PATRULHA IDEOLÓGICA

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Centro de Estudos do Humanismo Crítico Portugal & América Latina

Grupo de Debates Noética

PATRULHA IDEOLÓGICA & Outros Etc.´s Sociopatas De Base Teo-Política... Debates Paralelos | Vol. 15 Por Um Mundo Fraterno & Em Curso Civilizatório Embasado No Humanismo Crítico

Coordenação | João Barcellos


Ficha Catalográfica

Obs. Editorial: 1- Esta obra contém textos no português anterior ao Acordo Ortográfico protegendo conteúdos originais e de época. 2- Caricaturas & Retratos: de Ricardo Feher e desenhos de autores e autoras. 3- Ilustrações: da Web s/ restrições autorais.


Em Jeito d´Abertura

A Vida Não É Uma Métrica Crônica de 2 dias d´Intelectualidade intensa contra assombras da Caverna

Dizem que m´encaixo naquela roupa, Mas não me vejo lá. Dizem que devo falar isto ou aquilo, qual nova roupa, Mas deixo pra lá. Viver não é uma fita a medir pensamentos, Por isso a minha reza é um cântico E cada passo que dou é um oráculo Contra inventos De má fé que me querem no rebanho do fanático! Eu sou da vida uma voz e assim será. Batalho sempre com a mente que ousa Para cada ato d´hoje ser humanidade amanhã, E não, não m´encaixo entre quem não ousa! MACEDO, J. C. – in “Homenagem ao filósofo Manuel Reis, ao cartógrafo/professor Santos Simões e ao teólogo Mário de Oliveira´; Lx., 2001.

Todos os dias as horas passam e, todo o dia, a qualquer hora, eis que surge alguém a tentar medir-nos segundo uma fita métrica ideologicamente impressa, seja pelo que expressamos e fazemos, seja pelo que vestimos/calçamos ou com quem travamos amizade: uma insana patrulha de fanáticos numa cruzada teo-política contra o Eu libertário que não gosta de algemas ou grades nem de prestar vassalagem a elites animalescas, ou virtuais... Agora, em março de 2021, intelectuais de dois grupos a representar o Canadá e a Argentina, passaram pelo Brasil saudando o Centro de Estudos do Humanismo Crítico (CEHC | Guimarães-Portugal) e o Grupo de Debates Noética (Cotia-Brasil), e decidiram ficar por dois dias a fazer um intervalo nos seus afazeres profissionais.


“Vamos fazer um estudo sobre o medo e a métrica religiosa e política”, pedem. Fico um pouco assustado. “Em dois dias?...”, questiono. E pronto. Vasculhamos os meus arquivos, porque eu lembrei de ter escrito e proferido três palestras acerca do assunto, em 2018, e um poema de 2001 (na minha passagem por Lisboa) a celebrar os atos libertários de Manuel Reis, Santos Simões e Mário de Oliveira. Sim, achamos os rascunhos das palestras e o poema... Louise Torres, jornalista e cinéfila luso-canadense, e Tereza Nuñez, habitual colaboradora do ´Noética´, acompanhada do arquiteto e poeta Sebastián, seu marido, falam sobretudo da “métrica que apequena a Justiça, uma vez que estão a utilizar cada vez mais o assédio judicial em atos políticos de má fé contra a Imprensa e a Intelectualidade (e quanto mais durarem os processos, melhor...)”, como que uma tortura contínua que a ferir a noss´alma. O que penso, e digo, é que “...vivemos sob um espectro psicológico que nos quer enquadrar pelo medo”, e Louise completa com um sonoro português misturado a francês “...sim, é isso, querem que o nosso ideal seja uma vassalagem a quem se julga dono da sociedade e, por isso, envolvem-nos numa métrica que é social (sim, pela política de costumes e credos) e é acadêmico e é industrial (pelo modismo pré-fabricado em todas as cadeias de produção)”. Tenho que explicar a Louise e a Sebastián quem foi Santos Simões, já que de Reis e Oliveira têm conhecimento pelas coletâneas ´Palavras Essenciais´ e ´Debates Paralelos´, e Louise encanta-se com o ´cineclubista de Guimarães´. Lembro que estou a preparar a coletânea sob o título ´Patrulha Ideológica´ e que “esta conversa de intelectuais a observarem narrativas obscurantistas que buscam animar a malta fanática por cruzadas é uma conversa que não pode ficar entre quatro paredes, tem que ser divulgada”. E acham que sim, pelo que anoto para uma crônica a ser utilizada nessa coletânea, quiçá, texto de abertura. Absorvido após a leitura de um trecho do meu romance ´Chicote Artificial´, Sebastián remata: “Vivemos um teatro de elites e nós temos que dizer não ao medo”. Anoto. E gatafunho um poema que recito:

Não e não, não há espaço para O medo. Querem que vivamos as sombras da caverna, Que esqueçamos a rota d´humanidade E nem o amor nos deixam viver. Oh, idade De nadas que assombras que fechas do mundo A janela! Ora, vós que sóis o nada em teatro d´elites Sois também da vida um mero arremedo... Saibam as gentes d´elite, d´ontem e d´hoje, que não há espaço para O medo!

“Ai, é a minha primeira contribuição para o Noética”, diz Sebastián, a bater palmas. O grupo cai na risada e percebo que é hora para um Porto d´Honra (ou melhor: para abrir a garrafa que Tereza havia comprado no aeroporto, vinho destinado a um lanche especial). Ainda estou em recuperação de cirurgia, mas um gole é apenas um gole a celebrar a vida que nos querem cercear...


Temos hoje, mundialmente, uma vida precária assente em condicionalismo pandêmicos por falta de políticas públicas sanitárias, e Tereza sente-se incomodada ao “...ver o Brasil, gigante econômico, rastejar por falta de insumos farmacêuticos, escassez provocada pela ignorância e o negacionismo de políticos que misturam o medieval ato do obscurantismo com a governança”, no que Sebastián enquadra um olhar mais amplo, ao dizer que “o Brasil paga por não ter tido a coragem de ser uma Nação republicana, porque o Brasil age como monarquia absolutista, e até o Voto aqui é obrigatório com punições severas a quem não o exerça. Vive-se uma sociedade escravizada que não tem onde recorrer, porque a elite bloqueia tudo, até a vacina contra a pandemia, e em nome de ´jesus´...”. Ele mostra-se aparvalhado até com a própria reflexão. E olha ao redor. “Calma, como se diz aqui, ´fica frio´, ainda não instalaram escuta para patrulhar a gente, embora já patrulhem por outros meios!”, ri Tereza. É interessante como a Questão Patrulha Ideológica incomoda parte da Intelectualidade. A imagem do arquiteto e poeta em verificar se não há escutas é quase patética, faz rir, mas em nós é um riso nervoso, porque sabemos que ele viveu alguns anos sob as baionetas pinochetianas que os estadunidenses armaram contra a nação chilena, onde era mestre universitário. Louise aproveita e aponta para a capa do livro ´Big Brother´, de Reis, na prateleira que lhe é dedicada: “É verdade, o filósofo Reis mostra isso muito bem no seu ´Big Brother´, assim como o João faz no seu ´Chicote Artificial´, e ler os dois é estar a par do mundo que somos hoje”, diz. E eu lembro que “...Mário de Oliveira, no seu jornal ´Fraternizar´, vem alertando amiúde a sociedade contra o obscurantismo que nos cerca e, tantas vezes, furta-nos o cotidiano com mão invisível para a maioria das pessoas”. Conversa vai, conversa vem, acerto os meus próprios ponteiros e, três dias depois, envio esta crônica. Como resposta: “Seria bom incluir na nova coletânea, já que falamos sobre o medo e as patrulhas governamentais”, escreveu Tereza, com a concordância do companheiro e de Louise. E pronto.

Groupe d´Étude Libertaire (Canadá) Centro de Estudos do Humanismo Crítico (Portugal) Yeroglifo (Argentina) Grupo de Debates Noética (Brasil) Abril de 2021.


