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Freguesia de Cambres
from Newsletter n.º 30
by Nuno Ribeiro
Agrupamento de Escolas Latino Coelho, Lamego
Cambres situa-se a sul do rio Douro, com o qual confina, e nas fraldas da Serra de Montemuro, rodeada pelas freguesias de Samodães, Ferreiros, Almacave e Sande. Extensa como quase hoje, Cambres era-o já no século XIII desde os tempos remotos, o que bem se verifica pelas Atas das Inquirições de 1258, que dentro da rubrica «De Parrochia Sancti Martini de Cambres» ocupam várias folhas dos livros 1.º e 3.º das Inquirições de D. Afonso III.
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Quer isto dizer de certo modo, que Cambres já então era uma das mais vastas e populosas zonas do país. As tradições de Cambres constituem um corpo de factos curiosos muito particulares. Alguns desses factos, podemos de antemão enunciar como o senhorio da Igreja de S. Martinho em Maria Gonçalves, «Prelada» da igreja que, em nome do povo, autorizou em 1197 (século XII), o Bispo de Lamego a doar ao Convento de S. João de Tarouca, em troca de um cálice de prata, um livro e um casal situado em Quintilião (hoje Quintião); as vastas aquisições feitas em muitas das «Vilas» rústicas da paróquia pelos Mosteiros de Salzedas, S. João de Tarouca, Cabido da Sé de Lamego e pela Sé Bracarense, as honras de Egas Moniz em várias dessas «Vilas», bem como as de sua mulher D. Teresa Afonso e de seu filho Soeiro Viegas «Príncipe» lamecense como o seu pai a origem dos vários topónimos principalmente os alusivos à arqueologia e pré-história e os de filiação Germânica (Suevos e Visigodos) a razão de alguns deles como Maduros, a mudança de Rio Mau em Rio Bom, os fenómenos de transformação de Maciata (U nasal) em Mesquinhata, etc., etc..
Os primeiros registos, referentes a Cambres, datam de 1179 e referem-se às décimas que pertenceram à Igreja de S. Martinho de Cambres. Documentos esses encontrados no Livro de Doações de Salzedas, mas isto não significa que outros documentos anteriores possam ter existido e que se perderam, uma vez que todo o vasto arquivo de Salzedas foi destruído. Alguns historiadores colocam mesmo a hipótese de aqui (Cambres) ter existido um mosteiro pré-nacional, o que seria corroborado pelo nome do lugar, que ainda hoje se conserva Mosteiro e que fica perto do lugar da Bogalheira, na estrada que liga Lamego à Régua, na direção Rio Bom. Talvez este facto se deva de preferência aos monges Cistercienses que trazidos por D. Afonso Henriques haveriam de ocupar os lugares de S. João de Tarouca e Salzedas. Alguns destes mestres de povoamento e agricultura haveriam de instalar-se por este lugar.
No tempo da ocupação Suevica, deu-se a Cristianização desta terra. O rei Teodomiro, chefe dos Suevos, ao obter a cura de seu filho Teodomilo, por intermédio de S. Martinho de Dume, comprometeu-se a converter ao Cristianismo e com ele o seu povo. Como S. Martinho de Dume era muito devoto de S. Martinho de Tours, este povo, à medida que fundava comunidades Cristãs, dava-lhes como padroeiro S. Martinho de Tours. Daí o padroeiro de Cambres ser S. Martinho de Tours.
Mas a prova da sua antiguidade está na Igreja Matriz, uma vez que foi S. Martinho de Dume, o fundador da Diocese de Lamego e remonta ao século VI, tendo sido dedicada a S. Martinho Tours, nessa altura, uma pequena capela que mais tarde em 1767 (século XVIII) a mando de D. José foi restaurada e ampliada. É decorada no estilo Barroco no fim da sua fase. Sendo assim, como comunidade Cristã, Cambres é bastante antiga.
