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A SOLUÇÃO FORA DA REDE DE ACESSO À ELECTRICIDADE JÁ NÃO É MARGINAL

• Sistemas solares decentralizados apoiados pelo programa BRILHO atingiram 100 mil ligações fora da rede;

• O BRILHO tem um orçamento de pouco mais de 35 milhões de dólares para quatro anos, do qual 40%, já foi aplicado.

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Iniciado em 2019 com o mandato muito concreto de acelerar o mercado de energia fora da rede, melhorando e aumentando o acesso à energia para 1,5 milhões de pessoas e 15.000 empresas em Moçambique, o Programa Brilho, que vai até 2024, apresenta um quadro de realizações bastante positivos, volvidos 3 anos de implementação.

O programa Brilho preconiza o impulso às empresas, catalisando o mercado de energia fora da rede de Moçambique, portanto, alocando soluções energéticas limpas acessíveis para aqueles grupos populacionais sem acesso a electricidade da rede nacional.

O BRILHO almeja melhorar a vida das pessoas de baixo rendimento através da poupança, bem-estar e oportunidades de subsistência e é implementado pela SNV com o apoio financeiro da UK Aid e da Cooperação Sueca.

Javier Ayala Gestor do programa BRILHO e Líder de Energia em SNV Moçambique, num exclusivo ao “Semanário Económico”, foi instado a analisar, por um lado, o ambiente de mercado da energia fora da rede e, por outro, o contributo do programa nesse contexto.

Eis a entrevista, ipsis verbis

O programa Brilho é um programa cuja implementação iniciou em 2019 e vai até 2024. Já vai a meio. Qual é a indicação que nos pode dar relativamente ao balanço da eficácia do programa?

Em relação ao estágio do Programa Brilho, este iniciou em 2019 com um mandato muito específico que era a aceleração do mercado do sector de energia fora da rede em Moçambique, e é com uma linha de implementação até Outubro de 2024.

Já passaram 3 anos, apesar da pandemia, foram anos altamente positivos com resultados que ultrapassaram as expectativas e com um futuro muito promissor.

Quais são os principais indicadores de realização do programa?

A iniciativa tinha um objectivo muito específico: 175 mil pontos de acesso a soluções e cozinhas melhoradas e tínhamos um total de 15 mil usuários de uso comercial e produtivo desse acesso a energia em Micro e Pequenas empresas em todo o país. Foi assim que iniciamos em 2019, com o financiamento do Governo do Reino Unido, em 2021 juntou-se o Governo da Suécia e acrescentamos aos objectivos, mais 200 mil na categoria de electrificação, 200 mil na categoria de acesso a soluções de cozinha melhorada e 17 mil na categoria de uso produtivo e comercial que foram atingidos até agora.

O programa implementado pela SNV atingiu, até Setembro de 2022, 125 mil ligações de electrificação com sistemas solares, soluções descentralizadas e vamos fechar o ano com mais de 150 mil.

Em soluções de cozinhas, que só começamos este ano, já temos mais de 50 mil cozinhas melhoradas fornecidas ao mercado. Então estamos a ter uma projeção de que todos os nossos objectivos podem ser atingidos mais cedo que 2024, provavelmente fechálos em 2023. E, em relação ao uso produtivo, que foi uma surpresa, a demanda é gigante, desse objectivo de 17 mil já atingimos 13 mil e a oferta tem de agir com muito mais força e muita escala em curto prazo.

Recentemente, a ARENE em parceria com SNV/ Programa BRILHO organizou uma Conferência sobre o Quadro Regulatório do Sector das energias Fora da Rede. Qual foi a fundamentação para a organização do evento?

Esse evento foi a primeira conferência regional organizada por Moçambique e em Moçambique, com a participação não só de instituições nacionais, mas também internacionais, com objectivos principais de reflectir sobre o progresso de evolução do sector de energia fora da rede, energias renováveis, seu potencial e perspectivas; olhar especificamente o tema da criação de um entorno favorável, mediante o quadro regulatório, que irá definir claramente as regras do jogo, a criação de certas condições em relação a incentivos fiscais, financiamento, apoio técnico, partilha de custos e riscos...

