Silva e souza, 2013 ufsj

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REFLEXÃO CRÍTICA E JUSTIÇA SOCIAL: ESPERANÇA PARA AS EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO DOCENTE SILVA E SOUZA, Andréa Santana (Universidade Federal de Minas Gerais) andreasantanass@yahoo.com.br

RESUMO: Recentemente, revelam-se "cenários de intensa busca de conhecimento e procedimentos relevantes com os quais fertilizar a experiência educacional de aprender outras línguas na escola" (ALMEIDA FILHO, 1999, p. 7). Assim, em resposta à demanda das transformações na sociedade contemporânea, novas propostas epistemológicas têm observado o inglês como uma ‘ferramenta crítica e participativa’ – função que complementa seu papel comunicativo (DUBOC & FERRAZ, 2011; MONTE MÓR, 2012). Este trabalho, fundamentado em teorias sobre letramento crítico (LEWISON et al, 2002; MONTE MÓR, 2009, 2012) e justiça social (HAWKINS, 2011; ZEICHNER, 2011; AGARWAL-RANGNATH, 2013), tem o objetivo de apresentar a experiência de uma aluna do Curso de Letras, nas atividades de Estágio Supervisionado de uma instituição de ensino superior particular. Os resultados, coletados através de portfólio, lançam luz sobre as concepções formadas pela docente pré-serviço, suas percepções quanto ao processo de ensino/aprendizagem e ações educativas.

Palavras-chave: experiência; letramento crítico; justiça

social; estágio supervisionado..

ABSTRACT: Recently, "scenarios of intense search for knowledge and relevant procedures with which to fertilize the educational experience of learning other languages at school" (ALMEIDA FILHO, 1999, p. 7) have been revealed. Thus, in response to the demand caused by changes in contemporary society, new epistemological proposals have observed English as a ‘participative and critical tool’ – function that complements its communicative role (DUBOC & FERRAZ, 2011; MONTE MÓR, 2012). This paper, grounded in theories of critical literacy (LEWISON et al, 2002; MONTE MÓR, 2009, 2012) and social justice (HAWKINS, 2011; ZEICHNER, 2011; AGARWAL-RANGNATH, 2013), has the aim to present the experience of a student from a Language Teaching Program, in the supervised practicum activities of a private higher education institution. The findings, collected by a portfolio, shed light on the conceptions formed by the pre-service teacher, her perceptions of the learning/teaching process and educative actions. justice; supervised practicum.

Keywords: experience; critical literacy; social


1. Introdução Em tempos de globalização, na era da informática, a evolução das ciências e tecnologia transforma o modo de viver na sociedade, tornando imperativo observar o caráter questionador, autônomo e criativo dos indivíduos que se inserem nesse contexto. Nesse panorama, dentro da Linguística Aplicada, revelam-se "cenários de intensa busca de conhecimento e procedimentos relevantes com os quais fertilizar a experiência educacional de aprender outras línguas na escola" (ALMEIDA FILHO, 1999, p. 7). Com efeito, se o educador que fomenta a autonomia e criticidade de seus educandos é quem dá uma parcela de contribuição para a transformação social, torna-se imprescindível que a visão do ensino de línguas estrangeiras ultrapasse as questões metodológicas (abordagem de ensino; atuação do professor em sala de aula; ênfase na escrita e na fala; etc.) – ou seja, problemas que acontecem dentro da sala de aula), e reconheça as questões políticas – repercussões daquilo que é feito dentro da sala de aula, fazendo uma ponte dela com o resto do mundo, para que não haja alienação nem do professor, nem do aluno (LEFFA, 2005). Cavalcanti (1999) advoga que a Licenciatura deveria cumprir seu papel na formação da autonomia crítica do aluno (futuro professor), afirmando que "o desenvolvimento da proficiência e da competência pedagógica deveria caminhar paralelamente ao desenvolvimento da competência reflexivo-social" (CAVALCANTI, 1999, p. 181). Desse modo, faz-se necessário conscientizar-se de que a educação é, em si mesmo, um ato político (FREIRE, 1992; 1996; 2004; KUMARAVADIVELU, 2005; LEFFA, 2005 – entre outros). Portanto, proponho a discussão de experiências capazes de potencializar a formação inicial de professores de língua inglesa, promovendo reflexão e criticidade para questionar os papéis tradicionalmente atribuídos ao educador, ao educando, ao material didático, ao método de ensino, etc.

