Eva – LIVRO I –Trilogia olhares

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Capítulo 1 Eva dos Anjos corria pelos corredores da escola em direção à sala do filho. Todos os dias ficava apreensiva antes de buscá-lo. Tentava controlar a ansiedade sendo racional, afinal dava aulas na mesma escola na qual ele ficava e saberia se algo tivesse acontecido, mas era inevitável. Era sempre a última mãe a chegar ao maternal, pois só podia buscar o filho após seu último aluno ir embora. Odiava imaginá-lo sozinho, esperando-a. Não que Lucas reclamasse, era muito tranquilo, mas ela se culpava. Chegou à porta da sala e logo o viu, sentado com um livro. − Lucas? − Mamãe! Ele largou o livro no chão e correu, jogando-se em seus braços. Esse era um dos momentos prediletos do dia de Eva. Após segurá-lo alguns minutos no colo, prolongando o abraço, colocou-o no chão. − Vá guardar suas coisas, filho. Lucas colocou o livro em sua mochila enquanto Eva conversava com a professora. Como sempre, seu filho havia se comportado muito bem, ele nunca criava problemas. Mãe e filho saíram da escola de mãos dadas. O dia estava lindo e a temperatura dentro do carro agradável, já que passara a manhã em uma das vagas cobertas para professores. Naquela região fazia calor mesmo durante o inverno, por isso ela nunca deixava o carro sob o sol. 9

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Dirigiu em direção à sede da Fazenda Filó e, passando pelo Restaurante do Bigode, Eva se lembrou de sua chegada a Kerexu, há quase três anos e meio. Grávida e quase sem esperanças de recomeçar sua vida em uma região tão remota, afastada de tudo que conhecia, ela temia ter de voltar para Brasília. Porém, se não conseguisse um trabalho naquela pequena cidade rural no Mato Grosso do Sul, seria obrigada a fazer isso. Em Brasília, Bianca Marins a ajudaria, mas Eva já devia à única amiga o carro que dirigia e o dinheiro que a sustentara nos últimos meses. Não pretendia aumentar a lista. Além disso, poderia ser descoberta antes de conseguir escapar novamente. Sentia-se apreensiva e com as emoções à flor da pele, diante da perspectiva do fracasso da fuga. Ao entrar no Restaurante do Bigode, dirigiu-se ao caixa, como fez tantas outras vezes, em tantas outras cidades, aguardando sua vez. Havia apenas uma senhora à sua frente, de compleição robusta e sorriso fácil, que se tornaria sua salvadora. Margô afastou-se, mas ficou ao lado, curiosa para saber o que a forasteira queria. Eva perguntou por qualquer oportunidade de trabalho e sentiu o estômago embrulhar quando o homem que estava no caixa começou a negar com a cabeça. Porém, antes que pudesse dizer algo, ele foi interrompido: − Menina, qual é o seu nome? Eva virou-se, mas os olhos castanho-claros e bondosos que a fitavam abalaram-na. Incapaz de disfarçar o pânico, algo que tinha feito muito bem durante toda sua vida, ou sequer de responder, chorou copiosamente. 10

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Margô simplesmente a abraçou e a levou a uma mesa. O restaurante estava vazio àquela hora, mas os aromas do almoço sendo preparado já enchiam o ambiente. Eva se deixou levar, amparada por mãos carinhosas e aproveitando o abraço acolhedor. Conseguiu se controlar e se soltou quando Margô parou ao lado de uma mesa ao fundo. − Primeiramente, vamos pedir algo refrescante para beber. O dia está muito quente − Margô queria saber o porquê de uma moça tão jovem e bonita estar tão desesperada. − Depois, você pode me contar sua história, menina. Eva contornou a mesa, de maneira a deixar apenas a parede atrás de sua cadeira. A porta para a cozinha ficava atrás do balcão à sua esquerda e a porta de entrada à sua direita. Além das duas, havia o senhor no caixa, que ficava na ponta oposta do balcão, e uma garçonete passando um pano branco em uma das mesas, ao lado da entrada. O restaurante, que possuía um mercadinho anexo, era simples, mesas e cadeiras de madeira distribuídas pelo pequeno salão. O único ventilador de teto rangia e parecia estar prestes a cair. Mas o lugar era limpo, as paredes de ladrilho brilhavam. Do outro lado do salão, havia uma passagem para um espaço do mesmo tamanho, repleto de prateleiras com todos os tipos de produtos domésticos expostos. Fugindo há mais de dois meses, ela já estava acostumada a reparar em detalhes dos ambientes e em saídas alternativas dos lugares nos quais adentrava. A verdade é que ninguém a havia encontrado ainda, mas Eva não deixava de acreditar que poderia acontecer a qualquer momento. O cheiro de comida que vinha da cozinha fazia a boca de Eva salivar. Sentando-se, ela se controlou e observou a mulher 11

