seu consumo.
No atual território português, os vestígios da presença da oliveira remontam à Idade do Bronze, tendo a produção de azeite assumido maior expressão durante o período romano. Nos séculos XV e XVI assistimos à generalização da produção e consumo deste líquido dourado.
Atualmente, a olivicultura é uma atividade agrícola de grande importância económica e cultural, especialmente em regiões com longa tradição na produção de azeite.
Nas últimas décadas assistimos a uma re-industrialização agrícola e a uma nova aposta na produção de azeite, com a plantação de novos olivais a uma grande escala, pouco vulgar no nosso país, recorrendo a técnicas e tecnologias mais avançadas para otimizar todo o processo, desde a produção da azeitona até à obtenção do azeite.
Face à modernização da atividade agrícola e ao consequente aumento da mecanização intrusiva, são crescentemente colocados novos desafios aos vestígios arqueológicos preservados nos mais diversos territórios. Os riscos de afetação são constantes e, caso não sejam adotadas medidas de salvaguarda adequadas, os danos podem ser irreversíveis.A implantação de novos olivais, amovimentação de solos ou a construção de infraestruturas agrícolas podem resultar no desaparecimento de sítios arqueológicos ainda não documentados, exigindo-se um cuidado especial para identificar, delimitar e, em situações que o justifiquem, preservar esses vestígios.
Pretende-se com este documento apresentar um conjunto de recomendações de boas práticas que permitam contribuir para a conciliação entre a atividade agrícola e a salvaguarda e proteção do património arqueológico, incentivando um modelo de produção agrícola sustentável e consciente, em paralelo com atuações arqueológicas de qualidade.
A sua implementação contribui para a preservação dos vestígios materiais do passado, agregando valor ao produto agrícola final, a azeitona e o azeite, promovendo uma olivicultura que respeita o património e beneficie da tradição e da identidade dos territórios onde está inserida.
O conhecimento é a base de um planeamento racional que permita a otimização dos recursos. No que aos vestígios arqueológicos diz respeito, a caracterização prévia da área onde se pretende implantar o projeto resulta, a jusante, numa conciliação proveitosa para todas as partes envolvidas.
Importa sempre ter presente que “O Património Arqueológico é um recurso cultural finito e não renovável, consagrado na legislação portuguesa e que integra todos os vestígios, cuja preservação e estudo permitam traçar a história da vida e da humanidade e a sua relação com o ambiente”.1 A sua destruição é irreversível e tem de ser evitada sem que seja acautelado o seu conhecimento.
“Os vestígios arqueológicos são muito diversos, podendo consistir quer em estruturas facilmente identificáveis no terreno, como antas, menires, sepulturas escavadas na rocha, muros, pontes, entre outros, quer em vestígios menos evidentes como manchas de dispersão de materiais (fragmentos cerâmicos, objetos em pedra, metais, entre outros), depósitos sedimentares ou ainda em alterações no terreno que indiciem estruturas enterradas e outros indicadores da presença de fossos ou fossas. Esta diversidade e especificidade obrigam a que qualquer trabalho arqueológico tenha de ser obrigatoriamente realizado por arqueólogos, únicos profissionais habilitados a proceder, de acordo com metodologia própria, à identificação de ocorrências, à sua caracterização e registo e à avaliação dos impactes que os trabalhos de mobilização de solos possam implicar sobre este Património Cultural.”2
1 Artigo 74.º da Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro, Lei de Bases do Património Cultural. 2
2 Artigo 77.ºda Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro, Lei de Bases do Património Cultural e Decreto-Lei n.º 164/2014 de 4 de novembro, Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (RTA).
Existem diferentes ferramentas/ metodologias a considerar em fase prévia à implementação de cada projeto: os Planos de Gestão de Projetos Agrícolas devem considerar atuações Arqueológicas Preventivas e Planeadas, de forma a otimizar todos os recursos e assegurar:
avaliação prévia dos eventuais impactes de operações agrícolas sobre o património arqueológico;
evitar atuações posteriores, decorrentes de trabalhos arqueológicos apenas implementados em fase de obra ou da imposição de medidas de minimização de danos por ocorrências involuntárias ou negligentes que impliquem a destruição de património arqueológico.
