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Lúcidos são excepções, diz Director Nacional do Ministério da Cultura sobre artistas plásticos. páginas 6 e 7 Para Leia Langa, da Casa da Cultura, falta gente séria nos grupos de teatro do país. página 5

Junho de 2013 Maputo

Piratas em Moçambique

Poucos livros

Porta-voz da polícia sugere combater a pirataria fiscalizando os músicos também. páginas 8 e 9

Integrantes do mercado editorial do país discutem onde estão as oportunidades de crescer. página 4

Este é um produto dos estudantes de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes na Universidade Eduardo Mondlane, dentro do Programa Para Fortalecimento da Mídia em Moçambique, financiado pelo governo dos Estados Unidos da América, através da sua Agência Para o Desenvolvimento Internacional (USAID), e implementado pela IREX Moçambique. Visite: www.irex.org.mz

DIREITOS CIVIS

3 milhões de deficientes auditivos não têm acesso às informações páginas 12 e 13

SOCIEDADE

Antropólogo defende circuncisão clínica com elementos tradicionais página 11

EDUCAÇÃO

USAID apoia formação de jornalistas página 16

DESPORTO

Atleta pede destaque para jogos escolares página 10

OPINIÃO

→ O interesse tailandês → Um plano colonial → Alheios à realidade → Estudantes expulsos

PROJECTO PARADO Conflito entre desejo de preservar tradições e necessidade de fazer valer os direitos humanos paralisa debate sobre lei para desencorajar a poligamia. páginas 14 e 15

Professores-turbo Lei da Probidade não atinge a carreira docente, permitindo que professores universitários tenham mais de um emprego. Proposta que prevê aumento de salário acima de 40% pode ser a saída para que docentes tenham dedicação exclusiva. página 16

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opinião

A maioria alheia à realidade Por Jaime Mulima Repórter de O Especialista

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relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) coloca o nosso país (185º lugar) na lista das nações com mais baixo Índice do Desenvolvimento Humano (IDH), muito atrás dos países considerados falhados como Guiné-Bissau (178º lugar), República Centro Africana (180ª posição) e Chade (184º posto). O Índice de Desenvolvimento Humano é uma medida comparativa de riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros factores para os diversos países do mundo. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população. De acordo com o relatório sobre o ensino e educação de jovens e adultos em Moçambique, lançado no ano transacto (2012), a taxa de alfabetização em Moçambique é de 48% . O mesmo relatório mostra que Moçambique não só é o terceiro pior país em Desenvolvimento Humano no mundo, como também é o pior ao nível da SADC, depois do Zimbabwe (172) e Malawi (170). A Suazilândia (141), a Namíbia (128), a África do Sul (121) e o Botswana (119) estão no gru-

Desrespeito à lei

Frelimo x Renamo

Trabalho infantil

A LAM alegou que o tratamento de Maria Emília havia custado tanto dinheiro que não estava mais disposta a pagar. Maria Emília veio a morrer em casa de uma familiar. (Cristina Ndlate)

O esforço dos partidos, mais do que permitir que os ambiciosos tirem proveito do conflito interno, deveria ser lutar pela unidade nacional. (Nabote Frazão Langa)

Diariamente vemos crianças a trabalharem nas ruas e avenidas. Elas vendem pequenos produtos. A legislação moçambicana proíbe. (Ilauda Isaura)

po dos países com o Desenvolvimento Humano Médio, enquanto as Maurícias ocupam a posição 80, classificando-se como o país mais bem colocado no ranking. É um dado assutador e difícil de aceitar, mas que infelizmente retrata a realidade do nosso país, embora o governo tenha reagido, contestando os números do relatório, afirmando que os mesmos contradizem o esforço do governo no que concerne os aspectos analisados, como a alfabetização e educação. Politicamente, a reacção do governo não podia ser diferente, era suposto que fosse assim, contestasse os dados apresentados pelo PNUD, que apresentasse argumentos contraditórios, embora, não verdadeiros. Isso é fazer política. Mas olhando a realidade socioeconómica do país, não precisamos de estudos aprofundados para compreender a injustiça social. Este relatório do PNUD deve servir de exemplo para o governo repensar as politicas sociais, que não são abrangentes e muito menos inclusivas. Além do governo, o povo moçambicano deve reflectir seriamente sobre as lideranças nacionais, sobre a politica que elas praticam: se é voltada para o povo ou é individualista. Mas, infelizmente, esse relatório está alheio à maioria, como diz o próprio presidente, aos distraídos.

O interesse tailandês Por Matilde Muimela Repórter de O Especialista

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governo da tailândia apresentou, no início deste ano, na cidade de Maputo, grande interesse em entrar para investimentos robustos no país, particularmente nos sectores da agricultura e infraestrutura. No agronegócio, a atenção dos tailandeses vai para o processamento de matérias-primas, tendo em conta que muitas são as vezes que os camponeses reclamam da falta de unidades industriais para dar encaminhamento devido à produção excedentária. Moçambique tem uma população de cerca de 19.4 milhões de habitantes, dos quais 80% vive nas zonas rurais e dependem da actividade agrícola. O País tem uma extensão de 36 milhões de hectares agricultáveis, dos quais apenas 3,6 milhões de hectares, correspondentes a 10%, estão a ser presentemente explorados. A taxa de pobreza é superior a 54%, sendo que este dado veio a ser contrasta-

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do pelo actual estudo de situação de pobreza no mundo, onde o país ocupa a segunda posição entre as piores nações. O sucesso do desenvolvimento agrário depende do melhor desempenho do governo em prol do aumento da terra a ser explorada pela população e não apenas da nossa riqueza em recursos naturais. Um bem público em relação ao qual o governo tem importantes papéis a desempenhar é a criação e desenvolvimento de um ambiente de mercado interno. No contexto real, este esforço não se faz sentir, uma vez que constitui mais um dos investimentos daqueles que nunca mudam a situação real da população, que deveria ser a beneficiária primordial dos recursos e da terra no concreto. Quando o governo olha para a área de agroprocessamento, deveria também analisar a situação da falta de terra disponível e o seu consequente investimento a favor da melhor produção pela população. Dar mais terra sem ajudar na sementes e nas tecnologias não fará diferença à existência de fábricas de processamentos dos produtos.

Junho de 2013

Estudantes da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane durante o fecho do jornal liderado pelos futuros jornalistas.

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FRASES DESTA EDIÇÃO

Ezequiel Mindo, prático em circuncisão tradicional A circuncisão masculina deixa o homem mais potente sexualmente Trânsito em Maputo

Sem tempo

Inércia na saúde

Faltam vias alternativas. O governo deve mover esforços para reverter esta situação. Para além de promessas, deve começar a agir. Não adianta apenas falar. (Dércia Melito Agostinho)

A educação precisa avançar. Estou a falar aqui de ocupar o estudante, o tempo inteiro, chegando a beliscar o ínfimo período que possui para repousar. (Lourino Palembe)

O aconselhamento não deve ser feito na altura em que os números de casos de doenças são preocupantes, mas antes. As instituições estão na inércia.

Nyelete Mondlane, Chefe do Gabinete da Mulher Parlamentar Nem tudo dito pelas pessoas deve ser legitimado

(Aderito Bie)

Estudantes expulsos Por Orbai Nobre Repórter de O Especialista

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A Universidade Eduardo Mondlane, a mais antiga e mais reputada instituição de ensino superior no país, está mergulhada em problemas acumulados durante as últimas décadas. A UEM é uma organização pública de ensino superior que tem como tarefa principal formar técnicos de nível elevado, capazes de produzir, aplicar, difundir a cultura, a ciência e a técnica a serviço do desenvolvimento do país e do mundo. A UEM disponibiliza bolsas de estudo a todos os estudantes carenciados de recursos financeiros, destinado a suportar parte dos encargos com a frequência e conclusão do curso pelos que lá estudam. Para este ano, houve uma redução drástica do número de bolsas completas devido a reabilitação da residência 1, que constitui a maior da universidade. Entretanto, a UEM, sabendo que iria reabilitar a maior residência , preferiu colocar estudantes tanzanianos a ocuparem o espaço de 10 quartos de 4 pessoas em cada um deles, alegando a cooperação entre eaquele país e Moçambique. O des-

pacho teria vindo directamente do Presidente da Republica Armando Guebuza. O mais agravante aqui é que com a vinda destes estudantes e com a reabilitação da maior residência, muitos alunos de bolsa reduzida, isenção e rendeiros ficaram sem alojamento. O novo ingresso ficou bastante afectado com esta situação devido à tamanha redução de número de bolsas completas. Deve-se ter em conta que o valor da bolça da UEM é de 1.350 para estudantes de bolsa completa, 1.250 a reduzida, não chegando para arcar com as necessidades destes discentes moçambicanos. No que concerne às condições de vida dos estudantes beneficiários de bolsas foram constatadas questões inúmeras e graves, até casos daqueles que se prostituem para poder sobreviver no lar de estudantes devido à falta de condições mínimas. Enquanto isso, os estudantes tanzanianos são beneficiados com bolsas de 13.000 mt mensalmente, o que chegaria para alugar um apartamento. Os estudantes moçambicanos não denunciam as irregularidades por temerem represálias da universidade. Portanto, sendo a UEM uma das mais prestigiadas universidades do País, tem que voltar para aquele que é o seu objectivo: formar profissionais com

excelência.

Um plano colonial? Por Lucinda Alfandega Repórter de O Especialista

O Especialista O jornal O Especialista é um produto experimental da cadeira de jornalismo especializado, produzido pelos estudantes do terceiro ano da licenciatura em jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane. Os valores editoriais que regem o produto, os temas das reportagens e as abordagens nos conteúdos foram definidos pelos futuros jornalistas durante as aticvidades acadêmicas. A impressão e distribuição foram viabilizadas pelo Programa Para Fortalecimento da Mídia em Moçambique, que é financiado pelo Governo dos Estados Unidos da América, através da sua Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID), e implementado pela IREX Moçambique. As opiniões expressas nas páginas de O Especialista não representam o posicionamento das instituições envolvidas no projecto, mas tão somente o pensamento de cada um dos entrevistados e dos autores. REDACÇÃO - Conselho Editorial - Mirna Feleciano Chitsungo, Jaime Álvaro Mulima, Laque Francisco Tamo, Edson Neto Manjate, Dércia Melito Agostinho. Chefe de Redacção - Laque Francisco Tamo Editora de Cultura - Tânia Maria Pereira. Editor de Política - Orbai Dúlio Nobre Editor de Economia - Lourino Ernesto Pelembe. Editor de Desporto - Diamantino Jaime Lauchande. Coordenação Pedagógica do Produto Experimental - Ricardo Fontes Mendes/IREX. Supervisão Pedagógica do Produto Experimental Milton Machel/IREX. Repórteres - Aderito Senetela Bie, Alberto Tomás, Albino Ernesto Gabriel, Amedi Adriano, Ananias João de Micael Langa, Bertilia Fernando Capelo Banze, Carmen Juvenal Mutisse, Célia Rosa Zefanias Sitoe, Cláudia Saimone, Cristina Jaime Ndlate, Dercia Melito Agostinho, Dércio Gilberto Mutana, Diamantino Jaime Lauchande, Dulce Alexandre Mucavel, Edmundo Ernesto Manhique, Edson Neto Manjate, Evito Filó Andrade, Fátima José Correia Langa, Flávio Chitsondzo, Ilauda da Isaura Paulo Manala, Jaime Álvaro Mulima, José Luis Chichonge Júnior, Laque Francisco Tamo, Laurino Ernesto Palembe, Lucinda da Graça Alfândega, Matilde Anna Arnaldo Muimela, Mirna Feliciano Chitsungo, Nabote Frzão Langa, Natercia Luisa Lázaro, Orbai Dúlio Nobre, Ossemane Afzal Ossemane (in memorian), Rute Estevão Langa, Sumeia Carlos Ambasse Cassino, Tânia Mária Pereira.