Qual foi o balanço que tiveram da conferência?

A conferência teve êxito, pois, sendo organizada pelo Governo de Moçambique dava um semblante muito forte de nível de comprometimento. Tivemos mais de 300 participantes de todos os níveis de muitos países, regionais e internacionais, empresários, muita representação do sector privado.

As soluções de electrificação com sistemas solares decentralizados apoiados pelo programa BRILHO atingiram 100 mil ligações a energia fora da rede.

Houve muita participação e o interesse foi enorme. A conferência teve dois grandes momentos, no primeiro foi anunciada uma estatística-chave em 2022 em Moçambique: Sendo que o EDM projecta um resultado de 300 mil dentro da rede, representando assim o sector de soluções decentralizadas 25% das novas ligações de eletrificação em 2022 a nível nacional. Essa é uma mostra clara que nessa equação a solução fora da rede já não é marginal. É uma parte significativa na contribuição. E isso é uma grande notícia para o País; no segundo momento, foi o anúncio da aprovação do quadro regulatório completo que acompanha e complementa o decreto 93/2021 que foi publicado em Dezembro do ano passado, que define o regulamento de acesso a energia em zonas fora da rede que é central para todos os sectores continuarem a crescer e investir nesse sector.

Há um conjunto de questões associadas ao próprio ambiente de mercado do sector das energias renováveis, sistemas eléctricos descentralizados, que tem que ver com a sua acessibilidade. Referiu-se que está a ver sinais muito interessantes do ponto de vista do uso produtivo das energias renováveis. Como é que essas soluções alternativas estão a ser colocadas em termos competitivos? Porque existe a percepção de que as soluções de energia fora da rede não são baratas e essa é uma energia que tem que chegar a pessoas com baixo poder aquisitivo. Como é que esse desafio está a ser tratado ao nível do programa e juntamento com todos os intervenientes do sector?

O programa BRILHO está a dar financiamento que ajuda as empresas de uma forma que incentiva o crescimento e a redução de custos, para que o acesso a essas soluções seja mais viável a esse segmento da população.

O segundo elemento são os modelos de negócios; estamos a fazer muita coisa em relação a vendas de cash and carrying porque muita gente não tem a capacidade de fazer um investimento desse volume. As empresas têm que evoluir de forma que todas estejam a oferecer vendas a crédito, para que pagamento possa ser feito numa base diária ou mensal durante muito tempo e isso irá reduzir a pressão económica. Também se está a trabalhar muito no tema de alavancar os fogões melhorados e financiamento de carbono, que está a movimentar financiamento nos mercados de créditos e carbono internacionais e ajudam a estruturar de uma melhor forma os custos financeiros e o preço final para o consumidor.

Os incentivos fiscais: em sistemas solares falamos de 7.5% em taxas aduaneiras e 17% em IVA, 24.5% é uma carga significativa, definitivamente tem que ser ultrapassado o constrangimento.

Quais são as evoluções que têm estado a sentir relativamente a superação desses problemas? Por exemplo, foi anunciado que houve a aprovação de todo quadro regulatório. Será que nesse contexto são dadas soluções para este desafio da acessibilidade que tem a ver com a carga fiscal?

Javier Ayala

Sim. Porque o decreto 932021, aprovado no ano passado, classifica todas as tecnologias de soluções como parte de infraestrutura energética do País e é uma solução para uma necessidade básica da sociedade, então a partir dessa classificação já são eleitos certos benefícios fiscais. Agora, é só uma questão de avançar com o que foi aprovado; os registos dessas empresas como fornecedoras de serviços. As concessões das empresas que vão fornecer os serviços de mini-redes fazem com que sejam elegíveis aos benefícios fiscais, então

O Governo está a dar um sinal muito claro de comprometimento para abrir-se a porta de criação de melhores condições para que o preço final seja mais acessível para as famílias.

O país tem o desafio de acesso universal até 2030. Do ponto de vista das offgrids acha que vão cumprir com a vossa cota até 2030, tendo em conta o ritmo dos acontecimentos até agora?