ÍNDICE _ Viés Ideológico | Mário G. de Castro _ A Ordem Unida Das Patrulhas Ideológicas | J. C. Macedo

_ Perceber No Negacionismo As Falhas Estruturais Das Sociedade (Entre Manuel Reis & Spinoza) | Rosa Maria Malheiros / Helena de Novaes (e dicas de Johanne Liffey) _ Patrulha Ideológica De Causa Alheia | João Barcellos Da Pessoa Negacionista & Da Pessoa Sapiens//Sapiens Diante Do Processo Civilizatório

_ Maçonaria & Patrulha Ideológica | João Barcellos / Ruy Hernández c/ abertura de MACS _ Entre os Collegia Fabrorum e os Masons _ ‘O Milagre’ Da Instauração Do Socialismo Sem Revolução Cruenta | Manuel Reis

ANEXOS _ E afinal, o que é Anarquia...? | Mariza de La Paz _ Do Espectro Filosófico D´Anarquia | Johanne Liffey _ Ferré, Zeca Afonso, Belchior & Joyeux ...Mas também: Sônia Oiticica & Lucía Sánchez Saornil, etc... | João Barcellos _ Dos Piratas Aos Narco-Traficantes No Submundo Sócio-Económico | Céline Abdullah _ Humanidade Libertária | Caso Garibaldi e Anita

| Tereza Nuñez, João Barcellos, Céline Abdullah _ Mário Domingues | Voz d´Anarquia | João Brcellos _ Mário, Reis e Fanhais [Da Perseguição Ideológica Em Portugal]

| J. C. Macedo


Viés Ideológico Mário G. de Castro

Uma manifestação que nunca sai de moda política: o ´pensamento único´. E sempre de viés ideológico, ou pretensamente ideológico. Não existe pessoa que atue de maneira descomprometida no seu quotidiano, ou como se escuta amiúde, de maneira ´apolítica´. Apartidária, sim, apolítica, nunca. Como sabemos desde que nos identificamos ´gente civilizada´ qualquer pensamento que resulte numa ideia, ou ideias, formata uma ideologia; logo, pela aferição existencial do que somos já estamos a filosofar e, filosofando, geramos política. Por isso, quando as pessoas se manifestam traduzem um viés ideológico que as identifica naquele caminhar que faz o caminho: é a política da vida. O que hoje mais se observa – até porque estamos numa sociedade industrial de tecnologias de comunicação na qual as pessoas são o meio e o fim – é uma objetividade pela desordem que, antigamente, tínhamos como ´dor de cotovelo pela qual vou desgraçar quem se acha melhor que eu, faz melhor que eu, ou na vida é mais feliz que eu´, e assim adiante... –, e assim estabelecem atos de viés ideológico que se caracterizam como patrulhamento social e/ou político. Quando o viés ideológico é aplicado na óptica da desqualificação de outra pessoa, e pior quando a atinge profissionalmente, esse ato é o que o poeta J. C. Macedo classifica habitualmente como “crime social politicamente assumido”, uma vez objetiva a destruição, pura e simples. É uma ação de tal barbaridade que quem a executa o faz como patrulhamento a serviço de alguma chefia ideológica, ou para manter um emprego político-partidário na sombra dessa chefia. E agora, com as ´tecnologias de informação e comunicação´ de mão em mão, corrompem-se mentes e cometem-se crimes por mera vocação sociopata apenas por se discordar de uma opinião ou por ganância de poder, pessoal ou sectário. “O viés ideológico é também uma categoria de terrorismo d´Estado. E vamos lá... Se a governança executa as suas políticas nos termos ´nós ou eles´, ou ´eu ou eles´, essa governança promove um terrorismo político para evitar que as suas políticas de corrupção institucional sejam expostas pela oposição e tenta se perpetuar eleitoralmente no poder, mesmo que tenha de pisar ou chicotear os povos. E depois, quando tais corrupções emergem na sociedade os chefes ideológicos negam, porque a missão de chefes ideológicos é um negacionismo ativista que os impõe politicamente com o jogo do patrulhamento via militância dispersa, funcional ou não” [J. C. Macedo– in ´Acerca das Corrupções d´Estado entre Lula e Bolsonaro, que lembram Putin e Trump”; art., 2021]. Desta sorte, ou infelicidade, o que temos é um Estado e uma gama de Chefes ideológicos que restringem o acesso do Povo à dinâmica governamental, ou partidária, para assumirem unicamente políticas públicas embasadas na corrupção públicoprivada. E assim, desqualificar o ´eles´ para defender o ´eu´ institucionalizado tornou-se


manobra de diversão com viés ideológico: tudo por uma retórica fascista [o poder pelo poder] a envolver todas as bandeiras político-partidárias. Eis o nosso tempo, que é feito de outros tempos em reciclagem de linguagens políticas e acadêmicas no modo ´intelligentsia´. A terminar: é a ´intelligentsia´ que determina os protocolos de submundo que embasam o viés ideológico, e isto diz tudo!

Mário Gonçalves de Castro Fotojornalista e Serigrafista. Rio de Janeiro / Br., 2021


A Ordem Unida Das Patrulhas Ideológicas Quando alguém questiona a tua opinião e os teus actos para se defender enquanto parte de milícia ideológica de partido/seita organizada, eis que a tua Consciência libertária fere as acções de crime social politicamente assente e eleitoralmente resguardado por um Povo abastardado pela Ignorância que as elites lhe oferecem. Não importa a bandeira ideológica, o que fere a Humanidade objectivamente em curso civilizatório é a inquisição que não admite o Diálogo e nega a ´res publica´ plena por interesses de Poder absoluto, autoritário.

Igrejistas e Políticos sempre unidos pela tortura e o patrulhamento ideológico que geram Poder...

A dinâmica do Poder absoluto, autoritário, não admite subtilezas nem ópticas diferenciadas, apenas a ordem unida de elites teo-políticas corporativas que se reconhecem a esmagar a Liberdade que deveria ser a bandeira civilizatória. Ontem como hoje, o fascismo é a essência do Poder absoluto no capitalismo selvagem e nos partidos/seitas que se autodenominam ´comunistas´ ou ´socialistas´ debaixo da brutalidade milico-policialesca, e todas as partes em acção sob a benção de um igrejismo ainda mais fanático. Por isso, a patrulha ideológica é uma milícia que se organiza para destruir a Pessoa cuja Consciência libertária é um esforço civilizatório. As elites teo-políticas, salvaguardando-se excepções republicanas que reconhecem o Diálogo como vivência que gera Vida, são elites que agem com e pela destruição


da Humanidade, logo, dinamizam uma bandidagem ideológica cuja vivência quotidiana tem um instrumental patrulheiro: resguardar as elites com o sacrifício da própria vida! Batalhar incansavelmente contra o patrulhamento ideológico é dever da Pessoa que honra a Humanidade que carreia em sua Cultura própria, seja qual for a circunstância sociopolítica e/ou cultural...!

J. C. Macedo | in “A Ordem Unida Das Patrulhas Ideológicas”, palestra (opúsculo mimeografado), Braga e Viana do Castelo (Portugal), 1979.

E hoje, em 2021, a reler a palestra de 1979... No auge destes Anos 70 alguns intelectuais latino-americanos aplicaram a expressão ´patrulha ideológica´ para demonstrarem como, à direita e à esquerda, não se observava a Liberdade como Diálogo único, mas a sua utilização como escudo político-partidário e em patrulhamento ideológico. Entretanto, o termo já era aplicado por MACS em 1969, nas suas ações intelectuais contra Salazar. Agora, quando qualquer pessoa pode ser ´âncora´ de notícias e de falsas notícias via TIC´s (Tecnologias de Informação e Comunicação), ou Web (rede mundial de computadores, a patrulha ideológica alcançou patamares de violência tal que ninguém se incomoda com a possibilidade de destruir carreiras profissionais, o que interessa ao fanatismo ideológico é defender as suas elites sociopatas e garantir o emprego no curral político-eleitoral. A óptica do patrulhamento ideológico é a mesma para quaisquer facções/seitas no Poder ou na Oposição: destruir pelo ´quando pior, melhor´!