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BRIC, um bloco económico criado em 2002, cujo o nome se refere às inicias de quatro países em desenvolvimento (Brazil, Rússia, India e China), oferece indícios de que, para além de simples relações de cooperações económicas, tenha o objectivo de estabelecer uma aliança, convertendo o seu crescimento numa influência política questionável. Foram levantadas muitas especulações sobre o que terá impulsionado a entrada da África do Sul no grupo, em 2010, já que a economia daquele país corresponde apenas a um quarto do tamanho da economia da Rússia (a nação com o menor poder entre os membros BRIC). Analistas apontam que o objectivo do bloco é usar a África do Sul como um portal na facilitação de cooperações. A questão actual é: o que a criação de um banco de investimentos desse grupo significaria para África e, concretamente, para Moçambique? Até que ponto esse banco pode contribuir para o desenvolvimento de Moçambique ou então para o estabelecimento de uma posição seja dependente até mesmo em decisões

internas, gerando deste modo um colonialismo indirecto? É inegável a presença dos BRICS no impulsionamento do desenvolvimento de África e principalmente de Moçambique por meio da criação de investimentos com objectivo de explorar os recursos naturais e mineiros que vem sendo descobertos gradualmente no pais, respondendo positivamente aos financiamentos submetidos pelo governo Moçambicano. Se o nosso olhar for superficial, limitando-se apenas para as promessas que estes países fazem quando propõem investimentos, veremos exclusivamente ganhos e nenhum motivo de desconfiança. Afinal de contas, são países que investem seu dinheiro em recursos que Moçambique não teria como explorar por si só e ainda garantem emprego para a população. Basta olhar para o que realmente acontece no terreno para perceber que o que se verifica na prática é totalmente diferente do que se promete nos papéis. O país já vive alguns sinais de colonização por parte das nações do grupo. Um dos exemplos claros deu-se após a transferência de mais de 700 famílias de Moatize para Cateme, nos finais de 2009, para dar espaço à exploração do carvão mineral de Moatize pela empresa brasileira Vale.

LIBERDADE DE IMPRENSA

Apenas em 2012, foram 68 os profissionais de empresas jornalísticas assassinados no mundo. Deste total, 17 foram executados na África (Nigéria, Somália, Sudão e Tanzânia). Os dados são da Associação Mundial de Jornais (WAN/IFRA).

HASSAN KARIMZADEH

Quem é o autor do cartoon na página? Director artístico, designer gráfico e cartunista freelancer, Hassan Karimzadeh trabalha para várias publicações iranianas, incluindo Etemaad-e Melli (Confiança do Povo). Hassan foi preso em 1992 por ter produzido uma caricatura representando o aiatolá Khomeini. Depois de inúmeras campanhas de protesto, representantes da organização Advogados Sem Fronteiras foram capazes de libertá-lo, após dois anos de prisão. O cartoon publicado ao lado foi disponibilizado para o jornal O Especialista como parte da campanha mundial pela liberdade de imprensa, através da Cartooning for Peace e da Associação Mundial dos Jornais (World Association of Newspapers and News Publishers). Visite os websites destas duas organizações para saber mais: www. wan-ifra.org e www. cartooningforpeace.org .

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resumo

Livreiro acredita em incentivo à leitura como estratégia Marcelo Panguana, colaborador do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa, diz que não se pode gostar daquilo que não se conhece. “É necessário que o governo crie bibliotecas municipais e coloque livros, onde os jovens possam encontrar”, frisou. Para o Director-Geral da livraria Conhecimento, Paulo Guerreiro, não é legítima a alegação de que as pessoas não lêem devido ao alto custo do livro. Para ele, a solução seria repensar-se uma forma de atingir as pessoas, munindo os professores de ferramentas que lhes possibilitem cultivar o gosto pela leitura nos alunos. “Relativamente ao preço, devese vender o livro a um valor viável, no entanto, sem oferecer, sob o risco de o mesmo ser desvalorizado, por ser gratuito”, disse Guerreiro.

7 anos OS DADOS mais recentes sobre o mercado livreiro estão em um relatório que reúne informações deste período e que apontam crescimento do mercado

Sem informação

Onde estão os talentos?

Sem público nas galerias de artes de Maputo, artistas admitem que preço de obras afasta maior parte da população, mas também critica a falta de apoio.

3 milhões de deficientes não têm acesso às informações transmitidas por canais de televisão. Troca de acusações entre emissora e governo dificulta solução.

Disputa entre treinadores e técnicos complicam a vida de jovens talentos nos jogos escolares. Sem incentivo, muitos deles deixam de seguir carreira no desporto.

Foto: Fátima Langa

OPORTUNIDADE

Artes plásticas

2.015 É o total de obras lançadas no país, de janeiro de 2005 a setembro de 2012, de acordo com o Instituto Nacional do Livro e do Disco de Moçambique

31 editoras funcionam em Moçambique.

Elas lançam, em média, cinco obras a cada ano. O QUE VENDE MAIS

Mercado de livros tem potencial para crescer

DIDÁTICOS

ROMANCES

CONTOS

Por Ananias Langa, Fátima Langa e Nabote Langa. Secção de Cultura

“É preciso que o governo crie bibliotecas” Marcelo Panguana Colaborador Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa

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O Instituto Nacional do Livro e Disco (INLD), responsável pelo licenciamento de obras literárias, tem vindo a realizar feiras de livro, nas zonas recônditas, para incentivar o hábito de leitura, com editoras do país e parceiros internacionais. “Trinta e uma editoras funcionam em Moçambique e cada uma das nacionais publica cerca de seis obras, em média anual. Registaram-se 2.015 títulos, de janeiro de 2005 a setembro de 2012”, afirma Victorina Ezerinho, do INLD. Segundo as editoras e livrarias, manuais e textos de apoio escolares são os mais comprados e, consequentemente, mais publicados.

Os romances estão no segundo lugar, contos infantis ocupam o terceiro e obras de carácter diverso figuram no quarto. Escritores e editores divergem quando à questão dos ganhos que advem da produção literária. A parte das editoras diz que os autores ganham mais. DEBATE “O autor sai vitorioso, porque, após a editora aprovar a sua proposta, ele só participa da revisão e melhoramento. Questões como avaliação de custos e pedidos de patrocínios, são da nossa responsabilidade. Depois ele recebe 15% do valor total da venda, o que não é pouco”- explicou Mário Eduardo, do departamento das artes

das editoras Ndjira e Texto Editores. No entanto, os escritores consideram insatisfatório o rendimento e dizem que não é possível viver da literatura. “Esta arte sempre foi marginalizada. Um escritor que acorde às cinco da manhã para escrever até vinte e quatro horas é visto como um marginal. Porém, um engenheiro que trabalhe apenas uma hora é tido como um excelente profissional”, lamentou o escritor moçambicano, Marcelo Ponguane. As editoras disponibilizam mais espaço para obras didácticas. Os livros de literatura são extraídos em 3.000 exemplares, em média. O domínio infantil tende a ressentir-se de falta de propostas de publicações, facto que se revela também no campo da procura deste género literário.

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Moradia estudantil Estudantes tanzanianos benefiaciados página 3

Pirataria na música

Lei da poligamia

Cresce o número de homens que opta pela circuncisão clínica ou científica. Como preservar as tradições do rito tradicional apesar das mudanças?

Artistas criticam o crescimento da pirataria em Moçambique. A polícia diz que trabalha em conjunto com eles e sugere aumentar a repressão à ilegalidade fiscalizando músicos.

O debate por uma lei contra a poligamia em Moçambique chegou a um impasse na Assembléia do Povo: defender as tradições culturais ou os direitos humanos?

Actores criticam falta de espaços teatrais e cobram política pública

páginas 4 e 5

Docentes podem ter aumento Lei da probidade não atinge professores page 16

Foto: divulgação

Circuncidados

Cultura em xeque Não se vive de arte em Moçambique

Leia Langa, da Casa da Cultura, diz em entrevista que é difícil ajudar quem não tem interesse Por Célia Sitoe, Cristina Ndlate, Rute Langa, Ilauda Manala Secção de Cultura O teatro moçambicano está em crise. Entre as principais dificuldades, duas são destacadas pelos artistas: a falta de espaço para a apresentação das suas obras e a fraca adesão do público, que desestimula os produtores. A título de exemplo, o Coordenador do grupo teatral Girassol, Joaquim Matavel, explica que o número reduzido de casas para espetáculos é um dos calcanhares-de-aquiles do teatro, embora o seu grupo nunca tenha deixado de fazer o que mais gosta devido por causa disto. ‘‘É preocupante visto que os grupos precisam de um lugar para os ensaios para além de apoio financeiro. Existem a Casa da Cultura e a Casa Velha que dão muito suporte aos grupos amadores”, explica. Já para o académico e actor, Dadivo José, a maior dificuldade de se fazer teatro no país não é a inexistência de salas. ‘‘Ter apenas três salas não é suficiente. Mas há que se olhar para outros aspectos, como é o caso da publicidade. Para todo produto que se pretende vender é preciso que os potenciais compradores saibam da sua existência e isto só pode ser efectivado se os meios de comunicação derem visibilidade aos espectáculos através da publicidade e da publicação de notícias e reportagens

referentes aos eventos teatrais’’, disse. Leia Langa, da Casa da Cultura, uma instituição tutelada pela Direcção de Educação e Cultura da Cidade de Maputo, diz que é difícil ajudar o teatro já que os próprios grupos não se mostram disponíveis. ‘‘Não é por falta de espaço que o nosso teatro esta a passar por estas dificuldades, mas sim por falta seriedade por parte dos próprios grupos. A Casa da Cultura costuma apoiar um grupo interno, mas neste ano isto não existe por que simplesmente as pessoas deixaram de vir ensaiar, com a desculpa de não terem tempo, o que complica querer ajudar aqueles que não se mostram interessados’’, referiu. Contudo, Leila Langa diz ter as portas abertas para qualquer grupo que solicitar apoio e espaço para ensaiar e para construir novos grupos teatrais sólidos e coesos. ‘‘Este ano já apoiamos mais de quatro grupos. Quem vem à Casa da Cultura e preenche os requisitos,com certeza recebe o apoio no que for possível, mas não podemos fazer muito pelos que não querem se aproximar,’’ salientou. A falta de uma associação que sirva de interlocutora válida entre os fazedores do teatro e o governo é vista por alguns actores sociais como sendo um obstáculo para evolução desta arte no país. ‘‘Trinta e oito anos após a indepedência Moçambique ainda não

possui um organismo válido que possa ser isento e independente, com os seus estatutos próprios e regulamentos, para viabilizar o teatro e possibilitar o seu desenvolvimento no país’’, explica Dadivo José. Gércia Mahungue, estudante e amante de uma boa peça teatral, acredita que é impossível falar-se de um teatro verdadeiramente moçambicano sem que os próprios fazedores sentem para conversar. ‘‘Os produtores teatrais primeiro precisam se unir para pressionar o governo a criar condições para que o teatro seja visto como uma actividade económica. É necessário que as universidades continuem a ensinar o teatro, para que exista um pensamento rigoroso e profissional da actividade teatral’’, salientou Mahungue. A Escola de Comuniação e Artes (ECA) da UEM, que tem nas artes cênicas um dos seus ramos principais, acolheu no princípio de maio um seminário com objectivo de liderar uma iniciativa para promover a constituição de uma Associação de Teatro que possa, pela primeira vez na história do país, ser a mediadora imparcial entre os seus vários associados e regular um programa de actividades que assegure aos grupos um mínimo de condições para a prática continua da interpretação. A ECA oferece, desde 2008, o curso superior de teatro, tendo graduado no ano passado o primeiro grupo, composto por onze estudantes. Foto: divulgação

Atores e produtos de teatro em Moçambique tentam criar associação para representar os seus interesses no mercado.