Os principais fatores passíveis de gerar danos em elementos de património arqueológico durante a implementação de diversos tipos de projetos agrícolas, nomeadamente olivícolas, são:
desconhecimento da legislação e do património arqueológico por parte dos agentes da área agrícola;
desarticulação na comunicação entre organismos públicos relacionados com processos de gestão territorial e proprietários/promotores de projetos agrícolas;
no âmbito das operações de implementação do projeto agrícolas os principais fatores de potencial impacte negativo sobre elementos de património arqueológico estão relacionados com processos de modelação de terras: arranque de árvores antigas, ripagens profundas, terraplanagens, construção de barragens e charcas, escavação das valas para implantação de infraestruturas, de que são exemplo os sistemas de rega, abertura de caminhos ou passagem de “avião” para a construção de camalhões.
2 – Exemplo de ripper geralmente utilizado para a ripagem do solo, e consequente afetação produzida sobre contextos arqueológicos localizados a 50cm da superfície. As linhas a vermelho marcam a interface afetação.
Figura 3 – Exemplo de terraplanagens com buldózer e abertura de valas para o sistema de rega, e consequente afetação sobre património arqueológico
O primeiro passo no processo de conhecimento do património arqueológico da área onde se pretende implementar um projeto agrícola será a consulta do Geoportal, disponível no Portal do Arqueólogo (http://arqueologia. patrimoniocultural.pt). Este passo permite ao promotor aceder ao eventual inventário do Património Arqueológico da sua propriedade.
Importante:
O Inventário do Património Arqueológico está em permanente atualização. A consulta do Geoportal é a primeira etapa, sendo fundamental consultar sempre a Tutela do Património Cultural e os serviços municipais da área de localização do projeto.
No caso de empreendimentos com incidência em valores patrimoniais ou arqueológicos, relativamente aos quais existem condicionantes legais, cabe aos seus promotores cumprirem a legislação aplicável, nomeadamenteaLeiGeraldoPatrimónio(Leinº107/2001)ououtraeventualmentevigente,emtermos de instrumentos de gestão territorial - PDM, Planos de Pormenor, Planos de Urbanização
Em casos especificamente definidos será necessário realizar Estudos de Impacte Ambiental (EIA), onde se inclui o descritor de património.
Os projetos de âmbito agrícola não se encontram abrangidos pelas políticas de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), daí decorrendo que:
não estão formalmente sujeitos a qualquer tipo de estudo prévio relativamente a questões patrimoniais e arqueológicas;
em fase prévia à execução de projectos agrícolas, cabe aos seus promotores informar-se das condicionantes patrimoniais existentes e que podem resultar, por exemplo, de inventários de património integrados em PDM’s;
se existirem bens arqueológicos ou patrimoniais inventariados pela Administração Central ou Autárquica, cabe aos promotores de tais empreendimentos assumirem as responsabilidades inerentes ao cumprimento do que a eles diz respeito nos instrumentos de gestão territorial;
todos os cidadãos devem cumprir a Lei nº 107/2001, que estabelece as bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural - Lei n.º 107/2001 de 8 de setembro, Lei de Bases do Património Cultural (https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=844&tabela=leis):
Art.º 6º: nomeadamente no que respeita aos princípios da sua identificação, inventariação, planeamento de medidas adotadas, de coordenação entre interesses públicos e privados, de prevenção de perdas de elementos patrimoniais (Art.º 6º),
Art.º 8º: colaboração da Administração Públicas com particulares, a que se acrescentam os deveres relacionados com a implementação de grandes projetos que possam implicar riscos de destruição ou deterioração de bens culturais. Refira-se que tais princípios se aplicam a elementos patrimoniais, como sítios arqueológicos, inventariados ou ainda desconhecidos.
