Renascer de um outono

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Samanta Holtz

Renascer

Outono de um

S達o Paulo 2014


Copyright © 2014 by Samanta Holtz

COORDENAÇÃO EDITORIAL REVISÃO DIAGRAMAÇÃO CAPA FOTO DA AUTORA

Silvia Segóvia Alline Salles (asedicoes.com) Vanúcia Santos (asedicoes.com) Marina Avila Tatiana Holtz

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Holtz, Samanta Renascer de um outono / Samanta Holtz. -- Barueri, SP: Novo Século Editora, 2014. 1. Ficção brasileira I. Título.

14-06807

CDD-869.93

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

2014 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. Alameda Araguaia, 2190 – Conj. 1111 CEP 06455-000 – Barueri – SP Tel. (11) 2321-5080 – Fax (11) 2321-5099 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br


Dedicatória

Dedico este livro a todos aqueles que conhecem a dor de perder alguém amado... e o processo lindo, doloroso e transformador do renascimento de si mesmo. Vocês entenderão essa história. E, aos que ainda esperam pelo renascer, que ele possa acontecer no dia mais lindo da estação mais bela do ano. Que os tons de cinza do inverno tinjam-se do colorido da primavera, e que as lágrimas que caem dos seus olhos, tais quais as folhas do outono, tornem-se cada instante mais escassas, até que você sinta a alma novamente inundada pela luz de um sol de verão. Que essa história seja inspiração para a sua busca por dias mais felizes. E que você possa acreditar que eles existem!



Agradecimentos

A cada livro que escrevo e publico, esta página de agradecimentos se torna mais necessária. É tanto carinho, apoio, torcida e cumplicidade de todos ao meu redor que escrever seus nomes aqui é fundamental, embora ainda pareça pouco perto do bem enorme que me trazem! Em primeiro lugar, agradeço a Deus por me permitir tocar corações e transmitir bons sentimentos através do lindo dom da escrita que d’Ele recebi. Agradeço pelas oportunidades que apareceram no momento certo, pela paciência e fé que me mantiveram firme na luta, pelas escolhas bem feitas... não ouso chamar isso tudo de coincidência. São sinais de que Deus, afinal, é o grande escritor da história de todos nós! Agradeço à minha família linda, que sempre acreditou em mim e, hoje, mostra-se tão presente em todos os momentos. É maravilhoso saber que essa conquista não é minha, mas de todos nós, que sonhamos este sonho juntos! Obrigada por dividirem comigo esse sentimento maravilhoso de realização. Às minhas duas fãs número um, desde sempre e como sempre! Tatiana e Nete, que se apaixonaram por este livro à primeira vista e me fizeram acreditar que a história era mesmo boa. Outra grande responsável por isso é a professora Ernides, que me incentivou a explorar o talento literário e foi uma das primeiras pessoas a ler este livro, quando eu tinha dezesseis anos. Nunca vou me esquecer do adjetivo que ela usou para descrevê-lo: “magnânimo”! Seu apoio foi fundamental para que eu decidisse levar meu sonho de ser escritora a sério. Muito, muito obrigada! Agradeço aos colegas literários, com quem divido sonhos, experiências, conquistas e, claro, deliciosos eventos nos quais recebemos o carinho do público. Logo, não posso deixar de agradecer a todos os amigos, fãs e leitores que se esforçam para estarem presentes! Em especial, ao meu amor, Diego, que faz o possível e o impossível para acompanhar minha agenda em cada canto desse país. Obrigada, meu amado, pela companhia, pelo apoio, pelo incentivo, pelos conselhos, pela paciência em estar comigo do começo ao fim de cada evento... e, acima de tudo, obrigada por me permitir saber o que é ter meu próprio príncipe encantado!