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Apesar das dificuldades, artistas lutam para estar no palco.

“Solução para o teatro moçambicano passa também pela educação” O académico e actor Dadivo José acredita que para melhorar o estágio do teatro moçambicano e aumentar a adesão do público é preciso que se trabalhe na base, pois daí é possivel educar as crianças, desde a infância, a contemplar “e a gostar das artes”. No entendimento dele, só depois disso é que os grupos poderão exigir a adesão do público. ‘‘Se houvesse a possibilidade de incluir o teatro na educação básica das crianças seria uma valia. Se o teatro fosse valorizado como é o caso das aulas de educação física, onde as crianças apreendem a importância da prática do desporto, com certeza elas iram crescer com a ideia da necessidade e impacto das artes cênicas na vida social’’, referiu. Nene Matola, actor e estudante da ECA, acredita que a existência de uma Escola Superior que lecciona o curso de teatro é uma mais valia e mostra a necessidade de educação, na medida que ‘‘os grupos já não se formam somente por amizade. Agora existe técnica e cuidados específicos para se trabalhar. Eles já percebem a necessidade de formar os seus elementos, para poderem competir no mercado, levando ao palco moçambicano uma nova abordagem’’, disse. Já o Coordenador do grupo teatral Girassol, Joaquim Matavele, diz que outra forma de trazer o público à arena teatral é promovendo festivais que incidam directamente sobre as questões sociais. ‘‘O grupo teatral Girassol promove anualmente o Festival Teatro de Inverno, que durante cinco finais de semana mostra o que de melhor se faz em termos de teatro amador. Isto acontece há cerca de 10 anos’’, refere Matavele. Ele acrescenta que o Festival de Inverno não

abrange apenas os grupos amadores, mas todos que estiverem interessados em participar e divulgar suas obras a um preço acessível. Apesar de todas as dificuldades, o actor da Companhia Teatral Gungu, Horácio Guambe, considera o estágio actual do teatro positivo, pois cresce o número de grupos teatrais e a vontade de divulgar. “Estar na boca do povo e não mover multidões é frustrante para a classe teatral, já que no país existe uma série de problemas sociais que merecem detaque nos palcos”, explica Guambe, para depois acrescentar que ‘‘até agora no teatro moçambicano sobrevive quem é antigo.’’ “Temos que ver até que ponto e quais são essas multidões. O teatro, ainda que seja uma arte popular, continua a ser conotado como a arte da elite. Há a percepção de que não se pode patrocinar a arte da elite, mas sim das massas, para poder vender mais,’’ explicou. Dorquinha Jaime, atriz do grupo Kensane, acredita que para trazer o público ao teatro é preciso que mude-se a mentalidade de que o espetáculo é feito para as elites, já que a sociedade tem a concepção de que quem assiste as peças teatrais “são pessoas economicamentes estabelecidas e que não têm mais nada a fazer da vida”. ‘‘Podemos perguntar o que é feito das salas de espetáculo que antes pertenciam ao Estado e que agora estão paradas, como é o caso do Cinema Império e do Olímpia, que hoje foram transformados em Igrejas. Quem deve responder a estas questões são as autoridades que tutelam a cultura no país, para que as pessoas sintam-se motivadas a ir assistir as peças teatrais num espaço confortável’’, salientou Horácio Guambe.

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Ausência de frequentadores de galerias aponta necessidade de estímulo público Artistas plásticos buscam o artesanato como forma de subsistência. Preços dos quadros, pouca divulgação e falta de hábito estariam dificultando participação Por Cláudia Saimone, Suméia Cassimo, Mirna Chitsungo, Bertília Banze. Secção de Cultura Artistas de Moçambique estão a abandonar as suas raízes em busca de alternativas para sobreviverem. A informação é de Eusébio Mpelo (leia entrevista abaixo), artista plástico e escultor. Ele diz que a desvalorização das artes no país, quer no consumo, quer na própria produção, tem levado à fabricação excessiva de artesanato para a subsistência. “Fazer quadros e esculturas acarreta custos elevados que não se adequam à realidade”. “É notória e lastimável a fraca participação da sociedade moçambicana nas exposições artísticas, o que tem criado um sentimento de não reconhecimento. A sociedade não olha para nós como pessoas de valor, de tal modo que nem se preocupa em perceber a mensagem que as nossas obras transmitem”, disse. Mpelo realçou ainda que o Ministério da Cultura pouco faz para ajudar os artistas na promoção, reconhecimento e valorização dos seus produtos. E nem tem dado ajuda em termos de compra dos materiais necessários para a produção das suas obras. Por sua vez, o director nacional de Promoção de Indústrias Culturais, Emanuel Dionísio, afirma que um dos motivos que leva a sociedade a não participar nas exposições são os elevados custos de venda das obras. “Os artistas produzem a pensar na classe média e alta, excluindo deste modo a maior parte da sociedade que é da classe baixa (leia texto ao lado). É preciso fazer a um preço que se adeque à realidade moçambicana, mas isso é difícil, porque o próprio artista trabalha de forma individual, apesar de o Ministério ajudar no reconhecimento, ao abrir espaços para exporem as suas obras, divulgando-as nacionalmente e internacionalmente”, frisou. Emanuel Dionísio afirma ainda que o mi-

nistério tem contribuído na formação dos artistas, fazendo análise de projectos apresentados e também incentivando exposições nos bairros e nas escolas. “O artista deve promover o seu trabalho, expandindo-o por todos lugares, indo fazer exposições e explicando às comunidades a importância das artes, de modo a criar um espírito de gosto pelas artes por parte da sociedade ”, acrescentou. SEM DINHEIRO Zaira Domingos, doméstica, aponta dificuldades para a compra das obras artísticas. Ela afirma que a vida em Moçambique não é fácil. Zaira diz ainda não sobrar algum valor para a compra. “É difícil adquirir um quadro, tendo em conta o nível de vida que levamos. O salário é de 2,5 a 3,5 mil meticais, e isto não chega a um terço do valor que custa um quadro. Por isso, poucos têm vontade de participar numa exposição de artes plásticas. Daí que se verifica uma desmotivação por parte da sociedade para assistir a essas exposições sem dinheiro. Não vale nada eu apreciar se não posso ter. E o local onde são feitas as exposições não são para pobre como eu, mas sim para ricos”, disse. Para Julieta Massimbe, directora do Museu Nacional de Arte, os que mais participam das exposições, por curiosidade, são os estudantes. Mas em termos de aquisição são coleccionadores de obras, muitas vezes sob o mandato de alguma instituição, como o caso dos bancos. “A cultura de ter uma obra artística em casa ainda está a ser cultivada pela sociedade moçambicana. Mesmo os artistas ainda não são valorizados devidamente”, afirmou Massimbe. Apesar da fraca participação dos moçambicanos nas exposições, Julieta Massimbe diz que as artes em Moçambique estão em vias de desenvolvimento, destacando duas modalidades: a pintura e a escultura.

A arte da sobrevivência Eusébio Mpela, da Associação de Escultores de Arte Maconde, critica o governo e diz que muitos artistas só conseguem ter o que comer porque passaram a fazer pequenos artesanatos 6 oespecialistatabloide.indd 6

“Os artistas estão cada vez mais a desenvolver uma alta capacidade de criatividade em obras com base na cerâmica, fugindo daquilo que era o habitual onde cingiam-se apenas em produzir obras tradicionais. No que se refere à pintura, tem-se verificado grandes inovações. Além do uso do óleo e acrílico, tem-se usado outros materiais que contribuem para a melhoria desta modalidade. E já trazem uma mensagem, muitas vezes educativas e relacionadas à cultura”. Como forma de incentivar os artistas a trabalharem mais, o Museu da Arte tem feito exposições, muitas vezes de carácter competitivo. Elas envolvem obras de vários artistas, com a finalidade de fazer troca de experiências. Quando o artista consegue vender várias obras, ele pode fazer uma exposição individual. “DINHEIRO FÁCIL” Discordando das declarações dos representantes do Museu Nacional da Arte e do Ministério da Cultura, João Paulo Bias, pertencente ao Núcleo de Arte, diz que as artes plásticas em Moçambique estão numa situação muito triste. “É lastimável, não há artistas expandidos ao longo dos país, diferentemente de outras artes como a dança e a música. Mas essa concentração deve-

“O Ministério não tem feito nada por nós, para além de usar as nossas obras para enfeitar eventos em que se fazem presentes dirigentes de fora. Isto na tentativa de criar uma imagem de uma Moçambique com o gosto pela arte, que não existe” Quem o diz é Eusébio Mpelo, 36 anos, representante da Assema (Associação de Escultores de Artes Maconde). Natural de Cabo Delgado, ele afirma que ingressou no mundo da arte em 1998 e que aprendeu com os mais velhos a produzir as obras de escultura maconde. Hoje, ele pratica o

artesanato para a sobrevivência. O que foi que fez com que parasse de se dedicar à escultura Maconde? É que ao longo desses anos, fui aprendendo mais, descobri novos talentos em mim. Vi que fazer a arte vai além do que eu produzia, vi que a arte envolvia muita criatividade. E a dado momento que ia trocando experiências com outros artistas, acabei ganhando paixão por vários tipos de escultura para além da maconde. Mas mesmo com essas descobertas eu ainda faço obras com base maconde, não me desliguei totalmente dela.

