Revista Noize #82 - Letrux - Novembro 2018

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Após 15 anos de voos pelas artes, Letícia Novaes submergiu no oceano dos seus desejos, êxtases e angústias

#82 // ANO 12

expediente

e voltou à superfície encarnando NOIZE COMUNICAÇÃO

NOIZE FUZZ

Direção Leandro Pinheiro Pablo Rocha Rafael Rocha

Editores Gustavo Brigatti Joana Barboza Leonardo Baldessarelli

Gerente Financeiro Pedro Pares

Coordenação de Projetos Brenda Beloni Diego Paz Jordana Monteiro Júlia D’Ávila Thais Martins

Gerente de Planejamento Cássio Konzen Diretor de Criação Rafael Rocha RH Débora Fagundes Coordenação de Arte Jaciel Kaule Diretores de Arte Árthur Teixeira Guilherme Borges Diretores de Arte Jr. Jade Teixeira Lucas Abreu Vitória Proença Assistentes de Arte Guilherme Ferreira Maicon Pereira Produção Dani de Mendonça Lia Procati Malena Thailana Coordenação de Vídeo Lucas Tergolina Vídeo Diego Machado Humberto Ferreira Pedro Krum Shandler Franco Thaíse Silva

a retumbante figura de Letrux. A passionalidade escarlate tão presente no seu disco também inspirou as páginas desta revista, que flutua entre fluxos emocionais.

O lado A acompanha a retração da maré

Atendimento Interno Ingrid Mônaco

baixa. A própria Letícia dá dicas de como fazer o universo colaborar com

Redação Camila F Oliveira Fernanda Zandavalli Guilherme Flores Rodrigo Laux Tássia Costa Vinícius Rocha

a sua vida, a cantora Mãeana assina um artigo-desabafo sobre as dores e lições que teve em seus caminhos de autoconhecimento e contamos como nasceu

Planejamento Eduardo Mello Gabriela Etchart Julia Brito Juliano Mosena Luan Pires Mickael Prass Tainá Cíceri Thiarles Wäcther

Letrux Em Noite de Climão.

Já a metade B arrebenta com a força da maré alta. Conversamos com produtores para entender a música brasileira dos

Estagiário Planejamento Rafael Kronitzky

anos 80; traçamos um perfil da Marina

Mídia Mariana da Silva

Lima; entrevistamos Natália Carrera, coprodutora do disco da Letrux, e

Community Manager Ana Paula Pause Laís Soares Maurício Teixeira Vanessa Castro

apresentamos uma lista de artistas que gritam diversidade.

GRITO

Siga as páginas, tome um caldo nesse

Foto Mell Helade

Gerente de Planejamento Marcel Maineri

mar e não se surpreenda se você emergir

Novos Negócios Leandro F. Gonçalves

Coordenação de Projetos Carolina Farias

NOIZE RECORD CLUB REVISTA / SITE

Assistente de Projetos Gabriel Dias Helena de Oliveira

Coordenação de Projeto Karen Rodriguez

Planejamento Matheus Barbosa

Editor Ariel Fagundes

Redação Camila Benvegnú Jéssica Teles Pedro Veloso

Repórter Brenda Vidal Diretor de Arte Árthur Teixeira

diferente.

Ariel Fagundes

NOIZE BOOST boost@boost.mn boost.mn

Community Manager Hayane Leotte Kelvin Furtado

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colaboradores noize.com.br

Mãeana Com 2 discos solo lançados, Ana Cláudia Lomelino é

Camila F Oliveira

Arthur Braganti

amiga íntima de Letrux e

Procurando sentidos pra

Coprodutor de Letrux em

participa do seu álbum.

virar do avesso. No resto do

Noite de Climão e artista

tempo, usa jornalismo pra

associado-fundador do

ouvir (e contar) histórias.

Movimento Capenguysta.

Leonardo Baldessarelli Ama a mentira, odeia a verdade. Publicitário por

Letícia Novaes

Marta Karrer

prazer, jornalista por vaidade.

Também conhecida como

Jornalista, assessora de

Acima de tudo, maluco por

Letrux, é carioca, atriz,

imprensa, produtora e fã do

qualquer tipo de música.

cantora, compositora e,

rolê independente.

antes de tudo, escritora.

Rodrigo Laux

Brenda Vidal

Natália Carrera

Jornalista, músico e nenhum

Quase jornalista vivendo um

Guitarrista e coprodutora do

dos dois. Acredita que o

ritmo que só a música pode

disco da Letrux, vive para a

ser humano é um bicho

acompanhar. Apaixonada

música, seja nos palcos ou

superestimado, mas ainda é o

por cultura, arte e negritude.

nas mesas de mixagem.

que cria os melhores grooves.


Como Fazer o Universo Colaborar com a Sua Vida

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T E XTO _

F OTO S _

Letrux

Tal ita Menezes

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Pra começar: Se você é ateísta, tente ler esse texto com bom humor. Se curte uns mistérios, tente ler não como resposta, mas como mais uma opção. 9A


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1- O símbolo é a melhor expressão possível para algo inconsciente. Não podemos viver a vida de forma automática e não despertar para a força simbólica de tudo que vive ao nosso redor. Queime diários, fotografias, objetos, roupas que remetem a um lugar de mágoa. Ritualize o que já foi e saiba conversar com o Universo, fale sozinha(o) em voz alta. Seja para pedir, seja para desabafar, apenas com a galáxia lhe ouvindo. Livre-se de tudo que não cabe. No ar ou no fogo, apenas. Ali, você se livra. Na terra e na água, você pede. Enterre uma cartinha com seus sonhos, seus brincos favoritos, sua bola de gude da infância, peça por mais, espere mais, queira mais. Entre no mar, afunde a cabeça e grite lá embaixo. Primal scream marinho. Escreva o nome da pessoa que você deseja na água, com o dedo. Peça por ela.

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2- A natureza está aqui há trocentos anos a mais que a gente, sua sabedoria é infinita e nós estamos apenas passando e racionalizando tudo, mas não esqueçamos da nossa parte animalesca. Uma vez por semana, nem que por minutos,

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seja bicho. Comendo ou estando num ambiente selvagem, abrace o corpo pelo que é corpo, esqueça a mente. Não tenha vergonha, até onde a gente se lembra, essa vida é só essa: vamos ao que interessa.

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3- Ritualize. Datas são importantes, celebre, crie sua dança. Das férias, da paixão, da fertilidade, do aumento do salário. Escolha a cor da sua vida (pode ser do momento), acenda velas dessa cor. Crie uma trajetória que faça sentido para você: "Para que isso assim assado aconteça, eu preciso ____________". Cumpra. Cuidado com as manias e ilusões, não é sobre isso o ritual. Cada ritual pede uma dinâmica, descubra a sua. De olhos fechados, sonhando, ou na hora do déjà vu, anote. E saiba: arrepio é confirmação. 14A


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M O D E LO _

P RO D U ÇÃO E O B J E TO S _

Valent ina Bortoloni Gomes

Shico Menegat

STY L I N G _

H EBE - Jul iana Franarin, Mariana Pina Tostes e Jul ia Fei l BELEZA_

C O LO R I Z AÇÃO _

Jaquel ine Celest ino

Mauricio Kessler

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T E XTO _

A RT E _

Mãeana

Vitória Proença

a bri go

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Um desabafo sobre o feminino hoje

tanto os acontecimentos quanto a poética do entorno que posso notar desde que nasci me carregam para um ponto de vista bastante depressivo em relação à nossa humanidade. uma noção básica e clara de que o ser humano tem baixo nível astral e é um animal nocivo a si e ao seu meio ambiente. literalmente como se eu tivesse sido jogada numa escola que sinto que me faz mal, eu não queria passar por nenhum desses sentimentos humanos tão difíceis, eu prefiro dormir. sonhar. mas todo esse peso de viver nas trevas nunca me impediu de brincar.