Agradeço à editora Novo Século, que acredita em mim, em meu trabalho, em meu potencial. Obrigada a cada um de vocês, de cada setor, que contribui de forma direta ou indireta para levar meus livros até os leitores de forma impecável, como eles merecem! Falando em leitores... vocês, meus queridos, têm uma importância singular nesta página! Sem a entrega de vocês às minhas palavras e aos meus personagens, minhas ideias não seriam mais do que letras impressas no papel. Obrigada por darem vida ao meu trabalho, significado aos meus sonhos e por fazerem de mim uma escritora tão realizada. Vocês são maravilhosos! E é nesse time de leitores que estão os blogueiros amigos e parceiros, que divulgam e incentivam meu trabalho de forma tão bonita. Obrigada por me ajudarem a alcançar cada dia mais leitores e por dividirem suas opiniões a respeito das minhas histórias. O apoio de vocês foi, é e sempre será fundamental! Os agradecimentos são tantos, e tão profundos, que retribuo da melhor forma que encontrei: dando o máximo de mim neste livro para que, ao folhear cada página, você se sinta abraçado por meio de minhas palavras e dos sentimentos que nelas coloquei. Podem ter certeza: foram os melhores. Porque foram para vocês! Com carinho, Samanta Holtz


Nota da autora aos leitores

Querido leitor e querida leitora, A publicação deste livro tem um sabor todo especial para mim... Embora Renascer de um Outono seja meu terceiro título publicado, esta história foi a primeira que escrevi, aos 14 anos de idade. Foi um conjunto de ideias e personagens que, na época, eu não imaginava que acabariam virando um livro – apenas um conto, talvez. E, depois de ter desejado esse momento por tantos anos, aqui está Renascer de um Outono: publicado e em suas mãos, pronto para ser lido! Revisei e reescrevi a história com toda a dedicação para que você receba o melhor de mim. Foi incrível viver esse processo e ver o quanto minha escrita mudou e amadureceu nos últimos anos. Deste modo, caro leitor, embora eu tenha colocado essa história no papel há mais de dez anos, aqui você encontrará um pouco da Samanta de ontem e de hoje: a técnica e a narrativa do presente com novas ideias acopladas aos detalhes concebidos no passado, os quais fiz questão de preservar – como os nomes de lugares e cidades que não existem em lugar algum no mapa! Portanto, ao virar as páginas seguintes, que o seu coração se abra às minhas palavras e que elas possam proporcionar muito mais que uma leitura, mas uma intensa e deliciosa viagem... Obrigada por abrir as portas do seu mundo para o meu! Com carinho, Samanta Holtz



Um Deixei que aquele amor habitasse em mim, como um companheiro, mesmo sabendo que nenhum dos meus sonhos com ele jamais aconteceria... Chega um momento na vida em que você quase para de viver, acorrentando-se em pensamentos. É uma espécie de saudade súbita que acomete sem aviso, trazendo uma falta profunda dos momentos vividos no passado e a impressão de que não os aproveitamos bem o suficiente. Dias desses, peguei-me com essas ideias. Pensava que seria o tipo de reflexão que eu só teria aos trinta ou quarenta anos – mas ela chegou, precoce, aos dezoito. Lembrei-me dos momentos da minha adolescência, que, mais que o próprio tempo, corria. Confesso que pensei, por muitas vezes, que a vida continuaria para sempre divertida. Mas os anos se passaram, a vida foi mudando e, em um susto, vejo-me chegando aos dezoito. Quantos planos que eu julgava certos não se concretizaram, enquanto outros foram forçosamente elaborados devido a circunstâncias que eu jamais imaginara viver. Pode parecer exagero expressar-me dessa forma com tão pouca idade, mas as mudanças pesam em nossa vida, independentemente do tempo que levam para acontecer. E para marcar. Quanta coisa mudou desde os meus 15 anos... com exceção da minha aparência. Desisti de clarear os cabelos, mantendo-os castanhos. Também levantei bandeira branca na luta contra os cachos rebeldes e eles retribuíram a trégua, transformando-se em ondas mais suaves das quais, hoje, aprendi a gostar. Meus lábios não aumentaram, como pensei que o tempo gentilmente faria acontecer, e minha altura não passou muito dos um metro e setenta dos quais tanto me orgulhava nas aulas de Educação Física; era a mais alta da turma e costumava ser a primeira escolhida nos jogos de vôlei, o que me poupava do pavor de ficar por último. Nunca fui muito popular; não tinha qualquer atributo estonteante de beleza ou algo legal, como um nome excêntrico. Apenas Anna. Simples assim; Anna Hills, sem apelidos, sem referências, sem grandes habilidades. Meu ponto forte, diziam, era o par de enormes olhos castanhos contra a pele clara do meu rosto, emoldurados por uma grossa camada de cílios e espessas sobrancelhas na mesma cor dos cabelos. Muitos comentavam que eu tinha o olhar penetrante... no entanto, este não é o quesito principal de atração para um bando de adolescentes que 11