“É difícil comprar um quadro, tendo em conta o nível de vida” Zaira Domingos Doméstica Maputo

“Não é possível viver de arte... ganhamos para sobreviver” Eusébio Mpela Escultor Asseba

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Foto: reprodução | divulgação

Director de Promoção de Indústrias Culturais critica postura dos artistas O Ministério da Cultura mostra-se preocupado com a fraca presença dos moçambicanos nas exposições de artes plásticas. Para minimizar o problema diz estar em parceria com o Mileninium Bim de forma significativa no processo da valorização das artes. Afirma ainda estar a redobrar esforços para mudar a mentalidade dos artistas, e para tal incentivaria talentos a fazerem sua exposições nas comunidades e escolas, para ensinarem o significado e o valor das artes, incutindo na mente das crianças a importância desta expressão cultural. Emanuel Dionísio, Director Nacional de Promoção de Indústrias Culturais, afirma que o ministério ajuda os artistas na promoção e divulgação das sua obras através de exposicões nas feiras populares e de gastronomia do Fundac (Fundo do Desenvolvimenro da Cultura). Para além dessas ajudas, o ministério afirma que investe na formação dos artistas. “O Ministério apoia os artistas que apresentam seus projectos dando financiamento caso sejam aprovados. Quanto à compra do material para a produção das obras, diz respeito somente ao próprio artista, cabe a ele conseguir isto e nós somente abrimos as portas, dando espaço para expor o seu trabalho. Deve-se realçar que isso não é só feito a nível da capital, mas também para o resto das provincias. É uma das formas de evitar exclusão de alguns artistas, o que significa que estamos a abrir novos horizontes”. Emanuel Dionisio afirma que para além da falta de

-se à dificuldade que as artes plásticas enfrentam para a sua expansão. Por exemplo, é fácil expandir a música através dos meios de comunicação, principalmente da rádio, que é mais abrangente, mas com uma obra de arte isto não é possível”. Para ele o que acontece é que há falta de gosto pelas artes: “Eu diria que ainda não entendem desta prática, isso deve-se à falta de conhecimento, de tal modo que estamos a trabalhar numa revista cultural. Tem muitas obras de Malangatana em Portugal e muitos viajam até lá para apreciar o nosso património. Esses sabem dar valor ao trabalho dos artistas do nosso país. O que acontece em Moçambique é que o governo apoia projectos que ganham dinheiro fácil”, disse. ARTE PARA A ELITE Para Jaime dos Santos, revisor técnico da Revista Cultural do Núcleo de Arte, o que faz com que as obras de arte estejam a um preço elevado é o facto de a sociedade moçambicana encontrar-se numa economia de mercado muito exigente, isto é, capitalista. “Actualmente nos encontramos numa sociedade terrivelmente capitalista, dinâmica e globalizante. Um artista que pinta um quadro hoje, é igual a uma empresa que vende um barril de petróleo.

Foto: Mirna Chitsungo

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Com isto estou a querer dizer que o capitalismo é o que propicia estes preços elevados, porque o custo de produção também é elevado, e o preço destes tem de justificar os custos de produção.” Ele refuta a ideia de que a sociedade não tem o conhecimento das artes. “Não é verdade que as pessoas não conheçam a arte, a sociedade conhece a arte. O problema é o local onde são feitas as exposições. Os artistas não levam as suas obras até a maioria da sociedade, mas sim à minoria, que é a classe alta.” “O artista devia levar as suas obras para Mafalala, Chamanculo, Xipamanine, Maxaquene, entre outros bairros e sem se esquecer dos distritos, porque é la onde mora o povo. O Instituto Camões, a Mediateca do BCI, são locais frequentados pela elite e o pobre tem receio de lá se fazer presente”, acrescentou o revisor. Maputo conta com sete galerias, nomeadamente: Casa da Cultura do Alto-Maé, Centro Cultural Brasil-Moçambique, Centro Cultural Franco Moçambicano, Mediateca do BCI, ICMA (Instituto Cultural Moçambique Alemanha), Instituto Camões, Núcleo de Arte. Estas têm facilitado o intercâmbio entre artistas nacionais e estrangeiros através de exposições de obras de arte, workshops, palestras e debates, abrindo espaço de aproximação entre o público e as artes plásticas.

Como artista plástico, qual é a avaliação que faz do estágio actual das artes plásticas em Moçambique? A situação actual das artes no país é lastimável, pois ao invés de crescer, a prática da arte está a decrescer. Isto porque as artes no nosso país estão colocadas no último plano, o Ministério da Cultura é o dos últimos a ser recordado neste país. Não está a ser dado o valor que merecem. Olha que as plásticas são muito importantes para uma comunidade, mas na sociedade moçambicana

actual estas perderam o seu devido prestígio, de tal modo que, se fores a fazer uma exposição, são poucos os que irão, o que faz com que nos sintamos desvalorizados. Já agora esses poucos que aparecem das exposicões quem são? Os que mais se interessam, tanto nas exposições como no consumo das obras, são os estrangeiros, o que significa que a nossa própria sociedade aparece em menor número. O que será que está por detrás desta fraca participação dos moçambicanos nas exposições

conhecimento por parte da sociedade sobre a importância das artes, há também o que chama de banalização, “o mau comportamento dos artistas plásticos, que têm conduta não satisfatória. “Por questões éticas não vou citar nomes, mas a maior parte dos artistas plásticos aqui em Moçambique não tem uma postura exemplar como cidadãos, andam nas barracas bêbados e drogados. Não digo que não existam figuras exemplares nas artes, aquelas que a sociedade pode seguir, claro que existem artistas lúcidos, mas infelizmente a maior parte não tem dado esse bom exemplo. Muitos produzem obras até educativas, mas o comportamento deles não retrata aquilo que são as suas obras e é o que pode desmotivar a sociedade a assistir as exposições”, afirma o responsável pela Directoria Nacional de Indústrias Culturais.

“São bêbados... não têm postura de cidadãos exemplares; mas é claro, há os lúcidos” Emanuel Dionísio Director de Promoção de Ind. Culturais Ministério da Cultura

Foto: Ricardo Fontes Mendes

Os traços marcantes de Malangatana expressos em dezenas de obras expostas ao redor do mundo são referências de talento e reconhecimento do público

O Especialista

Artista artesão trabalha na FEIMA: esforço diário para ganhar o suficiente para viver.

artísticas? Parto do princípio de que o custo de vida é muito elevado aqui no nosso país, e existem pessoas que recebem um valor muito inferior ao preço do quadro. Neste caso, a prioridade é para aquilo que são as necessidades básicas. Estou a falar da alimentação, educação dos filhos, energia água, entre outras necessidades. Claro que essa pessoa não irá dar pri oridade à compra de uma obra de arte. A família e as necessidades que ja mencionei são mais importantes.

Com quantos membros conta a Assema? O Assema conta com 25 artistas, mas devo frisar que cada um destes trabalha de forma individual, embora todos trabalhemos buscando inspiração na arte maconde. Porquê é que diz que praticam o artesanato para a sobrevivência? Não é possível viver de arte. Acabamos produzindo estas pequenas obras de artesanato para podermos vender o mais rápido possível e com isto ganharmos algum valor para sobreviver.

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O Especialista

Ilegalidade controla acesso de músicos ao mercado consumidor Artistas criticam colegas que defendem a distribuição ilegal de CDs, comparando o crescimento da venda de cópias irregulares a “dar um tiro no próprio pé”, o que inviabilizaria o mercado

Carmen Mutisse, Natércia Luísa, Dule Alexandre. Secção de Cultura “A falta de editoras oficiais no país, que seriam responsáveis pela distribuição e promoção da música no mercado, contribui para o aumento da pirataria”. A afirmação é do músico moçambicano Hortência Langa. Ele acrescenta ainda que os piratas são os únicos que têm a possibilidade de colocar música no mercado. O produtor Shico Fortuna explica que a pirataria discográfica é um problema difícil de ser controlado. “A cada dia que passa cresce o número de bancas de venda de material discográfico ilegal. Para que o combate à pirataria tenha efeito é necessário reestruturar a indústria e as editoras discográficas no mercado”. A polícia, no entanto, diz que tem trabalhado com os artistas para reprimir o crime (veja texto nesta página). Músicos e produtores lutam contra este fenómeno que, na opinião de muitos, degrada a indústria cultural e destrói o esforço dos fazedores da música em Moçambique. Entretanto, não há consenso. Gente como o compositor Azagaia defende as cópias irregulares (leia na página ao lado). Langa e Shico discordam: “os músicos que assim pensam tem uma visão errada, mas compreende-se, se olharmos para a conjuntura nacional e como funciona o negócio da música em Moçambique”. Ele diz ainda que

Foto: Ricardo Fontes Mendes

a pirataria é negativa também porque não deixa a indústria criativa se desenvolver. O mesmo fenómeno faz com que os produtores não ganhem e o Estado não colete os impostos que a tem direito. Por outro lado, o público consome música em gravações de má qualidade. “Quem apoia a pirataria são pessoas que dão um tiro no seu próprio pé, impedindo o desenvolvimento da indústria discográfica e o seu crescimento como artista”. Questionados sobre o papel da Sociedade dos Autores Moçambicanos (SOMAS) no combate à pirataria, eles afirmam que a organização tem trabalhado na mobilização da sociedade, através da expansão de mensagens sobre os malefícios da pirataria. A Federação Internacional da Indústria Discográfica (IFPI) tem apelado para a intervenção dos governos de todos países no combate a pirataria na internet, já que o negócio de música continua a perder, apesar dos esforços das editoras. A IFPI responsabiliza as autoridades e cobra um combate efeitivo, através da criação de uma legislação específica contra a pirataria na Web e no mercado. China, Espanha, França, Itália e Brasil são responsáveis por mais de 50% dos sotwares piratas no mundo, de acordo com a Entertainment Software Association (ESA). O estudo da entidade aponta ainda que 33 países não t6em leis adequadas de proteção à proprietade intelectual. Foto: MorgueFile

Pequim, na China, é o um dos paraísos da pirataria com produtos de todos os tipos comercailizados com a autorização do governo.

Polícia sugere que o Estado combata a pirataria fiscalizando músicos também A polícia de Moçambique não divulgou estatíticas de números de CDs apreendidos. Foto: Ricardo Fontes Mendes

Pirataria internacional copia marcas mundialmente conhecidas no mundo da moda.

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Segundo o porta-voz do comando geral da polícia municipal do Distrito Kapfumo, Joshua Lai, a polícia tem trabalhado em paralelo com a Associação dos Músicos Moçambicanos para a fiscalização dos discos vendidos na cidade de Maputo, em particular na Baixa, Avenida Eduardo Mondlane e no Xiquelene. Estes locais são considerados onde as empresas clandestinas fabricam e distribuem os discos pirateados.

Quanto aos resultados da fiscalização, embora não tenham sido apresentado dados estatísticos, Joshua Lai, afirmou que estes não estão a ser cem por cento positivos, porém tem despertado a atenção daqueles que fabricam e vendem discos pirateados a desistirem de produzir CDs de forma clandestina, sem pagar os direitos de autor e sem possuírem nenhuma licença para trabalhar no mercado discográfico moçambicano.

Para Joshua Lai, a pirataria discográfica tem sido um dos casos mais delicados da polícia municipal. Para eliminá-la, as autoridades dizem que têm trabalhado para que a própria associação possa verificar pessoalmente se os discos são pirateados, após o que eles são apreendidos e queimados.

O porta-voz da polícia municipal do Distrito Kapfumo afirmou também, que a outra forma usada por eles para fiscalizar o mercado da música é identificando os produtores musicais que trabalham de forma clandestina e em locais fechados. Ele sugere que o Estado crie entidades que fiscalizem os próprios músicos.

“Assim o trabalho da fiscalização da pirataria discográfica não seria só da polícia, mas em conjunto com outras entidades governamentais”, explica. A PRM (Polícia da República de Moçambique), segundo o portal do governo de Moçambique, está a intensificar a sua ofensiva contra a pirataria, tendo recolhido e destruído mais de dois mil discos compactos e DVDs em três províncias do país, nos últimos dias. O porta-voz do comando geral da Polícia da República de Moçambique, revela que o material recolhido pertence às províncias de Gaza, Maputo e Tete, cuja acção foi realizado em vias públicas e em estabelecimentos comerciais. em áreas de grande movimento .

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O Especialista

Azagaia vê lado positivo no crescimento da pirataria no país

50% da piratira está

Internacionalização fácil é um dos aspectos destacados pelo cantor que critica o trabalho realizado pelas editoras Foto: Divulgação/ Cheyenne Recording Studios Studios

em 5 países

O músico Azagaia: o compositor já usou a internet para fazer distribuição gratuita de suas criações sem cobrar nada dos usuários.

