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lookatthist caderno de desenho e n茫o s贸 (ist - arquitectura - desenho)

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Abr15


lookatthist caderno de desenho e não só (ist - arquitectura - desenho)

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É um caderno virtual onde se expõem trabalhos realizados na disciplina de Desenho Arquitectónico do 1º Ano do Curso de Arquitectura do IST, visando a sua apreciação e fruição estética. O subtítulo «Caderno de desenho e não só», além de esclarecer ao que vimos, sugere a abertura a assuntos paralelos ao Desenho e à Arquitectura habitualmente abordados nas aulas. O primeiro número do lookatthist é dedicado ao Complexo Interdisciplinar do IST (CI-IST). Ao desenhá-lo apercebemo-nos das suas grandes qualidades arquitectónicas e de quanto a comunidade escolar ganharia em as reconhecer melhor.

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Apresentação e Sumário (desenho de Flora Major)

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Notas introdutórias

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Caderno de Desenhos

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José Maria, Segurado – Arquitectos, um cosmopolitismo português

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Mural escultórico de Lagoa Henriques “...ritmos dominantes das origens”

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Vitral de Jorge Vieira

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Desenho … e não só.

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Folha 3


Vista do テ》rio do Complexo Interdisciplinar do IST, do Arq. J.M. Segurado,

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desenho de Flora Major, Dez. 2014

Folha 5


No website do IST pode ler-se que o Complexo Complexo Interdisciplinar Interdisciplinar1 foi concebido como uma extensão do

edifício “Laboratório Calouste Gulbenkian de Espectrometria de Massa” (…) datando o início da construção de finais de 1969 com projecto (…) do arquitecto José Maria Segurado (…) e começou a ser ocupado em 1973. A tutela inicial do Complexo Interdisciplinar foi do Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC) até 1992 (…), passando para a tutela da Reitoria da Universidade Técnica de Lisboa, que a transferiu para o IST … em 1995”. A recente homenagem ao Prof. Abreu Faro permitiu relembrar a história2 da brilhante folha de serviços do edifício nos domínios da Física Molecular, Química-Física Molecular, Química Estrutural, Espectrometria de Massa, Análise e Processamento de Sinais, Electrodinâmica, etc. , os seus Centros de Investigação e muitas pessoas que nele intervieram.

Desenho O desafio lançado no último exercício do 1º semestre de Arquitectónico Desenho Arquitectónico do curso de arquitectura do IST foi

o de aplicar as noções base de desenho anteriormente aprendidas - perspectiva, esquiço, perspectiva, esquiço, esboço, etc - sobre o exterior e o interior do Complexo, de modo a apreender e representar as suas qualidades arquitectónicas. O que se seguiu foi muito grato viver, confirmando o Desenho como um precioso auxiliar da visão e do juízo crítico sobre o espaço construído envolvente. À medida que fomos realizando os desenhos “à mão levantada” foi-se percebendo melhor a singularidade e beleza do Complexo, excelente exemplo entre nós da arquitectura modernista anterior ao 25 de Abril. 1

2

http://complexo.ist.utl.pt/

http://abreufaro.ist.utl.pt/~abreufaro.daemon/wp-content/uploads/2013/11/AFaro_ComplInterdisc_1983.pdf

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Biblioteca

A Biblioteca do Complexo Interdisciplinar (recentemente arranjado para alojar parte da Biblioteca central, com obras previstas para breve) é simplesmente um dos espaços mais bonitos do Técnico e um dos sítios mais agradáveis para se estar e estudar. Confortável, equilibrado, com generoso pé direito, muita luz natural, materiais bem escolhidos e bem pormenorizados. Uma generosidade de pé-direito na sala de leitura, aonde só se chega depois de passar por uma acolhedora zona baixa que em cima corresponde a um mezanino de estância e estantes de livros. Notável é o sombreamento e filtragem da luz com palas exteriores verticais, como pertence a Poente, num exemplo precursor de arquitectura solar passiva. (Extensivo à Biblioteca e ao Bar; Volta a repetir-se no canto superior direito da fachada Poente, no que terá sido cozinha, copa e sala de refeições e hoje são laboratórios de Química).

Arranjo Falando de filtragem da luz, deve apreciar-se o sábio efeito3 Exterior dos choupos judiciosamente plantados a Poente e a boa vizinhança com a envolvente arbórea, num diversificado arranjo exterior bem articulado com o terreno, com uma cómoda entrada protegida dos ventos dominantes (mas não de estacionamento) e umas “traseiras” de digníssima frente urbana, como que a querer contrabalançar o inamistoso muro envolvente do Campus da Alameda do Técnico. Caísse ele e nada ali haveria a retocar.

Átrio Outro espaço merecedor de atenção é o Átrio da entrada,

abrangendo o foyer do Anfiteatro, o Bar e os confinantes patamares de acesso aos serviços. Na desmultiplicação de pés direitos, no fecho e abertura dos planos e no subtil jogo de avanço e recuo dos lances de escada, eis-nos perante do melhor que a arquitectura tem a oferecer, com eficiência e simplicidade.