só querem saber de volumes em certas regiões do corpo – dos quais eu era e continuo totalmente desprovida. Quanto à rotina... ah, que mudança! Cheguei à conclusão de que nunca devia ter reclamado da época do colégio. Não consegui passar no vestibular, mesmo tentando em várias faculdades a tão sonhada Medicina Veterinária. O mais perto que cheguei foi a fase final de uma concorrida universidade de Icefall, cidade que fica a duzentos quilômetros da minha. Eu tinha tanta certeza de que passaria que, assim que a data da prova foi anunciada, mudei-me para lá. Estudava dia e noite e me sentia totalmente preparada. Entretanto, por muito pouco, não consegui entrar. Foi um momento difícil de superar, especialmente por ter sido logo depois da morte da minha mãe. Em meu coração, ainda existe aquele espaço da paixão verdadeira. Aquele alguém com quem você se pega sonhando involuntariamente, que toma conta dos seus pensamentos e faz com que as preocupações do dia a dia reduzam-se a pó. Esse alguém, para mim, é John. John é dois anos mais velho que eu e cursa Medicina em uma grande universidade. Tem um potencial incrível, sempre acreditei que ele conseguiria – sempre intimamente, pois nunca mantive com ele um diálogo suficientemente longo para que fosse chamado de conversa. Não é engraçado? Nutrir tanto sentimento por alguém com quem sequer tive contato... John é alto e incrivelmente lindo, com cabelos castanho-claros sempre bem aparados e olhos de um azul mais profundo que o céu. É amigável, positivo, dotado de um corpo capaz de provocar suspiros e um sorriso que faria qualquer garota se apaixonar. Sabe aquele sorriso sincero no qual os olhos sorriem junto? Pois é... Essa paixão habita meu coração desde meus 12 anos, embora isso não signifique que sempre esperei por ele. Alguns garotos fizeram parte da minha vida, como Claudio, que namorei por pouco mais de um ano. Foi meu único namoro sério, com direito a aliança de compromisso e tudo. Sempre fui mais conservadora, do tipo que rejeita a ideia de que a quantidade de garotos beijados significa qualquer coisa, o que fez com que eu não tivesse muitos em minha vida – mas algumas voltas e desencontros que me divertiram muito! Quanto a John... bem, John é um caso à parte. Nunca tive qualquer contato, conversa, flerte ou sequer a sombra de uma possibilidade de romance. Ainda assim, a esperança de um dia viver uma linda história de amor com ele insistia em não me deixar. Por algum tempo, lutei contra essa esperança injustificável, temendo me magoar, até que me rendi e deixei que aquele amor habitasse em mim, como um companheiro, mesmo sabendo que nenhum dos meus sonhos com ele jamais aconteceria. As únicas que nunca deixaram de acreditar eram Raquel, minha melhor amiga, e mamãe. Ah, mamãe... como foi triste perdê-la! Ela nos deixou no fim do ano passado, em meio às várias mudanças que vinham acontecendo em minha 12