By Reporter Name Technology Correspondent

“A falta de seriedade é o que faz a editora perder” Azagaia Músico Moçambique

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Carmen Mutisse, Natércia Luísa, Dule Alexandre. Secção de Cultura

O músico de intervenção social, redactor publicitário e activista dos direitos humanos Edson da Luz, mais conhecido por Azagaia, oferece o seu ponto de vista ao jornal “O Especialista” sobre a pirataria. Azagaia disse não ter uma opinião formal a respeito das vantagens ou desvantagens da pirataria para os artistas e produtores musicais, mas acrescentou que a reprodução e venda ilegais têm um lado mau e bom. Em qualquer lugar encontramos pessoas a venderem discos musicais, maquetes entre outros produtos, o facto é que, este material é reproduzido de 1 para cerca de 100 ou mais discos e são distribuídos para dentro e fora do país, a um preço muito baixo. Questionado se ele compra ou não os discos pirateados, azagaia respondeu lançando, “ risos”, “eu particularmente compro filmes pirateados todas as semanas pAra me deliciar ao longo do final de semana, com uma tijela de pipocas ao lado”. Azagaia afirma que os músicos acabam por ganhar um benefício pois suas músicas são levadas além-fronteiras de forma rápida e

fácil, permitindo assim que eles se tornem conhecidos internacionalmente e desta forma se abre um espaço para uma interacção entre os mesmos. “As discográficas têm estado a lutar para combater a pirataria no país, mas a falta de seriedade das empresas distribuidoras faz com que as editoras percam o seu campo de mercado, porque os músicos acabam por aderir à pirataria como uma forma de fazer sobreviver o seu trabalho. Os músicos também querem obter lucro com esta arte, quem não quer se tornar milionário com música? Isso acontece nos países desenvolvidos”, disse Azagaia. A SOMAS (Sociedade Moçambicana de Autores), tem efectuado campanhas a sensibilizar a sociedade para não comprar os discos pirateados. Televisões, rádios, bem como a PRM (Polícia da República de Moçambique) também não ficam indiferentes à causa. A acção mais visível da polícia é a patrulha pelas ruas da cidade: quando encontram discos pirateados eles recolhem a mercadoria de imediato e queimam. De acordo com o artista, algumas televisões e rádios apoiam a música moçambicana promovendo em seus recintos eventos de lançamento e venda de discos originais, com a presença dos autores que os autografam.

Em frente ao Polana Shopping, vendedores de produtos piratas oferecem CDs.

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O Especialista

“Moçambique não valoriza talentos em jogos escolares” Atleta coleccionador de medalhas conta como a falta de estímulo quase o fez abandonar o desporto Tânia Pereira, Flavio Chitsondzo, Orbai Nobre. Secção de Desporto. Salvador Maxiamo, 23 anos de idade, atleta e técnico superior de educação física, participou dos jogos escolares em 2007, quando conquistou a medalha de ouro na prova de lançamento de peso. Ele já levou para casa mais de trinta medalhas nacionais e internacionais. “Entro na esfera desportiva em 2007, quando representei a Província de Gaza na prova de atletismo nos jogos escolares que se realizaram na Província de Sofala. Fui descoberto por um treinador cubano no distrito de Chibuto, minha terra natal, que me incentivou a participar dos jogos escolares.” Salvador Maxiamo praticou basquetebol e handebol, mas como existiam muitos atletas foi obrigado a escolher o atletismo como alternativa. Na nova modalidade obteve boa classificação nas provas provinciais, o que lhe possibilitou participar na fase nacional dos jogos escolares. Maxiamo afirmou que nos escolares os atletas são obrigados a participar de todas as provas desta modalidade, como forma de identificar qual é o potencial dos alunos. O campeão do lançamento de peso, afirma que os jogos escolares são uma excelente iniciativa para a descoberta de novos talentos nas várias modalidades que se realizam, mas lamenta igualmente por não existir uma entidade e profissionais in-

teressados em ajudá-los a construir uma carreira de alta competição. “Foi triste o que aconteceu comigo depois da realização dos jogos escolares. Não tive mais oportunidades de praticar atletismo por falta de clubes para me filiar na

“Foi triste o que aconteceu comigo depois dos jogos” “Hoje, se ainda estou no atletismo é graças à minha persistência” Salvador Maximiano Técnico de Educação física Clube Desportivo Matchedje

província de Gaza”, disse.

“Não me considero uma descoberta dos jogos escolares, mas sim de um treinador que me viu treinar em Chibuto e me incentivou a praticar exaustivamente desporto. Aconselhou-me igualmente a investir nos estudos”. A estrela critica o facto dos clubes, treinadores e empresários não assistires as provas de atletismo nos jogos escolares. Salvador Maxiamo considera que as competições estudantis só podem produzir novos talentos para a alta competição se os clubes forem envolvidos nas provas, desde a realização da fase distrital, provincial até a nacional. A inexistência de clubes desportivos para que os atletas tenham possibilidade de possuir um acompanhamento de um treinador preocupado em desenvolver as suas habilidades é outro factor que considera de extrema importância. “Hoje, se ainda estou no atletismo é graças a minha persistência, depois da conquista da medalha de ouro nos jogos escolares, continuei a treinar embora sem clube durante dois anos na província de Gaza”. Maxiamo, em 2009, ingressou na faculdade de ciência e desporto da UP na cidade de Maputo, o que lhe possibilitou fazer parte, pela primeira vez, de um clube. Agora, é atleta do Clube Desportivo de Madjedje na prova dos quatrocentos metros e tem na sua prateleira, trinta e quatro medalhas conquistadas, das quais quatro foram em competições internacionais, sendo uma de ouro, duas de prata e uma de bronze.

Fotos: Tânia Pereira

Salvador Maximiano é atleta do Clube Desportivo de Matchedje na prova dos quatrocentos metros e tem na sua prateleira 34 medalhas conquistadas, das quais quatro foram em competições internacionais, sendo uma de ouro, duas de prata e uma de bronze. 10 oespecialistatabloide.indd 10

Ministério diz que apoia Arrancou em abril em todo o país a fase provincial dos jogos escolares, que tem como objectivo a descoberta de novos talentos e a massificação da prática do desporto. A competição terá como ponto alto a fase nacional em junho do ano em curso. Segundo Luís Amiel, chefe do Departamento dos Jogos Escolares do Ministério da Educação (MINED), neste momento estão sendo disputadas as provas provinciais nas modalidades de futebol, ginástica, handebol, basquetebol, voleibol, xadrez, atletismo e jogos tradicionais. Luís Amiel disse que nesta edição dos jogos escolares foram introduzidos os jogos tradicionais, como forma de valorizar a cultura moçambicana. Entre as modalidades estão: neca, tchuva, muravarava, salto a corda na ginástica e participação dos deficientes nas modalidades de ginástica e atletismo. Amiel acrescentou que os jogos escolares têm sido uma grande valia no desporto nacional na descoberta de novos talentos para ingressar nas competições de alto nível. “ São muitos os atletas que estão a disputar em altas competições em diversas modalidades e que foram descobertos nos jogos escolares”. O responsável pelas provas avançou ainda que o MINED tem como função a descoberta de novos talentos, a integração destes nos clubes já não cabe à Educação, mas sim ao Ministério da Juventude e Desporto que se encontra representado na equipe técnica dos jogos escolares, através do Instituto Nacional do Desporto. “Os clubes não absorvem os talentos descobertos nos jogos escolares, a maior parte acaba por não ingressar por falta de oportunidade. O MINED tem solicitado a comparência dos clubes nas provas realizadas nas escolas e a competições nacionais, mas são poucos os clubes que comparecem”. Para Amiel , a maior parte dos clubes do país não possui a formação de atletas por exiguidade financeira. Para inverter este cenário, o Ministério da Educação em parceria com o Ministério da Juventude e Desporto estariam a criar dois centros de treinamento, um na zona norte e outro na zona centro do país, uma vez que a zona sul já tem um no distrito de Namaacha. Por seu turno, Ângelo Mucavele treinador de atletismo no clube desportivo da Universidade Pedagógica (UP) afirma que os jogos escolares têm revelado novos talentos na modalidade de atletismo, mas eles não chegam aos clubes por causa da rivalidade entre os professores de educação física e treinadores. Ângelo Mucavele disse que o Ministério da Educação tem envolvido os treinadores dos clubes desportivos nos jogos escolares na fase preparativa, no que diz respeito a questões técnicas, mas na procura de novos talentos os treinadores são excluídos. Ele afirma ainda que os treinadores têm tido oportunidade de assistir os treinos dos atletas e as provas entre as escolas ao nível províncial, onde há oportunidade na caça de novos talentos para os clubes. Para Ângelo Mucavele a busca de novos nomes na modalidade do atletismo não tem sido tarefa fácil, porque não é permitido pelos professores de educação física a conversa entre alunos e treinadores. Ângelo Mucavele disse igualmente que os professores de educação para além de não deixarem os alunos conversarem com os treinadores, os alunos são proibidos de se filiarem aos clubes depois da participação dos jogos escolares o que faz com muitos talentos se percam por falta de uma preparação.

Para Luis Amiel, quem tem que levar novos levar atletas para os clubes é o Ministério do Desporto. Ele é do Minsitério da Educação.

Para o treinador Ângelo Mucavele, a falta de diálogo entre professores e técnicos dificulta a promoção de novos talentos.

“Eles não chegam aos clubes por causa da rivalidade entre atletas e profesores” Ângelo Mucavele Treinador na Universidade Pedagógica Jurista

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O Especialista Foto: MorgueFile

Apesar de reconhcer o aumento da segurança no procedimento, há quem tema que parte da cultura local esteja se perdendo.

Antropólogo defende circuncisão clínica fundida a ritos tradicionais Dércia Melito, Matilde Muimela, José Luis Chichongue. Especial.