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Sendo de folha caduca, deixam passar o Sol no Inverno e protegem do seu excesso no Verão.

Folha 7


Artes Plásticas Também a integração das artes plásticas processa-se aqui

de forma moderna e arejada, abstracta e em moldes libertos de pompa e moldura. No exterior temos o mural “Exaltação dos ritmos dominantes das origens” (todo um título…) do escultor Lagoa Henriques – e no Átrio de entrada um “Elemento escultórico de separação” (biombo …) do escultor Jorge Vieira.

Anfiteatro

Mau grado as datadas cadeiras da plateia, o Anfiteatro do Complexo rivaliza com o melhor do Técnico em justa medida, pormenorização e nobreza de materiais, (diferente de riqueza de materiais). Ajustada configuração geral, revestimentos parietais de recorte texturado sobre fundos de cerâmica natural, madeiras finas, conforto ao tacto.

Sala de Reuniões, gabinetes e estantes

Por sua vez a incursão no interior do edifício reserva agradáveis surpresas a quem aprecia cuidado no ambiente construído. Realce para a Sala de Reuniões da Direcção, com uma ampla mesa circular de tampo central rotativo e para as estantes (subsistentes) com prateleiras-caixa entre prumos de aço inox, tudo desenho do Arq. José Maria Segurado.

1973 lookatthist - caderno de desenho e não só - ist-arquitectura-desenho

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Dúvidas e Epílogo

Entretanto, se o desenho ajudou-nos a apreender as qualidades arquitectónicas do Complexo, também nos desperta para situações menos felizes. Vejam-se, por exemplo, os casos do inominável cubículo da recepção (possivelmente substituível por um simples secretária); o atafulhamento da frente do palco do Auditório com mesas e quadro inqualificáveis, que anulam a percepção do acerto pré-existente; o encosto de armários e caixas ao biombo de entrada, do lado da Biblioteca, impedindo a leitura da transparência e continuidade dessa esplendida peça na entrada; a deficiente manutenção das palas verticais, impedindo o seu ajuste às condições climatéricas de cada época do ano. Ou que dizer, noutro plano, do estacionamento em frente à entrada e ao mural do Mestre Lagoa Henriques (espaço que devidamente equipado, daria uma óptima esplanada exterior)? Outra questão seria estimar as perdas e ganhos da mudança de cor, do original vermelhão para o actual amarelado. (chapéu para o tom mais aberto das mais recentes pinturas no Campus da Alameda do IST). Enfim, não cabendo ao Desenho imiscuir-se na gestão mas servir o entendimento dos espaços, confiamos que o gozo que sentimos ao desenhar e redescobrir o Complexo se propague com a divulgação do trabalho e contribua para o reconhecimento das suas qualidades pela comunidade escolar.

Nuno Matos Silva, Março 2015

2003 Folha 9


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Vista do CI IST, da rotunda da Av. Alves Redol, desenho de Lucas Nepunoceno, Dez.2014

Folha 11


Vista norte do CI IST, desenho de Pedro Valério, Dez. 2014

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Folha 13


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Vista nascente parcial, desenho de Pedro ValĂŠrio, Dez. 2014

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Contraste entre tect贸nico e org芒nico, de

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esenho de Nรกdia Albuquerque, Nov. 2010

Folha 17


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Folha 19


Vista do テ》rio do CI IST, desenho de Diogo Pimentel, Dez. 2014

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Folha 21


Vista do テ》rio CI IST, desenho de Luana Marques, Dez. 2014

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Vista do テ》rio CI IST, desenho de Flora Major, Dez. 2014

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Vista do テ》rio do CI IST, desenho de Clara Amaral, Dez. 2014

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Folha 25


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Vista da biblioteca do CI IST, desenho de Jo찾o Ribeiro, Dez. 2014

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Folha 29


Vista da biblioteca do CI IST, desenho de Sérgio Costa, Dez. 2014

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Folha 31


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Vista da biblioteca do CI IST, desenho de Miguel Jarra, Dez. 2014

Folha 33


Vista da biblioteca do CI IST, desenho de Sérgio Costa, Dez. 2014

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Vista da biblioteca do CI IST, desenho de Serenela Maurício, Dez. 2014

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Vista parcial da biblioteca do CI IST, desenho de Manuel Lages, Dez. 2014

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Vista de recanto da biblioteca do CI IST, desenho de Flora Major, Dez. 2014

Vista interior da biblioteca do CI IST, desenho de NMS, Dez. 2014

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Vista da entrada CI IST, vitral de Jorge Vieira, desenho de Clara Amaral, Dez. 2014

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Vista da entrada CI IST, vitral de Jorge Vieira, desenho de Flora Major, Dez.2014

Folha 45


Vista da entrada CI IST, vitral de Jorge Vieira, desenho de Diogo Queir贸s, Dez. 2

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Vista da entrada CI IST, vitral de Jorge Vieira, desenho de Sérgio Costa, Dez. 20

