

escreveu e ilustrou
escreveu e ilustrou
© Texto de António D´Oliveira
© Ilustrações de António D´Oliveira
1.ª Edição Maio de 2025
Paginação | D´OLIVEIRA
Reprodução interdita, total ou parcial, sem autorização expressa do autor.
o vasto palco azul onde o vento regia as cortinas de
algodão, vivia uma nuvem chamada Nimbus. Não era uma nuvem qualquer; possuía um coração vaporoso e uma alma feita de aguaceiros suaves e sonhos de trovões distantes.Nimbusgostavadeobservaromundoláembaixo, ascoresvibrantesdoscampos,obrilho dosriose,sobretudo, as minúsculas figuras humanas apressando-se com seus estranhosapêndicescoloridos.
Um dia de primavera preguiçosa, enquanto flutuava sobre umparqueflorido,Nimbusavistou-o.Eraumguarda-chuva vermelho-vivo,abertosobumsoltímido,comoumapapoila teimosa a desafiar o céu. Não eram as outras nuvens, cinzentas e apressadas, nem as árvores enraizadas e silenciosas. Havia algo naquele objeto peculiar, com sua haste elegante e sua membrana esticada, que capturou a atençãoetéreadeNimbus.
Nimbus sentiu uma estranha palpitação em seus vapores internos, algo que nunca experimentara antes. Era uma levezadiferentedaquelaqueoventolheproporcionava,um calor que não vinha do sol. Era... admiração. Admirava a ousadia daquele ponto de cor no verde da relva, a forma como protegia a pequena figura humana que o segurava, comoumescudocontraasgotasocasionaisqueNimbus,por purodeleite,deixavacair.
Apartirdessedia,Nimbuspassouaprocuraroguarda-chuva
vermelho. Desviava-se de suas rotas habituais, seguindo o rastrodapequenafigurahumanapeloscaminhosdoparque, pelas ruas da cidade. Observava-o fechado, esguio e elegante,esperandopacientementepelasuahoradeserviço.
Observava-oaberto,umaflorinvertidaadesafiarocéu,um faroldecoremdiasmaiscinzentos.
Nimbus começou a sentir ciúmes das gotas de chuva que ousavam tocar a superfície lisa do guarda-chuva. Desejava ser ela a envolvê-lo completamente, a senti-lo em sua essênciavaporosa.Tentavaenviar-lhemensagensemforma de brisas suaves, esperando que o vento as levasse até ele, mas o guarda-chuva permanecia imóvel, alheio aos sentimentosdeumanuvemapaixonada.
Umdia,umatempestadeaproximou-se,carregadaderaiose ventosfuriosos.Asoutrasnuvensagitaram-se,ansiosaspor descarregar sua fúria. Nimbus, porém, estava preocupada.
Viuapequenafigurahumanaabriroguarda-chuvavermelho comumgestorápido.Nomeiodocaos,aquelamanchadecor pareciatãofrágil,tãosolitária.
Num ato de coragem impensado, Nimbus desviou parte de suachuvamaisforte,direcionando-aparalongedoguardachuva.As outras nuvens estranharam a súbita mudança de curso do aguaceiro, mas Nimbus não se importou. Queria protegê-lo, envolvê-lo em uma cortina suave, em vez de o açoitarcomaforçadatempestade.
Quando a tempestade passou e o sol espreitou entre as nuvens,Nimbusviuoguarda-chuvavermelhoserfechadoe recolhido. A pequena figura humana sorria, aparentemente ilesa.Nimbussentiuummistodealívioetristeza.Sabiaque sua natureza efémera e a natureza terrestre e utilitária do guarda-chuva criavam uma barreira intransponível entre eles.
Mas, a partir daquele dia, algo mudou. Sempre que sobrevoavaoparque,Nimbusprocuravaopontovermelho.
E, por vezes, quando o sol brilhava com mais intensidade, deixava escapar umas leves gotículas, como um sussurro silencioso de sua afeição. Talvez, pensava Nimbus, em algum lugar profundo daquele tecido esticado, uma minúsculapartículadeáguasentisseumcarinhopassageiro, aprovasilenciosadoamorimpossíveldeumanuvemporum guarda-chuva. E, no vasto céu azul, Nimbus continuava a flutuar, carregando em seu coração vaporoso a eterna lembrançadeumpontovermelhovibrantesobosol.