Apesar da mudança de comportamento dos homens que trocam cada vez mais o método tradicional de circuncisão pelo científico, realizado por um médico, em algumas zonas do país ainda prevalece a forma antiga de intervenção. É assim nas províncias da região norte do país, como Cabo Delgado, Niassa e Nampula. Nestes locais, a retirada do prepúcio dos rapazes acontece através dos ritos de passagem, como explica o antropólogo Chomulo Guena. “Antigamente, a circuncisão era feita nas comunidades no processo de ritos de iniciação. Com a migração do método tradicional ao científico, muita coisa muda. Os anciãos ensinavam os jovens a lidar com as questões culturais da sociedade a qual pertencem e este momento era considerado como uma fase importante de transição”. O rito visava essencialmente a integração social e cultural do indivíduo, permitindo que reunisse múltiplas influências do seu meio para em seguida integrá-las na sua maneira de pensar, de agir e de se comportar. Quando o método da circuncisão tradicional é deixado de lado, ainda segundo o antropólogo, ficariam para trás a transmissão de valores importantes dos mais velhos para os mais novos. “De certa forma esse rompimento afecta a vida sociocultural de Moçambique, pois se o jovem antigamente era ensinado a lidar com os problemas que poderiam advir futuramente, isto acaba atingindo a convivência no seio da comunidade”, disse Chomulo. Ele reconhece que a circuncisão, além de passar valores culturais através dos ritos de iniciação, traz vantagens para a saúde da pessoa que busca um atendimento clínico especializado. “O método clínico é eficaz à medida que foi comprovado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que a prática reduz 60% dos riscos de infecção. Mas acredito que no caso concreto de Moçambique o método

científico tinha que buscar do tradicional aqueles valores culturais que eram transmitidos. A pessoa saindo da circuncisão tradicional fica sabendo do seu status na sociedade, o que não acontece na actualidade”. “Os casos de circuncisão clínica estão crescendo devido às campanhas levadas a cabo pelos profissionais de saúde”, disse Sandra Neves, enfermeira do Hospital Geral da Machava. Segundo Sandra a circuncisão é uma

“O científico tinha que buscar o tradicional” Chomulo Guena Antropólogo Moçambique

cirurgia para cortar o prepúcio circularmente. É o tecido que cobre a glande do órgão sexual masculino. A operação é rápida e simples, mas mesmo assim tem alguns riscos, principalmente quando é feita sem antes o pcaiente passar pelo profissional de saúde para exames médicos. O método científico poré indicado a partir do momento em que o paciente apresenta dificuldade na erecção causada pelo anel fimótico, limitando a relação sexual por dor local. A intervenção é recomendada ainda nos casos de crianças que começam a ter dificuldade para urinar, por exemplo. Se o procedimento é feito sem o aconselhamento de um

profissional, ele pode gerar complicações, causando grandes hemorragias. Os agentes de saúde têm alertado também que a circuncisão ajuda na prevenção das infecções nos rins e nas vias urinárias, reduz o risco de contágio do HIV, no caso de cópula vaginal, previne o cancro peniano e do cólo uterino, doenças de transmissão sexual, diminui o risco de balanite e ajuda na correcção de dificuldades da micção, ou seja, dificuldade na orientação do jacto urinário. Neves disse ainda que é importante que aqueles que ainda não fizeram a circuncisão o façam porque, tem uma finalidade preventiva: impede a acumulação da secreção genital chamada esmegma, no espaço entre a glande e o prepúcio que a recobre o pénis, e quando não for removido, o esmegma torna-se mal cheiroso e campo de cultivo de bactérias, que causam grande irritação e são foco de infecções. POTÊNCIA Ezequiel Mindo, um senhor que praticava a circuncisão masculina, viu-se obrigado a abandonar a sua terra natal Inharrime (Inhambane) para mudar para Maputo. Ele acha que já não vale a pena continuar lá. O motivo: ninguém mais opta pela tradição para realizar a circuncisão. Com 87 anos de idade, o entrevistado afirma que a circuncisão masculina foi a melhor coisa que ele fez na vida. “Eu era apaixonado pelo meu trabalho”. “Antigamente as pessoas eram obrigadas a optar por esta prática por ser uma maneira de retirar o prepúcio que carrega consigo algumas bactérias que podem ser prejudiciais para o próprio homem, assim como para a sua parceira no momento do acto sexual. Mas a maioria deles fazia porque a prática da circuncisão tradicionalmente é o forte do homem, ou seja, deixa o homem mais potente e gostoso no acto sexual.” Mindo afirma que olhava para o seu trabalho como uma forma de ajudar as pessoas, porque antigamente elas viviam em união e solidariedade,

o que não acontece actualmente. “A ajuda resumia-se em colaborar com os outros para cumprirem com aquilo que é a nossa tradição, diferente dos médicos tradicionais (curandeiros) que cobravam um certo valor”. Ele explicou que no inicio não se importava muito com o pagamento, mas mesmo assim todos que ele atendeu sempre faziam uma espécie de troca. O pagamento não era com dinheiro, mas podiam dar-lhe um lata de castanha, uma camisa ou algumas bebidas tradicionais. Quando questionado sobre a introdução desta prática nos hospitais, o entrevistado respondeu que vê algo positivo porque é uma forma de ajudar as pessoas que não acreditavam na segurança do meio tradicional. Em relação aos materiais que eram usados nesta prática ele afirmou que inicialmente usavam faca e depois a tesoura, acrescentando que todo o processo era feito na casa de banho ou num lugar bem distante das residências. Em seguida, fazia-se uma festa para o circuncidado. “Usávamos um pano para cobrir a ferida e por cima colocava-se uma folha da bananeira de modo que não ocorra nenhum problema com o pênis e o menino circuncidado tinha que ficar no mínimo cinco dias de capulana no lugar das calças”, explicou a fonte. Com uma jeito meio longe e triste, o entrevistado disse que actualmente não atende ninguém, acrescentando que antigamente recebia mais de quatro meninos por dia. Mas ja faz quase 7 anos que não é procurado para realizar esta prática. Ele destaca que esta é uma das desvantagens que vê na introdução da circuncisão masculina nos hospitais porque “ela não me era muito rentável, mas o que me era oferecido dava para ajudar em alguma coisa”. Os governos moçambicano e dos Estados Unidos da América (EUA) inauguraram em Maputo, a Enfermaria de Pequenas Cirurgias do Hospital Militar de Maputo, Boane e Mavalane, bem como ao Centro de Instrução Básica da Manhiça e Nampula.

Cresce número de homens que optam por deixar a prática tradicional para diminuir os riscos no procedimento

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O Especialista

Famíliares protestam A falta e transmissão em língua de sinais nas televisões moçambicanas faz com que os deficientes auditivos não se identifiquem com as programações diárias. Agora eles preferem ter um programa específico para deficientes auditivos, que seja feito por eles e apenas para eles, porque nunca viram suas reclamações satisfeitas”, disse Juvenal Cuna, pai de um deficiente auditivo e membro da Associação de Familiares e Amigos de Surdos de Moçambique (AMOFA) . Juvenal Cuna é pai de Berequias Bernardo Cuna, uma criança de 9 anos de idade que adquiriu a surdez gradualmente, após ter padecido de meningite associada à malária e convulsões, quando tinha um ano de idade.Cuna diz que tem exercido muita pressão junto às televisões e ministérios sem ver nenhuma reação da parte de quem tem poder de mudar a essa situação. “Meu filho ainda não enfrenta muitas dificuldades porque é criança, só assiste desenhos animados. Mas eu não deixo de pressionar diante de quem tem poder de mudar essa situação, porque ele está a crescer e tal como os tantos deficientes auditivos espalhados pelo país, ficará totalmente desactualizado do que estiver a acontecer a sua volta e deixará de fazer muita coisa por falta de informação”, disse Juvenal Cuna. “Chega de discriminação, essas pessoas também tem direito não apenas de serem informadas, como também de informar”, disse, Marília Tivane, presidente da AMAFO. A Associação foi criada em 1995 e conta com cerca de 400 membros. Ela tem sede em Maputo. Para além de ser presidente da AMAFO, Marília Tivane é mãe de Marília Xerindza, uma jovem de 22 anos com problemas de audição. Tivane disse que se as televisões fizessem a transmissão em língua de sinais sua filha seria menos deprimida e teria mais opções para se divertir. “Ela só assiste programas de moda, porque não precisa fazer muito esforço para entender a mensagem”. Para além das pressões junto aos Ministérios da Mulher e Acção Social, a associação faz o treinamento de famílias para o uso da língua de sinais por pessoas portadoras de deficiência auditiva.

Mais de 3 milhões de moçambicanos não têm acesso à informação Troca de acusações entre TVM e o Ministério da Mulher e Acção Social dificulta implantação de serviço Por Laque Francisco, Lourino ernesto, Lucinda Alfândega Secção de Política O direito à informação e à liberdade de expressão são tidos pela legislação moçambicana como essenciais para o exercício da cidadania. A informação é um direito fundamental e tão importante quanto os demais e deve ser oferecida igualmente a todos, com objectividade e de modo claro, impessoal e preciso. Embora a televisão seja um veículo constituído por imagens visuais que transmitem parcialmente a mensagem, o essencial dos conteúdos é emitido com base nos sinais auditivos, o que impõe uma barreira para o acesso a informação por parte dos deficientes. O presidente da comissão para assuntos de administração pública, poder local e comunicação social, Alfredo Gamito, admitiu não haver nenhuma acção em curso actualmente para que haja uma lei específica que materialize o direito previsto na Constituição da República. “A Assembleia da República não está a fazer nada nessa matéria, mas estamos a projectar trabalhar com a Escola Especial, articulando actividades que revertam em melhores condições para o acesso à informação”, afirmou. Na óptica do constitucionalista Gilles Cistac, deve se fazer pressão sobre o legislador para que o anteprojecto de lei de revisão da Constituição moçambicana, que deverá ser depositado em outubro do ano em curso, incorpore nos seus artigos preceitos que possam forçar os meios de comunicação a incluir a língua de sinais na veiculação da programação. “Nesta nova lei, deve ser feita pressão para que tenhamos um artigo que

referencie tanto os surdos como os mudos, porque só assim é que pode ser feita uma pressão justa e solene aos meios de comunicação social”, disse. Nos últimos anos, era frequente assistir-se a alguns serviços noticiosos da Televisão de Moçambique com transmissão simultânea em língua de sinais. Trata-se de uma parceria entre o Ministério da Mulher e Acção Social (MMAS) e a TVM. Ela abrangia os programas “Ver Moçambique” e “Jornal da Tarde”. A experiencia foi, entretanto, interrompida no segundo semestre do ano passado. Enquanto a TVM diz que o problema da interrupção é do MMAS, que “criava todas condições necessárias”, o Ministério alega que o problema é da TVM. A emissora diz que o equipamento que permitia a redução na tela da imagem do intérprete está avariado. Emanuel Langa, jornalista e subchefe da redacção da TVM, afirma que a transmissão em língua de sinais não precisa de equipamento específico, apenas de câmera. “A interrupção deveu-se a problemas organizacionais no Ministério, principalmente dos intérpretes que exigiam aumento salarial. Quem devia responder a exigência era o Ministério, a iniciativa era do Ministério e a TVM apenas disponibilizou o espaço”, disse. O chefe do Departamento dos Assuntos da Deficiência no MMAS, Macário Dubarela, diz que o Ministério tem muitos intérpretes que estão disponibilizados a qualquer instituição que solicite. “Agora o problema não está com o Ministério, está com a TVM, que diz que não é possível transmitir, uma vez que a máquina que o permite está avariada” deu a conhecer Dubarela. O certo é que um ano passa sem transmissão em língua de sinais, quer

na TVM1 ou na TVM2, para não falar de qualquer outro órgão televisivo. Em levantamento realizado pelo O Especialista com 50 pessoas deficientes auditivas da cidade de Maputo, 75% dos inquiridos disse ter dificuldades na leitura, mas quase todos acompanhavam quatro horas de televisão por dia durante a semana e 5h30 ao sábados e domingo – mais do que a média nacional, que ronda as 3h30. Os noticiários são os programas mais vistos, seguidos dos filmes, novelas e dos programas de desporto. Os programas com transmissão em língua de sinais eram os preferidos e constata-se, através dos questionários, que o nível de percepção era bom. Na pesquisa, os resultados foram divididos em dois grupos: grupo 1, com as percepções dos sujeitos em relação ao conteúdo exibido sem interpretação para a língua de sinais, e grupo 2, com relatos perceptuais dos deficientes sobre os produtos exibidos com tradução simultânea em língua de sinais. Não há números exactos quanto à ocorrência de deficiência auditiva na população moçambicana, mas o Recenseamento Geral de 2007 indica que 12.7% dos moçambicanos têm dificuldade em ouvir. Em Moçambique existem cerca de 475.011 pessoas com deficiência, equivalente a 2% do total da população moçambicana estimada em 23.700.715 habitantes em 2012. Aponta-se como causas da deficiência doença (57.9%), à nascença (33.1%) e outras (6.8%) e como tipos de deficiência pernas amputadas (20.7%), cegueira (9.4%), mental (8.5%), braço amputado (8.2%), paralisia (7.3%) e outras (35.2%), surdez (12.7%). Estes são os dados do Censo Geral da População de Moçambique realizado pelo Instituto Nacional de Estatística em 2007. Starkey Hearing Foundation

12,7% da população não ouve bem

“Deve ser feita pressão para que tenha um artigo na nova lei” Gilles Cistac Constitucionalista Jurista

Programas internacionais de apoio a deficientes auditivos tentam dar algum apoio à população africana oferecendo aparelhos.