2. Letramento Crítico e Justiça Social Pesquisas recentes apontadas por Monte Mór (2009, 2012) salientam a percepção das mudanças na educação, apontando para o desenvolvimento do pensamento crítico com vistas à formação do aluno-cidadão, contemplando língua e 2


linguagem como prática social. Conforme a autora (MONTE MÓR, 2012, p. 38), por meio dos estudos dos letramentos, a aprendizagem de línguas estrangeiras reclama o

valor

educacional

da

instrução

linguístico-cultural

que

contempla

a

pluralidade/heterogeneidade, e relaciona os valores locais (específicos da comunidade) com os valores globais (disseminados pela globalização). Num projeto de letramentos, as línguas estrangeiras contribuem para o desenvolvimento linguístico e, ao mesmo tempo, para a promoção ou expansão da visão de mundo e para a percepção crítica sobre o ensino de idiomas (MONTE MÓR, 2012, p. 47).

Segundo Lewison et al (2002, p. 382), letramento crítico é uma corrente epistemológica definida por quatro dimensões fundamentais inter-relacionadas: “1) desconstruir o lugar comun, 2) questionar pontos de vista múltiplos, 3) focar questões sociopolíticas, e 4) mobilizar e promover a justiça social” 1. Assim, além de constituir-se na visão freireana de linguagem como instrumento emancipatório, tal concepção para o ensino de línguas estrangeiras “destaca a presença de ideologias, valores e normas na história e nos usos do inglês” (PENNYCOOK, 1994 apud DUBOC & FERRAZ, 2011, p. 20), apresentando-se como ‘ferramenta crítica e participativa’ – função que complementa seu papel comunicativo (MONTE MÓR, 2009; 2012; MATTOS & VALÉRIO, 2010; MATTOS, 2011; DUBOC & FERRAZ, 2011). Discorrendo sobre lacunas e interseções entre o ensino comunicativo (EC) e o letramento crítico (LC), Mattos e Valério (2010) salientam que a língua é tida como um recurso dinâmico para a criação de significados por ambas as abordagens, mas, no letramento crítico, enfoca-se a dimensão socio-histórica desses significados. Visando ao desenvolvimento da competência comunicativa, o EC se ocuparia do teor psico-social da comunicação, enquanto o LC se debruça sobre seu caráter ideológico, sendo o desenvolvimento da consciência crítica seu principal objetivo. No LC, a língua assume um caráter libertador, pois é por intermédio do controle e da crítica aos significados imbuídos no discurso e pela criação de um discurso alternativo que se daria a construção do cidadão consciente (CERVETTI; PARDALES; DAMICO, 2001). Em outras palavras, na abordagem comunicativa o aluno aprende a língua estrangeira para a interpretação, expressão e negociação de significado (SAVIGNON, 2001); já 1 Tradução minha para: 1) disrupting the commonplace, 2) interrogating multiple view-points, 3) focusing on sociopolitical issues, and 4) taking action and promoting social justice (no original).

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no letramento crítico, ele aprende língua (materna e / ou estrangeira) para transformar a si mesmo e a sociedade, se assim lhe convier. Para o ensino comunicativo (EC), a língua é um instrumento de socialização; e para o letramento crítico (LC), ela é, em última análise, um instrumento de poder e de transformação social (MATTOS & VALÉRIO, 2010, p. 139).