Perceber No Negacionismo As Falhas Estruturais Das Sociedade Entre Manuel Reis & Spinoza Rosa Maria Malheiros / Helena de Novaes (e dicas de Johanne Liffey)

Os mundos teológico e político fervilharam de uma vez em pleno Século XVII quando saiu do prelo o Tractatus Theologico-Politicus, do luso-holandês Benedictus de Spinoza. Era o ano 1670 e a cristandade perdia espaço geopolítico para as elites coloniais cujo mercantilismo já apontava para uma industrialização precária, mas evolucionária. Era também “o início de um Pensamento moderno balizado no Diálogo socrático e nele o verbo spinoziano era mais que uma canetada ideológica a exigir leitura atenta”, como afirmou João Barcellos ao apresentar Caminho Novo com Espinosa e Reis, livro de Manuel Reis publicado em Portugal e no Brasil pelo Centro de Estudos do Humanismo Crítico, no ano 2008. No ano 2021, em fevereiro, em conversa via ´web´ com o amigo e mestre Barcellos, tocamos no tema o negacionismo e as falhas estruturais psico-políticas, quando ele convidou-me a apresentar estudos que fiz em 2019 com a amiga Helena de Novaes, em Quito. Um tema apaixonante, mas não tão fácil assim... Mas, lembrei da questão Ideia Inadequada algumas vezes posta em diálogo por Spinoza e do seu ´explosivo´ tratado. Eu já tinha lido o livro de Reis acerca de Spinoza que, aliás, havia sido o ponto de partida de Helena para novos estudos, porque ela visitara o Palacio de La Inquisición, na belíssima e colombiana cidade de Cartagena, e ficou chocada com “a barbaridade da patrulha ideológica ali revelada e que tanta tortura e sangue fez rolar às mãos de religiosos e políticos fanáticos pelo poder. Algo difícil de entender, mas que hoje ainda acontece nos regimes autoritários de ditadura milico-capitalista e ditadura chinosoviética/russa”, como ela mesma me escreveu em mensagem digital (e-mail) após conversa com Barcellos a quem expôs o seu sentimento. No centro dos estudos estava, e ainda está (este tipo de estudo não tem fim enquanto a liberdade não for a bandeira comum à humanidade) o negacionismo embasado estruturalmente à ordemdesordem das elites que se têm como divinas e perpetuadas. O filósofo Manuel Reis lembra(-nos) em seu livro que “[...] os 20 caps. do Tratado Teológico-Político ainda hoje constituem um bom programa de desassossego e de crítica pairando sobre as Igrejas e as Sinagogas, bem como sobre os modos de funcionamento do Poderes políticos e religiosos estabelecidos nas Sociedade” (p.199). Nem é para menos, porque está na liberdade de filosofar a geratriz da piedade e da paz pública.


Ao buscar fontes para ´atacar´ filosoficamente o negacionismo, eu e Helena fomos àquela Ideia Inadequada spinoziana. Quando demos a ler a sinopse a Barcellos ele gargalhou um ´kkk...´ webizado e deixou-nos preocupadas, mas o riso dele tinha a ver com a satisfação de termos encontrado a ´fonte´ – “hum, a fonte que eu mesmo vou utilizar”, lemos depois. Não é fácil arrancar do mestre João Barcellos um afago intelectual, mas quando discorda o faz em diálogo honesto, construtivo. Mas, o que a Ideia Inadequada spinoziana traz de novo à cena religiosa e política no Século XXI? Spinoza percebeu, em seu tempo de ditadores que tinham o negacionismo bem afiado contra a ciência que educa e conscientiza, que a questão não estava, logo, não está, no raciocínio intelectual, mas que tinha, e tem, origem nos sentidos educados para evitarem a própria humanidade –, uma percepção de não empatia com entes próximos ou correlacionados, a não ser na e pela estrada do ego barbarizado que tudo destrói para se dizer ao mundo e a ter como mola propulsora o ato gerador de confusão de e para... Tal cenário egocêntrico explica a sociopatia delirante que emerge na carreira de políticos e religiosos que têm “o poder como meta de vida sob o manto permanente da morte estendido aos povos-escravos” como costuma dizer a nossa poeta e médica Johanne Liffey. E ela, Johanne, ajudou-nos muito do alto da sua experiência médica em barracas de campanha militar: “Quase sempre encontramos em campos de refugiados, ou em tratamento, homens de mente confusa (façam o paralelo com maltrapilhos que, com o narcotráfico, transformam-se em ´deuses´ populares com poderes ilimitados sobre os escombros sociais de nações politicamente desestruturadas), homens sem noção de sociedade mas que buscam para si um elo societário de poder sob a lei da bala, um poder de domínio absoluto em resposta ao que a vida lhes negou. O que Spinoza encontrou lá atrás foi a inadequação em afecção corpórea, ou seja, elos em ruptura com a lógica cognitiva”. Ao ler a mensagem (via ´whatsapp´) de Johanne, eu conversei com Helena, e depois com Barcellos, porque ela acabara de ´achar´ o Spinoza autêntico, como havia feito Reis no seu livro. E assim deparamo-nos com “as falhas estruturais da Sociedade que raramente o é, e quase sempre age como Societária, tal o mercantilismo de ranço criminoso cujo altar não tem cartilha precisa, mas dogmas afinados para perpetuar a escravidão dos povos”, na opinião de Barcellos (ainda na apresentação do livro de Reis aqui citado). O que observo, com Helena, é um negacionismo perpetuado societariamente que emerge de tempos em tempos fulanizado em algum político ou religioso, portanto, o que as pessoas ´de Bem´ têm a fazer é estar atentas aos sinais psicológicos que a retórica política avança em patrulhamentos ideológicos através de políticas públicas que servem exclusivamente o interesse privado das elites.

Rosa Maria, Helena e Johanne Sinopse de estudos a 3 mãos,


em Quito, São Paulo e Bagdad, 2020-2021.

Patrulha Ideológica De Causa Alheia Da Pessoa Negacionista & Da Pessoa Sapiens//Sapiens Diante Do Processo Civilizatório (Palestra de João Barcellos; Barueri/Alphaville, 2018, e Web, 2021)

1 Do Oráculo Da Vida: Sem Diálogo Não Existe Civilização As pessoas que se escravizam a ideologias importadas de plataformas políticopartidárias, místicas ou filosóficas, tornam-se patrulheiras de causa alheia, não enxergam o mundo próprio e ficam incapazes de um diálogo em humanismo crítico. Uma pessoa pode-se ter simpatia por idealismos e crenças, mas investir a vida na defesa de poderes corporativos, a maioria das vezes alheios à raiz sociocultural, é investir na ignorância que alimenta o fanatismo, e essa pessoa passa a ser parte de uma massa ideológica manobrada à distância, sem voz própria. A todo o instante vemos intelectuais honestos e livres no fomento da demanda sociocultural pela Consciência Sapiens//Sapiens diante do negacionismo social e científico que partidos/seitas impõem a seus adeptos e adeptas; e de tal desventura é essa imposição, que a lavagem cerebral torna as pessoas incapazes de se lerem/observarem, e assim fecham-se em cercadinhos ideológicos. Mas, a busca pela Consciência Sapiens//Sapiens (o ato cerebral da Pessoa que sabe quem é e o que faz, ou ao que veio) não é, como nunca foi, uma batalha perdida...Desde que nos conhecemos como Civilização Em Curso, o negacionismo foi e é uma aposta da Ignorância que se traduz amiúde em analfabetismo funcional (mesmo entre pessoas acadêmicas), e é por isso que negacionistas (gente autoritária socialmente criminosa que só se vê e se escuta no conceito ´nós ou os outros´) temem