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que a havia tratado com tanto carinho, sentada ao seu lado. Morena, com algumas marcas de expressão na pele dourada pelo sol. Seu rosto arredondado era muito amável, o belo sorriso transmitia confiança. − Desculpe-me pelo descontrole, isso não acontece normalmente. Meu nome é Eva dos Anjos − tentou sorrir, mas o resultado foi pouco convincente. − A senhora sabe de algum trabalho? Posso fazer qualquer coisa. − Eva dos Anjos, muito prazer, meu nome é Margarete Ribeiro, mas pode me chamar de Margô − sorriu e acariciou rapidamente a mão de Eva sobre a mesa. − Reconheço um pedido de socorro e não sou mulher de virar as costas. Agora acalme-se e conte-me o que está acontecendo. − Agradeço imensamente, Dona Margô, mas o que preciso mesmo é de trabalho... − respirou fundo e, por algum motivo que não saberia explicar, foi franca com a mulher que acabara de conhecer. − A verdade é que estou quase sem dinheiro, esta cidade é minha última chance. Tenho muita força de vontade, sou professora primária, sei cozinhar, cuidar de uma casa e de crianças, e o que não souber posso aprender. Porém, não tenho nenhuma experiência profissional registrada, estou grávida e sou mãe solteira − olhando para baixo, Eva cruzou as mãos protetoramente sobre o ventre. Margô não fez nenhuma pergunta, apenas a olhou profundamente antes de se virar para a garçonete que se aproximava. − Olá, Dona Margô, vai almoçar por aqui hoje? − Não, querida. Vou almoçar na fazenda. Mas vocês já têm alguma coisa pronta? A Eva irá almoçar. − Já temos, sim. O prato do dia: picadinho de carne. 12

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− Pode trazer, então, com dois sucos de laranja. E coloque em minha conta. Eva esperou a garçonete se afastar. − Agradeço a bondade da senhora, Dona Margô, mas posso pagar meu almoço. − Isso não está em questão, você é minha convidada. Margô ficou em silêncio, imersa em pensamentos. Havia se encantado pela menina linda, com olhar triste e magra demais, nitidamente inocente e em apuros. Era impressionante que estivesse grávida, pela calça jeans justa e regata não se percebia nenhuma proeminência em seu ventre. Não deixou de notar o olhar assustado que Eva dirigia à porta a todo o momento, certamente estava fugindo de alguém. Todos os seus instintos, no entanto, lhe diziam que ela era uma boa moça e, para Margô, era isso que importava. Sabia que enfrentaria problemas para realizar o plano que começava a se formar em sua mente, mas não podia negar ajuda àquela moça. Francisco teria que aceitá-la. Quando o prato chegou, Eva comeu com avidez. Não havia reparado que estava com tanta fome. − Agradeço pelo almoço, Dona Margô. Mas a senhora ainda não me respondeu se sabe de algum emprego. − Minha filha, não se preocupe, tudo ficará bem. Sei que me contou só uma parte de sua história, mas vejo que tem um coração puro. Eva olhou para o prato vazio à sua frente, envergonhada. Odiava mentir, mas era necessário, pelo bem do bebê que crescia em sua barriga. Ela seria capaz de qualquer coisa para proteger o filho que ainda nem nascera. Provara isso ao criar forças para fugir, quando descobriu a gravidez. 13