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Folha 49


Biombo de Jorge Vieira, desenho de NMS, Dez. 2014

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Folha 51


Vista parci

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ial do vitral de Jorge Vieira, desenho de Diogo Queir贸s, Dez. 2014

Folha 53


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Folha 55


Vista de interiores do CI IST, desenho de Inês Arribança, Dez. 2014

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Vista das escadas interiores do CI IST, desenho de Jo찾o Ribeiro, Dez. 2014

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Vista das escadas interiores do CI IST, desenho de Filipa Gabriel, Dez. 2014

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Vista de interiores do CI IST, desenho de Beatriz Ferreira, Dez. 2014

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Folha 61


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Folha 63


Vista de interior da Sala de Reuni천es do CI-IST, desenho de NMS, Dez. 2014

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Folha 65


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Folha 67


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Detalhe do Anfiteatro do CI IST, desenho de NMS, Dez. 2014

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Detalhe do Anfiteatro do CI IST, desenho de Miguel Jarroca, Dez. 2014

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JOSÉ MARIA, SEGURADO - ARQUITECTOS UM COSMOPOLITISMO PORTUGUÊS

José Maria Segurado (1923-2011), autor do projecto de arquitectura do Complexo Interdisciplinar do Instituto Superior Técnico, foi o filho mais velho do arquitecto Jorge Segurado (1898-1990), da ditosa primeira geração de arquitectos modernistas em Portugal, era neto de João Emílio dos Santos Segurado1 (?-?) autor de diligentes livros técnicos da «Biblioteca de Instrução Profissional»2 e foi sobrinho de José de Almeida Segurado (1913-1988), da segunda geração de arquitectos modernistas portugueses, autor entre outros, dos prédios no cruzamento da Av. Roma com a Av. dos EUA. À semelhança do que se passou com muitas outras famílias (Marques da Silva, Pardal Monteiro, …), José Maria Segurado foi assim o terceiro destacado arquitecto de uma numerosa família de profissionais a abraçarem esta arte, tradição prosseguida por muitos dos seus actuais descendentes3. Auto identificado como “engenheiro industrial do IICL – Instituto Industrial e Comercial de Lisboa”, segundo José Manuel Fernandes em - Arquitectos Segurado, 2011, Lisboa, JMF-INCM, pag.8. 2 Ainda hoje referência na história da construção em Portugal no início do Sec. XX, publicados entre 1920 e 1930 pela Aillaud e Bertrand, Paris-Lisboa e pela Livraria Francisco Alves, do Rio de Janeiro. Colecção fundada por Thomaz Bordallo Pinheiro, (irmão de Columbano e Rafael) que nela publicou “Desenho de Máquinas”. 3 Lista de arquitectos da família Segurado, organizada por João Alberto Segurado (designer), sem contar com os três referidos no texto principal: João Carlos Sil¬va Segurado (1921-1999), João Paulo de Almeida Segurado (1948 - ), João Pedro de Almeida Segurado (1951 - ), Francisco João Segurado Tojal (1951- ), António Jorge Carvalho Segurado (1953 - ), Frederico Segurado Pavão Mendes Paula (1956 - ), Sofia Paradela de Oliveira Segurado (1965 - ), Pedro Segurado Quintino Rogado (1972 - ), Marta Segurado pavão Carneiro Pacheco (1985 - ). 1

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Jorge de Almeida Segurado (1898-1990), com inúmeras obras construídas4, desenhou peças marcantes do modernismo português nos anos 30, teve a sua fase tradicionalista nos anos 40 e 505 e retomou caminhos de grande actualidade, como nos moderníssimos “Blocos Amarelos” da Av. do Brasil, 112 – 132, quando a partir dos anos 60, acolheu a colaboração e influência dos seus filhos José Maria e João Carlos. Contemporâneo e a um passo do Campus da Alameda do IST destaca-se o conjunto da Casa da Moeda e o Liceu Filipa de Lencastre, realizados maioritariamente na década de 30, com a colaboração de António Varela. A Escola Secundária Filipa de Lencastre, como hoje se chama o antigo liceu feminino, foi intervencionada entre 2007 e 2010 pela Parque Escolar, com “profunda e delicada”6 recuperação de João Paulo Conceição, com a colaboração de Manuel Costa Gomes. Sendo de entre os demais arquitectos modernistas do seu tempo (Cristino da Silva, Carlos Ramos, Cottinelli Telmo, Pardal Monteiro, Cassiano Branco, Rogério de Azevedo, …) o que mais escreveu, não o fez por motivo ou carreira académica. Não só os traços, também as palavras estabelecem por vezes relações de amizade com a arquitectura. JMF referenciou cerca de 800 projectos. Após a Exposição do Mundo Português e a morte de Duarte Pacheco… 6 José Manuel Fernandes em - Arquitectos Segurado, 2011, Lisboa, JMF-INCM, pag.51 4 5

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Cruzamentos da Av. de Roma com a Av. João XXI e da Av. de Roma com a Av. EUA. Colecção de postais de José Manuel Fernandes.