Termos de Referência para o Património Arqueológico no Fator Ambiental – Património Cultural em Avaliação de Impacte Ambiental - Circular de 2023/04/13 (https://www.culturacentro.gov.pt/media/14017/circular_aia_2023_compressed.pdf)
Deverá sempre respeitar as restrições dos Planos Diretores Municipais e de outros planos de gestão e ordenamento territorial, constantes nas Cartas de Condicionantes e de Ordenamento (nomeadamente naCartadePatrimónioCultural)e nosrespetivosRegulamentos,quepodemdeterminar procedimentos de salvaguarda obrigatórios. “Enquanto regante também poderá solicitar a verificação de vestígios arqueológicos na sua parcela à Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) ou à EDIA no âmbito dos Bloco de Rega do Alqueva (Alentejo). Poderá igualmente solicitar informações junto do seu Município.”3
2.2 ESTUDOS DE IMPACTE PATRIMONIAL E EMPREENDIMENTOS AGRÍCOLAS:
Persiste ainda uma indefinição e uma necessidade de clarificação regulamentar dos mecanismos de gestão territorial específicos, de que os Estudos de Impacte Patrimonial podem ser melhor o exemplo. Tal tipo de estudos, ainda por enquadrar na legislação em vigor, têm vindo a ser crescentemente concretizados ao longo dos últimos anos e amplamente reconhecidos pela Tutela do Património como ferramenta de enorme utilidade. A sua aplicação a projetos agrícolas permite uma definição de:
• caracterização patrimonial e arqueológica das propriedades, incluindo localização e delimitação de sítios identificados com recurso a dados pré-existentes e recolhidos no âmbito de prospeções;
3Guia_Arqueologia_Agricolas.pdf
avaliação do risco arqueológico no âmbito da implementação de projetos agrícolas;
avaliaçãodopatrimónioarqueológicoedosimpactosestimadossobreosmesmos,decorrentes da implementação de projetos agrícolas;
definição de propostas de minimização de impactes sobre o património arqueológico.
A aplicação das Boas Práticas na gestão patrimonial assenta na utilização de um conjunto de ferramentas disponíveis, com metodologias de trabalho adequadas a cada caso, no sentido de compatibilizar de forma sustentada a relação entre Olivicultura e Património Arqueológico.
O Estudo de Impacte Patrimonial (EIP) assenta num cadastro do património existente numa determinada área de incidência de projetos, nomeadamente agrícolas, na sua avaliação e na proposta de medidas de minimização sobre tais bens patrimoniais, nomeadamente arqueológicos, decorrentes da sua potencial afetação. Os EIP, aplicados a projetos agrícolas, têm como filosofia a conciliação de todos os interesses em causa, procurando a identificação, delimitação, salvaguarda e, quando possível, valorização patrimonial, contribuindo em paralelo para a adequada gestão dos projetos dos seus promotores
A primeira fase dos EIP consiste no contacto entre as partes envolvidas, nomeadamente equipa executante, o promotor agrícola, a tutela do património e os serviços municipais competentes. O seu início é antecedido de uma das seguintes situações:
após submissão de um projeto agrícola (ex.: arranque ou reconversão de olival) o município informa a entidade tutelar do património (atualmente CCDR) que emite o seu parecer, informando, por ofício, o promotor sobre o património conhecido na sua área de intervenção e imediações e quais as medidas cautelares a implementar;
o promotor, consciente de que tem património na sua área de intervenção, contacta o município e a CCDR. Estas entidades informam sobre o património conhecido na área de intervenção e imediações, e quais a medidas a implementar do ponto de vista arqueológico;
o promotor do projeto agrícola, tendo conhecimento da legislação em vigor e também da importância social, cultural e económica do património cultural para a história das comunidades, assume a realização do cadastro arqueológico e patrimonial da sua propriedade, através de uma equipa de arqueologia. Neste caso, e independentemente de condicionantes legais decorrentes de património previamente conhecido na propriedade, o promotor antecipa-se à emissão de condicionantes legais, assumindo uma atitude civicamente empenhada
Consoante a tipologia, o estado do projeto e as medidas preventivas determinadas para cada sítio arqueológico, podem ser realizados diferentes tipos de trabalhos arqueológicos, em separado, sequencialmente e/ou em conjunto:
Prospeção Sistemática e/ou Direcionada
Deteção Remota e/ou Prospeção Geofísica
Sondagens de Diagnóstico Arqueológico
Escavação Arqueológica em área
Acompanhamento Arqueológico da obra
Trabalhos de Conservação e Restauro
Cabe ao arqueólogo responsável e respetiva Entidade Enquadrante proceder ao licenciamento de um determinado tipo de trabalho arqueológico, através da submissão de um PATA – Pedido de Autorização de Trabalhos Arqueológicos (incluindo um Plano de Trabalhos Arqueológicos).