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− Desculpe-me, Dona Margô, mas não tenho mais nada a contar. − Não se desculpe por ter segredos, Eva. Todos nós os temos, porém não minta para mim, nunca − sorriu. − Além do mais, já sei tudo que preciso sobre você. É uma boa pessoa e precisa de ajuda, sem contar que temos uma pequena vida inocente envolvida. Margô colocou a mão sobre a barriga ainda lisa de Eva, olhando em seus olhos por alguns instantes. Algo lhe dizia que tinha de amparar aquela menina, ela nunca ignorava suas intuições. Estava certa de que Eva dos Anjos teria um papel importante em sua família. Balançou a cabeça, dando o assunto como resolvido e abriu um enorme sorriso. − Bem, Eva, você pode vir comigo conhecer sua nova casa? Já foi a algum médico começar o pré-natal? Desde então, Eva morava em uma das casas da vila de funcionários da fazenda da família Ribeiro, a Fazenda Filó. Aproximando-se do portão de entrada da fazenda, com o filho cochilando no banco de trás, ela recordou quando o cruzou pela primeira vez, seguindo o carro de Dona Margô. Quase fez a volta para fugir diversas vezes pelo caminho; tentava se convencer a ir embora, mas havia alguma coisa naquela senhora que impedia Eva de decepcioná-la. Lembrou-se do que Margô havia falado antes de entrar no carro: Espero que nem pense em pegar outro caminho, ficarei muito triste se não me deixar ajudá-la. Eva não conseguiu lidar com a possibilidade de deixar uma mulher tão bondosa triste e, apesar da vida a ter ensinado que não deveria fazer isso, confiava em Margô. 14

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Quando chegaram, pareceu a Eva que a outra sabia exatamente qual havia sido seu dilema, pois lhe deu um abraço apertado e agradeceu antes de ir em direção à sua casa. Eva a seguiu e foi apresentada à cozinheira, Janaína, e à sua filha, Bruna. Margô contou que ela estava grávida e que iria morar na vila de funcionários. − Jana, fale com o pessoal da limpeza para caprichar na casa vizinha à sua. Depois vá lá você ver se está tudo arrumado, e leve roupas de cama e banho. Mais tarde, vou ligar para o doutor Marcelo para saber se ele consegue vir amanhã mesmo. Mas Eva só vai para lá depois da consulta, por enquanto ficará no antigo quarto do Luiz. − O quarto já está arrumado. E pode deixar, Dona Margô, a casa vai ficar um brinco para a menina. Janaína, uma negra magra, de braços fortes, boca carnuda e desenhada, olhar maternal cor de mel e nariz largo, característico da origem africana, sorria para Eva, parecendo querer colocá-la no colo. Os cabelos longos, presos à cabeça por uma faixa larga, ficavam soltos e volumosos nas costas, balançando conforme ela virava-se para a pia. − Não é para você fazer, Jana! Ou o Eduardo nos mata. Deixe que o tal pessoal terceirizado faça a limpeza. Depois você arruma e vê se está tudo direitinho − Margô virou-se para Eva: − Não se preocupe com nada, filha. Amanhã você irá conhecer a fazenda e o resto de nossa família. Hoje você deve descansar. − Muito obrigada, Dona Margô. Bruna, uma mulata belíssima muito parecida com a mãe, havia se aproximado de Eva e colocado a mão sobre sua barriga. Aos 14 anos, sonhava em se casar cedo, era apaixonada por barrigas de grávida e queria ter pelo menos cinco filhos. 15

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− Sua barriga quase não aparece ainda... − Bruna tentou disfarçar a decepção. − Com quantos meses você está? − Quatro meses, meu filho deve nascer em junho. Eva tentava assimilar que, aparentemente, todos ali seriam carinhosos e a respeitariam, sem questionamentos. Margô a levou para o quarto e a deixou à vontade, dizendo que, se o médico liberasse, poderia ir para sua nova casa no dia seguinte. − Já te disse, Eva, vai ficar tudo bem. Agora descanse e se junte a nós mais tarde. Caso você não se sinta disposta, posso trazer uma sopa. Precisa se alimentar bem, você está comendo por dois! − Não tenho palavras, Dona Margô... − ela começou a chorar mais uma vez. − Muito obrigada. O começo foi complicado para Eva. A adaptação à vida rural associada à gestação causaram as maiores crises de choro que já tivera. Porém, mesmo durante os momentos mais difíceis, a família Ribeiro era uma bênção e a Fazenda Filó um paraíso. Margô tinha quatro filhos: José Luiz, que Eva não conhecia, era o mais velho e estava no exterior; José Eduardo, que rapidamente se tornou um grande amigo; Maria Clara morava na capital, mas vinha passear na fazenda sempre que podia; e Maria Gabriela, a caçula, doze anos mais nova que a irmã. O patriarca da família, José Francisco Ribeiro, era o oposto da afável esposa. Era um homem forte e teimoso, às vezes até um pouco rude. Amava a fazenda e saía todas as manhãs para acompanhar os peões na lida com o gado. Cresceu em cima de um cavalo e não escolheria outra vida se pudesse. Eduardo administrava a fazenda junto com o pai, desde que se formara engenheiro agrônomo. Francisco reclamava 16