José de Almeida Segurado (1913-1988), irmão mais novo de Jorge Segurado e tio de José Maria Segurado, partidário do trabalho em equipa, deixou marcas importantes nas proximidades do IST, como o conjunto urbano da Av. João XXI, 1946-50 (postal) (Col. JMF) que engloba uma vasta zona entre as Avenidas de Paris e de Madrid, desenhado com Guilherme Gomes, Joaquim Ferreira e Filipe Nobre Figueiredo e o notável e cosmopolita cruzamento da Av. de Roma com a Av. dos EUA (1952-1955) de parceria com Filipe Nobre Figueiredo e Sérgio Gomes, 1952-1955, (postal) (Col. JMF), do célebre Café Vá Vá, em tempos centro da intelectualidade, do Cinema Novo português e dos Verdes Anos, que Ana Tostões repescou nas suas investigações sobre a arquitectura moderna em Portugal. A decoração de Eduardo Anahory não resistiu à voragem dos tempos e dos murais cerâmicos de Menez não se tem sabido tirar o melhor partido. José Maria Segurado (1923-2011), para além da larga colaboração no atelier do pai tem também projectos da sua exclusiva autoria, entre os quais merece destaque este edifício construído entre 1960 e 1964 no perímetro sudoeste do Técnico, inicialmente cingido ao Laboratório Calouste Gulbenkian de Espectrometria de Massa e posteriormente por ele transformado no Complexo Interdisciplinar entre 1967 e 1973, data da sua inauguração. Insigne estudioso da arquitectura portuguesa e dos seus actores, precursor da atenção sobre as Avenidas Novas, a arquitectura na passagem do século, os modernistas e o séc. XX. 7

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As qualidades deste edifício não passaram despercebidas a José Manuel Fernandes7 que em 2011, ano da morte de José Maria Segurado, publicou o livro «ARQUITECTOS SEGURADO», fonte principal destas notas, de onde retiramos a seguinte passagem sobre o Complexo Interdisciplinar: «Trata-se de um edifício exibindo fachadas com desenho de expressão neutra, discreta, quase corrente – mas com interiores muito trabalhados, dentro de uma dimensão orgânica, quase intimista, que lhe atribui uma especificidade e uma originalidade únicas no quadro do conjunto do IST (como que um “luxo contido”). Neste sentido destaque-se o uso de materiais “quentes”, como a madeira de cor natural em paredes e tectos, no átrio de entrada principal, no espaço de refeições, no auditório e na biblioteca (espaços que a fluidez do átrio articula entre si), bem como a colaboração na imagem global dos espaços, de artistas plásticos como Lagoa Henriques (escultura parietal da entrada) e Jorge Vieira (painel biombo do átrio). Na procura da modulação da luz exterior para certas áreas, destaque-se, ainda, a utilização muito “corbusiana” de brise-soleils/quebra-sois verticais, de geometria variável e movimento mecânico, que se constituem, dada a visibilidade exterior da alta fachada poente onde se inscrevem, desde a Rua Alves Redol, como elementos fulcrais na definição formal dessa fachada. »8 As “brise-soleils” a que JMF se refere, têm um rasgo e uma altura correspondente ao duplo pé-direito na zona da Biblioteca e do Átrio do Bar e apenas um piso de altura no canto superior oposto da fachada poente, correspondente a um espaço interior inicialmente pensado como refeitório e hoje transformado em laboratório de química. O acerto e precocidade desta solução em termos de protecção solar passiva a poente refresca a sua actualidade. 8

José Manuel Fernandes em - Arquitectos Segurado, 2011, Lisboa, JMF-INCM, pag.130

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Noutra linha de atenção aos detalhes são as menos conhecidas estantes combinando paralelepípedos abertos e fechados (conforme a conveniência de prateleiras ou armários) em madeira nobre com prumos de aço inox. Nos gabinetes que resistiram às sucessivas reutilizações ainda subsistem estantes de dois tipos, baixas e corridas do lado das janelas, com prateleira ao nível do peito, altas e corridas nas paredes opostas ou confinantes, conforme o programa do espaço. Saiu também do punho de José Maria Segurado o interiorismo e mobiliário da zona da Direcção onde se destaca uma robusta mesa de reuniões com estrutura em ferro e tampo maciço em madeira, com círculo central giratório, ainda em perfeitas condições após 40 anos de utilização. Por sua vez as artes plásticas desempenham aqui um papel constituinte do espaço arquitectónico, não há quadros nas paredes, nichos, pedestais ou delimitações artísticas, os elementos escultóricos foram pensados de forma abrangente, de molde a enriquecer e ampliar os volumes e os espaços. A escultura parietal de Lagoa Henriques eleva à “exaltação dos ritmos dominantes das origens” a singela parede exterior entrada. A sombra projecta-se para além da peça. O biombo vitral de Jorge Vieira que organiza a fluída articulação dos espaços excede quase sempre o troço visível do ângulo de onde se vê. Vemos assim nesta como noutras obras dos arquitectos Segurado um alinhamento com o melhor da tradição portuguesa, misto de sobriedade, contemporaneidade e internacionalismo, contenção e cosmopolitismo. Uma inquietação de actualidade que vem detrás e é já bem patente no livro “Sinfonia do Degrau” onde Jorge Segurado reúne as suas entusiásticas impressões da América, onde viveu durante a construção dos pavilhões de Portugal nas feiras mundiais de Nova York e S. Francisco em 1939, de cujo projecto foi o principal responsável, à frente de uma notável plêiade de artistas9, participantes habituais no afã expositivo de António Ferro, então à frente do SNP10. Fred Kradolfer, Carlos Botelho, Bernardo Marques, José Rocha, Paulo Ferreira, Emmerico Nunes, Tom, … entre outros. Ver José Augusto França – A Arte em Portugal no Século XX: 1911-1961 [1974]. Lisboa: Bertrand Editora, 1991, p. 219, 220 10 Secretariado de Propaganda Nacional, designação alterada para SNI-Secretariado Nacional de Informação a seguir à II Guerra Mundial. 9