As autoras (MATTOS & VALÉRIO, 2010) advertem que o letramento crítico está proposto nas novas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) – documento que defende a qualidade do ensino como condição essencial de inclusão e democratização das oportunidades no Brasil. Com isso, citando Shor (1999 apud KUMARAVADIVELU, 2005, p. 32), o letramento crítico “faz a conecção entre o politico e o pessoal, o público e o privado, o global e o local, o econômico e o pedagógico, com o propósito de reinventar nossas vidas e promover justiça no lugar da iniquidade”2. Outra abordagem para o ensino de línguas, recorrente em pesquisas internacionais atuais (AGARWAL-RANGNATH, 2013; HAWKINS, 2011; ZEICHNER, 2011 – por exemplo), consolida-se na visão da educação para a justiça social. Da perspectiva de Agarwal-Rangnath (2013), ensinar para a justiça social é um esforço deliberado e intencional para que se conheça e compreenda os alunos, para manipular as limitações cirriculares, manter altas as expectativas de todos os alunos, e engajá-los num caminho de criticidade 3

para a aprendizagem (AGARWAL-RANGNATH, 2013, p. 4).

Logo, educar para a justiça social, assim como o letramento crítico, perpassa a inclusão sociopolítica de indivíduos em um contexto educacional democrático,

admitindo

desafios

que

concernem

classe,

gênero,

religião,

necessidades especiais, etc. Zeichner (2011, p. 15) faz um levantamento das práticas de uma educação inclusiva, para a justiça social, em programas de formação de professores, e documenta como possibilidades: 1) focar no senso de valorização das identidades étnica e social; 2) focar no desenvolvimento do conhecimento acerca de como se dá

2 Tradução minha para: …connects the political and the personal, the public and the private, the global and the local, the economic and the pedagogical, for reinventing our lives and for promoting justice in place of inequity. (no original) 3 Tradução minha para: ...a deliberate and intentional effort to know and understand students, manipulate curricular constraints, maintain high expectations for all students, and engage students in a critical pathway for learning. (no original)

4


a relação privilegiados/marginalizados na sociedade; 3) auxilar professores em formação no autoexame de suas atitudes e opiniões com respeito àqueles que, de alguma forma, são diferentes; 4) gerar expectativas elevadas para todos os alunos (como por exemplo, tornando conhecidos exemplos de ensino com alunos carentes); 5) monitorar e analisar cuidadosamente experiências de campo em escolas e comunidades com diversidade cultural, incluindo experiências de imersão nas quais os professores-alunos vivem em comunidades culturalmente diferentes; entre outras. Ademais, o que caracteriza iniciativas para justiça social é a criação do vínculo entre o lado de dentro e o lado de fora da sala de aula, no que tange aos aspectos distributivos (oportunidades igualitárias) e relacionais, originando modelos alternativos que ofereçam escopo para a revitalização da formação docente.

3. Formação Docente e Estágio Supervisionado Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais, instituidas pela Resolução CNE/CP 01/20024, no Art. 6º, devem ser consideradas na construção do projeto pedagógico dos cursos de formação dos docentes, em nível superior: I - as competências referentes ao comprometimento com os valores inspiradores da sociedade democrática; II - as competências referentes à compreensão do papel social da escola; III - as competências referentes ao domínio dos conteúdos a serem socializados, aos seus significados em diferentes contextos e sua articulação interdisciplinar; IV - as competências referentes ao domínio do conhecimento pedagógico; V - as competências referentes ao conhecimento de processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica; VI

-

as

competências

referentes

ao

gerenciamento

do

próprio

desenvolvimento profissional.

Complementando essa visão panorâmica sobre a prática pedagógica está o ensino reflexivo, fundamentado pelo construto 'experiência' em Dewey (1963) 5 – para o qual a educação está centrada numa filosofia empírica e experimental. Segundo a concepção de ensino proposta pela teoria deweyiana, a reflexão é uma forma de conscientização da prática pedagógica, que leva ao desenvolvimento e 4 5

http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_02.pdf. http://ruby.fgcu.edu/courses/ndemers/colloquium/experienceducationdewey.pdf.