vida. Essa foi, de longe, a pior experiência que já vivi. Mamãe trabalhava em uma importante companhia de vestuário e se orgulhava de ser uma das representantes nacionais da marca. Eram raras as noites em que voltava cedo para casa, devido às intermináveis reuniões na empresa e viagens a trabalho. Naquela quarta-feira de novembro, porém, ela demorou demais. Próximo às três da madrugada, a campainha soou. Saltei da cama em um susto, e a primeira coisa que me passou pela cabeça foi mamãe. Sempre que ela chegava tarde, entrava silenciosamente em meu quarto e me dava um beijo de boa-noite. Às vezes, eu me levantava e conversava com ela na cozinha, contava alguma novidade ou perguntava do trabalho dela. Independentemente disso, sempre percebia o beijo no meio da noite. Sempre. Corri para atender à porta. Do lado de fora, um policial perguntava se ali era a casa de Helena Stellani Hills. Respondi que sim, desejando imensamente não ter ouvido aquele nome. Meu coração estava acelerado, e eu tremia somente ao pensar que algo podia ter acontecido com ela. No entanto, a voz grossa daquele policial confirmou todos os meus temores: ele informou sobre um acidente entre um carro vermelho e um caminhão, e disse ter encontrado os documentos dela entre os destroços. Começou a explicar como aconteceu, que o caminhão vinha na contramão, tentando, de maneira estúpida, ultrapassar uma perua e, ao desviar, chocou-se com ela. O covarde caminhoneiro fugiu, e mamãe... bem, ela não resistiu e morreu no mesmo instante. Emudeci diante daquele homem fardado e levei a mão à boca. Permaneci ali, parada, boquiaberta, sem acreditar em nenhuma daquelas palavras. Meu organismo estava em pane, nem lágrimas meus olhos conseguiam derramar. O sangue corria na contramão, os músculos congelavam, os nervos contraíam-se até o ponto de explodirem. Nunca havia me sentido daquele jeito. E nunca esperaria me sentir. Papai chegou à sala e percebi o olhar dele passear nervosamente entre mim e o homem do lado de fora. Ele cumprimentou o policial, nervoso, e, à medida que ouvia a notícia, percebi sua expressão mudar de assustado para confuso, de confuso para triste, de triste para arrasado. Mesmo ouvindo tudo pela segunda vez, eu ainda não acreditava. Não podia acreditar. Porque, a partir do momento em que eu acreditasse, aí, sim, passaria a ser verdade... O som das vozes despertou meus irmãos, Barbara e Joe, que adentraram a sala no momento em que papai dispensou o policial e fechou a porta. – O que aconteceu, papai? – Barbara questionou, intrigada. – Quem era? Papai ficou calado, com o olhar perdido perambulando a sala até fixá-lo em mim. Em uma transmissão de pensamentos, parecíamos tentar convencer um ao outro de que aquela notícia fora apenas um pesadelo. – É a mamãe? – ela continuou, assustada com nossas expressões. – Aconteceu alguma coisa com ela? – Cala a boca, idiota! – Joe respondeu, aos berros. – Claro que não aconteceu! Não é, pai? 13


Sem saber como responder, papai nos abraçou. – Meus filhos... – ele disse, lutando contra as lágrimas. – Na vida, sempre temos a nossa vez. Vez de ganhar, vez de perder... hoje, foi a vez da mamãe. Ela foi a escolhida de Deus para juntar-se a Ele. A realidade me acertou com força, encerrando o minuto de silêncio que meu corpo havia adotado. Como se meus impulsos fossem todos retomados de uma vez, as lágrimas se atiraram dos meus olhos e comecei a chorar loucamente. Barbara soltou uma exclamação alta e inconformada, e Joe fixou os olhos em um ângulo da sala, absorvendo as palavras de papai e a gravidade da situação. Ficamos todos ali, abraçados, chorando, nem sei por quanto tempo. A todo instante, eu sussurrava, quase sem voz de tanto chorar: – É mentira, não é? Infelizmente, não houve resposta afirmativa para essa pergunta. No velório, pouco antes de fecharem o caixão, inclinei-me sobre o rosto pálido e arranhado de mamãe e lhe dei o beijo de boa-noite que, pela primeira vez, não recebi. Ela estava tão linda, com a expressão serena como sempre e os cabelos espalhados sobre os ombros, negros como uma noite sem lua. Parecia adormecer em um sono leve, sonhando com os anjos e feliz por estar com eles. Meu conforto foi saber que, a partir daquele instante, sua vida seria um eterno sonho... Deste dia em diante, minha vida mudou muito. Era mamãe quem me ouvia, aconselhava e com quem eu desabafava. Barbara, minha irmã de 24 anos, não desmentia a personalidade forte estampada nos cabelos curtos e negros. Não era a melhor pessoa para se procurar em busca de um conselho amável, embora fosse ótima para dar toques diretos e objetivos a quem precisava de uma dose de ânimo ou um choque de realidade. Joe, meu irmão de 16 anos, tornou-se ainda mais rebelde e complicado depois de tudo. Ele é o típico adolescente cheio de espinhas no rosto, com cabelos castanhos sempre cobertos por um boné azul para ninguém encher o saco sobre estarem oleosos ou com caspas – especialmente se esse alguém for Barbara. Jorge, meu pai, não entende certos problemas femininos para eu desabafar, porém tenho elogios de sobra para ele. Batalhou duro a vida inteira e nunca reclamou de nada que possa ter lhe faltado. É dele que puxei a cor dos cabelos, embora os cachos sejam de mamãe, bem como meus olhos. Papai aposentou-se pouco antes de nossa mãe partir e agora vive em casa, sentado em sua poltrona favorita sempre com um jornal em mãos, em um descanso merecido. Minha cidade natal é Mountain Valley. Cidadezinha pacata, porém linda. Movva, como sempre a chamei, possui belas praças e jardins, além do horizonte recortado por montanhas, que são minha grande paixão. É lá que fica nossa casa, um lugar aconchegante e adorável de se viver. Toda de madeira, com móveis rústicos e decoração à base de flores do jardim espalhadas por praticamente todos os cômodos, além de quadros pintados por mamãe. Meu cantinho favorito, contudo, é a varanda: gostava de deitar-me ali nos 14