Esse é o tema central do que estamos a tratar no dia-a-dia. Há diferentes projeções, muitas indicam que o sector de energia fora da rede tem que contribuir para esse acesso universal a energia até 2030 até 3045%. As coisas estão muito bem encaminhadas, acho viáveis as condições criadas e é importante destacar que recentemente foi publicado um relatório pela GOGLA, a associação global de todos esses sistemas solares, que revela que

Moçambique está a liderar a lista como um dos dois países que mais cresceram nos últimos 2 anos, com 200% de crescimento.

Então é muito promissor e esses resultados atingidos este ano mostram que é possível quando juntamos esforços.

O sector está com esta abordagem coordenada das acções, sentiu-se que os diversos intervenientes estão alinhados, quer com o Governo, quer as empresas e outos intervenientes na cadeia de valor de sistemas decentralizados de energia.

Acho que há uma grande melhoria em nível de coordenação nos últimos 2 ou 3 anos e isso faz parte do nosso mandato porque temos que actuar em conjunto para podermos avançar.

Muitas dessas soluções terão que ser providenciadas através de provedores privados, empresas. Acha que o ambiente do sector está mais atractivo ao investimento privado?

Definitivamente está. Em particular com a criação desse novo quadro regulatório que define regras de jogo claras que era um dos grandes pedidos do sector.

O Governo precisa tomar uma abordagem bastante prática, estivemos a trabalhar e a apoiar a linha de trabalho de criação deste quadro regulatório e a abordagem é prática. Quando iniciamos o programa em 2019 tínhamos mais ou menos, entre todas essas tecnologias de sistemas solares domésticos, 4 ou 5 empresas activas relevantes no País, hoje o programa tem 22 empresas activas a trabalhar todos os dias.

Então estamos a multiplicar por mais de 4 o tamanho do sector e vamos continuar a avançar para que tenhamos uma solução sustentável, inclusiva e viável.

A questão da sustentabilidade é fundamental nesse sector porque muitas dessas iniciativas ainda ocorrem num contexto em que as operações dessas empresas que estão no terreno são subsidiadas, mas os subsídios são sempre soluções provisórias, é preciso começar a pensar na auto-suficiência destas empresas. Qual é a abordagem e a visão do programa Brilho na promoção da auto-sustentabilidade no sector, tendo em conta, sobretudo, a questão dessas soluções irem para pessoas com limitações económicas significativas?

Nós apoiamos iniciativas que tenham a visão de atingir a auto-sustentabilidade e temos como abordagem uma estruturação em fases.

Nesta fase estamos a partilhar riscos e a subsidiar muitos custos, mas já estamos a trabalhar com eles e com todas as iniciativas nessa transição de financiamento de impacto na sociedade.

Já fizemos ligações com muitos diferentes investidores, internacionais principalmente, que já começaram a financiar em débito, equity, pelo mercado de financiamento de carbono.

É toda essa combinação que vai habilitar a auto sustentabilidade, mas aqui é central pelo tema de escala.

Potencialmente existe escala porque grande parte da população não tem energia eléctrica.

Hoje em dia o País tem 44% de electrificação, então temos 56% da população que precisa destas soluções.

Em soluções de cozinha melhorada só 6% está a fazer uso de cozinha limpa, então temos 94% que pode ter acesso a essas tecnologias. O potencial é grande, agora é uma questão de cada um dos empresários tomar a visão para continuar a crescer e atingir a escala, mas não é um crescimento linear, é exponencial.

Como é que está a evoluir a questão do uso produtivo da energia?

O aspecto da demanda está a crescer muito e as empresas estão cada vez mais a diversificar as opções oferecidas; na pesca, agricultura e outros sectores.

Queremos que seja de uma escala ainda maior com tecnologias de refrigeração, sector da agricultura, saúde, turismo, pois, o acesso a energia é o ponto inicial para o desenvolvimento económico local.

Percebemos que este é um programa que preconiza o envolvimento do sector privado. Quais são os incentivos que existem para as empresas poderem aderir e participar do programa?