a voz e o ato de humanismo crítico da Pessoa-intelectual que recusa patrulhar outrem por ter outra visão de mundo. Toda a política negacionista/corporativa tem por base a corrupção, o roubo em causa própria, por isso não se acham criminosos em tal reduto sem distinção ideológica, somente ´salvadores da pátria´ –, a deles, não a dos outros...! A pessoa honesta e que percebe em si a humanidade, tem aquela percepção socrática que revela a pessoa em si mesma. Ou, como ensina o filósofo Manuel Reis: “No concernente à Natureza do Humano, é absolutamente obrigatório reconhecer, em termos científicos, que a cartilha do ´homo sapiens tout court´ não lhe pode servir de paradigma, ela tem de elevar-se ao patamar do ´homo sapiens//sapiens” [in ´Pecados Estruturais´, Ediç CEHC, Edicon + Terranova, 2014]. O negacionismo teo-político ceifou e ceifa a vida de milhares e milhares de intelectuais e cientistas para manter os povos na Ignorância, mas algo acontece entre a Terra e o Cosmo, quiçá uma alquimia..., que assim como a pessoa negacionista, também a pessoa sapiens//sapiens em processo civilizatório emerge para se dizer e buscar o seu espaço

2 Do Crime Social Politicamente Assente ´poder absoluto-autoritário coroado por um fascismo (o poder pelo poder) que não tem cor ideológica´

Em todos os impérios vivenciados no poder-pelo-poder, dos regimes tribais aos teomonárquicos passando pelos neo-tribais nazistas e os republicanos de regime único do tipo soviético, a ordem pública foi e é só uma: pensar e falar a uma voz. Raramente a res publica foi ou é vivenciada no percurso civilizatório do qual emergimos hoje, precariamente. Dos partidos/seitas que se assumem como negacionistas pode-se pinçar uma verdade: vivem o crime social politicamente assente ao pregarem a morte-em-rebanho dos próprios adeptos para garantirem um poder de longevidade (leia-se Stalin e leia-se Trotsky; leia-se hoje Putin e Trump e Bolsonaro, e leia-se Maduro e Lula, como lemos ontem Hitler e lemos Salazar e Franco, e etc.). E quando percebem que a tecno-ciência pode garantir uma retaguarda armamentista, eis que o negacionismo se ilumina em fogo-fátuo...Todo o negacionismo assenta na megalomania de um poder absolutoautoritário coroado por um fascismo (o poder pelo poder) que não tem cor ideológica – é o que é. E assim é que de tempos em tempos a gente meramente sapiens acentua a sua animalidade ancestral em oposição à Humanidade sapiens//sapiens que constrói a Civilização...!

3 Da Anarquia Pela Consciência Sapiens//Sapiens “Dizem intelectuais negacionistas do capital selvagem


e soviéticos, assim como igrejistas, que Anarquia é falta de autoridade –, não, nada disso, Anarquia é o Todo humano a cuidar de si mesmo sem chefes acaudilhados ao poder... Quando escutei a palavra ´negacionismo´ no festival Cascais Jazz, proferida por uma nacionalista caboverdeana, erguemos ali a bandeira d´Anarquia, que a polícia política logo retirou com alguma pancadaria, enquanto uma bateria e um sax ilustravam a cena do palco alheio...” MACEDO, J. C. – ´Crônica Improvável De Uma Jornada Sócio-Cultural & Política No Palco Da Música´. Artigo mimeografado e distribuído clandestinamente. Guimarães/Portugal, 1971.

Uma das maiores batalhas do negacionismo e do fascismo, assim como do igrejismo corporativo, foi a de torpedear e calar a Anarquia, a filosofia pela qual a pessoa – toda a pessoa – ocupa um espaço e constrói uma vida sendo quem é e a fazer o que sabe fazer, sendo ela mestre de si mesma e sem precisar de chefes ou divindades. Entre os igejistas judeo-cristãos aos muçulmanos passando pelos budistas e alargando o passo a criminosos soviéticos Stalin e Trotsky, aos chinês Mao Tse Tung, a Franco e Salazar, Hitler, os Czars, as Famílias Real-Imperais, o clã Kennedy e por aí vai..., surgiu uma frente única que apostou num lema: Tudo, mesmo Anarquia. Sabiam que a Anarquia não era nem é o caos social, mas também sabiam que permitir levar a Consciência Sapiens//Sapiens a cada Pessoa seria ferir fatalmente as elites fascistas do poder-pelo-poder. Sim, a Anarquia é a filosofia autêntica da República. Eis a questão...

4 Do Niilismo Como Padrão Ideológico [acerca do ´Nós ou Eles´ / ´Eu ou Eles´]

O negacionismo é a essência do niilismo seja qual for a bandeira ideológica que o agita, mas é habitualmente um comportamento político cuja raiz está no anseio de um poder absolutamente egocêntrico, logo, socialmente criminoso. Em várias palestras acerca do tema ´a política como vocação´, no original ´politik als Beruf´, Max Weber [in ´Gesammelte Politische Schriften´; Universitat Munchen, 1919], demonstrou que “...a governança local ou nacional entregue ou tomada por caudilhos de clãs-partidos/seitas negacionistas resulta, primeiro, em quebra da liberdade de expressão, depois, na imposição de um estado de sítio em que as massas se obrigam a uma marcha unida sob regras de um partido único, à direita e ou à esquerda” [na leitura da professora Maria Augusta de Castro e Souza; in ´Acerca do Negacionismo Político´, art., para revista ´jCorpus´. Berlin/De, 2019]. Também, a citar Weber, o poeta e jornalista J. C. Macedo lembrou, em entrevista ao ´Jornal de Notícias´ [Porto/Portugal, 1987], que “a pessoa que vive para e da política faz dela o fim único em suas vivências e enquadra a realidade quotidiana numa visão emoldurada pela ideologia pregada”.


Percebe-se, aqui, que “A política não pode ser um fim, mas um meio intelectualmente plural de propor soluções que levem ao bem-estar do todo humano e não à eternização, ou divinização, de um poder pessoalmente assumido” [J. C. Macedo – in ´Lições De Uma Jornada Política Nos Extremos Do Niilismo´; opúsculo-reflexão, Serra da Estrela / Portugal, 1983].

não existe Política sem a presença da Voz Igrejista & seus credos d´Ignorância

Em tal ambiente sociopolítico pode-se dizer, e o digo, que o negacionismo tem como essência a praxe niilista. Em todas as comunidades humanas, percebe-se que em cada chefe políticopartidário vive alguém que se recusa a estar com o todo o humano, a não ser que isso o/a favoreça na eternização da governança. Mas no dia-a-dia, ele, ou ela, têm afazeres administrativos que criam fronteiras para os seus adeptos e a oposição: “Nós ou Eles”, e na maioria dos casos “Eu ou Eles”. Toda a pessoa negacionista se abastece ideologicamente do ´verbo´ de caudilhos teológicos que, por sua vez, criam dogmas de hierarquização pelos quais assumem a condução da vida de povos desassistidos educacionalmente... Por isso, não existe Política sem a presença da Voz Igrejista que apela a figurações de retórica mística criando credos socialmente inadmissíveis pela Ignorância assumida.

* E observo que em todos os Templos/Igrejas existem, sim, pessoas cuja missão é embasada também no humanismo crítico, pois, a contemplação esotérica é parte da demanda cognitiva pela Pessoa Sapiens//Sapiens e o bem-estar do Todo humano.