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Um desenho de Jorge Segurado «Washington Square» ilustrando as impressões recolhidas no livro “Sinfonia do Degrau”11. 11

Edição do autor, publicado em 1940, após a sua missão na América e “no início das exposições centenárias, Portugal”.

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“Washington Square, com o seu ar inglês, coração de Greenwich Village», é sem dúvida a praça mais terna e mais encantadora de Manhattan. Ponto de partida da 5ª Avenida, ela é também o grande «foyer» dos artistas que vivem neste bairro de tradições, nos seus «ateliers» e «apartments». (…) «Washington Square» não nos diz tudo a primeira vez que a vemos, com o seu ingénuo arquinho de triunfo, esmagado pela proporção e volume colossal do esplêndido «building» de «apartments» (…) nº 1 da 5ª Avenida. Outras construções altivas e ricas (…) ressaltam calmamente ao lado do casario simpático e acolhedor (…). A praça é grande e possui uma massa importante de velhas e altas árvores que nos lembram as composições românticas de alguns quadros de Corot. A fisionomia de «Washington Square» é uma excepção em toda a cidade, é uma melodia sentimental, cantada baixinho, docemente, com a nostalgia do velho continente, querendo fugir ao ruído tremendo do grande «jazz-band» desta metrópolis criança, inquieta, mas bem-educada e tão crescida! (…) É uma sala de repouso que nos dá tranquilidade ao espírito e nos acolhe amigavelmente. Cada vez que a vemos de novo, o seu encanto desdobra-se graciosamente e oferece-nos surpresas de pormenor e de expressão que nos escaparam anteriormente. No fim do verão, deste verão tremendamente quente, sufocante e chuvoso, os artistas servem-se dela e das ruas convergentes para em pleno ar livre, sem barracas nem toldos, realizarem uma grande exposição de pintura, desenho e alguma escultura, num à vontade de família. ….”

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Estas são impressões que lembram a combinação perfeita do desenho com a viagem. A maior parte dos bons desenhadores são grandes viajantes. Aprender a ler o Complexo leva-nos longe. Desenhar desperta o desejo de viajar. Nem que seja no romance homónimo de Henry James, o mais europeu dos escritores americanos. NMS

John White Alexander (1856-1915); Young man reading, (s.d.); desenho a guache retirado de um sketchbook não datado12.

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http://www.aaa.si.edu/collections/container/viewer/sketchbooks-164547

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*REGISTO DA EXALTAÇÃO DOS RITMOS

DOMINANTES DAS ORIGENS

A aventura do caos ao cosmos A raiz enigmática da formação energética O trabalho foi executado de um modo tecnicamente original. As formas do caos (matéria não organizada) foram construídas na fundição do bronze directamente na areia sem recurso a moldes em barro ou em gesso. As varas de bronze foram trabalhadas de forma aleatória até a obtenção de uma sinusóide. Foi considerado o movimento das sombras como elemento fundamental para o entendimento das metamorfoses da matéria. A.A. Lagoa Henriques Janeiro de 2005 *Nota recolhida pelo Prof. Hermínio Diogo, junto do escultor Lagoa Henriques a propósito da escultura parietal antecedendo a entrada. lookatthist - caderno de desenho e não só - ist-arquitectura-desenho

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Mural escultórico de Lagoa Henriques, no exterior à entrada do CI IST, foto nms

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Mural escultórico de Lagoa Henriques, no exterior à entrada do CI IST, foto nms

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VITRAL DE JORGE VIEIRA Por vezes um projecto perde qualidades ao passar do papel para a obra. Porém, quando na presença de um autor com talento e com tempo, normalmente acontece o contrário, a obra é melhor que o projecto. Foi o que passou com esta grelha de Jorge Vieira, elemento de separação entre o vestíbulo, a biblioteca e a zona de convívio, … integrada na concepção geral destas três zonas, a qual se manteve como um conjunto de dez painéis de 1,40m por 2,40m e 14 metros de comprimento, porém materializados em cobre em lugar de betão a emoldurar vidros coloridos como neste estudo inicial. Na nossa opinião o cobre realçou o desejo de uma luminosidade discreta e repousante … necessária numa instituição de investigação expresso na memória descritiva de Jorge Vieira, um dos mais destacados escultores do seu tempo.