fins de tarde, sentindo os últimos raios de sol beijarem meu rosto enquanto ouvia o som dos pássaros nas árvores ao redor. Costumava ser meu minutinho de paz. Digo costumava porque, há cinco meses, tomei a difícil decisão de deixar o lar que tanto amo. Desde que mamãe morreu, prometi a mim mesma que não daria mais gastos a papai quando completasse a maioridade. Entraria na faculdade, arranjaria um emprego e moraria sozinha, com meu próprio dinheiro. Algo dentro de mim pedia por aquilo, como uma conquista pessoal, além de eu não achar justo papai gastar boa parte da pequena aposentadoria sustentando os filhos crescidos. Assim, surgiu a decisão de mudar-me para Icefall em janeiro, quando julguei que a vaga na faculdade estava garantida. Icefall é a cidade natal de Raquel, minha melhor amiga desde o colégio, e quem me indicou o apartamento de baixo custo onde estou atualmente. Fica em uma área tranquila da cidade e a poucos minutos a pé do local onde trabalho como garçonete. Não é aconchegante como minha casa em Movva, porém tentei tornar o ambiente o mais receptivo possível com pequenos toques de decoração e personalidade. No geral, estou me adaptando bem. O que dói, mesmo, é a saudade... Aos 15 anos, previa meus dezoito de um jeito totalmente diferente; eu estaria cursando o primeiro ano da faculdade, comemorando um ou dois anos de namoro com o homem dos meus sonhos – John, de preferência – e estagiaria em alguma clínica veterinária. De fato, tudo está muito diferente de como eu esperava. Talvez seja essa a razão do pensamento que vem me acometendo nos últimos tempos: se o meu presente está tão longe de como eu costumava imaginá-lo, quem garante que serei capaz de construir o futuro com o qual sonho? Foi então que decidi encarar a questão de frente e aceitar que o fato de algo hoje estar diferente do que planejamos não significa, necessariamente, que esteja errado. As coisas podem ter saído do eixo inicial, no entanto, quem garante que o plano original teria dado certo? E é justamente quando entendemos – e aceitamos – isso que, enfim, conseguimos enxergar a tal corrente que nos aprisiona ao nosso próprio interior. Ela nos ata aos nossos medos e incertezas, bloqueando os pensamentos e as ações, como se tudo estivesse fadado a dar errado. A partir do momento em que entendemos que aquilo que nos prende é, na verdade, apenas um conjunto de sombras e ilusões, a corrente se solta. Simplesmente por não ter aonde se prender. Se há algo que essa virada da vida me ensinou foi que, apesar de todas as dificuldades, devemos erguer a cabeça e seguir em frente. Transformar as lágrimas em força, a força em atitudes e os erros do passado em chão que sustenta o caminho rumo ao sucesso. Se olhar em volta e não encontrar nenhuma luz que o guie, basta fechar os olhos: a luz estará dentro de você! Foi com essa certeza, e de olhos bem fechados, que eu decretei a mim mesma que minha vida não iria estacionar ali. Não mesmo!

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