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brincadeiras desejantes de um mundo melhor me ensinaram a amar. hoje eu sei que brincar não é o oposto de trabalhar, mas minhas próprias células estão apegadas a crenças opostas, limitações seculares, não é nada fácil acreditar em mim mesma. mas existe uma eu maior que como uma mãe interna sempre conversou comigo. em línguas extra-terrestres. em viagens, em sonhos... foi numa escola de consciência corporal (angel vianna) que me lembrei que tudo é dança, que a verdadeira arte se trata também de encarnar-se, lembrei que tudo é magia, que o sobrenatural é altamente natural, num sonho de futuro e de física quântica nós sendo deuses, evoluídos no amor. corpos de amor. o problema mais sério do ser humano clássico é a falta de amor. é a falta da deusa, a ausência do amor da deusa mãe. ali no céu a presença de um deus que julga e castiga.

a presença do medo é a ausência do amor. o que houve com os ventres que pariram tantos homens frios, recalcados, reativos, cínicos, calculistas? ave maria, foi a partir do meu ventre que intuí que fundamental para ensinar o amor é saber ser abrigo. abrigo. abrigo. e essa dança é antiga. na ufologia venho encontrando respostas lindas que fazem carinho nas minhas intuições e reconfortam uma velha bruxa que há em mim - uma sensação real de estar apenas lembrando de informações preciosíssimas que eu sabia profundamente antes de esquecer. existe a maravilhosa região de Plêiades de onde muitos voluntários confederados vem nos visitar e nos falam através de humanos que já sabem lidar com sua própria natureza multidimensional. existem livros. muita coisa. a gente chama a informação que chega até nós.

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e chegou pra mim nitidamente essa questão da deusa. como uma missão, como a única missão possível pra mim. é tão absurdo o desequilíbrio que vamos precisar ser todas mães umas das outras. isso é muito sério. ser mãe é muita coisa. é o aprendizado mais denso da vida poder ser mãe de si e desenvolver em si uma confiança tão grande a ponto de criar pra si uma realidade essencialmente boa, fértil, livre, positiva. nossas intenções positivas ainda são muito manipuladas por nossos medos. mas quero crer que espíritos brilhantes e confiantes estão vindo criar um ambiente mais iluminado.

nesse sentido parece sim que a Terra é uma entidade viva que está curando aos poucos uma doença. pontos de vista cósmicos sempre me salvam. e a cura deste planeta chega através do feminino. meu feminino quer brincar, quer ritualizar, quer desejar, celebrar, compartilhar. quero mostrar meu sangue, quero cantar. quero falar de amor sem ser hostilizada por isso. quero um mundo que sabe que amor é responsabilidade. que sabe amar. que sabe amar a natureza, sabe respeitar a vida e a morte. assim é o mundo dos meus brinquedos no meu altar. essa é a minha arte. música canalizando visões que transportam informações e feitiçaria decodificada.

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A síntese sonora, verbal e cênica que Letícia Novaes alcança encarnando Letrux

UM RUBRO DESPERTAR 20A


T E XTO _

F OTO S _

STY L I N G E D I R EÇÃO D E A RT E _

BELEZA_

Ariel Fagundes

Bruno Machado e Jul iana Rocha

Miguel Figueira de Mel lo

Gabriel Ramos

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Letícia Novaes acha engraçado quando consideram a Letrux uma “revelação” da cena carioca atual. O elogio ganha traços tragicômicos, pois já faz 15 anos que ela se dedica a ser artista e, como tal, garante: “Já passei muito, mas muito perrengue”.

gou a tornou sua morada, a literatura. Dez anos depois, quando chegou hora de se inscrever no vestibular, Letícia optou pelo curso de Letras areda Universidade Federal do Rio de Janeiro, no entanto, o que parema cia ser uma aproximação com a magia dos livros se mostrou uma ue armadilha burocrática: “Não vou mentir, foi péssimo. Achava que seria [como no filme] Sociedade dos Poetas Mortos e foi o lugarr dos professores mortos”.

De 2017 para cá, foi comum ler seu nome entre as listas de atrações dos maiores festivais de música alternativa do país. Mas, antes de ocupar grandes palcos, ela tocou muito em raves, garagens, botecos, inferninhos. Também publicou um livro de poesia. Gravou dois longas-metragens. Lançou três discos como vocalista da banda Letuce. Tudo isso muito antes de conceber seu primeiro álbum solo, Letrux Em Noite de Climão (2017).

e, que Triste e desiludida, largou a UFRJ aos 19 e, por sugestão da mãe, ve no lembrava que Letícia gostava muito das aulas de teatro que teve colégio, se matriculou na faculdade de Artes Cênicas da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL). Aí sim, as coisas começaram a fazerr sende e tido: “Foi outra bomba atômica. Um lugar de muita permissividade criação.”, conta. Na mesma época em que começou seus estudos de atriz, ela botou 002, na cabeça que queria aprender a tocar. Por volta de 2001 ou 2002, a pela quando a internet havia acabado de ser instalada na sua casa ar vioprimeira vez, Letícia digitou em um buscador online: “como tocar am ali, lão”. “Santo de casa não faz milagre, né. Os instrumentos estavam ásico mas meu pai não ia me ensinar”, diz. Conforme foi pegando o básico do básico, em vez de fazer o que a maioria dos estudantes faz,, que u esé aprender a tocar as músicas que gosta de ouvir, ela começou pontaneamente a compor:

“Eu sou de Capricórnio”, explica Letícia: “Nada na vida do capricorniano vem de maneira instantânea”.

ia. Em - Peguei meus caderninhos e fui, do nada, criando uma melodia. sicas. uma talagada, fiz, sei lá, 20 músicas. Horrorosas, mas fiz 20 músicas. A primeira se chamava “Love Sucks”. É ridícula.

Hecatombes que germinam Voltando no tempo, ela conta que, apesar de não haver artistas profissionais na família, na sua casa, a música era protagonista. “Sempre tivemos amplificador, guitarra, teclado, bongô. Meu pai sabe tocar de ouvido, é mais afinado do que eu”, diz. Com alma de artista, seu pai sempre foi funcionário do Banco do Brasil e sua mãe, uma pessoa extremamente sensível, era professora. Nas festas dos parentes, era comum eles cantarem, mas Letícia diz que, quando pequena, não costumava acompanhar o coro. A primeira experiência artística que lembra de ter tido foi a de dublar os discos de Maria Bethânia que, em geral, sua família ouvia aos domingos: “Eu gostava de ficar me olhando no espelho e dublando. Era uma coisa bem maluca narcisista, mas que tem a ver com a criação de uma artista”. Desde muito nova, a musicalidade e a interpretação cênica já começaram a germinar no íntimo da Letícia. O terceiro vértice do tripé que é a sua maior paixão até hoje chegou em seguida: “Aos 6, fui alfabetizada e foi uma bomba atômica na minha cabeça. Minha mãe sentiu isso, começou a me incentivar muito e eu fiquei alucinada”. O alfabeto foi uma chave que abriu as portas do universo que se