Entretanto, “...quando se fala de niilismo e de patrulhamento ideológico, fala-se de monarquia, nazismo e de sovietismo, mas é raro se falar de religiosidade inquisitorial” [J. C. Macedo; art. mimeografado, 8 de Março, Coimbra, 1976] –, religiosidade de vários tons teo-dogmáticos que até hoje lava-cérebros, tortura, esfola e mata (mesmo entre si). “A pior tortura ainda é não dar voz à Mulher no sistema dogmático patriarcal do igrejismo


em geral; e foi, como é, a Mulher a pessoa mais torturada e morta em todas as eras inquisitoriais” [idem]. Não observar esta questão é, por ex., esquecer que a Cristandade (papal) virou as costas tanto aos Cavaleiros do Tempo quanto à Maçonaria porque eram organizações com fundo de solidariedade e justiça social embasadas na res publica, mesmo quando e ainda em ambientes ditatoriais (monárquicos ou autoritarismo nazi e chino-soviético, considerando-se aqui ser o ´fascismo´ a alma do poder-pelo-poder político, místico e absolutamente estabelecido). E então, o senhorio-de-mando não tem cor nem ideologia, é o somatório da maldade que assola a mente humana. *

E assim é que à direita e à esquerda (às vezes aparece um centro que não passa de um ponto fora da curva política), a pessoa política acaudilhada é parte da figuração niilista [auto] divinizada cuja missão é negar/impedir o Conhecimento e a transmissão do mesmo. Acima de tudo está [para eles e elas da elite] o altar da política que se encontra com o altar exotérico da falsa mística... É o campus antinatural da Ignorância que, em defesa própria, promove o ideal criminoso da patrulha ideológica, ou, quem não é por mim é contra mim!

5 E a finalizar, Senhoras e Senhores, entre as pessoas que apostam na defesa de uma Consciência Sapiens//Sapiens está uma alma anarquista que demanda por Liberdade e combate todo o tipo de patrulha ideológica. Na defesa da Liberdade é que se capta o ato anarquista filosoficamente percebido, porque um ato de humanismo crítico em defesa da Vida a viver.

Palestra via Web para os grupos de estudos aliados ao Centro de Estudos do Humanismo Crítico Portugal), e ao Grupo de Debates Noética (Brasil). Em plena pandemia ´Covid-19´, e quando o niilismo negacionista se acentua a empurrar vidas para a morte. Março de 2021.


Maçonaria & Patrulha Ideológica João Barcellos / Ruy Hernández

Sei, eu sei das chamas que a cinzas reduzem almas. Escuto o grito da pessoa libertária a dizer ´Não!´ à morte que lhe vem de voz arbitrária, senhorio-de-mando grotesco, insaciável no dogma violento! Ah, sim, eu sei que minh´alma pode ir às chamas, não a minha consciência humana... De mim eu sei a poética libertária e a vós dedico-a como luz única em amorosa candelária!

BARCELLOS, João – in “Resposta cultural a todas as patrulhas ideológicas que me cercam e me querem em chamas”. 2021.

Por Falar Em Maçonaria Introdução de Maria Augusta de Souza e Castro [Tradução do Alemão: Rosa Maria Malheiros]

Emoldurada em ritos, a Maçonaria não é igreja nem religião, sim, um templo de Fraternidade inicialmente patriarcal e que, hoje, adapta-se aos tempos em que gêneros não se distinguem ritualmente ou socialmente. Ao tempo em que já a parte feminina


emergia no mundo dos homens e em razão da evolução de uma burguesia industrial, a Maçonaria também emergiu ainda no ritual patriarcal, mas numa iniciação social que não repudiava a essência feminina: era ainda um tempo de dominação patriarcal em todos os sectores da vida mundial e, escapar de tal ritual (mais dogmático do que político), era um crime de lesa-divindade. E por isso as pessoas que acompanharam os primeiros passos dos ´free masons´ sabiam das fogueiras inquisitoriais que haviam levado os chefes Templários à morte, fogueiras ainda acesas no consciente igrejista [termo de J. C. Macedo a identificar religiosos profissionais de linha inquisitorial], dizia eu, das corporações dogmáticas aliados ao fascismo que embasa o poder-a-todo-ocusto, e assim é que do capitalismo selvagem ao pseudo comunismo chino-soviético a Maçonaria enfrentou, e ainda enfrenta, poderosos ataques à sua bandeira principal: liberdade e progresso em gloriosa fraternidade. E “...se existe um princípio filosófico que na verdade dá base ao acto maçônico ele não está nos Cavaleiros do Templo, mas na acção intelectual de Sócrates, que se suicidou para manter viva a chama do pluralismo divino e da res publica na sua plenitude sócio-política” [João Barcellos – in ´Sócrates entre a Anarquia Libertária e a Res Publica. Palestra, Paraty/Brasil, 1996]. O secretismo inicial dos free-masons foi uma necessidade de resposta aos ataques cruéis de monarquias e de papas da cristandade e mesmo de chefes reformistas que não aceitavam, nem aceitam, opiniões libertárias que levassem/levam as pessoas a educarem-se por uma humanidade com uma cultura de paz e de progresso entre políticas públicas adequadas às comunidades e não às elites.

Maria Augusta de Castro e Souza / MACS Berlin/De, 1998

Parte 1 / Dos Templários

O agrupamento de ideias para a formação de um conhecimento místico-miliciano levou algumas pessoas fidalgas, ou economicamente poderosas, até ao papado da cristandade e dele receberam autorização para se tornarem uma ordem de cavaleiros a serviço do templo, sendo eles mesmos um templo a garantir a peregrinação entre o


mundo conhecido e a Jerusalém onde Jesus identificou-se como judeu além das sinagogas mercantis. Desde logo “os Cavaleiros da Ordem do Templo, ou Templários, fizeram girar em torno de si uma economia peculiar que os levou a operar fortunas em circulação por eles gerenciadas – fossem de comerciantes ou de reinóis –, o que fomentou uma inovação: o serviço de bancário e os seus juros de prestação de serviços” [Ruy Ernández – in “Cavalgando Com Os Templários”. Artigos, revista ´En Vivo y Arte´, 1981, revistos em 2016]. Os cavaleiros precisaram angariar fortunas e terras para se disporem em campo e batalharem pela defesa e expansão da cristandade e, primeiro, na defesa de Jerusalém – a ´cidade santa´ para judeus, cristãos e muçulmanos –, por isso, e “...além da fé cavalgada entre o oriente e a europa, os Templários fizeram funcionar um patrulhamento de aferição inquisitorial de tal envergadura que os pôs em suspeição até no paço papal, uma vez que o poder ´espiritual´ e o poder financeiro e militar alcançaram uma linha surreal de políticas privadas às quais reis e papas quase se ajoelharam; e então, os próprios cavaleiros passaram a ser alvo de um patrulhamento ideológico que os levaria às chamas de outra inquisição: a papal e reinol...” [João Barcellos – in “Entre os Alforjes Templários e a Ganância Papal & Reinol pelo Poder Medieval”. Palestra, Porto e Coimbra, 1983, publicada na revista ´En Vivo y Arte´, Espanha; revista ´Eintritt Frei´, Alemanha, 1994].