5


aprimoramento da própria experiência educacional, vivida numa série de situações através da interação (do indivíduo e seu meio). Aqui, a função social da educação é enfatizada como meio de oportunizar (através da experiência) que todos os indivíduos estejam aptos a contribuir na sociedade, para com a qual se sintam responsáveis (Dewey, 1963, p. 23). Freire (1992; 1996; 2004) também advoga pela prática educativa progressista, cuja perspectiva de ensinar (e aprender) como possibilidade de intervenção histórica contrapõe fundamentalmente a "Educação Bancária" 6 – visão da transmissão de conhecimentos, pela concepção mecanicista. É através da Pedagogia Crítica que o autor (FREIRE, 2004) lança luz sobre a politicidade do exercício do educador. Sendo asim, ressalta-se a ênfase dada à capacitação que visa não somente a autonomia intelectual/didática, mas também a consciência políticopedagógica do futuro professor – o que corrobora o avanço nas proposições postas pela legislação vigente. Nesse sentido, defende-se a necessidade urgente de se considerar que professores e alunos “são sujeitos da ação educativa e devem, portanto, se assumir enquanto reconstrutores dos saberes” (Mateus, 2002, p. 12). Isto é, para além da multiplicação do conhecimento, a formação docente deve privilegiar o desenvolvimento de competências, abrangendo diversos níveis: de aprender a aprender; da participação reflexiva e crítica; e, da pesquisa educativa – como elucida Mateus (2002, p. 4).

4. A Pesquisa Com vistas a retratar a realidade e enfatizar a interpretação do contexto (MARKONI & LAKATOS, 2011), foi realizado um estudo de caso sobre a influência de uma abordagem que abarque aspectos do Letramento Crítico (LEWISON et al, 2002; MONTE MÓR, 2009, 2012) e que seja para a Justiça Social (HAWKINS, 2011; ZEICHNER, 2011; AGARWAL-RANGNATH, 2013) nas experiências de formação docente pré-serviço. Nunan (1992) assegura que o estudo de caso é um método que serve para a observação das características de um determinado indivíduo ou grupo, representativo de seu universo. Assim, esta pesquisa exploratória constitui-se de um

6

Banking education

6


único caso, a saber, das experiências vivenciadas por Karla (nome fictício escolhido pela participante) ao longo da disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Inglesa. A participante, de 26 anos, é aluna do quinto período do Curso de Letras Português/Inglês, numa instituição de ensino superior (IES) localizada na região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo. A coleta de dados foi realizada através de portfólio - um conjunto de documentos e relatórios, o qual reúne informações, observações e reflexões críticas acerca das questões educacionais experimentadas nas atividades de uma disciplina (JOHNSON & ROSE, 1997), confeccionado pela participante. Tal ferramenta avaliativa serviu para registrar suas concepções, percepções e ações pedagógicas de forma sistemática e reflexiva, proporcionando à pesquisadora acompanhar o processo de aprendizagem da professora em pré-serviço, por uma perspectiva êmica. A estrutura textual do portfólio apresentou as seguintes seções: 1) introdução, com a apresentação de informações pessoais sobre a estagiária e também com uma explicação geral da disciplina, seus objetivos, da metodologia e das atividades realizadas; 2) perspectivas teóricas, com resumos ou resenhas dos textos sugeridos pela professora da disciplina e discutidos em sala; 3) microaulas, com relatórios de observação e planos de aula de todas as microaulas ministradas na IES; 4) escola 1, com relatórios de observação e planos de aula das regências que a aluna realizou na escola escolhida pela professora supervisionadora do estágio; 5) escola 2, relatórios de observação do ambiente escolar7 e das regências assistidas, na escola escolhida pela estagiária, e, 6) conclusão, com a retomada geral das principais conclusões obtidas na experiência de prática de ensino, constando dificuldades e sucessos vivenciados. Finalmente, foi feita uma análise descritivo-interpretativista, como em Creswell et al (2007, p. 248), tendo como referência a pergunta de pesquisa.