Dos encontros, os frutos tícia Três anos e meio depois, quando acabou o curso de Teatro, Letícia ficou meio perdida, mas não demorou para o destino lhe achar.r. A Tijuca era o bairro onde morava e, lá, acabou conhecendo um grupo de amigos que tinha uma banda. Papo vai, papo vem, comentou es pra que tinha algumas músicas na gaveta, mostrou as composições sculeles... “E eles piraram. Aí a gente fez uma banda chamada - desculos gripa, mundo - Letícios”, conta engatando o riso. “Era bem rock, aos ravou tos”, lembra. O grupo não chegou a fazer muitos shows, mas gravou ontra um EP sem título em 2005 e, se procurar no YouTube, você encontra stina vídeos dessa banda tocando músicas autorais como “Ana Cristina Desconcentrada” e “Mamãe Não Pode Saber” e covers de hitss do classic rock, como “Turtle Blues” e “Somebody To Love”. rônica Em paralelo aos Letícios, ela formou um projeto de música eletrônica ue chamado Ménage à Trois com os DJs PCatran e João Brasil, que chegou a ser substituído por Donatinho, filho de João Donato. “A ucinagente tocava muito em rave e era hilário. As pessoas muito alucinadas e a gente chegava super sóbrios, de manhã, só pra tocar”.. Segundo Letícia, o som era “uma coisa mais gostosinha, não era que-

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bra bradeira pra dançar”. No canal do YouTube de PCatran, você acha víd vídeos que registram a atmosfera experimental das apresentações do trio nas festas XXXPerience e Shout (vale a pena assistir). Qu Quando chegou o ano de 2007, Letícia estava envolvida com tudo isso e mais um pouco, pois também havia sido convidada para ser voc vocalista de outra banda, a The Monkey Whores, que tinha uma propos posta bem garageira de punk rock com ares noventistas. Ainda que não tenha durado muito esse projeto, eles chegaram a fazer alguns sho shows pequenos com essa formação e, no YouTube, há registros de Letícia à frente do grupo cantando músicas como “A Bunda”, “W “Whores Little Brit” e um cover da banda francesa Pravda, “Tu Es a L’O L’Ouest”. Ne Nesse momento, a estabilidade que havia no caos de sua vida estava prestes a ser abalada. Filha de Iemanjá, ela sempre foi muito conec nectada à praia e não chega a surpreender o fato de que a maré da vid vida logo lhe daria de presente uma paixão avistada à beira do mar. Em 2007, na orla de Ipanema, todo domingo, havia show da Binário, um uma big band com oito integrantes que fazia um som difícil de descre crever, mas que unia influências de manguebeat, psicodelia, indie roc rock, grunge, e o que mais pintasse. “Era sen-sa-cio-nal. A praia parav rava, ficava todo mundo vidrado. Eu vi várias vezes”, lembra Letícia. Ov vocalista e guitarrista da Binário era o Lucas Vasconcellos, que era amigo da Ana Cláudia Lomelino [a Mãeana, que participa do disco da Letrux e assina o ensaio da página 16A], que, por sua vez, era mu muito amiga da Letícia. Lucas já havia sido o assunto de conversas ent entre elas, mas Letícia só foi conhecê-lo pessoalmente na festa de ani aniversário que Ana Cláudia deu em 2007. Naquele primeiro encontro tro, já ficou claro que algo estava para acontecer: - Fo Foi assim… pá! Eu o cumprimentei e pensei: “Minha vida vai mudar ago agora”. Não foi amor à primeira vista porque eu não acredito muito nis nisso. Mas foi tipo: que porra é essa? A gente começou a se relacionar e tivemos um romance lindo durante cinco anos e meio. Foi uma das coisas mais importantes da minha vida. A re rebentação da paixão arrebatou o casal e não demorou para que sua suas vidas se misturassem a ponto de suas obras fazerem o mesmo. De um lado, havia um processo de esgotamento dos outros projetos em que estavam envolvidos, que foram minguando naturalmente, e de outro, a relação de Lucas e Letícia efervescia entre beijos, versos, aco acordes e melodias. Nesse contexto, foi praticamente inevitável a cria criação da dupla Letuce. -A Ali, na minha banda de rock, eu é que fazia as músicas, mas meu vio violão estava muito limitado. De repente, chega o Lucas fazendo arr arranjos incríveis, em que eu só botava letra e fechava a melodia. Foi um encontro muito fértil - lembra Letícia.

Ao todo, a dupla lançou três discos: Plano de Fuga pra Cima dos Outros e de Mim (2009), Manja Perene (2012) e Estilhaça (2015), sendo que os dois primeiros foram lançando enquanto Lucas e Letícia eram um casal. O último, cujo produtor foi o DJ João Brasil, foi feito após o fim do relacionamento deles - e esse é justamente o tema do álbum: “Lançamos o Estilhaça separados já há um tempo. E é uma piração, ‘estilhaça’, olha que lindo, falar da separação estilhaçando”, reflete a artista. Um ano após sair o derradeiro álbum, Letícia decidiu que queria terminar a banda e buscar outros caminhos. O último show do Letuce foi em um festival na Ilha de Paquetá, no Rio, e ela conta que essa noite teve um tom ritualístico de catarse e euforia. Na barca de volta ao centro da cidade, o show continuou só com voz, violão e coro do público: “Foi a barca dos sonhos, todo mundo indo embora cantando Letuce. Cheguei em casa chorando, foi um dia bem doido, fiquei bem doente depois. Somatizei muita coisa”, lembra. Laboratórios de personagem É interessante lembrar que, durante os nove anos de atividade do Letuce, Letícia sempre manteve em movimento outros trabalhos. Um dos mais pitorescos foi o longa-metragem Qualquer Gato Vira-Lata (2011), uma comédia romântica típica da Globo Filmes, estrelada por Cléo Pires, Dudu Azevedo e Malvino Salvador. Após seis semanas em cartaz, o filme atingiu uma bilheteria de 1.114.800 espectadores. Nele, Letícia interpreta Paula, que é a melhor amiga de Tati, a protagonista vivida por Cléo Pires. “Nossa, foi hilário, nem eu acreditei. Passei nos testes e participei de um blockbuster que é tão

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“Segui meu movimento, minha natureza, meu metabolismo, e fui�

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blockbuster que tem o 1 e o 2”, diz referindo-se à sequência, Qualquer Gato Vira-Lata 2 (2015), que traz a participação especial de Fábio Jr. “Eu amo música, mas sempre tive outras mil frentes, já escrevi no [jornal] O Globo, lancei livro [Zaralha: abri minha pasta (2015)], também fiz várias locuções”, explica.

O projeto de financiamento coletivo abriu em março de 2017, ao mesmo tempo em que começaram os ensaios da banda recém formada. A coprodutora e guitarrista Natália Carrera [entrevistada na página 10B] havia se juntado a Letícia e Arthur, assim como o baixista Thiago Rebello e o baterista Lourenço Vasconcellos. No final de abril, quando fechou o crowdfunding, começaram as gravações do álbum no famoso estúdio carioca Toca do Bandido. “Gravamos em uma semana”, conta Letícia.

Dentre as suas mil e uma obras, uma foi essencial para amadurecer o sentimento que desembocaria anos depois no seu primeiro disco solo. O nome era Tru & Tro com sua Corja em: Desfrute ou Frite, uma peça-show que Letícia montou em 2014 com Arthur Braganti, seu grande amigo e futuro coprodutor do álbum solo. O espetáculo era uma experiência radical que unia literatura, teatro e música em uma salada tragicômica de altos e baixos (qualquer semelhança com os shows da Letrux não é mera coincidência): - Começava comigo sendo carregada, vestida de noiva, e jogada no chão. Aí eu cantava e atiravam tomates com toda força na minha cara. Eu falava vários monólogos antes de cantar. Era uma loucura, as pessoas odiavam ou amavam, era muito engraçado, o Caetano foi e ria e chorava ao mesmo tempo. Acho que tem muita coisa da Letrux que veio desse lugar - diz. Após o fim do seu namoro com Lucas, em março de 2013, Letícia foi compondo uma série de músicas que foi guardando para si. A exceção é “Flerte Revival”, de 2012, que ela chegou a lhe mostrar, mas a resposta dele foi a de que não sabia se tinha a ver com a proposta do Letuce. Várias das composições seguintes foram ficando na gaveta, então, quando a banda acabou, já havia um repertório encaminhado para o trabalho solo. Mas, sobre o momento em que de fato nasceu a personagem Letrux, Letícia diz não ter muitas lembranças: - A gente tem que morrer pra renascer, o conceito da morte não me assusta. Mas quando morremos e nascemos, não temos memória, então, não tenho a memória de quando eu criei a Letrux. Eu só tenho memória de que eu segui minha intuição. Segui meu movimento, minha natureza, meu metabolismo, e fui. Uma granada de afetos