Todos os trabalhos arqueológicos carecem de um licenciamento específico: Segundo o Artigo 6.ºAutorização para trabalhos arqueológicos Decreto-Lei n.º 164/2014, de 4 de novembro, os pedidos de autorização de trabalhos arqueológicos são apresentados com a antecedência mínima de 15 dias relativamente ao início dos trabalhos, considerando-se tacitamente deferidos caso a tutela responsável pela gestão do património não se pronuncie naquele prazo.
O PATA deve seguir os termos definidos no Regulamento de Trabalhos Arqueológicos, onde, genericamente, devem constar um plano de intervenção e metodologias a aplicar, a localização do projeto, a memória descritiva do projeto e as declarações das entidades envolvidas.
O plano de intervenção arqueológica implica:
pesquisa prévia sobre a área de trabalho e a definição de uma situação de referência, criada a partir da compilação e inventariação de dados existentes para a área em estudo, através da recolha da bibliografia geral e específica, bem como da consulta das bases de dados informáticas existentes na Tutela, ou outras disponíveis;
sistematização de dados relativos à paisagem das áreas de trabalho, incluindo geologia, topografia, toponímia e análise de fotografia aérea, entre outros, sempre numa perspetiva de, a partir de modelos de ocupação territorial relativos a diferentes períodos histórico-culturais, antecipar eventuais ocorrências a confirmar no tereno e criar um modelo sequencial relativo à evolução da ocupação e uso humano das paisagens;
inserção numa base de dados em sistema de informação geográfica (SIG), que serve de base para os trabalhos de campo de arqueologia, tornando-se também uma base de informações para uma adequada gestão agrícola por parte dos promotores dos projetos.
3.1.1.1 Prospeção Sistemática e Direcionada (Prospeção Tradicional)
A prospeção arqueológica consiste na inspeção visual da superfície do terreno abrangido pelo projeto agrícola a executar. Pode ser realizada de duas formas:
Prospeção direcionada: visa a relocalização e caracterização de sítios previamente conhecidos ou a verificação de áreas definidas com elevado potencial arqueológico.
Prospeção sistemática é aplicada ao longo de toda a área de incidência de projetos agrícolas. Nesta fase, são realizados contactos com quem conhece e trabalhou o terreno, potencialmente recolhendo-se informações orais relevantes sobre a história da área de estudo.
Os sítios arqueológicos identificados durante o trabalho de campo devem ser:
georreferenciados, tanto em pontos como em polígonos;
registados numa ficha de Inventário Patrimonial de acordo com os Termos de Referência para o Património Arqueológico no Fator Ambiental – Património Cultural em Avaliação de Impacte Ambiental - Circular de 2023/04/13.
em função dos pontos anteriores, deve ser apresentado um conjunto de recomendações de boas práticas agrícolas em áreas de existência de elementos patrimoniais arqueológicos ou edificados.
3.1.2 Deteção remota
Abordagem metodológica que permite realizar recolhas de dados de forma não intrusiva, cujo processamento, análise e interpretação é suscetível de revelar anomalias relacionáveis com vestígios arqueológicos, nomeadamente a planta de eventuais estruturas e outros contextos arqueológicos existentes que tenham expressão topográfica e/ou contrastes na sua composição, observáveis por técnicas de recolha e tratamento de imagem.
As técnicas mais utilizadas neste âmbito são:
Recolha e observação de imagens temporais de satélite,
imagens multiespectrais;
imagens térmicas;
dados LiDAR.
Estas ferramentas dão a conhecer os vestígios enterrados sem que seja realizado qualquer trabalho intrusivo, permitindo em fase prévia conhecer eventuais constrangimentos e planear a implementação de projetos tendo em conta os dados arqueológicos obtidos.
3.1.2.1 Prospeção Geofísica
No seguimento da prospeção visual, e caso sejam identificados vestígios à superfície com elevado valor patrimonial e que estejam em risco de ser afetados por alguma componente do projeto agrícola, é recomendada a aplicação de métodos de prospeção geofísica.
A prospeção geofísica aplicada à arqueologia pode ser realizada com recurso a diferentes métodos, destacando-se a magnetometria e/ou georadar (GPR), técnicas que permitem realizar o equivalente a uma radiografia ao solo.