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desenho... e não só À semelhança das aulas, acolhemos no lookatthist páginas sobre outros assuntos indirectamente relacionados com desenho e arquitectura. Arte é vida e a vida tem a ver com tudo. Tudo interessa ao desenho e à arquitectura, a filosofia, as ciências, as artes, … tudo. Em Desenho interessa-nos todos os campos onde a sensibilidade compositiva possa ser desenvolvida. Assim, acolhem-se outros talentos e pensamentos, revisitamos poesia, prestamos atenção à cidade, à cultura, ao design gráfico, à caligrafia (como Steve Jobs), aos variadíssimos problemas dos outros, etc. Mais. Com tempo foi-se percebendo quanto a composição de uma página é um exercício caro ao desenho e à arquitectura. De facto o interesse, a beleza e a eficácia comunicacional de uma página contêm estreitas ligações com a análise de um desenho ou de arquitectura. Deste modo o trabalho passou lateralmente a integrar a proposta semestral de uma página para a rúbrica “desenho…e não só” do lookatthist. Apresentam-se seguidamente algumas respostas ao exercício (ExZ) de composição de uma página para este “… caderno de desenho e não só”, nele incluindo a escolha livre de tema, arranjo gráfico, tipos de letra, etc. Um anátema dos primeiros anos de arquitectura é a garantia de um gosto em formação inquieto e discutível, porém ávido e aberto. Que mais querer? Por último incluímos um texto crítico de António Pinto Ribeiro sobre a cidade de Luanda, mostrando como as palavras também desenham e dois poemas glosados nas aulas, um de João Roiz de Castel-Branco (145?-1515?) e outro de Luís Vaz de Camões (1524-1580?). Tem nada e tudo a ver. Folha 87


Pรกgina de Flora Major


Captured in Concrete darkwhite

concrete jewelry facebook.com/darkwhite.em

Photo: Balazs Koch Photography

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> Cultura

PRIMAVERA EM CIDADES DO MUNDO

PARIS

Paris é um clássico favorito, mas isso não lhe tira o encanto. Quer a visite pela primeira vez, quer esteja à procura de mais, aqui estão algumas sugestões que o farão apaixonar-se por Paris esta Primavera.

> Paris é o clichê mais A Torre Eiffel é espantosa romântico do mundo, vista de qualquer ângulo, enmas é um lugar onde a reali- quanto que as vistas de cada dade ultrapassa o mito. Ave- uma das três plataformas, nidas cobertas de árvores, permitem-nos ter literalpontes iluminadas por mente Paris aos nossos pés. velhas lâmpadas de ferro e Competindo com a torre terraços com espantosas mais famosa de todo o vistas traçam o encanto que mundo, temos o Museu do a cidade nos dá, juntamente Louvre como um icone da com a grandeza de todos os cidade, sendo a maior galeria monumentos que lá encon- de arte que ali podemos entramos. contrar. Numa escala menor, Cada canto de Paris conta o Musée dʼOrsay é uma esuma história - encontramos pantosa coleção de Impresem cada distrito inúmeros sionismo, Pós-Impressionisboutiques que contribuem mo e arte Nova, tudo isto para que esta cidade seja a numa velha estação capital mundial da moda. roviária renovada.

Página de Gonçalo Sassetti

Os cerca de 80,000 quartos de hotel que a cidade

tem estão ocupados a maior parte do ano. Por isso, reserve-os com antecedência. Facilmente encontramos um restaurante conceituado, com estrelas Michelin, onde nos servem simples e espantosos pratos, cozinhados por chefs de grande nome. O Restaurante Le Jules Verne, situado no segundo nível da Torre Eiffel, encanta-nos com os seus espantodos pratos de cozinha moderna fer- francesa.


Folha 91

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P谩gina de Renata Vit贸ria


Folha 93


Pรกgina de Manuel Lages


Folha 95


Pรกgina de Manuel Ramos


Folha 97


Pรกgina de Jorge Silva


Fallout \ ‘ fol- ,aut\ : as partículas radioativas que são produzidas por uma explosão nuclear e que caem na atmosfera; : a consequência negativa de algo. “O mal e o remédio estão em nós. A mesma espécie humana que agora nos indigna, indignou-se antes e indignar-se-á amanhã. Agora vivemos um tempo em que o egoísmo pessoal tapa todos os horizontes. Perdeu-se o sentido da solidariedade, o sentido cívico, que não deve confundir-se nunca com a caridade. É um tempo escuro, mas chegará, certamente, outra geração mais autêntica. Talvez o homem não tenha remédio, não tenhamos progredido muito em bondade em milhares e milhares de anos sobre a Terra. Talvez estejamos a percorrer um longo e interminável caminho que nos leva ao ser humano. Talvez, não sei onde nem quando, cheguemos a ser aquilo que temos de ser. Quando metade do mundo morre de fome e a outra metade não faz nada… alguma coisa não funciona. Talvez um dia!” José Saramago, in ‘La Verdad” (Murcia, 1994)