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Foto: Reprodução/African Hope Initiative

Criança africana utiliza a linguagem de sinais para se comunicar: Associação de Familiares e Surdos de Moçambique oferece cursos de preparação para dificientes e outras pessoas e estejam interessadas em aprender. Foto: Helena Cumaio/Irex

“Todos são cidadãos e devem gozar dos direitos garantidos pela Constituição”, afirma especialista Por Laque Francisco, Lourino ernesto, Lucinda Alfândega Secção de Política

O historiador Egído Vaz Raposo defende a democrartização do acesso à informação.

Os números do Censo Principais causas de deficiência

2%

57,9%

doenças contraídas

dos moçambicanos têm alguma deficiência

33,7%

têm problemas de nascença

6,8% outras causas

O historiador Egídio Vaz Raposo, especialista da mídia para advocacia e alianças no Programa Para Fortalecimento da Mídia em Moçambique, falou sobre a dificuldade de acesso à informação enfrentada pelos deficientes auditivos. Leia, abaixo, os principais trechos da conversa. Qual é o seu posicionamento perante este cenário? Qual devia ser o posicionamento da TVM? A questão é mais complexa do que responder quem está certo e quem está errado. A missão do Estado é garantir que todos os cidadãos possam ter acesso à informação. O governo moçambicano tem um quadro normativo que o guia nesta matéria. Em 1997, o governo rubricou o seu plano de acção ou estratégia de informação, mas muitos dos aspectos lá plasmados nunca foram postos em prática. Ou seja, antes mesmo da aplicação da lei, temos um problema sério do não cumprimento do plano na matéria do acesso à informação. A TVM é uma entidade pública e sobrevive dos fundos do Estado. Como tal, vincula-se aos comandos dele em relação à sua missão. A lei da radiodifusão e a lei do direito à informação – quando aprovadas - podem reforçar mais uma vez a necessidade prover a informação

a todos. Não acha que a ausência de uma lei específica impede esse provimento da informação? O que falta não é a lei, mas mobilizar os recursos principais para que iniciativas previstas não parem de qualquer maneira. Estamos a falar aqui de um processo que movimentou todos os quadros do Ministério da Mulher e Acção Social e da televisão. Existindo outras formas alternativas de informar, que não seja apenas por meio da voz e da imagem, é importante que os cidadãos que não conseguem ouvir possam ter acesso, por meio de língua de sinais. Não é verdade que a TVM não tem dever muito menos responsabilidade de garantir o acesso a informação. É porém compreensível que a TVM se exima destas responsabilidades por falta de clareza na abordagem em relação a estes assuntos específicos. Ou seja, estamos naquela zona de penumbra em que as pessoas fazem normalmente o que deviam fazer e acham que estão a fazer de graça . E quando deixam de fazer também dizem que nada lhes obrigava a continuar. Mas se formos ver, desde a Constituição até as leis específicas, existe um grupo de compromissos que o Estado deve tomar conta. Os documentos internacionais orientadores que Moçambique ratificou recomendam que as entidades do Estado dediquem pelo menos 2% do seu orçamento geral para garantirem o acesso a informação.

Perante este cenário, a quem se deve imputar a responsabilidade? No estatuto editorial da TVM está bem claro que uma das suas missões é prover a informação para a pessoa humana, a todos moçambicanos e sem excepção. Não estamos perante um vazio legal, mas sim perante um defeito ou não cumprimento de uma obrigação por parte daqueles que deveriam. O subchefe de redacção da TVM afirma que “todas as condições para a transmissão em língua de sinais eram criadas pelo Ministério, o que falhou não foi do nosso lado, foi do lado do Ministério porque eles é que pagavam os intérpretes, formam os intérpretes. Todas as condições eram criadas pelo Ministério, e nós só ajudávamos a transmitir”. Que leitura se pode fazer diante dessas declarações? Esta é a experiência que ele teve quando se introduziu a linguagem de sinais na TVM, ou seja, o Ministério da Mulher e Acção Social notificou as pessoas competentes e pagou para exercerem aquele trabalho e a TVM criou condições técnicas para integrar a linguagem de sinais nas suas transmissões. A TVM devia, no seu plano operacional, prever as despesas para os apresentadores de linguagem de sinais. Trata-se de uma questão de despesas ou orçamental. Não é um problema técnico e nem editorial, é um problema meramente político.

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Nova legislação pretende desencorajar a poligamia Contradição entre valores culturais e necessidade de lei que proteja os direitos humanos paralisa a discussão na Assembleia da República

Por Edson Manjate, Diamantino Lauchande, Adérito Bie Secção de Política

A poligamia faz parte da cultura de várias sociedades humanas no mundo. São apontadas como causas desta prática questões económicas, guerras, êxodo rural entre muitas outras. No caso prático das guerras, em que muitos povos africanos estiveram envolvidos e em que participavam principalmente os homens, muitas mulheres ficaram viúvas e seus filhos, órfãos. Uma forma de prestar assistência a essas pessoas sem meios de subsistência era o casamento. Já no caso do êxodo rural, muitos homens trocam o campo pela cidade, ou migram para outros países, em busca de emprego, deixando as mulheres nas aldeias. Em Moçambique, as principais causas originárias da poligamia prendem-se com as condições de vida na zona rural, isto apesar de haver casos isolados nas zonas urbanas. Quando do despertar das consequências negativas da prática poligâmica, no dia 29 de abril de 2003, teve lugar, no parlamento moçambicano, a primeira sessão de discussão da proposta da Lei da Família. A discussão gerou enorme polémica, pois alguns deputados defen-

diam a inscrição da poligamia na lei, considerando-a uma forma de preservar a cultura. Por outro lado, considerava-se o matrimónio múltiplo um atropelo dos direitos humanos e dos cidadãos. Actualmente, a discussão da lei está interrompida porque não há consenso. Entretanto, Nyelete Mondlane, Chefe do Gabinete da Mulher Parlamentar, em declarações ao O Especialista, no passado dia 9 de maio, considera que a legalização da poligamia na lei da família é uma aberração, porque a prática é nociva. Para ela, nem tudo que é praticado na sociedade, por razões culturais, deve ser aprovado pela Assembleia. “A Assem-

“O desafio é de todos Nyelete Mondlane Chefe do Gabinete da Mulher Parlamentar Assembléia da República

bleia da República tem um papel de educar a sociedade através de leis que aprova, valorizar todas práticas culturais e religiosas do país, desde que estas não entrem em confronto com os direitos humanos defendidos na nossa lei fundamental, por isso, nem tudo que é dito pelas pessoas deve ser legitimado”. Contudo, e face a existência no país de muitos homens que tem mais de uma esposa, o Gabinete da Mulher parlamentar traçou como objectivo aceitar a prática, mas tentando estabelecer leis no sentido de educar as pessoas sobre os riscos desta, de modo a desencorajá- las. “O gabinete parlamentar da mulher notou que existe muitos homens que tem mais de uma esposa, por isso o nosso objectivo é aceitar a prática, mas tentando educar as pessoas sobre os riscos desta”, disse Mondlane. Ela acrescentou também que é objectivo do gabinete estancar a poligamia e, para o efeito, promover palestras explicando as implicações. Para a interlocutora, este é um desafio das associações e fóruns que lidam com a matéria sobre género e defesa dos direitos da mulher e da sociedade em geral. “Acabar com a prática da poligamia é um desafio de todos nós e é um processo que levara seu tempo, não é de noite para o dia que se pode proibir”, afirmou.

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Foto: Google Plus/Reprodução

“A poligamia humilha as mulheres”, afirma especialista do IsarC

Mulheres usam estratégia de sobrevivência ao aceitar a poligamia, diz Vânia Pedro.

Foto: Divulgação/Assemb. da República

Book Sambo fala em múltipla relação consentida O sociólogo Book Sambo olha para a discussão da especificidade da proposta de Lei da Família, em torno da aprovação da poligamia, como uma questão cultural, mas defende a sua própria contextualização. Para Book, impõe-se uma reflexão em torno dos argumentos desenvolvidos na Assembleia por parte dos deputados e noutros espaços. Para o sociólogo, a legislação tem que respeitar a igualdade do género e a diversidade cultural do país também. “Muitas vezes as tradições acabam entrando em contradição com aquilo que são os direitos inerentes ao próprio ser humano e, neste caso, cabe a quem de direito discutir essas questões”. Quanto à preservação das culturas e sua diversidade, Sambo disse que elas são fundamentais na constituição da identidade dos indivíduos e da nação. É nelas que, segundo ele, as pessoas se reconhecem a pensar como pessoas

humanas, daí que a sua valorização não pode ser feita atropelando os direitos humanos dos cidadãos. Em torno das contradições que existem entre as leis tradicionais e as dos direitos humanos, Sambo afirmou que os países que possuem certa autonomia económica e não dependem de ajuda externa quando os direitos humanos entram em contraste com as suas leis, abdicam daquelas universais, predominando a legislação própria. É o exemplo da China e de alguns estados da América que estão na organização das Nações Unidas (ONU) e que praticam a pena de morte. O interlocutor defende que para a aprovação da poligamia tem de se respeitar a questão do consentimento da própria mulher, pois o casamento monogâmico também é feito a partir do consentimento e aprovação da parceira. “A oficialização da poligamia é uma forma de acomodar o amantismo”.

Foto:Twitter/Reprodução

“Poligamia acomoda o amantismo”.