Com base nestes dados,é possível delimitar com maior precisão os vestígios patrimoniais,assimcomo perceber a tipologia do sítio e que consequências terá em termos de avaliação patrimonial.
Posteriormente, os dados da prospeção geofísica podem ser utilizados na divulgação patrimonial e científica junto das comunidades, sobe a forma de apresentações orais, reconstruções e recriações virtuais, etc.
Figura 10 – Á esquerda, exemplo da aplicação das duas técnicas geofísicas na superfície de uma parcela de térreo. À direta o resultado de uma sondagem de diagnóstico que confirma os dados da geofísica de que existem estruturas de época romana no subsolo a cerca de 40cm da superfície.
3.1.3 Acompanhamento Arqueológico
O Acompanhamento Arqueológico consiste na monotorização por parte de uma equipa de arqueologia das várias operações inerentes à implementação do projeto agrícola e respetivas infraestruturas que impliquem qualquer afetação dosoloesubsolo.Nodecorrer dessestrabalhos,osarqueólogosobservam as atividades associadas à implementação do projeto agrícola, tais como escavações, ripagens ou desmatação, procedendo ao registo do observado:
Caso se registem vestígios arqueológicos, os trabalhos nessa zona em concreto deverão ser temporariamente interrompidos para análise da ocorrência pela equipa de arqueologia.
Uma vez definida a natureza do achado, deverá ser dado conhecimento às entidades competentes pela gestão do património da região para que, em conjunto, sejam tomadas a devidas previdências no sentido de promover a salvaguarda do património, assim como como futuros constrangimentos à boa execução dos trabalhos agrícolas.
3.1.4 Sondagem de Diagnóstico
A realização de sondagens arqueológicas de diagnóstico visa a caracterização do espaço a afetar, com recurso a meios intrusivos, procurando confirmar, ou não, os dados obtidos nas atividades anteriores e definir a sequência de ocupação do espaço em causa.
A escavação arqueológica em área é justificável após a realização de diagnósticos que fundamentem a suaaplicação,nomeadamente emcasode identificaçãopréviade contextosarqueológicosquecareçam de dados adicionais para a sua correta compreensão. A sua concretização permite às equipas de arqueologia, aos promotores e entidades tutelares do património arqueológico disporem de dados que fundamentem decisões relativas aos sítios arqueológicos e à gestão dos projetos agrícolas. O conhecimento adquirido é fundamental ao bom planeamento e gestão de qualquer projeto agrícola.
3.1.6 Conservação e Restauro
Durante a execução de atividades agrícolas, é possível que venham a ser identificados vestígios arqueológicos ou outros elementos com interesse patrimonial ou cultural. Nestes casos, torna-se imprescindível a adoção de procedimentos rigorosos que assegurem a salvaguarda, a e a integridade desses bens, em conformidade com a legislação nacional aplicável:
Registo e Avaliação Inicial: sempre que for identificado um eventual vestígio arqueológico ou elemento com valor patrimonial, deverá ser imediatamente efetuado o registo da ocorrência acompanhado de uma avaliação preliminar do seu estado de conservação. Esta avaliação deve ser conduzida por um técnico devidamente habilitado na área do património cultural, preferencialmente com experiência em contextos de interface com atividades agrícolas. A documentação gerada deve incluir elementos gráficos e fotográficos georreferenciados, bem como uma descrição pormenorizada das caraterísticas do achado.
Procedimentos em Caso de Património Classificado ou Condicionado: Nos casos em que o bem identificado se encontre classificado, em vias de classificação, se localize em área sujeita a condicionantes definidas no Plano Diretor Municipal (PDM), torna-se obrigatória, nos termos do Decreto-Lei n.º 140/2009 de 15 de junho, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 90/2024, de 22 de novembro) a elaboração de um Relatório Prévio (RP), Este deve integrar a avaliação técnica do estado de conservação, bem como a definição de orientações para a sua salvaguarda. Após aprovação por parte da entidade tutelar competente, deverá ser desenvolvido um Projeto de Conservação e Restauro, o qual deverá apresentar, de forma detalhada, a descrição das intervenções propostas, as metodologias a aplicar, os materiais previstos e os critérios de intervenção, respeitando as boas práticas internacionais nesta matéria.