Parte 2 / Templários: Da Glória à Fogueira 2.1 Quando recebi os papeis dactilografados de João Barcellos acerca dos Templários eu li o que raramente é dito ou escrito (embora o professor Manuel Reis já tenha feito profundas referências ao assunto, também): a percepção de um jogo de poder absolutista e temerário nos actos místicos e milicianos dos cavaleiros que, é verdade, tornaram-se os ´agentes de um banco mundial´, para registar aqui com outras palavras o estudo de Reis. Eles negociaram com papas e reis e com a circunstância mercantil de então; o seu poder acção foi além da fé e transformou-os na maior milícia de cerco e carga à qual só o muçulmano Saladino conseguiu fazer frente para reconquistar Jerusalém. Quando Barcellos diz que “os Templários não agiram por ganância, mas os seus alforjes carrearam desilusões de fieis empobrecidos à força da fé para manterem a cristandade de pé”, isso gerou discussão farta entre reinóis e mercadores, além de que nem todo o clero via nos cavaleiros uma fé autêntica, mas oportunista. Aos poucos, “...nesse ´altar´ místico e político acenderam-se velas que iluminaram mentes dispostas a outra acção: fazer os Templários ajoelharem como fieis que temem ´Ele´ para voltarem a agir sob a ´Vontade d´Ele´. Ora, a arrecadação de dinheiros e colheitas e terras e gado de lavradores e de fidalgos de poucos recursos abrilhantou mais os castelos templários que a sua original jornada de apoio à gente peregrina” [Barcellos, idem]. Os dados estavam lançados. Mercantil e miliciano, eis que o papado da cristandade aceita os subornos de reis europeus e permite uma inquisição directa sobre os Cavaleiros do Templo, logo levados à fogueira por decisão prévia da magistratura eclesiástica e reinol. 2.2 Os cavaleiros que conseguiram escapar da fogueira inquisitorial dispersaram-se pelo oriente e a europa, mas foi em Portugal que receberam acolhimento adequado, ao tempo do rei Dinis, que não esqueceu a história: foi com os Templários que o rei primeiro Afonso saiu de Guimarães para se estabelecer em Coimbra e daí expandir o reino.


“Os templários nunca imaginaram que o ´feitiço viraria contra o feiticeiro´: e embora eles nunca tivessem aplicado a conspiração que desqualifica pessoas e grupos em actos de patrulhamento ideológico, o papado da cristandade o fez a copiar o colonialismo imperial de Roma. E os famosos e temíveis Cavaleiros Templários foram da glória à fogueira sob acusações de satanismo, de roubo de propriedades, feitiçaria e conluio com os infiéis muçulmanos...”, lembra Ernández em seus artigos.

Parte 3 / Dos Templários & Da Maçonaria Já o medievalismo político-clerical era uma sociedade afundada em si mesma e a dar lugar a mentes iluminadas pela ciência e a evolução tecnológica que levou à industrialização e ao mercantilismo mais mundializado no pós Liga Hanseática e Rota da Seda, quando, diz-nos Barcellos, “...assim como os Cavaleiros do Templo, surgiram outras mentes na demanda de um agrupamento a fazer ressurgir na história da civilização ideais de aperfeiçoamento humanista sob atos de crítica construtiva, e até tendo a Palavra Jesuana como foco ideal para diálogos diversos destinados à Fraternidade entre os povos: no jogo civilizacional surgiu a Maçonaria...”.

O que é a Maçonaria?

Equiparada pelo papado cristão à ordem templária, e esta acusada de ´judaísmo´ até hoje, “...a Maçonaria é um grupo de mentes brilhantes que, a partir do Séc. 18, desenvolve atividade em prol da Civilização com ênfase num credo: a Fraternidade. Entretanto, se os templários tinham esse mesmo escopo social, foi por ele que caíram e condenados entre outras ´coisas´ por serem tão judeus quanto os originais no mercantilismo da fé, tendo trocado a divindade cristã, dizem, pelo conceito sinagoganiano ´altar-feira´ (como se a Cristandade, e as igrejas em geral, não sofressem do mesmo mal...). E hoje, com a história ligada ao ideal templário, a Maçonaria sofre das mesmas restrições e perseguições e patrulhamento religioso”. A estrutura seccionada da Maçonaria em lojas possibilitou, mundo fora, uma pacata observância das regras regionais e nacionais para, aos poucos, integrar-se socialmente e tomar partido em decisões políticas de Estado, ou na intervenção directa de actos libertários no âmbito humanista da bandeira ´liberdade, igualdade, fraternidade´. O desenvolvimento interno foi e é um acto de intelectual de iniciação à filosofia dando a cada pessoa-maçon a possibilidade de crescer, não para mandar, mas para ser parte de uma organização que tem em cada pessoa-maçon o mando responsável. E assim a Maçonaria conquistou espaços na sociedade mundial e participou de eventos republicanos como a independência dos EUA, a Revolução Francesa, o fim da escravatura e a Independência brasileira, a República portuguesa, e adiante.


As origens da Maçonaria vêm das associações de mestres medievais (construtores, armadores, artistas plásticos, etc.) e de pensadores que abriram a humanidade à luz científica. Muitos Mestres maçons acompanharam a expansão do Império romano e legaram construções (vilas, castelos, palácios, pontes) que hoje podem ser admiradas em muitas nações. Isto é a Maçonaria na sua estrutura teo-política de acções contra o autoritarismo ideológico e a favor de políticas públicas para o bem-estar dos povos.

João Barcellos | Brasil Ruy Hernández | Espanha

Entre os Collegia Fabrorum e os Masons

O conhecimento em geral alimenta o cérebro e propõe ações em prol, da humanidade e, aqui, “[...] a História é uma página única no campo do processo civilizatório em curso (pcec) que desencadeamos na busca por Nós mesmos entre o Eu e a Comunidade” (Macedo, 1973). Ontem e hoje fala-se muito de associações esotéricas (ocultismo místico) e de exotéricas (de cunho mercantil no modo ´fé que vende´) e, entre as esotéricas tem vulto histórico a Maçonaria, enquanto parte habitual dos afazeres sociais e políticos sob impacto dos princípios republicanos. Mas, de onde vem a Maçonaria? Que origem ancestral e historiográfica lhe pode ser atribuída? Nem sempre é fácil buscar fontes bibliográficas lá na ancestralidade tribal castrense (celtas, godos, hititas, germânicos...) e, logo, nas cidades-estados já a exibirem-se quais impérios em proto colonialismo (como Roma, Bagdad, Atenas, Cairo, Teerão, e etc.), e apesar de vários relatos de pensadores romanos e gregos, um livro publicado em 1899 trouxe-nos evidências, não de magos nem de adivinhos, mas de construtores: da sua leitura percebe-se uma cultura esotérica de pessoas agregadas sob a ciência pitagórica, entre a sociedade e a mística, não a exotérica que busca o poder na fé mercantilizada. É um livro acerca dos Mestres Comacinos, publicado na Inglaterra por Lucy Baxter, que na época assinava ´Leader Scott´, uma vez que mulher ainda não tinha vez socioliterariamente... Ora, é então uma mulher a expor a história dos Collegia Fabrorum da era romana, que nos remete ao Free Masons dos Séc. 15 e 18. Durante o império romano de Numa Pompílio [715-672 aec] uma corporação oficinalmística de Mestres d´Obras surgiu na perspectiva da construção de ´outra´-Roma na geografia alargada pelas conquistas e colonização: eram os Collegia Fabrorum (mais tarde ditos ´estres Comacinos), com uma hierarquia funcional e mística entre graus de


discípulo, iuniur e collegan sob a regência de um magister. Vestiam uma capa com capuz abotoada na frente (balandrana) que os distinguia de outras corporações laborais e esotéricas. É o que se pode chamar de Loja da Colegiada que, na expansão romana, legou ao mundo colonizado templos, estradas, pontes, moradias, etc., ainda hoje visíveis em muitas nações oriundas dessa ação, incluindo templos cristãos e templários. Tinham como observância mística a divindade Jano, que regia a astronomia e a arquitetura, paralelamente à celebração dos solstícios de inverno (9 de janeiro) e de verão (24 de junho), sendo o primeiro mais tarde adaptado pela cristandade para dar data ao nascimento de Jesus, e o segundo, para dar data ao nascimento de São João e, também, para registrar, em 1717, o nascimento dos neo-fabrorum, ditos free masons. O livro da artista Lucy diz-nos da fabulosa odisseia dos lombardos Mestres Comacinos e de como projetavam e construíam obras públicas sob as coordenadas do Esquadro Pitagórico (5-12-13), daí que os lugares romanos tinham sempre a mesma estratégia urbana, e também mística, pois nunca esqueciam o seu templo em molde cúbico (8,88 m em largura, altura e comprimento), com 12 colunas a envolverem os 12 signos zodiacais, sendo o piso uma figuração de painéis a celebrarem a água, o fogo, o ar e a terra, enquanto a divindade se representava na esfera cósmica, até porque Jano era a divindade solar entre vários povos e principalmente entre os etruscos. Ora, o ideal social e esotérico dos Collegia Fabrorum está no escopo da organização dos Free Mason (ou Maçonaria), de loja em loja e em todas as nações do mundo livre. Vários documentos mostram-nos a atividade de free masons já constituídos e com deveres (funções) atribuídas – as chamadas ´old charges´ (Deveres Antigos), no Séc. 15, e que no Séc. 18 são reformuladas ritualmente para adaptar a sociedade esotérica aos tempos industriais. Obviamente, as épocas em que os free masons surgem são eras de puro patriarcalismo político e místico, logo, a sua constituição foi formatada nos mesmos moldes, assim como os Cavaleiros do Templo o foram, por isso o lado feminino não é observado nos rituais, e hoje, no Séc. 21, já se percebe uma nova adaptação à liberdade sociopolítica e esotérica de gênero. João Barcellos, 2021