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das “modernidades” do filho, porém, secretamente, enchia-se de orgulho pelas melhorias. Uma das primeiras decisões que Eduardo tomou foi desativar a vila dos funcionários, mantendo apenas a cozinheira, o capataz e dois peões de confiança de seu pai como empregados contratados; os demais trabalhadores eram de uma cooperativa rural. Um pouco antes de Eva chegar à fazenda, a vila foi reformada. As dez casas foram reduzidas a quatro, maiores e mais modernas. Eram todas iguais, com três quartos, sendo uma suíte, sala ampla e cozinha com um pequeno fogão a lenha (por muita insistência de Margô) e outro a gás. Eva nunca usara o fogão a lenha, mas achava que ele dava um charme muito especial à cozinha. Seus vizinhos na vila de funcionários eram muito solícitos, ajudaram-na desde o primeiro dia e Eva os adorava. Das outras três casas, duas estavam ocupadas; uma pelo peão, Vittore Donato, Janaína, sua esposa, e Bruna, sua filha, e a outra pelo capataz, João Tenório de Oliveira Neto, e seu pai, o outro peão de confiança de Francisco. Eva achava a Fazenda Filó gigantesca, mas Eduardo dizia que, para ser considerada uma das grandes produtoras de gado, precisariam pelo menos dobrar o rebanho atual de quase trinta mil cabeças, o que ele não tinha intenção de fazer. Mesmo assim, ela se impressionava com a quantidade de animais e a rotina de trabalho pesado; os peões começavam a trabalhar quase de madrugada. Além do gado, que incluía vacas, bois, touros e bezerros, havia cavalos, galinhas e cachorros na fazenda, sem contar a horta e o pomar. Agora, com o filho no banco de trás do carro, Eva começava a acreditar que finalmente viveria em paz. Estacionou em 17

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frente à entrada dos fundos e despertou Lucas. Feliz por chegar à sede, ele correu para a porta da cozinha. Lucas dos Anjos fora o presente do aniversário de 24 anos de Eva, e completaria 3 anos no dia seguinte. Era muito parecido com a mãe, os mesmos cabelos lisos e pretos, a pele clara, boca rosada e desenhada, sobrancelhas grossas e grandes olhos escuros, que eram a maior diferença entre os dois, já que os dela eram violeta. Ela acreditava que o amaria mesmo que fosse igual ao pai, mas agradecia a Deus por não precisar confirmar. Lembrar-se dele a cada vez que olhasse para o filho seria uma provação infernal. Eva entrou na cozinha espaçosa e rústica, com seu gigantesco fogão a lenha que ocupava quase uma parede inteira. Lucas já estava sentado na ponta de um dos bancos inteiriços da comprida mesa retangular de madeira. − Já está à mesa, filho? Isso tudo é fome? − ele assentiu e riu. − E você cumprimentou todo mundo? − Dei beijo na vó Jana e na tia Bruna. − Que bom − Eva também as cumprimentou. − Não se preocupe, Eva. Seu menino é muito educado − Janaína já estava servindo o almoço dele. − Onde estão todos? O almoço na sede era quase um evento. Todos falavam ao mesmo tempo, contando as novidades da manhã. Por mais que Eva se sentisse uma intrusa e preferisse almoçar em sua casa, adorava aquele clima familiar. Além disso, alegrava-se por Lucas estar crescendo cercado de amor, todos o mimavam. Naquele dia, Gabriela fora almoçar na casa de uma amiga da escola, ao invés de voltar com Eva e Lucas, mas ela acreditava que Eduardo, Francisco e Margô estivessem na sede. 18