Em maio e junho o álbum foi finalizado e, em julho de 2017, Letrux Em Noite de Climão já estava na rua. Como prometido na letra da sua faixa de abertura, o disco não passou batido na festinha, chegou causando. Foi citado em praticamente todas as listas de melhores discos de 2017, incluindo a da prestigiada Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA). Foi escolhido o melhor disco do ano no Prêmio Multishow de Música Brasileira, categoria em que concorria com os álbuns mais recentes de Chico Buarque e Rincon Sapiência. Parece que seu som pop e dançante (ainda que denso e experimental), unido a versos que agarram o público, formou um coquetel explosivo cujo pavio é aceso no instante em que se aperta o play. “A sonoridade do disco é gostosa, é pra dançar e pra gritar”, diz Letícia, “e as letras são antíteses, elas brincam muito com a questão do tragicômico, com o Sol e a Lua, o dia e a noite, todas as coisas que são antagônicas e opostas”. Ela explica que o álbum é “totalmente passional” e que isso não é por acaso: - Letrux Em Noite de Climão sou eu cinco anos depois de me separar. Eu me apaixonei, desapaixonei, fiquei com mulher, casei de novo, inventei histórias, fiquei num puro tédio, muita coisa aconteceu. Em 2015, o movimento feminista arrombou minha vida e, de alguma maneira, me mostrou que talvez eu não seja hétero. 2016 foi um ano em que muita coisa se revelou, se descobriu quem eram os coxinhas, quem eram os machistas. Esses despertares políticos, anímicos, emocionais, psicológicos, estão todos no disco. E sinto que as pessoas piram muito porque elas também têm esses despertares. Hoje, mais do que nunca, a literatura, o teatro e a música de Letícia Novaes estão se expressando em uníssono na sua vida, como três raios laser que convergem em um foco vermelho chamado Letrux. “Acho que tudo que aconteceu foi porque eu finalmente reuni essas três paixões: o teatro, a literatura e música. Combinadas, elas têm a força de um cometa”, avalia Letícia.

Quando decidiu que transformaria aquelas músicas em um álbum, no final de 2016, Letícia chamou, de novo, Arthur Braganti para trabalhar com ela. Evidentemente, ela também estava preocupada em como financiar a gravação e o lançamento do disco e, para isso, se inscreveu em vários editais. Contudo, não foi escolhida por nenhum. - Em 2017, só tive respostas negativas. Aí falei: “Beleza, vamos encarar o financiamento coletivo pela terceira vez”. O segundo disco do Letuce foi com crowdfunding e meu livro também. Só que agora eu estava cagada de medo, estávamos em um ano de golpe, crise… Foi difícil, não foi um crowdfunding fácil, mas bateu a meta - lembra.

Sobre o futuro, prefere não fazer muitas previsões. Diz apenas que a banda que formou está cada vez mais unida e que gostaria muito de fazer um outro álbum da Letrux: “Seria divertido fazer um segundo disco com essa turma”. Por enquanto, ela tem “focado em viver o momento”, mas pode avisar pra geral: isso aqui vai render ainda mais.

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Letrux em Noite de Climão faixa a faixa As músicas do disco que marca o (re)nascimento de Letrux são dissecadas aqui pela própria Letícia Novaes.

Lado A 1) Vai Render Pra mim, é quase um mantra: “Bota na tua cabeça que isso aqui vai render”. Essa frase me veio como um raio e, quando falei essas palavras, não pensava que iam render tanto. O resto da letra sou eu avisando que alguma coisa vai acontecer e fazendo uma brincadeira comigo mesma, de que andei sequelada, avoada. E essa música tem uma bateria [eletrônica] que o [coprodutor e tecladista] Arthur Braganti achou num teclado Casio muito antigo. Tentamos reproduzir, mas [pensamos]: “Não, vamos gravar o tecladinho mesmo”. 2) Ninguém Perguntou Por Você Andando na Av. Paulista me veio essa frase: “Ninguém perguntou por você”. Continuei e a música veio numa talagada só, acho que é uma das mais 30A


E N T R EV I STA _

noize.com.br

Ariel Fagundes

repetitivas do disco porque o movimento de andar é repetitivo. E a letra é sobre um amor platônico. O amor real requer outras habilidades, só amor não basta, tem gente que se ama e não fica junto. Às vezes, você só dá certo com alguém dormindo, mas aí acorda, tem que pagar a conta, as questões mundanas vão chegando... É sobre um amor fantasma camarada, que não existe na realidade. 3) Coisa Banho de Mar O Arthur Braganti me falou: “Fiz uma música pra você, mas tá precisando de acabamentos. Naquela hora ‘coisa banho de mar’ é pra você escolher uma palavra, tipo ‘delicioso banho de mar’”. E eu falei: “Não, é ‘coisa banho de mar’! A palavra já tá ali” (risos). A música já estava perfeita, eu só botei o “brutal” [em “que brutal esse caldo…”] e senti necessidade da parte C, aí fiz: “Eu vou nadar…”. É uma coisa mais sereia, mais onírica. 4) Que Estrago A Bruna Beber é uma poetisa maravilhosa, lésbica, uma das minhas melhores amigas, e sempre falávamos: “Vamos fazer uma música!”. Nunca saía. Aí um dia, como boas melhores amigas, nos juntamos às duas da tarde com caderninhos. “Sobre o que queremos falar?”, “sobre duas mulheres se amando e com tesão”. É importante falar sobre tesão. Aí pensamos na simbologia de duas mulheres: “Farol tá aceso”, “maré tá enchendo”... Fico muito honrada de receber mensagens de muitas mulheres falando: “Eu tenho uma música, muito obrigada”. Isso mostra o quanto a comunidade LGBT às vezes não se sente representada pela maioria das músicas que existem.

5) Puro Disfarce Eu já tinha tentado fazer com algumas parcerias e ela não se desenvolvia. Aí Marina Lima, no início de 2017, me chamou e fizemos “Mãe Gentil” pro disco dela Novas Famílias (2018). Então falei: “Marina, quer participar do meu disco?”. Mostrei “Coisa Banho...”, “Noite Estranha...” e “Puro Disfarce”. E ela falou que queria participar de “Puro Disfarce”. Eu era criança quando ouvi Marina pela primeira vez e fiquei: “Quem é essa mulher?”. Então, foi uma conquista. E foi lindo participar do show dela e quando ela participou do nosso.

Lado B 1) Amoruim Fiz com o meu atual parceiro, o Thiago Vivas. Tem gente que tem saudade do início e, pra mim, é a pior parte de qualquer relação amorosa. Acho que até o amor ser bom ele é ruim. Sei que é uma frase polêmica, mas eu acho. E é uma música que, até hoje, dói cantar, geralmente eu choro. No início, a música fica num mal estar, mas, no final, ela tem um alívio, um gozo. Chorei muito gravando. 2) Noite Estranha, Geral Sentiu Fiquei pensando em como as pessoas só falam de amor, eu incluída. Aí falo pra uma mina: “Se tu tá acordada às cinco horas da manhã significa que tu tá apaixonada ou que tu tá sozinha e eu não sei o que é pior”. Às vezes, não sei se estar sozinha é tão ruim quanto estar apaixonada, às vezes é melhor estar sozinha. Essa música é a mais capricorniana [do disco] por causa do refrão: “Entra, mas não fica à vontade que eu não tô”.