ProcedimentosVoluntáriosparaPatrimónioNãoClassificado: Seobem identificadonão estiver abrangido por qualquer estatuto de proteção formal, mas o promotor agrícola manifestar interesse na sua preservação e conservação in situ, poderá, por iniciativa própria, solicitar a
elaboração de um Projeto de Conservação e Restauro. Este projeto deverá contemplar uma caracterização do bem, o seu estado de conservação e a definição dos trabalhos de conservação e restauro a executar, garantindo a sua estabilidade e valorização no contexto da atividade agrícola.
Importa salientar que a conservação e restauro do património não deve ser encarada como uma intervenção pontual ou isolada. A sua preservação efetiva requer um plano de manutenção contínua e adaptado ao contexto específico de cada bem. Medidas simples, mas eficazes — como o controlo sistemático da vegetação invasiva nas áreas circundantes ou a sinalização adequada — podem ser determinantes para evitar a degradação progressiva dos elementos patrimoniais.
Preservar património é preservar a nossa memória coletiva.
3.1.7 Relatório Técnico dos Trabalhos Arqueológicos
Os dados que resultam de qualquer trabalho arqueológico são apresentados e sistematizados num documento que se constitui como o Relatório Final dos Trabalhos Arqueológicos, que genericamente, deve englobar os seguintes pontos:
âmbito do processo;
metodologias;
descrição dos trabalhos efetuados;
avaliação de impacte patrimonial, com base na interferência das diferentes componentes a serem implantadas no âmbito do projeto (terraplanagem, escavação das valas para o sistema de rega)
propostas de ações preventivas sempre que exista essa necessidade.
Face ao exposto nos pontos anteriores, pretende-se apresentar neste ponto um resumo das diferentes situações com as quais os promotores de projetos agrícolas se podem deparar e respetivas soluções.
4.1 SITUAÇÃO Nº 1
Um promotor pretende implementar um projeto de olivicultura numa parcela de terreno utilizada para culturas de sequeiro, não dispondo de informações sobre a eventual existência de sítios arqueológicos na sua área. Em tais casos, recomenda-se:
realização de uma pesquisa no portal do arqueólogo de forma a verificar se existem pontos referenciados;
em caso de existência de sítios arqueológicos referenciados, deverão ser informados os serviços competentes do Município e/ou Tutela do Património da pretensão da reconversão agrícola, cabendo a estas entidade responder informar das medidas de minimização a adotar;
se não existirem sítios arqueológicos cadastrados dado que o projeto não se encontra abrangido por um EIA ou condicionado a estudos prévios, recomenda-se que o promotor promova a realização de um EIP, antecipando eventuais problemas decorrentes de afetações patrimoniais não previstas
4.2 SITUAÇÃO Nº 2
Desenvolvimento de um projeto de olivicultura sem que sejam cumpridas as Boas Práticas de conhecimentopréviosobre oriscoarqueológicodoterrenoemquestão.Seapósimplantaçãodoprojeto agrícola o promotor for informado do incumprimento da legislação, deverá o promotor:
cumprir as medidas de minimização determinadas pela Tutela do Património que podem incluir:
Prospeções Arqueológicas, de forma a avaliar os possíveis impactes provocados pelas ações de remobilização de terras efetuadas aquando dos trabalhos de implementação do olival;
implementação de determinadas medidas compensatórias, nomeadamente sondagens de diagnóstico, escavação arqueológica ou ações de conservação e restauro.
4.3 SITUAÇÃO Nº 3
Em caso de submissão de um projeto de olival e após pronúncia das entidades competentes relativamente aos procedimentos a adotar no projeto, o promotor deve contratar uma equipa de arqueologia e realizar os trabalhos determinados.
4.4 SITUAÇÃO Nº 4
Existe por parte do promotor do projeto a intenção de valorizar a história do terreno.
A primeira ação será contactar uma equipa de arqueologia especializada que fará uma recolha de informação sobre os territórios onde a exploração se localiza, seguida de uma campanha de prospeção de terreno.
A identificação de vestígios pode levar a uma campanha de prospeção geofísica de modo a conhecer o que esta enterrado, sem ações intrusivas. Esta informação será essencial para planear os passos seguintes, que podem passar pela virtualização dos achados, escavação arqueológica, e trabalhos de conservação e restauro.