7

Com relação à escola 01, por meio de um olhar diagnóstico, a estagiária foi instruída a observar: a) a escola: estrutura física, recepção, organização, cartazes, movimento de alunos e profissionais da escola, pontualidade, disciplina, interação dos alunos entre si e com professores fora da sala de aula, e demais características que, de alguma forma, poderiam contribuir ou dificultar o processo de ensino-aprendizagem; b) a turma: questões sociais dos alunos, nível de aptidão para o estudo dos conteúdos programados para seu nível, interação entre si, disciplina, participação nas aulas e realização de atividades, homogeneidade ou heterogeneidade, peculiaridades, etc.; c) o(a) professor(a): postura, metodologia, interação com os alunos, etc.; d) os conteúdos trabalhados; e, e) quaisquer aspectos que influenciem na aula, em particular, ou no processo educativo, de forma mais geral.

7


5. Resultados Nesta

seção,

apresentarei

os

resultados

da

análise

descritivo-

interpretativista (CRESWELL et al, 2007, p. 248) dos dados, a qual ressalta as concepções, percepções e ações educativas da participante.

5.1. As concepções do processo de ensino/aprendizagem Nas experiências relatadas em seu portfólio, Karla deixa claro sua compreensão do Estágio Supervisionado em Língua Inglesa como oportunidade para desenvolver competências e habilidades necessárias para uma prática docente crítico-reflexiva.

Ainda,

ela

registra

a

literatura

trabalhada

na

disciplina

(SCRIVENER, 1994; FREIRE, 1996; LEFFA, 2005; PAIVA, 2009 – entre outros), pondo-se de acordo com a proposta do docente como um ‘agente político’, capaz de engajar-se na tarefa de transformar a sociedade, diminuindo as desigualdades sociais. Sobre sua trajetória ao longo do semestre, a aluna ressalta a importância das etapas de observação na escola 2 e na IES, de participação nas regências e microaulas dos colegas de sala, e de atuação nas próprias regências e microaulas, na IES e na escola 1. Ela argumenta que, ao compartilhar essas experiências com seus pares e professora-supervisionadora, sua formação tornou-se mais significativa e ética, por permitir o vislumbramento de possibilidades futuras. Além disso, ao comentar sobre insegurança e receio de fracasso, a participante destaca o estágio como tempo de transformação, no qual o apontamento dos pontos fortes e fracos pode auxiliar na auto-conscientização do que se é e do que se pretende ser (ou do que se faz e do que se quer saber fazer). Para ela, a vivência no estágio possibilita trazer o cotidiano das escolas para dentro da IES, oportunizando a correlação entre teoria e prática. Karla lembra a necessidade de despertar no alunado autonomia e criticidade, buscando maneiras através das quais ele/ela possa fazer uso da língua fora de sala de aula, criando sentido para a aprendizagem e tornando-a mais eficiente. De maneira geral, suas concepções são coerentes com a formação recebida na licenciatura.