“A poligamia humilha as mulheres”, disse Vânia Pedro, antropóloga e docente do Instituto Superior de Arte e Cultura (IsarC). Segundo a fonte, a mulher na sociedade moçambicana é vista como receptáculo para a reprodução sexual e uma das coisas que se espera dela é a procriação. “A mulher alia-se a um homem, mesmo perante a existência de outras, para receber esperma e assim conseguir uma boa vida. E se isto não acontece ela fica condenada. E é por isto também que a mulher passa a ser estigmatizada, ou seja: a poligamia humilha as mulheres”, disse. A poligamia é entendida pela pesquisadora como uma prática que desvaloriza a mulher, quebrando o princípio da igualdade do género e violando a norma constitucional de que o homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural. Por exemplo, no islamismo, mediante as declarações da antropóloga e docente do Instituto superior de Artes e Cultura, a poligamia menospreza o papel das mulheres. “Em face de vários problemas que elas enfrentam depois de casar, ela é estigmatizada”. Conceitualmente, a poligamia é entendida como casamento com mais de uma pessoa, para o caso do homem. E quando o cenário é o mesmo, mas para o caso da mulher, designa-se poliandria. Já para o caso do casamento com mais de uma pessoa, para o homem e havendo equitatividade de direitos e bens entre as mulheres, está-se perante a poliginia. Outro argumento utilizado no debate é que há pessoas que trabalham como mineiros e viajam constantemente, passando muito tempo fora de casa, longe das esposas. Por esta lógica, se uma Lei da Família só considera o casamento monogâmico estaria a se “atirar para a prostituição” as mulheres que actualmente são segundas ou terceiras esposas de um casamento poligâmico. Portanto, todos estes problemas seriam solucionados, na perspectiva dos deputados, com base na legalização da poligamia. A religião islâmica assume, mediante certas restrições, o casamento com até qua-

tro mulheres. O islamismo impõe que o homem polígamo tenha condições económicas iguais para todas as suas esposas para proporcionar bens equivalentes a cada uma delas, facto que não acontece na poligamia tradicional. A esposa mais nova é privilegiada em detrimento das mais velhas que, apesar de deterem o governo do lar, ficam prejudicadas quanto à vida íntima e material. Segundo a antropóloga, a poligamia é um “conformismo imposto pela superioridade ritual”, continua, “O consenso da mulher e da comunidade em relação à poligamia é aparente e uma genuína farsa porque vinca-se o refúgio no consenso para reduzir a sujeição serviçal, ou seja, o consenso decorre do beco sem saída para a mulher”, afirmou. A poligamia é um símbolo de desigualdade entre homem e mulher e gera situações de desequilíbrio no usufruir de direitos constitucionalmente protegidos. “A família é constituída de mulher, pai e filhos, e desempenha um papel social importante na medida em que há um respeito recíproco entre ambos”, disse. Para a pesquisadora, a Constituição da República consagra no número 3 do artigo 120 que o casamento deve se orientar no princípio de livre consentimento entre o homem e a mulher, como na igualdade entre ambos, na medida em que a ninguém deve ser imposta supremacia na escolha do parceiro ou do modelo social de vida. Esta indicação sugere que ninguém pode legalmente achar-se patrono da relação conjugal e toda a atitude deve assentar-se na reciprocidade. Vânia afirma ainda que um dos pontos negativos da poligamia é permitir a propagação do HIV, o que constitui uma fonte de desgraça para famílias e principalmente crianças que ficarão infectadas. Por causa do excesso de trabalho doméstico, há vezes em que as mulheres pedem aos seus próprios maridos para que tomem uma segunda esposa. Assim elas não se sentem sozinhas e encontram ajuda garantida para as inúmeras tarefas que têm. As mais velhas governam as novas e ficam com menos obrigações.

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USAID apoia a formação de jornalistas na ECA O Programa Para Fortalecimento da Mídia em Moçambique, que é financiado pelo Governo dos Estados Unidos da América, através da sua Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID), implementado pela IREX Moçambique, trabalha em estreita cooperação com a Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane (ECA/UEM), tendo por base o apoio contínuo da USAID ao ensino de jornalismo naquela instituição. Este suporte acadêmico e a cooperação também inclui estreita parceria com a Escola de Jornalismo e Mídia da Universidade de Rhodes, na África do Sul. O jornal o Especialista, produto

dos estudantes da licenciatura do terceiro ano da ECA, faz parte das actividades desenvolvidas pelos futuros profissionais na cadeira de Jornalismo Especializado. Durante quatro meses, os estudantes discutiram as tendências no mercado de comunicação global e como as mudanças nos modelos de negócios, segmentação de mercados e modernização do funcionamento das redacções de jornais, revistas, rádios, emissoras de televisão e portais de internet podem impactar na produção jornalística. Também foram debatidos aspectos relativos à segmentação de mercados, dentro do contexto do jornalismo especializado em Moçambique e das empresas de comunicação locais, com a participação de profissionais convidados. Eles conversaram com os alunos e trocaram experiências. A cadeira de Jornalismo Especializado foi oferecida pela ECA tendo Ricardo Fontes Mendes, jornalista investigativo brasileiro e sociólogo, especialista da IREX, como responsável. O trabalho contou com o apoio do diretor da Faculdade de Comunicação e Artes da UEM, professor Nataniel Ngomane; do director-adjunto para graduações, doutor João Miguel; e do coordenador do curso de jornalismo, professor Pascal Kande Nkula.

Estudantes durante fecho do jornal na UEM.

Lei da Probidade mantém “professores-turbo” Projecto que prevê elevar salários pode ser solução para docentes que precisam de dois empregos Por Jaime Mulima, Alberto Tomás e Edmundo Manhique Secção de Política A Lei da Probidade Pública (LPP), que entrou em vigor a 15 de novembro do ano transacto, não abrange a docência e outras funções de propriedade intelectual. A lei se aplica a servidores públicos com vista a assegurar a moralidade, transparência, imparcialidade e respeito na gestão do património do Estado. De acordo com as disposições gerais, artigo 32 sobre proibições, número 3 da mesma lei, a docência, bem como outras funções de propriedade intelectual, permitem acumular remunerações de outras instituições públicas ou empresas em que o estado tenha participação, seja em forma de salário, senhas de presença ou honorários. Segundo Lourenço do Rosário, reitor da Universidade Politécnica, a lei da probidade pública não afecta as instituições privadas. Sendo assim, um docente pode leccionar em uma instituição pública e varias universidades sem nenhuma interferência. Porém, Lourenço acredita que a qualidade do ensino constitui preocupação. Para o académico e director da Escola de Comunicação e Artes da Universidades Eduardo Mondlane (ECA/UEM), doutor Nataniel Ngomane, a legislação poderia ser mais efectiva. “A lei ajudaria se realmente um docente lecionasse numa única instituição, pois teria mais tempo de preparar as aulas, daria devido acompanhamento aos seus alunos, garantindo a qualidade de ensino e a aprendizagem. Portanto, o governo deveria apurar os critérios de contratação das pessoas sérias, capazes de melhorar o nosso sistema de educação, porque muitas vezes os concursos públicos são de fingimentos”, disse. Generosa Gonçalves Cossa José, docente UEM e directora do Centro de Coordenação dos Assuntos do Género, defende que a lei não deve se aplicar no sector da docência, pelo menos por enquanto. “Eu acredito que, se ela abrangesse a docência iria criar muitos obstáculos no sector, para além dos pagamentos também, iria dificultar a expansão do ensino superior no país. Talvez em alguns anos a legislação possa abranger também essa área”, reiterou a fonte. Elvino de Jesus Tomo, administrador da faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, diz que “a lei vai trazer vantagem em termo da correcta alocação de pessoal, na medida em que vai racionalizar mais os

seus recursos humanos em termos de qualidade de ensino”. Ela acredita que a credibilidade da qualidade de ensino depende de planificação rigorosa das aulas e do devido cumprimento. Elvino acrescentou que, para além da formação do professor, é preciso que haja a experiência pedagógica capaz de transmitir conhecimento científico de forma eficaz, porque nao basta ter grau de mestrado ou doctoramento: a pedagogia e fundamental para uma formacao de qualidade. SALÁRIOS Gilles Cistac, docente e Director-Adjunto para Investigação e Extensão da Universidade Eduardo Mondlane, defende que a Lei da Probidade Pública não deve abranger a área da docência, pois iria violar os princípios básicos da liberdade académica, como a liberdade de expressão e a liberdade científica. Segundo Cistac,

“Criaria muitos obstáculos e dificultaria a expansão” Dadivo José Actor e acadêmico Escola de Comunicação e Artes da UEM

a docência é uma propriedade intelectual e a lei é compatível com o sector. “A Lei da Probidade Publica é incompatível com os princípios básicos do docente. Se a lei abrangesse a docência seria uma violação dos princípios básicos do ensino, consagrados e protegidos pela Constituição da República”. Gilles Cistac deu-nos a conhecer um projecto desenvolvido pelo o Ministério da Educação (Mined), cujo objectivo é criar estabilidade no corpo decente. “O Mined está a reflectir sobre um projecto de lei sobre o pessoal das instituições do ensino superior público. No princípio, esse projecto de lei vai abranger o docente das instituições governamntais, investigadores científicos e também o corpo técnico administrativo (CTA). E penso que esta lei vai tentar resolver os problemas da fraca produção científica” disse. O projecto visa também concretizar a diferenciação salarial dos docentes, introduzir incentivos de investigação, publicação e extensão. “Alguns incentivos vão permitir

a valorização da profissão do docente, os que vão trabalhar mais e publicar mais, naturalmente vão receber mais. O projecto pode aumentar o salário do docente em mais de 40% ou 50%. Assim pode se conseguir ter um professor a tempo inteiro sem necessidade de buscar um complemento salarial em outras faculdades”, completou a fonte. Mateus Simbine docente da Universidade Politécnica acredita que a lei atinge directamente todos os docentes que assumem cargos de chefia em várias instituições do estado. “É errado o estado pagar duas ou mais vezes o mesmo professor, entretanto não vejo mal quando um responsável de uma instituição pública assuma outras funções em universidades privadas, tal como o próprio nome da lei diz, ela é uma legislação de probidade pública, sendo que não envolve sectores privados”, acrescentou. Francisco Nguenha, docente da Escola Superior de Jornalismo (ESJ), aponta existência de professores-turbos” devido à incapacidade do estado de pagar salário adequado aos docentes. Para Nguenha a abrangência da lei vai criar, por um lado, um caos individual, porque vai diminuir o ‘bolo’ no final do mês, pois as vagas que ele ocupava vai deixar à disposição dos outros. Por outro lado esta medida vai a judar no sistema de educação. A turbinagem na docência é apontada como um dos factores que contribui de forma significativa para a fraca qualidade de ensino superior em Moçambique. Os “professores-turbos” são aqueles que leccionam em mais de uma instituição de ensino. Fontes ouvidas pela nossa equipa de reportagem alegam duas razões para a existência de “professores-turbos”, a questão salarial e a suposta falta de quadros no país. Questionada em que medida os “professores turbos” influenciam negativamente na qualidade do ensino no país, Generosa Cossa disse: “a baixa qualidade no ensino superior não tem a ver com os professores turbos, mas sim com o relacionamento dos pagamentos, trata-se de um problema conjuntural”. Segundo Cistac, não há incentivos para os docentes. Em Moçambique nenhuma revista paga a publicação de artigos científicos, daí verificar-se fraca produtividade acadêmica. “Do ponto de vista ético publicar é minha obrigação, faz parte das minhas funções enquanto docente. Publicar é um pré-requisito para a progressão da carreira. Mas numa visão utilitarista o investigador vai publicar o seu artigo numa revista que lhe paga por isso”.

Saiba mais sobre a nova lei de responsabilidade Em Moçambique, a Lei de Probidade Pública entrou em vigor a 15 de novembro do ano transacto. A proposta da LPP tinha a designação de Código de Ética do Servidor Público (CESP). A sociedade civil teve uma contribuição crucial para a aprovação da lei. Por isso é importante referir que, em parte, os propósitos desta acção foram alcançados: a aprovação da própria lei; a consagração de algumas matérias consideradas importantes; e sobretudo o facto do “Pacote Legislativo Anticorrupção” estar a conhecer avanços significativos na aprovação das propostas que abarca. No entanto, o processo de advocacia não deve ficar por aqui. Há que ter novas formas de intervenção se entendermos que existem duas importantíssimas leis que ainda não foram revistas, mormente o Código de Processo Penal e o Código Penal. São dois instrumentos de suma importância para o reforço do quadro legal anticorrupção, sobretudo por serem portadores de importantes matérias ligadas à investigação da criminalidade no geral e dos crimes de corrupção em particular e por abarcarem novos tipos legais de crimes de corrupção, em consonância com os instrumentos legais internacionais ratificados por Moçambique.

“Os salários dos

docentes podem aumentar em mais de 40%” Gilles Cistac Diretor-Adjunto para Inv. e Extensão Universidade Eduardo Mondlane

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