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3) Além de Cavalos Fiz com Lucas Vasconcellos, meu ex-parceiro [e ex-colega de Letuce], somos amigos de uma maneira muito linda, que nunca pensei ser possível. Aí tem a história de uma prima minha que fez uma tatuagem e teve que consertar porque ela não tem “grana para o laser”. E é muito louco, claro que, de alguma maneira, falamos sobre nós [na letra], mas teve gente que ficou: “Vocês têm tatuagem?”. “Não, claro que não!”. 4) Hypnotized Um grande amigo que é artista plástico, mas se arrisca no piano, o Bernardo Ramalho, estava repetindo uns acordes e eu fiquei com isto na cabeça: “You left me hipnotized”. Aí corri pra um gravador e, depois, terminei. É uma letra meio louca, queria falar sobre pessoas que deixam hipnotizadas de uma maneira natural, não na sedução forçada. E tem essa coisa: “Ah, você me deixou hipnotizado. Mas você me deixou”. “You left me hipnotized. You left me”. Essa música é muito louca, amo ela no show, a galera fica meio hipnotizada mesmo. 5) Flerte Revival Fiz em 2012. Eu e Arthur [Braganti] fomos numa vernissage e um menino passou e nós ficamos: “Gente… Te vi nas artes plásticas” (risos). Depois, o Arthur tinha um flerte e a gente foi numa festa e o Arthur queria paquerar ele, mas ele só circulava… A gente tinha acabado de ler o livro Personas Sexuais (1990), da Camille Paglia, e ela tem uma expressão sobre o “revival do marinheiro”. Então, é uma composição que fiz muito inspirada nessas duas figuras, e também nesse livro.





T E XTO _

F OTO _

Brenda Vidal

Rogério Cavalcant i/Divulgação

Com 40 anos de carreira, Marina Lima fala, com a franqueza de sempre, sobre o risco e o agora.

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63 vezes Marina Lima Marina é feita de muitas Marinas. Nasceu Marina Correia Lima, já foi só Marina, tornou-se Marina Lima; tem intimidade com o oceano tal qual uma marina à beira-mar e também cita que tem um pouco da artista servo-croata Marina Abramovic. Sem medo de se jogar, ela experimenta uma forma diferente de ser Marina em cada um de seus 21 discos - desde o álbum de estreia Simples Como Fogo (1979) até seu mais recente lançamento Novas Famílias (2018).

Aos 63, a cantora, compositora e produtora revisita sua obra sem ancorar-se na nostalgia: “Eu olho muito enquanto eu tô fazendo, não olho muito para trás”, conclui. Parece ser a visão desprendida uma de suas receitas para transitar por mais de 40 anos de carreira sem se repetir. E, talvez, nem tenha havido muito tempo para se apegar: a evolução é reflexo das mudanças de alguém que cresceu fazendo música.

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Na juventude, Marina encontrou as respostas para as angústias sobre o caminho profissional dentro de casa. Foi nos Estados Unidos - país em que viveu dos 5 aos 22 anos - que ela recebeu as influências da bossa nova e do violão. O gatilho para criar música começou na parceria com o seu irmão, o poeta Antônio Cícero. Com 21 anos, ela já começou impressionando ícones da música brasileira: em 1976, Maria Bethânia gravou a canção “Alma Caiada”, um poema de Antônio Cícero que foi musicado por Marina. Infelizmente, em tempos de Ditadura Militar, a gravação não chegou a ser lançada na época devido à censura prévia. Três anos depois, Marina já lançaria seu primeiro disco. Então, a cantora mergulhou de cabeça na música. Uma olhada rápida em sua discografia ajuda a entender que, desde o começo, ela mostrou que sua carreira não seria algo fugaz: da década de 70 até os anos 2000, ela nunca demorou mais de dois anos entre o lançamento de um álbum inédito para o outro. Com o Sol e o Ascendente do seu mapa astral regidos pelo signo de Virgem - o único signo do zodíaco cuja iconografia traz uma deusa mulher - Marina também é uma figura artística feminina de vanguarda. Ela foi a primeira mulher a assinar com a gravadora Warner no Brasil, além de sempre ter se

envolvido em espaços da área técnica da música - como a produção - ainda hoje dominados por profissionais homens. “Isso não é uma queixa, é uma constatação: não foi fácil. A indústria e o meio [musical] eram muito mais fechados, era uma loucura. Sempre tive fama de queixosa e de difícil”, relata. Ela reconhece ser uma mulher exigente - como uma boa virginiana - e fez da acusação inspiração para a faixa

“Eu aprendi desde cedo que é no risco que eu cresço” “Difícil”, do álbum Todos (1985), em que diz: “Alguém lá no início/ Me aplicou/ E me fez de louca/ Me fez pouca/ Me fez o que eu sou”. Versos que expressam o quanto foi burocrático para a artista defender as suas ideias: “Quando uma mulher ocupa um lugar e é exigente, ela fica taxada de difícil. Quando um homem é assim, ele é competente, é exigente”, expõe. Não foram facilidades que a trouxeram até aqui, mas sim, sua perseverança e busca por encontros harmoniosos e justos típicos de quem conta com uma

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Lua em Libra no mapa. “Eu sou perseverante porque eu adoro música, acredito no meu dom e que o meu destino é mexer com música e fazer uma diferença. Eu tenho até entusiasmo de lutar pelo meu espaço”, decreta. É com essa capacidade de determinação que Marina passeia pelas décadas como uma importante figura da música brasileira de forma combativa. Fora dos padrões da intérprete diva, sempre manteve uma postura franca sobre assuntos naturais - mas tidos como tabu - como o lugar da mulher na sociedade e sua sexualidade. Além disso, passou por momentos difíceis, especialmente um problema na voz e uma fase de depressão. Episódios inevitáveis de serem comentados, mas que ficaram no passado da cantora. Marina é bola pra frente, sem disfarces. Colecionando hits que marcaram a MPB, como “Fullgás”, “À Francesa” e “Virgem”, ela experimenta sua sonoridade passeando pelo pop, rock, blues, bossa nova e a música eletrônica. Se a vida só sobra para quem curte desvios, ela tem vida de sobra e diz adorar lidar com o risco. “Eu aprendi desde cedo que é no risco que eu cresço. Sei que, se não for assim, eu não gosto. Não tem graça se eu ficar só me autoplagiando o tempo todo”, explica a artista, que segue taxativa: “A minha obra é o reflexo do melhor de mim. A minha musicalidade e a minha coragem são o meu melhor”.