4.5 GUIA DE PROCEDIMENTOS
O fluxograma apresentado corresponde a uma síntese dos melhores procedimentos a realizar no âmbito da realização de um projeto de olivicultura.
A concretização de um EIP numa herdade em Évora decorreu de um pedido de esclarecimento por partedopromotoragrícolaàtuteladopatrimónio,comoobjetivodeavaliarpreviamenteanecessidade deconcretização préviade trabalhosde minimização nos sítiosarqueológicoslistadosnabase de dados do Endovélico. Isso porque, na carta de condicionantes do Plano Diretor Municipal de Évora, não existiam sítios registados.
Após análise dos dados conhecidos, a entidade tutelar decidiu que deveria ser realizado um estudo aprofundado de toda a área do projeto (cerca de 200 hectares) em fase prévia ao início dos trabalhos de reconversão agrícola.
Os trabalhos iniciaram-se com a pesquisa prévia. Em fase posterior, todos os dados obtidos foram tratados e inseridos numa base de dados, que resultou numa nota técnica prévia, apresentada ao promotor com todos os dados disponíveis. Este documento inicial tem a vantagem de aproximar o promotor dos aspetos mais técnicos da arqueologia, de o prevenir quanto à legislação em vigor, funcionando igualmente como um alerta relativamente a eventuais condicionantes patrimoniais aplicáveis.
A Fase seguinte consistiu na prospeção arqueológica tradicional, durante a qual uma equipa de arqueologia examinou a parcela ao pormenor, permitindo uma atualização da base de dados, mantendo-se sempre o promotor ao corrente do trabalho realizado
As principais medidas tomadas neste projeto tiveram em conta o impacto das várias componentes do projeto (ripagens a determinada profundidade, abertura de valas para o sistema de rega) no tipo de sítio arqueológico e respetivo valor patrimonial. Em função desta avaliação realizou-se uma campanha de prospeção geofísica nos sítios que apresentavam maior potencial e valor patrimonial.
As imagens obtidas através da prospeção geofísica foram inseridas na base de dados de informação geográfica, permitindo delimitar as áreas sensíveis e, neste caso em concreto, identificar antigas condutas de rega que foram aproveitadas no projeto atual. Relativamente aos elementos etnográficos, parte importante do património local e parte integrante de um património paisagístico, propôs-se que fossem preservados e integrados no projeto.
Figura 15 – Recolha de dados geofísicos e planta do sítio arqueológico enquadrada pelo sistema de rega a implementar.
Estes trabalhos permitiram ao engenheiro responsável pelo sistema de rega ter todos os dados arqueológicos para trabalhar em fase de projeto. Assim, as condutas são instaladas de forma a não interferirem com os sítios e/ou manchas de materiais identificadas e delimitadas, tanto no terreno como na cartografia.
Figura 16 – Processo de adaptação de aspetos impactantes do projeto agrícola com a salvaguarda de património relevante.
Relativamente aos casos em que ainda persistiam dúvidas sobre a localização e delimitação de sítios arqueológicos, foi proposto e realizado o acompanhamento arqueológico da abertura das valas do sistema de rega em zonas próximas a sítios arqueológicos e em áreas que, devido à sua forma, indiciavam a presença de vestígios arqueológicos.
O património arqueológico e etnográfico relevante ficou preservado e delimitado no local com barrotes implantados de 10 em 10 metros.
Por fim, e no âmbito da divulgação dos resultados à comunidade, produziu-se um pequeno vídeo documental e uma recriação virtual do espaço com base nos dados recolhidos.
O azeite, enquanto património alimentar, histórico e cultural está intimamente associado à construção da identidade portuguesa, estando presente na vida das comunidades praticamente desde tempos ancestrais. Assumindo que a olivicultura se constitui como uma herança histórica, é importante valorizar o património associado a esta atividade, incluindo os bens móveis e imóveis intrinsecamente a ela associados.