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A Cidade da Clausura António Pinto Ribeiro “Público” - 07/11/2014

Luanda deixou de ser uma cidade, é um grande negócio privatizado. Tudo o que é público foi banido e todo o espaço privado está sujeito a tais regras de segurança que mais se parece com uma gigantesca prisão São 5:30 da manhã. Milhares de carros fazem filas compactas que se movem lentamente numa única direcção. Os cerca de 20 km que falta até ao centro da cidade demorarão entre duas e três horas a percorrer. Os condutores que chegarem mais cedo ainda dormirão um pouco dentro do carro até que chegue a hora de se apresentarem no trabalho. Nessa altura, procurarão no banco de trás uma garrafa de água e com ela irão salpicar o rosto antes de se dirigiram para a empresa. Depois, ao fim da tarde, exaustos, tornarão a demorar as mesmas duas ou três horas para regressarem a casa. Chegam a casa entre as 21h e as 22h. É assim todos os dias do ano, anos seguidos. Até podem ter conseguido mudar-se para um apartamento nas novas centralidades, subúrbios com 20 ou 50 mil apartamentos construídos pelas empresas chinesas. Contudo, sem empresas ou serviços incorporados nesses subúrbios, os moradores estão condenados a estes engarrafamentos diários, a esta clausura maciça de milhares de pessoas dentro de automóveis bloqueados em todas as ruas da cidade e seus acessos. “Engarrafamento” parece um termo em desuso mas é o mais adequado para designar a massa de habitáculos avançando sem ordem, contorcendo-se entre camiões e centenas de vendedores de rua que se esgueiram entre os carros. “Engarrafamento”, mais do que “tráfego intenso” traduz melhor a ideia da vida a afunilar-se. E quanto mais perto do destino, pior. Para aqueles que nela têm de conduzir, a cidade exige uma habilidade invulgar para contornar as crateras no meio do alcatrão ou os lençóis de água onde bóiam sacos de plástico negros. Um dos problemas desta cidade é estar a ser construída apenas como um amontoado de prédios com fachadas e pórticos brilhantes, onde o brilho dos materiais assinala de forma exibicionista que ali se está no império da construção civil financiada pelo dinheiro proveniente da extracção dos recursos naturais do país. A cidade há muito que deixou de ser uma cidade, é apenas um grande negócio privatizado. Por isso, tudo o que é público foi banido e todo o espaço privado está sujeito a tais regras de vigilância e de segurança que mais se parece com uma gigantesca prisão. Ao contrário do que afirmam os economistas ultraliberais, a sociedade não se constrói à semelhança de uma pirâmide que funcione fazendo com que quanto mais dinheiro chegue aos do topo, mais dinheiro corra para baixo, para ser distribuído pelas outras camadas da pirâmide, uma a uma, até à base.wNa cidade o que se vê é uma arquitectura de resposta rápida e para impressionar: prédios que se constroem usando mármores raros e madeiras preciosas, vidros e metais resplandecendo; e as ruas (a base da pirâmide) com esgotos a céu aberto, buracos como crateras, lixo que se acumula no que já foram passeios. A ruptura existe entre o topo, o poder, o luxo, tudo o que é propriedade privada -- e o restante. O restante é a coisa pública, o espaço público.Uma cidade que não tem teatros nem cinemas, nem jardins nem parques seguros, nem calçadas nem passeios para as pessoas caminharem, nem museus nem livrarias e os seus públicos, uma cidade assim não é bem uma cidade. É um amontoado de construções, de esqueletos de prédios, argamassas por onde passam pessoas. Um lugar sem espaço público, um lugar anti-democrático.