Bibliografia BAXTER, Lucy (pseudônimo de Leader Scott) – The Catedral Builders / Os Construtores de Catedrais (UK, 1899). BORGES, Jorge Luís – El Libro De Los Seres Imaginários (Buenos Aires, 1995). MACEDO, J. C. – Esotéricos e Exotéricos No Processo Civilizatório Em Curso Desde Sempre. Um Caso Dito Free Mason No Contexto Comacino (opúsculo mimeografado e palestra, Guimarães/Portugal, 1973). RIDLEY, Jasper – The Freemasons: a history of the world´s most powerfull secret (UK, 1999).


‘O MILAGRE’ DA INSTAURAÇÃO DO SOCIALISMO SEM REVOLUÇÃO CRUENTA

Manuel Reis Centro de Estudos do Humanismo Crítico

Glosando, citando, comentando e desenvolvendo o artigo do sociólogo francês BERNARD FRIOT, que faz eco do seu Livro, recentemente editado, ‘Vaincre Macron’, La Dispute, Paris, 2017. Título do Art. publicado (in ‘Le Monde Diplomatique’, Nov. 2017, p.3): ‘EN FINIR AVEC LES LUTTES DÉFENSIVES’ : Trois Droits à Conquérir’. O título do Art. exprime, em francês, um imperativo categórico, formulado no infinitivo verbal. É um vero propôs (genérico). Trata-se, em última e 1ª instância, de combater o Capitalismo, no que ele encerra de substantivamente explorador e opressor.

N.B.: Este nosso trabalho é elaborado no horizonte habitual do C.E.H.C.: o do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, e não o do ‘Homo Sapiens tout court’, que tem constituído o cânone gramatical da tradição Ocidental.

Os três grandes Direitos a conquistar, hoje, já se vêem quais são: A) Alargar a própria Noção de Trabalho (útil e necessário…) e reafirmar a dignidade dos Trabalhadores. B) Acabar, de vez, com a hegemonia absoluta do Capital e dos interesses primários do Sistema capitalista, que é incapaz de sobreviver sem a instituição de Sociedades


drasticamente hierárquicas e opressivas. C) Atribuir o primado absoluto à gramática da Cooperação, contra a cartilha incontornável da competição capitalista. Segundo nos esclarece, muito bem, no seu Livro mais recente: ‘A Estranha Ordem das Coisas’ (Círculo de Leitores, Lisboa, 2017), António Damásio (o nosso Bioneurologista mais celebrado) considera a propriedade da homeostasia como o dado mais elementar de todas as espécies de vida, ou seja, a Cooperação, mesmo dos estranhos: essa propriedade emerge na própria vida dos seres unicelulares, de há 3,8 mil milhões de anos. Em tempo de ‘Alterações Climáticas’ brutais, que estão na iminência de destruir o Planeta Terra, é de obrigação moral/jurídica absoluta ter tudo em conta!... Já nos démos conta de que foi o ‘Antropoceno’ (descoberto nos anos ’60 do séc. passado) que começou a dar cabo de tudo, da maneira mais ‘spensierata’ e dominadora?!... Na janela do seu artigo, o Autor fez a seguinte proclamação: “Les conquêtes sociales de ces deux derniens siècles présentent partout la même limitation: si, en principe, les peuples décident de leur destin politique, il n’est pas question de souveraineté populaire sur l’économie. Remédier à cette hémiplégie n’implique-t il pas pour les progressistes un changement de perspective : non plus seulement s’opposer aux réformes, mais promouvoir autre modèle? ”. ‒ De facto, aquela hemiplegia é muito mais do que isso… É uma esquizofrenia estrutural, quase congénita. Por isso mesmo, o Sistema capitalista, enquanto tal nunca é posto em causa pelas classes operárias, pelos trabalhadores, que são os veros produtores. Eis por que o nosso Autor chama logo a atenção no título: Face à Hegemonia absoluta do Capital, o combate dos trabalhadores ‒ os mais esclarecidos e corajosos ‒ não ultrapassa o limitar das chamadas ‘lutas defensivas’!... Ora, o propôs do Autor e o nosso próprio propósito/projecto é o de radicalizar as Lutas e passar mesmo à Ofensiva! E não precisamos de armas na mão, nem de exércitos a proteger-nos: Tão só de personalidade, inteligência e coragem. É preciso começar a censurar e a brandir tudo o que o Sistema capitalista alberga de explorador, opressor, escravizante e neocolonialista. Por que razão é que (mesmo na 2ª metade do séc. XIX, no próprio Grupo dos socialistas de Marx e Engels) o anarquismo e os anarquistas, como Mikhail Bakúnine e outros, foram censurados e afastados do Movimento revolucionário, em nome do marxiano ‘socialismo científico’, que não passava de uma fraude?!... Por que motivos é que as políticas, ditas liberais, nos últimos dois séculos e meio, nunca souberam aceitar a Libertas de corpo inteiro; e preferiram, tão só, propor e falar de ‘Livre Arbítrio’ (a incontornável ‘lei do pêndulo’…), como sempre têm procedido os melhores pensadores do Ocidente, antes e depois da época das Revoluções?!... Há, efectivamente, um Vício estruturador a justificar esse velho e ancestral mau hábito: o conceito de liberdade dos próprios modernos acha-se, sempre ancorado na noção de propriedade (propriedade individual). Porque é que os políticos e filósofos ditos ‘liberais’ e seguidores do Liberalismo, nunca foram capazes de proclamar a chamada Liberdade Responsável (como tem feito o CEHC), e actuar em consequência?!... É que, por trás da sua noção de ‘liberdade’ (= ‘livre arbítrio’), o que pesa e é primacial é a sua noção de ‘propriedade individual’. Para algo serve a Lógica!... Os anarquistas ‒ tais como P. J. Proudhon tinham razão e coração puro ao proclamarem o leit-motiv: ‘la propriété c’est un vol’ = a propriedade (aquele pedaço de terreno) constituiu um roubo praticado pelo seu suposto proprietário. Por meio da conquista ou do roubo descarado desse terrunho, ou por meio de outros expedientes mais subtis ou grosseiros, o facto incontestável é que toda a Terra do Planeta, todo o Orbe terrárquio foi, religiosamente, posto nas mãos da Espécie Humana como um