O conceito de património Olivícola engloba a paisagem cultural em que este está integrado, na medida em que as paisagens que tão bem conhecemos dos grandes campos de oliveiras são um elemento fundamental para entender a configuração do território. A importância da dimensão paisagística do territóriofoi inclusivamentereconhecidaem algumasdeclaraçõesinternacionais,talcomoaConvenção do Património Mundial da Unesco (1992), a Carta da Paisagem Mediterrânica (1992), a Convenção Europeia da Paisagem (2000) e a Adenda Territorial da União Europeia (2020). Nestes documentos, salienta-se a necessidade de preservar as paisagens como elemento essencial da cultura mundial.
A difusão do Património não é mais que uma “entrega” à sociedade dos bens patrimoniais associados à sua história, uma vez que a existência e preservação dos bens culturais só faz sentido se a sociedade disfrutar dos mesmos, tendo em vista o desenvolvimento regional (cultural e económico) das zonas nas quais esta atividade mais se destaca.
Considera-se que a gestão de uma correta difusão do património olivícola deverá assentar nas seguintes vertentes:
6.1 VERTENTE EDUCACIONAL
Promoção de visitas escolares aos lagares que possam contar a história do azeite ao longo dos séculos, sepossívelcoma preservação einterpretaçãodasestruturasidentificadasemcontextosarqueológicos, relacionadas com esta atividade. A formação das comunidades escolares para a importância que o seu património histórico tem na sua perceção do mundo atual capacita e promove a ativação socioeconómica e turística do património cultural relacionado com a Olivicultura.
6.2 OLIVOTURISMO
O património arqueológico assume-se como a base do discurso explicativo direcionado à sociedade geral acerca da história do desenvolvimento e importância que a atividade oleícola tem desempenhado ao longo da formação da sua identidade histórica, pelo que a divulgação do património associado à exploração da azeitona e à produção do azeite poderá ser o ponto de partida para a implementação do olivoturismo.
Desta forma, acreditamos no reforço do papel que os recursos patrimoniais poderão desempenhar na implementação desta vertente do turismo, associados à divulgação da sua importância histórica e cultural, assim como das atividades diretamente relacionadas com o cultivo da azeitona.
A transmissão do valor que o património histórico e arqueológico agrega na valorização do património olivícola poderá ser concretizada com as seguintes ações:
6.2.1 Musealização de estruturas identificadas
As estruturas identificadas no decorrer das ações de diagnóstico e/ou escavações arqueológicas não necessitam de ser consideradas como um impedimento à execução do projeto agrícola, mas como uma mais-valia na promoção desta atividade e na transmissão do valor que a olivicultura agrega na construção da nossa identidade.
Como tal, a conservação ou mesmo a musealização das mesmas deverá ser vista como uma aposta que poderá dar origem, a médio e a longo prazo, a um benefício capaz de gerar resultados positivos na implementação de um turismo vocacionado para a promoção desta atividade, no qual os vestígios arqueológicos podem e devem fazer parte do seu discurso expositivo.
Em Portugal existe já uma série de infraestruturas dedicadas à História da produção do azeite que são disso exemplo. Museus como o Núcleo Museológico do Lagar de Azeite de Lavandeira, que resulta da recuperação de um antigo lagar de azeite ou mesmo o Museu Lagar de Azeite em Vinhais são modelos que revelam a importância da recuperação das estruturas já abandonadas na criação de um discurso explicativo que fortaleça a importância fulcral no desenvolvimento turístico e sustentável das áreas rurais.
Outro bom exemplo da importância do património arqueológico na atividade olivícola é o caso da Herdade de Maria da Guarda, em Serpa, que beneficiou da presençade vestígios de produção de azeite em época romana na propriedade para a criação de uma marca de azeite embalada de edição limitada Lagaretta - Prédio de Maria da Guarda
6.2.2 Apresentação das práticas milenares da degustação do azeite Uma vez que o turismo olivícola é uma atividade intrinsecamente associada à gastronomia local, seria igualmente benéfica a apresentação ao público de um conjunto de atividades que não só incluíssem a promoção dos produtos locais, mas também valorizassem o passado histórico com a apresentação de experiências culinárias tradicionais.
Um bom modelo desta atividade será a realização de sessões de degustação nas quais estejam presentes as receitas tradicionais intrinsecamente ligadas à memória coletiva histórica, valorizando a variedade de usos atribuídos aos mesmo, como por exemplo uma atividade de degustação de uma tiborna tradicional num local iluminado por candeias de azeite.