Nosso Senhor D´ Áflição
Apesar de S. Martinho ser o ser o padroeiro de Cambres, é no Nosso Senhor D´Áflição que o povo deposita a sua fé. Duas versões confirmam tão grande devoção: 1.ª versão – Há quem diga que em tempos houve uma grande cheia, à qual se seguiu uma grande crise de fome e as pessoas oraram ao Senhor D ’Áflição que os ajudasse e, como as suas orações foram atendidas, as pessoas passaram a celebrar todos os anos no último domingo do mês de Julho a festa em honra do mencionado Santo. 2.ª versão – Sendo Cambres constituída na sua maioria por campos e quintas, em determinada altura essas vinhas foram devastadas por uma praga chamada «Filoxera», deixando o povo a morrer à fome, e foi então em desespero que o povo se juntou e organizou uma procissão de penitência em honra do Senhor D ’Áflição, procissão essa realizada à noite com o povo todo descalço, pedindo ajuda ao Santo. Como as pragas cessaram, o povo em agradecimento passou a venerar o Santo até aos nossos dias. Esta procissão ainda hoje se realiza e reveste-se de algum simbolismo.
Igreja Matriz
A Igreja Matriz, dedicada a S. Martinho de Tours, o Padroeiro da freguesia. Reza a história que D. João III baixou a abadia de Cambres para Reitoria e Vigararia e que D. José mandou restaurar e ampliar a Igreja ou talvez reconstruir de raiz no respeito do barroco da última fase em 1767. Nesta Igreja, pode contemplar-se os seus Altares, todos em talha dourada, o Altar-Mor, o teto com figuras bíblicas pintado à mão, as paredes são revestidas com azulejos decorativos, e os quatro Evangelistas, S. Marcos, S. João, S. Lucas e S. Mateus, estão patenteados na Capela-Mor simbolizados pelas figuras do Leão, Touro-Homem e Águia, respetivamente, podendo ainda serem vistos os seus Púlpitos, a Pia Batismal e o Coro.
Águas de Cambres
Relata-se que na vila existia uma albergaria medieval, construída junto da nascente. Aqui passava uma das vias utilizadas para romagem a Santiago de Compostela. Andrade (1925) descreve a geologia do terreno: “A mancha cambriana que segue de Espanha por Barca d’Alva até um pouco a Oeste de Mesão Frio, cobre toda a região da Régua e também o local onde existem as nascentes”, e refere uma quinta nascente, “do Cedro Grande, mais perto da Casa da Corredoura e junto a um cedro grande, donde lhe provem o nome, aparece no contacto dos xistos cambrianos com as aplites”. Acciaiuoli noticia no seu relatório anual de 1942 que “está nos tribunais pendente uma ação judicial”, e assinala em 1944 que “não se chegaram a executar as obras de captagem, tais como Freire de Andrade projetou, por várias vicissitudes passou esta concessão e, devido a elas, a sua exploração tem sido deficiente”.
Em 2007 ainda foi publicado num jornal da região (Notícias do Douro) a recuperação das instalações, mas até aos dias de hoje mantém-se tudo na mesma. O povo ficou muito entusiasmado, pois sempre foi um sonho das gentes desta terra a reabertura das “Águas de Cambres”. Caso o projeto fosse concretizado daria muito mais conhecimento à vila e a criação de postos de trabalho, mas tal não aconteceu, o que foi uma pena. Existem quatro nascentes: Caldeirão 1 e 2, a Fonte e as Fontainhas. Na última fase de laboração só se trabalhava com uma nascente e com um furo artesiano, que era o principal fornecedor de água para a fábrica de engarrafamento. Este furo localiza-se por de trás da oficina e é protegido por uma construção sólida em cimento com 1,5 x 1,5 m.
A fábrica de engarrafamento é uma construção dos anos 1960, com uma área de cerca de 200 m2. A entrada dá diretamente para o armazém, com um pequeno escritório de administração do lado esquerdo. Ao fundo deste armazém ficava o local de engarrafamento com três tanques e dois sistemas de canalizações (vermelha e branca) que se juntam na torneira comum de engarrafar, correspondendo a águas das duas nascentes diferentes. Numa terceira sala ao lado direito encontra-se uma máquina mais recente para encher garrafões, uma outra para enrolhar e uma terceira para lavagem do vasilhame. Todo o material está obsoleto e demonstra um processo de engarrafamento bastante artesanal e pouco higiénico para os padrões acuais, possível razão porque se encontra inativo. Curiosamente toda a oficina ainda tem energia elétrica, apesar de não funcionar há cerca de 20 anos. A área de proteção abrange toda a colina por de trás da oficina, que formava um parque de lazer onde predominam os cedros e pinheiros, mas onde as acácias vão ocupando toda a superfície livre.