PTmorfose by Novo Século Editora

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TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

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aquisições

Cleber Vasconcelos preparação

capa

Livia First

Dimitry Uziel

revisão

Ana Lúcia Neiva diagramação

Vitor Donofrio Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Kafta PTmorfose / Kafta. Barueri, SP : Novo Século Editora, 2016. -(Coleção talentos da literatura brasileira) 1. Ficção brasileira I. Título 16-0718 CDD-869.3 Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção brasileira

869.3

novo século editora ltda.

2190 – bloco a – 11 andar – conjunto 1111 06455-000 – alphaville industrial, barueri – sp – brasil tel.: (11) 3699-7107 | fax: (11) 3699-7323

alameda araguaia,

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www.novoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br

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Para Sergio M. e Diogo M.

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“Qualquer homem capaz de cultivar duas espigas de milho ou duas folhas de grama onde antes apenas uma crescia fará mais bem à humanidade do que toda a raça de políticos juntos.” (Jonathan Swift, em Viagens de Gulliver)

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METAMORFOSE: mudança completa de forma, natureza ou estrutura; transformação, transmutação.

PTMORFOSE: mudança de forma política completa, inversão total de ideais partidários, transfiguração de fatos.

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aten�ão: esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com o mundo real é mera coincidência.

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certa manhã, quando eu, uma lula marinha, abri os olhos, após uma noite de sono nada tranquila, vi-me transformado em um monstruoso ser… humano. De pé fiquei e sentia-me bípede. Abaixei levemente a cabeça e vi que meu ventre estava grande, proeminente e parecido com um barril de chope. A camisa não cabia mais dentro da calça. Meus membros já não eram mais inúmeros tentáculos, mas apenas quatro: duas pernas e dois braços. Que diabos terá acontecido comigo, companheiro? – perguntei-me. Sonho não seria. O quarto pequeno, desarrumado, só tinha de familiar o jeito preguiçoso e largado de estar que eu era acostumado a deixar. Na parede em frente à minha cama, estava a gravura que continha o símbolo da Polícia Federal e, em cima

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do criado-mudo, ao lado da simples cama desarrumada, havia apenas um livro. Por cima dele, como que jogado às pressas, um exemplar de uma famosa revista semanal com a foto de um juiz estampando a capa e com os dizeres “Ele salvou o ano”. Olhei para a janela com grades e via que o sol acabava de nascer… Quadrado. O que é isso, companheiro? – pensei. Quem sabe se eu dormisse mais um pouquinho eu me esqueceria de todos esses absurdos? Mas isso parecia impossível porque eu tinha o costume de dormir na residência presidencial e a situação em que me encontrava me impedia de ter todas aquelas regalias. E, quando olhei para os lados e vi que estava encarcerado, levei instintivamente as mãos até o rosto. Como naquele quadro O Grito, de Munch. Santo Lenin! – pensei. Que barba é essa? Como tenho pelos no meu rosto! Então comecei a me lembrar de algumas coisas. Mas não eram as memórias de um molusco, e sim minhas lembranças humanas. E lentamente minha memória de humano começou a me trazer lembranças de reuniões de partido, campanhas

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eleitorais, movimentos sindicais, entrevistas, comícios, propinas, mensalões, esquemas escusos, desvios de verbas públicas… Senti no peito uma pontada, superficial, que notei ser causada não pelo desconforto de minhas memórias ou por problemas de saúde, mas pela ponta da agulha que prendia o broche com o símbolo do partido ao qual pertencia e do qual havia me tornado o representante maior. Não há nada mais humilhante – disse aos meus botões. Tornei-me um político medíocre, mas de sucesso. E, o pior, de um país da América Latina! Tudo bem que, se levarmos em conta a condição em que nosso país se encontra, um molusco se tornar presidente da República não é nada tão absurdo assim. Basta conferirmos que se cobra o segundo grau completo para se candidatar a um concurso público a uma vaga de gari, mas que, para ser presidente da República, basta ser um alfabetizado funcional. O voto é obrigatório, mas o ensino, não. Os representantes políticos legislam em causa própria, ganhando

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milhões ao ano, enquanto um trabalhador recebe um salário-mínimo por mês. Salário-mínimo que, teoricamente, teria de prover o mínimo de condição financeira para a sobrevivência e o lazer! Só que, para poder alcançar o que um deputado federal ganha em um mês de salário mais as mordomias, demorará vinte anos trabalhando! Então, se você vive em um país em que se cobra a maior taxa tributária do planeta e não recebe nem o mínimo razoável de prestação de serviço público como retorno; em que os homens de bem da sociedade vivem presos atrás das grades de seus condomínios, enquanto os marginais andam soltos, pois os “direitos humanos” só funcionam para os bandidos; em que um saco de feijão possui literal e literariamente mais peso que um livro; em que menores de idade são considerados incapazes de responder pelos seus atos, mas podem votar e, assim, escolher diretamente o futuro presidente da nação, ou seja, o futuro da própria nação. Em que pregam a filosofia irresponsável do elogio à ignorância e à

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imbecilidade, onde pessoas ainda morrem de doenças do milênio passado como malária, tuberculose e dengue… Onde a saúde pública está na UTI, a educação pública está reprovada, o trânsito está parado… Na verdade, um molusco se tornar homem, político e líder na América Latina não deveria causar tanta surpresa e perplexidade assim! O meu cérebro fervia com tais pensamentos até que ouvi alguém bater à porta. – Senhor presidente, por favor, arrume-se, pois o juiz o espera para ouvir seu depoimento. – Sim, obrigado. Já estou quase pronto – respondi. Fiquei ali parado, imóvel, sem coragem de abrir a porta. Porque, se eu a abrisse, iria encontrar o “homem que salvou o ano”. E, se o encontrasse, eu teria que falar, o que seria o mesmo que abrir a própria caixa de Pandora. Novamente o policial federal bateu à porta: – Senhor presidente, o juiz o aguarda – disse-me ele.

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– Só mais um instante. Já estou quase pronto – respondi. Mais alguns minutos se passaram até que novamente batessem à porta: – Senhor presidente, o meritíssimo o aguarda. O senhor está atrasando o procedimento. – Só mais alguns instantes. Estou terminando de aparar minha barba – respondi, tentando ganhar mais alguns minutos. Mais cinco minutos se passaram até que o policial abriu a porta. Era um policial de origem oriental, provavelmente de descendência japonesa, que entrou no quarto e foi logo dizendo: – Senhor presidente, por favor, queira me acompanhar. Tive de sair seguindo o japonês da Federal, mesmo a contragosto. Mesmo contra minha vontade. Maldita delação premiada. Malditos companheiros. Malditos empreiteiros… E segui também pensando no que diria ao famoso juiz “que salvou o ano” e que estava pronto para me interrogar.

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