5.2. As percepções e ações educativas de pré-serviço Apesar

de

suas

concepções

teóricas

sobre

o

processo

de

ensino/aprendizagem mostrarem-se fundamentadas na literatura da área, nas 8


observações das microaulas e regências, Karla limita-se basicamente às dimensões 'conteúdo' e 'abordagem', cerceando sua noção de ensino de inglês à tarefa mecânica da transmissão de conhecimentos. Dessa forma, as descrições das observações das microaulas e regências estão restritas às estruturas linguísticas abordadas e à maneira como essas foram ministradas, aos erros cometidos, aos recursos áudio-visuais utilizados, e, inclusive, à interatividade proporcionada em sala de aula. Ao comentar sobre o ambiente escolar na escola 2, após cerca de 30 horas de observação, a estagiária salienta questões como: infra-estrutura do local, competência docente, (in)disciplina discente, pertinência do material didático, metodologia de ensino, entre outras. Não obstante, nenhuma

referência

foi

feita

ao

aspecto

pragmático

do

processo

de

ensino/aprendizagem da língua estrangeira. Da mesma maneira, nas experiências de atuação nas regência e microaula que vivenciou no estágio, Karla desconsidera a abordagem da criticidade e de práticas inclusivas e emancipatórias. Ela volta-se para o ensino de inglês da reprodução de técnicas e metodologias – que é, de certa forma, despropositado. Apresentando como objetivo geral ‘conhecer algumas prepositions’, seu Plano de Aula pode exemplificar esse fato. Em sua atuação na sala de aula, apesar dos problemas enfrentados em decorrência da pouca proficiência linguística em língua inglesa, a professora em pré-serviço apresenta o conteúdo de maneira lógica, tem postura adequada e busca atender às solicitações dos alunos – o que poderia ser corroborado pelo aspecto político da educabilidade. Ao refletir sobre suas regência e microaula, novamente, foi negligenciada a questão filosófica. Contudo, é interessante relatar que, na conclusão do texto no documento analisado, a aluna-estagiária retoma a discussão da relevância da educação nas construção da qualidade de vida e promoção da cidadania.

6. Conclusão Como salientado previamente, é sabido que a visão da transmissão de conhecimentos pela concepção mecanicista contrapõe-se à prática educativa progressista (FREIRE, 1996). Então, considerando-se a mudança de paradigma quanto

à

formação

de

profissionais

crítico-reflexivos,

faz-se

necessário

conscientizar-se de que a educação é, em si mesmo, um ato político (FREIRE, 1992; 9


1996; 2004; KUMARAVADIVELU, 2005; LEFFA, 2005 – entre outros). De acordo com Monte Mór (2012, p. 40), “um plano político-educacional com orientação filosófica explicitada volta-se para a relação entre a prática, a pedagogia e a filosofia”. Desta feita, o estágio supervisionado deve propiciar o ensino de teorias sobre a prática docente e criar oportunidades de aprendizagem prática sobre essas teorias, tendo como foco “escolhas intrinsecamente comprometidas com um plano político-filosófico de educação e sociedade” (MONTE MÓR, 2012, p. 40) - sem o qual a licenciatura é falha. O resultado da análise dos dados desta pesquisa elucida que a abordagem teórica da literatura da área não forneceu subsídio suficiente para o incremento das ações educativas da participante. Parece razoável pensar que para a implementação de uma abordagem de ensino que abarque aspectos do Letramento Crítico (LEWISON et al, 2002; MONTE MÓR, 2009, 2012) e que seja para a Justiça Social (HAWKINS, 2011; ZEICHNER, 2011; AGARWAL-RANGNATH, 2013) deveria-se promover no estágio oportunidades de discussão e elaboração de atividades práticas de educação inclusiva, considerando-se os desafios da própria realidade educacional. Isto é, deve ser essencial que o professor em pré-serviço tenha consciência não somente de seu próprio contexto de atuação – a fim de adaptar as escolhas pedagógicas (metodologia e abordagem, material didático, conteúdo a ser ministrado, e etc.), mas também da capacidade político-social de seu trabalho, e receba treinamento em como exercê-la em suas ações educativas. Por fim, enfatizo que o papel da educação contemporânea perpassa a capacitação dos cidadãos para a transformação da sociedade, possibilitando-lhes acompanhar as mudanças do mercado de trabalho e do mundo, tornando-lhes aptos a lidar com as desigualdade e injustiça, e a nutrir a esperança.

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