“A minha obra é o reflexo do melhor de mim”


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Se na canção “E Acho que Não Sou Só Eu”, de Marina Lima (1991), ela já declarava: “Eu gosto das minhas diferenças e sou capaz de brigar por elas”, em 2018, ela vem ainda mais combativa. Em faixas como “Novas Famílias”, “Mãe Gentil” e “Do Mercosul”, as letras são indiscutivelmente engajadas, reflexo de suas angústias sobre o climão político do país: “O Brasil passou do limite, abusou demais. Eu preciso falar, eu preciso reclamar, eu preciso trazer uma luz sobre isso. Não dá para continuar, pelo menos no meu trabalho, não querendo falar disso. O Brasil precisa mudar”, defende.

mesma. A questão é que ela própria não quer ser a mesma que já foi. O que se mantém é sua postura de exigência com a qualidade do seu som, a sua autenticidade e sua entrega. Ser fiel ao seus princípios é o fio condutor para transitar por sua obra sem ser rasa ou se perder. “Marina Abramovic fez um manifesto que diz assim: ‘quanto mais profundo for um trabalho, mais universal ele será’. Eu não componho o que eu acho que querem ouvir,

Além da lírica, o disco recente reflete os sons que a cantora mais sente vontade de explorar. Depois de tantos álbuns, shows e composições, o que ela busca hoje é a linguagem digital, como comenta: “Eu quero trabalhar com a linguagem [dos controladores] MIDI”. Marina vai além: - [Ao fazer um disco] eu tô sempre envolvida com várias coisas: a parte musical, a parte de lançamentos, de capa, de direção artística… Tento me fazer um pouco presente em vários aspectos, sabe? Mas, o que eu mais entendo, é de música. Quero melhorar ainda mais o meu domínio na linguagem da música eletrônica - compartilha. Marina Lima atravessa o tempo, as gerações, suas próprias transformações, suas certezas e suas dúvidas. Ouvindo seus discos da década de 80 e os frutos a partir dos anos 2000, com certeza você há de concordar: Marina não é mais a

componho o que eu preciso fazer”, sintetiza. E, para acompanhá-la, é necessário ter pique: - Acho que tem pessoas, daquela geração que era minha, que me acompanham até hoje. E tem pessoas que me perderam no meio do caminho porque nem todo mundo é igual. Muitas vezes, tem gente que quer ficar no mesmo tempo, ou em uma mesma idade, ou em uma mesma época a vida inteira. Eu não sou assim. Com um olhar de quem entende que a vida é mudança, ela encara sua arte como um convite à reinvenção. “Eu gosto do que eu vivo.

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Gosto de crescer, de mudar, de carregar comigo aquilo que fiz e que gosto. O que enjoei, jogo fora”, confessa. Assim, seu som dialoga tanto com a geração que mudou com ela quanto com uma nova geração que também se alimenta do novo. Não é à toa que Novas Famílias conta com a colaboração de artistas como Letrux, Silva e João Brasil. Em tudo que achar que vale a pena, Marina mergulha com a destreza de quem sabe se dar bem no mar e, acima de tudo, sabe a hora de emergir para renovar o fôlego. Confiança que só se consegue com experiência. Envelhecer, para ela, tem sido sinônimo de autoconhecimento e autonomia. “Foi a partir dos meus 50, e bem mais com os 60, que, como mulher, parei de ter culpa ao falar ‘não’, ‘isso eu não quero’ ou ‘eu sou assim’. É como se eu tivesse adquirido o direito de ser realmente quem eu sou”. Com segurança, Marina deixa os pesos pelo caminho para seguir com flexibilidade e leveza, sem perder tempo: “Hoje em dia, eu nem brigo, digo ‘é assim’ e acabou. Quem não achar, tudo bem, ‘até logo’”. Ainda assim, suas mudanças são feitas com consciência, o que se reflete em uma obra eclética e coerente, de quem nunca se perde de vista. “Tem coisas que eu gosto mais, outras que gosto menos, mas quando olho para trás, eu me reconheço. Fiz o melhor que pude”, afirma.



T E XTO _

A RT E _

Marta Karrer

Jaciel Kaule

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Reza a lenda que a gravação que definiu o som de uma década inteira aconteceu acidentalmente. O ano era 1980 e Phil Collins era o baterista escalado para o álbum Intruder, de Peter Gabriel. O

microfone

fixado

comunicação

entre

captando

som

o

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produtores bateria

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com

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acabou

compressão

inédita, criando um efeito que ficou conhecido como gated reverb: aquele som de bateria que mais parece um chicote, um estouro que para bruscamente. Não demorou muito para que o próprio Phil Collins utilizasse a mesma técnica na faixa “In The Air Tonight”, dando ainda mais tração a uma tendência que

logo

se

tornaria

um

movimento

por

si

só.

Décadas depois, ainda hoje vemos inúmeros artistas brasileiros se inspirando nas batidas dançantes, nas baterias eletrônicas, nos baixos pronunciados e nos sintetizadores marcantes da estética oitentista.

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“Era a referência de som que eu tinha”, explica Mahmundi quando pergunto como surgiu o interesse pela sonoridade dos anos 80. “Me lembrava muito o rádio, me lembrava muito de estar passando pela rua e, pelo menos no subúrbio do Rio de Janeiro, os lugares têm som alto e acho que fui aprendendo a gostar de música por conta disso”. Com 32 anos e dois álbuns bem-sucedidos na conta, a cantora e produtora musical carioca é uma entre muitos artistas que atualmente estão lançando músicas influenciadas pela sonoridade dos anos 80. Aquela década viu um grande crescimento da indústria musical alavancada pela figura dos popstars e da música feita para tocar nas rádios e ser o mais dançante, acessível e contagiante possível. A receita inclui sintetizadores no talo, baterias marcadas, beats eletrônicos, guitarras cheias de efeitos pomposos, baixo e teclado com mais destaque do que nunca. “Eu gosto muito desses caras [Phil Collins, Peter Gabriel] e gosto muito das pessoas que trabalhavam com isso aqui no Brasil”, acrescenta a artista que por pouco não foi uma das produtoras do disco Letrux Em Noite de Climão (Mahmundi precisou recusar o convite devido aos compromissos de uma turnê que fez no Nordeste).

TV Globo durante a década, a mais icônica sendo “Dancin’ Days”, d’As Frenéticas. Também foi Lincoln quem tocou e criou os metais de “Lança Perfume”, “Baila Comigo” e “Caso Sério”, de Rita Lee. Achou pouco? Ele trabalhou também com Gal Costa (“Festa no Interior”), Gilberto Gil (“Palco”, “Não Chore Mais”) e Tim Maia (“Eu e Você, Você e Eu”, “Acenda O Farol”). Quer mais? Também foi um dos autores da clássica “Amor Perfeito”, gravada por Roberto Carlos e Ney Matogrosso, Fafá de Belém, Xuxa, Caetano Veloso e Maria Bethânia são outros gigantes que utilizaram seus arranjos. Olivetti produziu ainda discos de Ed Motta e Lulu Santos e, como se tudo isso já não fosse currículo suficiente, foi ele quem compôs “Um Novo Dia”, a música cantada em todo especial de fim de ano na Globo. Por fim, mas não menos importante, é necessário citar o disco Robson Jorge & Lincoln Olivetti (1982), um registro ímpar da sua musicalidade. O músico e produtor Alexandre Kassin trabalhou ao lado de Olivetti nos seus últimos anos de vida e o cita como “um nome absoluto na modernização da gravação brasileira”: “Lincoln Olivetti pôs o som eletrônico e sintetizado no rádio, os outros vieram depois dele”, aponta Kasin. Conhecido como o Quincy Jones brasileiro (e também por ser avesso a entrevistas), Lincoln chegou a ser acusado pela imprensa especializada de homogeneizar a música brasileira, deixando todos os trabalhos com a mesma aparência. Em uma de suas raras entrevistas, o arranjador, músico, maestro, instrumentista, tecladista e produtor musical contrariou essa hipótese:

Mas questões técnicas não são suficientes para descrever o swing oitentista. O tipo de som que enche estádios, toca em qualquer pista e se encaixa na programação de todas as rádios tomou conta do Brasil inteiro à medida em que a indústria musical, as gravadoras e o showbiz cresciam cada vez mais. Nesse cenário, um arranjador ficou muito conhecido por aperfeiçoar essa sonoridade com vários dos maiores artistas da época. Maestro do novo tempo É impossível falar da música brasileira dos anos 80 sem citar Lincoln Olivetti (1954-2015). O arranjador trabalhou em praticamente todas as faixas que foram trilhas de novelas da

- Me acusaram de pasteurizar a música brasileira, mas eu fazia exatamente o contrário disso. Para mim, cada arranjo tem que ser diferente do outro. Quando o [produtor Marco] Mazzola me pediu um arranjo para a Elba Ramalho, na mesma linha de “Festa no Interior”, fiz o arranjo de “Banho de Cheiro”, que é totalmente diferente. Sempre busquei derrubar as expectativas dos produtores, mas são eles que dão a forma final a uma gravação - explicou

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Olivetti ao jornalista Carlos Calado em entrevista publicada na Folha de S. Paulo, em 2011.

preciso fazer uma adaptação, vários discos passaram a ter esses elementos de metais e sintetizadores”.