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A própria natureza, em outros lugares fogosa e resplandecente, foi expulsa daqui. Assim se expulsou África da própria África. Ficaram uns resquícios de plantas decorativas aprisionadas em vasos nos halls dos edifícios de vidro e nos jardins domesticados dos hotéis. Mas as casas da “baixa” vão sendo demolidas e com elas desaparece a memória das coisas boas e más da história da cidade. Onde outrora viviam 400 mil habitantes hoje vivem seis milhões, subjugados ao grande culto do dinheiro, caminhando em círculos. O dinheiro é o fetiche, o objecto de obsessão da cidade. Toda a actividade procura a acumulação de dinheiro. Como numa corrida ao ouro no far West, vale tudo para obter mais uma moeda: vale o isolamento, a claustrofobia dos hotéis, vale a criminalidade organizada ou episódica, valem a arrogância, a pressa, as filas intermináveis, as praias vigiadas, a insolência dos polícias. Aquilo que é publicitado como o “frenesim da cidade” é apenas uma vertigem do poço da morte. Para que esse frenesim exista há um mundo submerso de milhares de pessoas trabalhando no subsolo, nas minas, nos campos. Uma Metropólis africana, com figurantes mais nus e mais suados. A cidade de betão vacila entre a obesidade e a sua consequência, o desperdício; entre o novo-riquismo e a pobreza material. Obesos e obesas frequentam os restaurantes caros, conduzem automóveis de grande cilindrada e vidros esfumados, estão nos hotéis, nos programas de entretenimento das televisões. A acumulação de dinheiro está na origem de uma bolimia dos poderosos que tudo consomem. Que desenvolvimento pode haver quando todos querem ter um carro como o rico e o rico quer ter um jacto privado? Haveria desenvolvimento se o rico fosse capaz de dar o exemplo e abdicasse do carro e usasse os transportes públicos – mas, para isso, teria de ser do interesse dos governantes que existissem transportes públicos. Uma cidade assim, fechada por muros e vigiada por empresas de segurança, vive da intriga, dessa rede obscura de manipulação de poderes e de interesses obscuros; alimenta neuroses, funciona como estratégia de controlo e sendo a massa com que se alimentam os encontros sociais parasita qualquer tentativa de conversa transparente. Como reféns, os habitantes da cidade de betão contam histórias absurdas para se entreterem. É preciso uma grande imaginação para superar a realidade: a realidade da mulher que chega à sua residência num bairro caro da cidade num carro preto de grande cilindrada , escoltada por batedores, e que manda retirar do porta bagagens a carcaça de um boi é tão imprevista que nos remete para um manancial de histórias escritas por autores da cidade. Como aquela história do porco transformado num animal doméstico e protegido pelas crianças que o baptizaram de ‘carnaval da Vitória’ vivendo num prédio de sete andares no livro “Quem me dera ser onda” (Manuel Rui, em 1991) uma paródia, uma história grotesca do tempo da revolução leninista. Ou a estória do ladrão e do papagaio do livro Luuanda (Luandino Vieira, 1963) a história de três bons marginais, um dos quais rouba patos porque o governo colonial não lhe dá autorização de trabalho honrado; ou ainda a ideia da criação do cinema GaloCamões pelo JoãoDevagar no terraço de um prédio para mostrar ciclos de cinema pornográfico, um episódio de Os Transparentes (Ondjaki 2012)... mas tudo isto é literatura na sua imensa fantasia; porque a cidade essa é uma clausura sem fantasia possível. Compreende-se bem por que o escritor de viagens Paul Theroux interrompeu aqui o seu projecto de viajar da Cidade do Cabo até ao norte de África conforme o escreve em “O Último comboio para a zona verde” (2013). Escrever sobre e nesta cidade cansa, exige um esforço enorme porque tudo impele a que se fuja daqui; mal se consegue respirar. No meio de tudo, há os milhares de deserdados, órfãos das guerras, e os barracões de blocos de cimento e zinco dos musseques, as muito jovens raparigas grávidas que entre as filas dos carros vendem um cacho de bananas, cana de acúcar, panos tentando escapar a esta cidade de clausura.

Folha 101


Senhora, partem t達o tristes Jo達o Roiz de Castel-Branco (145?-1515?)

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Senhora, partem tão tristes meus olhos por vós, meu bem, que nunca tão tristes vistes outros nenhuns por ninguém. Tão tristes, tão saudosos, tão doentes da partida, tão cansados, tão chorosos, da morte mais desejosos cem mil vezes que da vida. Partem tão tristes os tristes, tão fora d' esperar bem, que nunca tão tristes vistes outros nenhuns por ninguém.

Folha 103


Perdigão perdeu a pena Cantiga sobre mote popular

Luís Vaz de Camões (1524?-1580) lookatthist - caderno de desenho e não só - ist-arquitectura-desenho

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Perdigão perdeu a pena Não há mal que lhe não venha. Perdigão que o pensamento Subiu a um alto lugar, Perde a pena do voar, Ganha a pena do tormento. Não tem no ar nem no vento Asas com que se sustenha: Não há mal que lhe não venha. Quis voar a u~a alta torre, Mas achou-se desasado; E, vendo-se depenado, De puro penado morre. Se a queixumes se socorre, Lança no fogo mais lenha: Não há mal que lhe não venha. Folha 105


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Coordenação e textos:

Nuno Matos Silva

Desenhos: Alunos do 1º ano do curso de Arquitectura, 1º semestre, 2014/2015 Design e paginação: NMS e Alice Rolão Data de publicação: Abril de 2015

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Beatriz Ferreira Clara Amaral Diogo Pimentel Diogo Queirós Filipa Gabriel Flora Major Inês Andrade Inês Arribança João Ribeiro Jorge Silva Luana Marques Lucas Nepunoceno Manuel Lages Miguel Jarra Miguel Jarroca Nádia Albuquerque Nuno Matos Silva Pedro Valério Serenela Maurício Sérgio Costa

Folha 107


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abril 2015


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