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Foi Bruna quem respondeu: − Eduardo foi à cidade buscar as vacinas dos bezerros, e os patrões foram ao aeroporto. Você finalmente irá conhecer o Luiz. Depois de três anos e meio ele está voltando do exterior. Eva ficou muito feliz com a novidade. − Ainda bem, Dona Margô chora toda vez que fala do filho! Não sabia que ele chegava hoje. − Graças a Deus é hoje, já estava ficando doente de saudades! Tanto tempo... − Janaína estava à beira das lágrimas. Bruna revirou os olhos e continuou falando com Eva: − Antes de sair, Dona Margô deixou um monte de coisas para a festa, estão no sofá da sala. Inclusive duas velas, Eva − ela continuou antes que a outra pudesse protestar. − E você tem que colocar as duas no bolo. Este ano não irá fugir dos parabéns, será a festa do Lucas e a sua, querendo ou não. Como Eva acreditava que Lucas era a única coisa boa que já havia feito, preferia comemorar apenas o aniversário dele. − Mamãe faz aniversário junto comigo! − ele adorava ter nascido no mesmo dia que a mãe. − Isso mesmo, Lucas! − Janaína colocou o prato em frente a ele. Se você comer tudo, vai ganhar doce de abóbora de sobremesa − ela fez um carinho nele e virou-se para Eva. − Vou fazer seu prato. − Pode deixar que eu mesma faço, Jana − todos os dias, ela tentava se servir, ou a Lucas, mas Janaína nunca deixava. − Menina, quem manda em minha cozinha sou eu. Vou fazer seu prato, sente-se com o Lucas − Janaína aguardou-a obedecer com as mãos na cintura. Bruna estava rindo. − Já que você está tão dócil, Eva, tenho outra notícia. Após o almoço, vou para sua casa te ajudar com as coisas da festa. 19

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− Não precisa, Bruna... − Não estou perguntando, estou comunicando. Minha mãe não precisa de ajuda, não haverá ninguém tão cedo nesta casa, e posso sair a tempo de ir à aula − apesar de tão bondosa quanto a mãe, Bruna tinha o gênio italiano do pai, era estourada e impaciente. − Acho melhor não discutir. E não posso negar que sua ajuda será muito bem-vinda. Obrigada. Há mais de vinte e quatro horas viajando para ir da Austrália até Campo Grande, José Luiz Ribeiro estava exausto. Esperando sua mala em frente à esteira rolante, arrependia-se mais a cada minuto por ter dito à mãe que não precisava buscá-lo. Se ao menos sua irmã, Clara, não estivesse viajando em férias com o marido, poderia dormir em seu apartamento. Pensava nas horas que ainda levaria para chegar à fazenda, deprimido. Ao atravessar o portão em direção ao balcão, foi surpreendido pela mãe, que quase o derrubou ao abraçá-lo, aos prantos. Seu pai deu dois tapas em suas costas e, com um imenso sorriso no rosto, tirou o carrinho de bagagens de suas mãos. − Mãe, pai! O que vocês estão fazendo aqui? − Você achou mesmo que tinha convencido sua mãe? − Francisco sorriu. − Ela queria ter vindo de manhã cedo, eu que não deixei. Margô soltou o filho secando as lágrimas, mas segurou sua mão. − E se o voo tivesse adiantado? − Mãe, voos não adiantam, mas, sim, atrasam − Luiz abraçou a mãe novamente. − O importante é que vocês estão aqui, estou com tantas saudades! 20

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Ao contrário do que poderia imaginar, Luiz estava emocionado. Aparentemente, sentira mais falta de seus pais do que estava disposto a admitir. − Então vamos, que o helicóptero está esperando − Francisco começou a empurrar o carrinho. Caminhando pelo saguão do aeroporto entre seus pais, ele se perguntou por que relutara tanto em voltar. − Estou exausto, vamos para casa. No helicóptero, observava a paisagem familiar, com a mãe segurando sua mão. Ela parecia temerosa em soltá-lo, como se o filho fosse um passarinho prestes a levantar voo e escapar. Ele riu desse pensamento, mas foi obrigado a entender o receio, não era enraizado àquelas terras como seus pais. Mesmo assim, ficou emocionado quando começaram a sobrevoar a Fazenda Filó. À sua maneira, também amava a fazenda. Fiquei fora por tempo demais.

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