O som das máquinas Marco Mazzola, aliás, é outro nome imprescindível para contar essa história. Nos anos 70, ele trabalhou em discos lendários como Falso Brilhante (1976), da Elis Regina, Alucinação (1976), do Belchior, Krig-ha Bandolo! (1973), do Raul Seixas, e Atrás do porto tem uma cidade (1974), da Rita Lee - apenas para citar alguns. Nos 80, seguiu sendo responsável por álbuns decisivos que modernizaram a sonoridade da música popular, como Almanaqu e (1981), do Chico Buarque, Caçador de Mim (1981), do Milton Nascimento, Cavalo de Pau (1982), do Alceu Valença, e Djavan (1989), do Djavan - de novo, apenas para citar alguns. Segundo o produtor, a influência do pop estadunidense no cenário da música popular brasileira tem a ver com as pressões mercadológicas e as limitações técnicas da época: “Essa mudança deve-se à forte demanda e entrada da música internacional nas rádios e no mercado de discos”, afirma. - Aliado a isso, o que tocava nas rádios era um som superior ao dos artistas nacionais uma vez que a música internacional era produzida em estúdios com uma qualidade infinitamente superior aos nossos. Então, os técnicos e produtores, para poder concorrer com essa sonoridade internacional, tentavam copiar esses sons e arranjos. Os estúdios brasileiros, em virtude de o governo ter uma taxa altíssima para importação, tanto de instrumentos como equipamentos de estúdio, não conseguiam se atualizar - explica Mazzola. “Por aqui, era difícil conseguir qualquer coisa, isso só melhorou no Plano Collor (1990-1992), então soar eletrônico já colocava você em um patamar de superioridade”, concorda Kassin. “E, naquele momento, todo mundo queria ter um som ‘radiofônico’ e bater lado a lado com o que tocava no rádio”, afirma, “então era

- Durante os anos 80, não só os teclados e baterias eletrônicas chegaram, mas também máquinas de fita com mais canais, efeitos digitais, o “gate” se popularizou (o gate é um efeito que “limpa” as partes onde os instrumentos não tocam e “seca” a gravação e, nos anos 80, era comum fazer isso e por reverb digital onde você controla a duração). Essas inovações mudaram o som dos discos - aponta Kassin. Uma discoteca nova por dia Já o produtor Carlos Savalla, responsável por grandes sucessos como Bora Bora (1988) e Big Bang (1989), d’Os Paralamas do Sucesso, avalia que a década de 80 trouxe uma crise: “A MPB estava caindo em um ostracismo, todo mundo estava gravando mais ou menos igual. Os discos não estavam com aquele peso que tinham no início dos anos 70, deu um branco”. Segundo ele, foi o surgimento da Blitz, em 1982, que abriu as portas para toda uma nova geração de artistas. Seu álbum de estreia, As Aventuras Da Blitz (1982), foi um marco decisivo para o rock nacional, que, nos anos seguintes, passou a incorporar vários elementos do punk, pós-punk, reggae e new wave. Savalla também lembra que a sonoridade dos anos 80 se tornou uma febre por causa de dois elementos que são muito discutidos até hoje, inclusive no cenário independente. Primeiro, a parceria entre os artistas: “A maioria das bandas só tinha um disco, então tocavam músicas de outras bandas nos shows. Paralamas tocava Ultraje que tocava Legião que tocava Barão que tocava não sei o quê…”. Segundo, a estrutura das casas de shows: - Até então, se fazia show como se fazia em barzinho. Com a chegada do Rock In Rio, começou a mudar o conceito de show no Brasil.

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Nos anos 80, eu inaugurava uma discoteca por dia. Todo lugar tinha show de todo mundo, todo fim de semana todo mundo trabalhava porque tinha discotecas. E segue o baile A sonoridade dançante, brilhosa e intensa dos anos 80 vigorou como uma lei até meados dos anos 90. Para muitos, deixou saudade, mas nos anos seguintes, foi fortemente renegada pela grande maioria dos artistas. Hoje em dia, a ênfase nos sintetizadores, baixos e baterias pode ser vista como algo datado por alguns instrumentistas, mas, para outros, esse é exatamente o objetivo.

Kassin explica essa busca por referências no passado com um tiro certeiro: “No Brasil, a rádio ainda é dessa era, essas músicas [dos anos 80] tocam todos os dias. Então, é natural que haja uma geração interessada em usar essa estética no seu som”. Mazzola entende que estamos “vivendo um momento vintage”, mas lembra que a música mais comercial de hoje está conectada ao funk e ao sertanejo universitário, ambos gêneros “com uma outra pegada”. Já Savalla sente que o nível do mercado musical caiu muito e lembra que a natureza da música é, e sempre será, cíclica: “O que bate? Nostalgia. Isso é cíclico, vai por mim que já passei por essas várias vezes”. A lógica de trabalho das grandes gravadoras de 30 anos atrás buscava que os artistas se destacassem muito e vendessem muitos discos. Hoje, há rotas alternativas no mercado da música onde os músicos independentes gravam e divulgam suas músicas por conta própria, podendo estabelecer suas próprias metas com liberdade para trabalhar da maneira que bem entenderem.

“Tem sempre uma busca pessoal nossa em alguma coisa lá atrás”, diz Mahmundi: “E, às vezes, a simbologia do datado tem um significado, é uma assinatura também. Eu gosto de caixas [de bateria] dos anos 80, que são digitais, parecem coisa de filme e tal. Tem uma mensagem nisso”. Letrux também resgata o climão festivo daquela década no seu disco solo de estreia. A tendência também se nota em Tropix (2016), da Céu, em Dancê (2015), da Tulipa Ruiz, em Japanese Food (2017), do Giovani Cidreira, entre outros. O produtor Marcelo Fruet salienta que, por mais que essa estética sonora esteja em voga novamente, não é nada que se compare à hegemonia de seu tempo de origem: “São artistas do pop alternativo contemporâneo, não são febre geral. São, quando muito, febre de nicho. Não estão operando na moda vigente, estão criando sua moda, à sua escolha. São livres. E isso é ótimo!”

Mas uma fala da Mahmundi parece se encaixar em ambos modelos: “Acho que cada um precisa saber qual é seu agente de comunicação e fazer com que aquilo que gosta bata nas pessoas de alguma forma”. Isso vale para quem busca tocar em estádios ou em casas de show alternativas. Ontem, hoje e sempre, a música de sucesso é a que consegue se conectar com o público.

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F OTO _

A RT E _

Camila F Ol iveira

Sil las Henrique

Jade Teixeira

5 perguntas para

Natália Carrera Na casa de sua mãe, a guitarrista e coprodutora de Letrux Em Noite de Climão achou uma fita cassete com a interpretação do seu mapa astral feito pelo astrólogo Antonio Carlos "Bola" Harres. Bola é pai de Thomas Harres. Thomas foi baterista da banda Letuce. Já entendeu, né?! Letícia Novaes e ela estavam conectadas antes mesmo de se conhecerem. Natália não lembra qual é seu signo ascendente, mas conta aqui sua trajetória e os efeitos do climão.