Sabemos também que as nossas empresas enfrentam uma dificuldade de acesso ao financiamento. De que forma é que o BRILHO minimiza este aspecto de modo que as empresas entrem no negócio de uma forma viável e sustentável?

O programa Brilho tem esse mandato de apoiar esse tipo de iniciativas, iniciativas que tenham como objectivo fornecer soluções de acesso a energia fora da rede, para isso temos uma janela de candidatura que está continuamente aberta, assim estará até Janeiro de 2024, então, qualquer iniciativa de negócio que seja do perfil adequado nos nossos critérios pode submeter através de brilhomoz.com uma candidatura. O tipo de apoio que oferecemos é de 2 níveis, financeiro e técnico, o apoio financeiro que oferecemos é bastante significativo, basicamente 75 mil dólares até perto de 2 milhões de dólares por ano por iniciativa empresarial; estrutural através de 2 instrumentos:

- Financiamento Baseado em Resultados - cada empresa propõe um incentivo base por unidade de serviço energético que fornece no mercado e a partir disso temos incentivos acrescentados, tem incentivo por zona geográfica, mas não oferecemos em Maputo. O segundo top up, corresponde ao tipo de categoria de serviço energético: há alguns que são menores e outros maiores, mas, quanto mais alto o serviço, mais alto o incentivo. O terceiro, o tipo de uso de energia: se eles têm acesso para dar uso produtivo e comercial nós damos um incentivo adicional. Esse tipo de financiamento é baseado em resultados que a empresa tem que pré financiar, atingir os resultados e depois de verificarmos fazemos o pagamento.

- O segundo tipo de financiamento é o Catalítico: que ajuda a estabelecer os pilares fundamentais de uma empresa para poder operar de forma competitiva em um sector, ter uma equipe, um modelo de negócios claro, ter parcerias, ter capacidade de operar e fornecer. Ajudamos a estruturar tudo isso, esse segundo tipo de financiamento não é obrigatório, porque nem todas as empresas precisam desse tipo de apoio.

Quais são as condições desse financiamento do ponto de vista de reembolso e dos fundos?

Temos um conjunto de regras básicas bem definidas no nosso documento guia publicado na nossa página web que tem 10 critérios nos quais olhamos os aspectos técnicos, objectivo do segmento do mercado que está a apontar e o modelo de negócio, para ter clareza de que estamos a apoiar iniciativas que têm a oferecer soluções elegíveis para o nosso apoio com a abordagem viável e acessível para todos.

Como tem evoluído o número de empresas que se candidatam para os fundos dos vossos projectos?

Têm estado a aumentar, recebemos desde 2019 mais de 425 candidaturas, muitas delas locais e essas 22 empresas que temos no portfólio mostram a diversidade, destacam-se empresas muito jovens e outros são grandes actores internacionais inclusive que têm uma capacidade financeira muito diferente e uma capacidade de operação muito grande.

Temos 22 empresas: 10 de sistemas solares, 7 de soluções de cozinhas melhoradas e 5 de mini redes.

Quantas empresas neste momento comporta o programa Brilho?

O programa BRILHO tem o apoio do Reino Unido e da Suécia, qual é o nível de comprometimento destes financiadores, tendo em conta as necessidades de médio e longo prazos da sustentabilidade do sector para que possa atingir a massa crítica sustentável?

Acho que têm um comprometimento total e temos a visão de que isso faz parte da resolução de acesso universal a energia até 2030, eles estão a caminhar connosco.

Javier Ayala

Nota-se nesta coordenação de apoios um lado institucional público. Como é que está a articulação ao nível do Governo e as suas instituições afetas a este sector?

Felizmente temos uma articulação muito sólida com as instituições do Governo,em particular com o Ministério da Energia e a Autoridade Regulamentar Nacional de Energia e com o Fundo Nacional de Acesso a Energia.

Temos parcerias e colaboração muito prática com eles em todos os esforços de criação de um ambiente favorável, e todo esse processo de desenvolvimento e aprovação do quadro regulatório para acesso a energia em zonas fora da rede é resultado desse trabalho, e está a reflectir a visão e o comprometimento institucional e individual de cada uma das pessoas que fazem parte deste processo.

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