Yolanda Teixeira Monteiro
Passos Largos Poemas de Vida 2ª edição
São Paulo 2009
Passos_Largos.indd 3
29.09.09 15:54:45
Passos_Largos.indd 10
29.09.09 15:54:46
Passos Largos Semanticamente, Passos Largos significaria pressa, desejo de prosseguir, muito rapidamente, nesta peregrinação para a eternidade. E é, realmente, o que sugere a leitura dos poemas deste livro, que ora se apresenta ao público-leitor. Há uma ânsia da transcendência traspassando um período que vai de 1972 a 1991. O tempo se encurta e se reflete na própria estrutura poética do texto. Versos ligeiros, diáfanos, muito impregnados da tenuidade do tempo; o fugaz tentando comprovar que há necessidade da busca do Outro, no pleno sentido ontológico. Em que modo esse aspecto formal da poesia de Passos Largos se realiza? Que mensagem se evoca por trás das palavras? A palavra que, num como que passe de mágica, se transforma em realização? É a busca, ou melhor, o (re)encontro do eu com o tu. O processo dialógico povoa todo esse universo que pretende ser o enfrentamento da realidade abissal: o tudo no diáfano.
11 Passos_Largos.indd 11
29.09.09 15:54:46
Ao percorrer esse itinerário poético ao longo dos anos, encurta-se o distanciamento da realidade vivida com a sonhada e desejada. Isto se faz através de sonhos telúricos buscando o Infinito. Não se pode perder de vista que, nessa busca do (re)encontro, toda a realidade humana, como num filme ao vivo, vai desnudando-se e apresentando-se o seu autor implícito: a sofreguidão do viver. Esse autor implícito objetiva fugir ao voo vazio da saudade como reencontro. Aqui se observa que a nitidez de ser consciente na busca do outro mergulha no prazer erótico da servidão, na busca do reencontro com o amor, que ora é eros, ora caritas. É o homem, ou melhor, é a mulher explorando todas as suas possibilidades, fugindo, às vezes, para o sonho como forma de realização pessoal, confundindo o erótico com a natureza, num como que pudor de desnudar-se psicologicamente. E a caritas se realiza na vida, em busca da eternidade. Nota-se que essa virtude está povoando esse itinerário poético: às vezes, numa vivência dialógica − sempre o outro − outras vezes, numa vivência escatológica, na busca do Outro. Percebe-se que o fazer poético tem um sentido muito significativo: não é o poético pelo poético que conta, mas a criação como necessidade da transcendência. É o deixar-se viver passivamente como vontade de Deus. Poder-se-ia indagar: não há uma coerência interna nesta criação literária? E a resposta é simples: o homem não é um ser coerente. Ele não se fez computadorizado como uma máquina. Carrega dentro de si o que se pode chamar de concupiscência. É histórico-cultural, porque não dizer religioso esse processo. Ser do mundo, querer vivê-lo e ao mesmo tempo tentar liber-
12 Passos_Largos.indd 12
29.09.09 15:54:47
tar-se dele. É o ser telúrico que busca no ideal a compatibilidade da vida e do sonho, da vida como fruto da sensibilidade humana, mas o mundo dilacera esse seu sentimento. É a consciência da finitude da vida envolvendo-se num processo dialógico do eu e do tu, mas com suas consequências nos filhos. Veja-se que o mundo familiar também deverá incursionar pelo mundo do poético: é diáfano, irreal e, às vezes, deverá ter os pés fincados no chão. Como conciliar o ser poético com o prosaico da família? Como buscar soluções para a criação literária; como viver e desvendar a esfinge da vida? A resposta vem prontamente numa visão surrealista. É a Palavra que responde a essas indagações. Tem uma conotação semântica muito forte a palavra. É a chave; por ela vem a libertação; ela recupera o tempo de ser e do ser. Na vida é imperioso lutar sempre. Vivê-la é descobrir a luz no fim do túnel. Por ela o autor implícito desvencilia-se do cotidiano e o transforma em poético. Os extremos se unem: a busca se consolida e se projeta. É a Palavra que quebra a solidão do silêncio, o eros e o eterno se fundem. É a Palavra que povoa a fecundidade feminina, que é o reflexo da ideia da Trindade. Assim como a vida de Deus é dialógica, pois se realiza no intercâmbio amoroso das três pessoas divinas, o autor implícito realiza, no seu fazer poético, o mesmo caminho, evidentemente, sob o império do humano, mas com uma relação transcendental. A compreensão, a apreensão do outro, do tu, neste processo, é que dará as respostas aos anseios que se acumulam ao longo dessa peregrinação. Já referi anteriormente: a poesia de Passos Largos não está buscando tão somente a literalidade, mas pretende repro-
13 Passos_Largos.indd 13
29.09.09 15:54:47
duzir liricamente o percurso do homem à procura de seu fim, seu destino. É uma poesia engajada na vida, vida em transcendência. O elemento político está daqui apartado: ser cidadão do mundo, estar no mundo, com desejos de buscar, como opção preferencial, a luz da eternidade. Jorge Cury
14 Passos_Largos.indd 14
29.09.09 15:54:47
Passos_Largos.indd 16
29.09.09 15:54:48
26.05.1972 Doce loucura, Adorável loucura, O Abismo sentir! O Abismo do Tudo... Do Absoluto o labirinto... Tontura do se esvair... Some Dor! Some! Envolverás jamais Gemidos meus De Amargura!... Meu Deus, Ouviu hoje O gotejar vermelho E negro não, Só porque, No úmido espelho Do bote da Dor De partido fêmur, Eu enxergo Você!
21 Passos_Largos.indd 21
29.09.09 15:54:49
Passos_Largos.indd 22
29.09.09 15:54:49
28.05.1972 Na imensidão das estrelas, Mares, Rios, Florestas, Quintais amplos, Jardins, Plantas, Sonhos, Oficina, Vozes de sexteto Em harmonia... .............................. Diviso, Diviso tudo, Na divisão De alma dividida, Em recomposição Por miríades, Em soma, além Dos brilhantes Na abóbada existentes, Miríades De fagulhas pulsantes, Através do olhar De louco vivente, A tremer de amar
23 Passos_Largos.indd 23
29.09.09 15:54:50
De Deus O peso da M達o, Em mergulho No Oceano, A perder-se no escuro, N達o fosse um N達o!
24 Passos_Largos.indd 24
29.09.09 15:54:50
29.05.1972 Fim do dia. Plenitude Da Noite Esboรงada Na vida... Vida, Vida, Encharca-me! Sempre te quis!
25 Passos_Largos.indd 25
29.09.09 15:54:50
Passos_Largos.indd 26
29.09.09 15:54:50
30.05.1972 Alô, Raul! O rouco grito, O alarme, O estouro, A dor... Tudo vaza Em tom de aplauso, Vendo o Infinito!
No sorriso, No descanso, No prazer, Louco querer, Um chão tão liso, Um escorregar manso Do sangrento viver! Combater o tédio De manhãs nubladas, De noites sem estrelas, De dias apagados, De céu sem lua, No rodar da vida! Com calor em mente nua, Rodopiando pela rua Desta vida, a todos pasmas, No trato com teus fantasmas!
27 Passos_Largos.indd 27
29.09.09 15:54:50
Será que o mundo algum dia quis Até que fosse um só sem dor? Até que fosse apenas um contente, Sem desbravar o emaranhado de existente?
28 Passos_Largos.indd 28
29.09.09 15:54:50