Em que momento você percebeu que queria trabalhar com música? Quando comecei a ouvir música, com uns 11 anos, isso me pegou com uma força que, acho que com uns 15, já percebi que não tinha como fazer outra coisa da vida. Foi na época de “Free As a Bird”, dos Beatles. Meu pai é muito fã deles e começou a comprar os CDs, então conheci todas suas músicas de cor, antes de ouvir qualquer outra coisa. Meus pais foram muito legais nisso e ele me falou: "Quer fazer música? Faz. Mas vai fazer direito". Fiz com o maior prazer. Além de produzir e tocar, você já compôs trilhas sonoras. De que forma essas experiências se complementam? O show tem uma coisa de estar no palco, estar se mostrando. E trilha sonora é o contrário. Você tá meio que se escondendo por trás do filme. É uma coisa de trabalhar muitas sutilezas, que também gosto quando tô tocando. No disco [da Letrux], fizemos muito isso, quando sentia que todo o resto já estava definido, eu ia lá e dava uma preenchida no que faltava. Gosto de estar sempre pintando, sabe? E tinha que ser uma coisa bem colaborativa, na verdade. Como você sentiu a experiência de fazer um financiamento coletivo para esse disco? Foi muito legal! A galera comprou a ideia do disco e ninguém sabia exatamente o que ia ser. Claro que a gente pensa no que quer, mas o trabalho vai se desenvolvendo e aquilo vai evoluindo, você vai vendo novas possibilidades. Meu foco foi

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fazer uma coisa legal e verdadeira pra mim e pra todo mundo que tá envolvido, sabe? Se não for sincero, se não for algo que lhe motiva, acho que não vai conquistar as pessoas. De que forma esse disco lhe conquistou, qual o significado desse projeto na sua trajetória? Quando iniciei a transição [de gênero], quis parar de trabalhar como musicista, por medo da rejeição dos colegas e por não querer passar esse momento super delicado e confuso num palco. Mas a música sempre acaba falando mais alto. Já curtia muito o Letuce e não quis deixar passar a oportunidade. No começo, eu ficava um tanto constrangida, sem saber como seria recebida, mas acabou que o pessoal da banda virou o primeiro grupo de amigos que fiz já com a nova identidade. E com os shows, começaram também a surgir mulheres e LGBTs falando que eu inspirava elas. Isso é uma honra muito grande. A representatividade importa muito e eu não tinha referências de mulheres trans na música quando era criança. Além de tocar com a Letrux, o que você tem feito agora? Continuo compondo trilhas e faço trabalhos pontuais como guitarrista, mas meu foco está sendo montar um show sozinha, tocando guitarra, synth e bateria eletrônica - tudo ao mesmo tempo. Talvez role um festival de artistas trans em novembro, o Transarte, e espero fazer minha estreia lá. Agora, faço meu melhor para representar as manas trans nos shows.


Lhasa (2009) Lhasa De Sela A chegada da Lhasa na minha vida mudou minha forma de cantar, minha maneira de ouvir música, foi um raio devastador e sem volta. Apesar d’eu AMAR ouvir seu canto em espanhol e até em francês, esse álbum (todo em inglês) é um xodó, primor de produção e de composições. “I’m going in” é uma das músicas mais bonitas do mundo pra mim, sem exagero.

Pearl (1971) Janis Joplin Ouvi até sangrar a orelha, risos. Fico triste em pensar que foi lançado depois da sua morte. Ela ainda tinha muita coisa pra viver, pra mostrar, pra nos conceder com sua arte visceral e única. Implicavam muito com a banda que a acompanhava, mas acho esse trabalho uma verdadeira obra-prima, embora uma das minhas músicas favoritas não esteja aqui: “Farewell Song”.

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Eu já tinha surtado com Rid of Me (1993) e To Bring You My Love (1995), mas o quinto álbum de estúdio da PJ me levou para lugares criativos e emotivos que perduram até hoje. Tem porrada, tem balada (com o geninho do Thom Yorke), tem delírio, tem suspensão. E tem aquela voz inconfundível dela, que rasga qualquer coração.

Stories from the city, stories from the sea (2000)

Drama (1972)

PJ Harvey

Maria Bethânia Um disco que fez parte da minha infância. De maneira cenográfica, estava lá presente no almoço de domingo e eu achava lindo, mas só quando cresci fui entender que se tratava de uma pérola. Acho uma belíssima e importante colaboração da dupla de irmãos (Caetano produziu) mais fenomenal da música brasileira. Arranjos, letras, atmosferas eternas que me fazem chorar até hoje em dia.

discotéca básica

Quatro disco que arrebataram a cantora e viraram sua vida ao avesso.

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Bandas

ANA FRANGO ELÉTRICO facebook.com/anafrangoeletrico _ o que, quem? Carioca, 20 anos, magra, braços compridos, crazy eyes e um poço sem fundo de talento, frescor e criatividade que não dá pra comparar ou ignorar. Um oásis de ideias coloridas e personalidade iluminada em meio a tempos sombrios.

que você

não conhece mas

Seu nome artístico - Ana Frango Elétrico - deriva do seu sobrenome, Fainguelernt, e,

deveria _ mood: Do rock alternativo contemporâneo ao samba em meio acorde. Se formos comparar com alguém, vamos citar, vá lá, o Connan Mockasin (talvez pelo tratamento até psicodélico com a guitarra limpa), a Tropicália (especialmente Tom Zé e Os Mutantes), e um jeito de cantar que, às vezes, pode parecer uma mistura de Tetê Espíndola com João Donato. Mas também não é nada disso. É loucura da boa. _ como soa? Ana canta e toca guitarra com personalidade e estilo que conversam brilhantemente com suas letras tão aleatoriamente frescas e divertidas. Fala coisas do tipo: "Se de noite cada vez que liga a luz, é um novo dia pro seu peixe / Amanhã, por acaso, pode

ver o passeador de cachorros que parece o Lenny Kravitz". Ou ainda "No metrô eu penso que passo num subterrâneo perto da tua casa / Como dói no bico do mamilo um peteleco gelado". Eu não sei como alguém pode não amar isso. O seu álbum de estreia, Mormaço Queima (2018), foi gravado utilizando de base as próprias gravações de Ana. Assim como Bem Gil fez com seu pai no Ok Ok Ok (2018), o método garante uma personalidade organicamente vibrante e centrada na artista, permitindo oscilações no tempo e nuances pessoais que tornam tudo mais vivo e verdadeiro. E, no caso de Ana, isso é exponenciado por sua vibe meio esquizofrênica, que quebra e muda os tempos das músicas sem pudor.

_ qual a vibe? Ana deixa claro, em poucos segundos, que pode mudar de rumos dentro de um som a qualquer momento e, em vários aspectos (arranjos, letra, tempo, acordes), de forma que a gente nunca possa prever quando, como ou pra onde isso vai. Pra quem gosta desse tipo de aventura, cheia de humor, loucura e surrealidade tão singelos, é um verdadeiro orgasmo auditivo (e visual, procure ir a um show dela urgentemente). _ por onde começo? Seu álbum de estreia, Mormaço Queima, produzido por Thiago Nassif, Guilherme Lírio, Marcelo Callado e Gustavo Benjão, lançado em fevereiro de 2018.

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conforme ela contou à Bravo, foi "uma forma de subverter a imposição da descendência do sobrenome masculino". Começou ainda no colégio com a banda Almoço Nu, com quem ainda toca e deve lançar um disco em breve. Diz que a música e a pintura surgiram como refúgio da sua ansiedade.


T E XTO _

F OTO _

Rodrigo Laux

Vitória Proença

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"Sempre fui meio hipocondríaca, achava que ia morrer logo, aí comecei a fazer uns quadros e compor umas músicas porque fiquei angustiada de morrer e não deixar nada" (Revista Bravo, 2018)

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