todo. Eis por que a Liberdade Responsável é um bem infinitamente superior à propriedade individual. Que fez o tão proclamado Capitalismo liberal?! Hierarquia, exploração, agressão. Estabeleceu, na Modernidade, além da escravatura, o colonialismo e o racismo daperttuto. E, quando a gramática da democracia política fez questão de se impôr, o Sistema capitalista inventou uma fórmula mais disfarçada: o neocolonialismo!... Pois a própria Democracia liberal não conhece outra maneira de actuar e funcionar… E sobre a habitual fuga ao Fisco dos ricos e das multinacionais? ‒ O Prof. de Lovaina (Paul de Grauwe) escreve, assim, na sua coluna do ‘Exp.’/Ec., -18.11.2017, p.43: “Luxemburgo, Holanda, Irlanda e Bélgica recebem grandes somas de impostos, que deviam ser pagas noutros países europeus”. Há poucas semanas, os chamados ‘Panama Papers’ faziam a revelação de que as multinacionais e os poderosos escondem a sua riqueza e rendimentos em paraísos fiscais das Caraíbas, para evitarem os impostos” (ibidem). Ele e nós somos de opinião de que as multinacionais e os ricos deveriam pagar os seus impostos aos países de origem. Sem excepção. E não se distinga a ‘evasão fiscal’ (ilegal) e o ‘evitamento fiscal’ (legal). Está tudo errado. Por isso, desde há dois sécs. e meio a esta parte, o que tonitroou, por toda a parte, na Cultura do Ocidente, em nome do Projecto Socialista, não passou de uma farsa e um embuste revolucionários. O que os bolcheviques de V. I. Ulianov Lénine e seus apaniguados puseram em marcha, não se tratou de nenhum projecto socialista, mas, tão só, de uma das duas principais variantes do Sistema Capitalista: capitalismo monopolista de Estado, em contraste com o tradicional Capitalismo liberal, ou, para dissimular melhor, o ‘Ordoliberalismus’, como gostam os alemães de classificar o seu regime económico. Quem leu, atentamente, nos anos ’60 do séc. XX (o livro saiu no Brasil, pela mão da Editora Civilização Brasileira, em 1962, sob o título: ‘O Novo Estado Industrial’) não se deixou levar no Engano monstruoso. O seu Autor era o renomado economista John Kenneth Galbraith, assessor-mor para o departamento de Economia Política, durante a vigência do Governo de John Kennedy. Estava tudo, aí, muito bem explicado. Quem leu o Livro ‒ como eu ‒ ficou vacinado para toda a vida!... Não prestou culto à Srª do Engano, como a maior parte dos nossos irmãos mortais. E, por isso, o tão esperado ‘Homem Novo’ não emergiu… Tudo ficou na mesma: encerrado no escafandro do ‘Homo Sapiens tout court’ (sempre dividido e esquizofrenado). É que o ‘Homem Novo’ é configurado segundo a gramática (antropológica) do ‘Homo Sapiens// //Sapiens’, cuja Cultura é balizada pela Liberdade Responsável primacial e primordial.

Exergos de Enquadramento Como proceder à interpenetração entre as tecnologias e os bens e serviços sociais? A esta Questão, o ex-Presidente francês, François Hollande (que também esteve presente, em Lisboa, na ‘Web Summit’, no fim de semana passado, deu esta resposta: “As nossas sociedades foram sempre confrontadas com o desafio de como as revoluções tecnológicas podem ser um progresso e não um risco. No seu interior, ele guarda o melhor e o pior. Utiliza-se a tecnologia para robotizar, automatizar, mas ela também vai criar novas necessidades e actividades, novos empregos. O papel da política é assegurar a transição, afastar os perigos e promover oportunidades, que não se podiam conceber há apenas alguns anos. A tecnologia pode resolver muitos problemas. A Fundação a que presido apoia todas as iniciativas de solidariedade, que usam a plataforma digital”. (In ‘Exp.’, 1º Cad., 11.11.2017, p.28).


‒ E que diz o ex-Presidente, no que tange à actuação dos Partidos? “Também têm de conseguir fazer participar a população em verdadeiros debates graças ao digital; dar a cada cidadão o meio de se mobilizar para defender os valores nas redes sociais, para que estas não representem o desencadeamento do ódio, da violência. Perante o sobressalto cívico provocado pelo digital, deve formar-se uma rede democrática. Não é uma utopia, é uma necessidade. Senão a democracia estará em perigo” (idem, ibidem). Resumindo: “As Tecnologias obrigam os partidos a mudar o seu método, de modo a que a Informação circule de outra maneira” (idem, ibidem). De resto, a consultora Deloitte revela-nos, com clareza, que as Empresas (mesmo as Maiores…) não se acham preparadas para o actual Trabalho digital e tecnológico, que lhes é exigido: Robotização, concerto das novas relações que as gerações do presente terão de alimentar e manter com o Trabalho. Não basta só erguer a bandeira e gritar: ‘globalização do Trabalho’!... (Cf. ‘Exp.’/Econ., 18.11.2017, p.34). A ordem dos engenheiros (p.35) (ibi) confirma os factos. Jacques Vanden Broek (CEO Global da Randstad). Debruçou-se, genericamente sobre o Emprego. Afirmou, em tese estruturadora, que “a interacção humana continuará a ser importante” (ibi, p.27). E não deixou de chamar a atenção para duas vertentes opostas, a saber: a) ‘A automação e a ‘Inteligência Artificial’ também criam emprego e geram um impacto económico positivo’; b) ao mesmo tempo, ‘O impacto das Tecnologias conduziu à criação do conceito de desemprego tecnológico’ (ibidem). Ora, é justamente este desconcerto e esta desarmonia cruciais, que nos impõem, em termos estruturais de Cultura e Civilização, o que já não é novidade, para muitos cidadãos, nas Sociedades ocidentais: a criação, com urgência, do chamado Salário mínimo nacional (em torno dos 1.000 euros) para todos os cidadãos/ãs maiores de 18 anos. Isto não é um favor, que o processo civilizatório faculta; mas uma estrita obrigação societária, imposta pela gramática evoluída do Trabalho subordinado, em geral. O desemprego tecnológico forçado tem de ser pago. As razões são mais que óbvias e justas: esse desconcerto entre as duas vertentes (os novos trabalhos tecnológicos, altamente especializados), dum lado, e do outro, os trabalhos e serviços tradicionais, ou que desapareceram, ou puseram os trabalhadores, ainda empregados, em regime de precariedade, ‒ tudo isto criou uma situação, em regimes democráticos, onde os Governos eleitos democraticamente, têm a obrigação ética e jurídica de dar aos desempregados e a todos os cidadãos, em geral, uma solução adequada de normalização societária. E, para que os conhecimentos técnicos não venham a tornar-se obsoletos, (designadamente nas áreas STEM: Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemáticas) ‒ por paradoxal que pareça ‒ é absolutamente necessário aprofundar e alargar a Educação em Humanidades: ciências psico-sócio-humanas e históricas (vd. art., ibi, p.29). É preciso acabar com a Diatribe das chamadas ‘Duas Culturas’, que fez estrondo e criou malquerenças em meados do séc. XX. As Alterações Climáticas ‒ que estão a dizimar o Planeta ‒ constituem o resultado da ganância, da exploração sem medida (dos solos e da força-de-trabalho), no quadro de um Sistema capitalista selvagem. Já nas décadas de ’50 e ’60 do séc. XX os especialistas da Física dos Climas e da História geológica do Planeta, atribuíram à situação geológica em que a Terra se encontrava o nome apropriado de Antropoceno: trata-se de uma idade geológica, que é o resultado dos maus tratos e maldições, que, desta vez, os Humanos mais poderosos e algumas civilizações em especial têm lançado sobre ela. É preciso e urgente ressuscitar o paradigma genuíno da Espécie, que muitos sábios e especialistas já esqueceram: o ‘Homo Sapiens//Sapiens’: Os Humanos


duplamente sabedores, capazes de resolverem todos os seus problemas mediante os meios acertados e fecundos do DIÁLOGO SOCRÁTICO. O rol dos empregos disponíveis (‘postos de trabalho’), manuais ou de mecânica simples… aproximadamente um terço tem sido eliminado e ‘comido’ pelas marés alterosos da Tecnociência de Aparelho e pela dita (‘erradamente’) Inteligência Artificial da Robótica, com o principal aplauso de ricos e poderosos. O processo, no fundo ‒ desde que não tenha sido preparado e industriado nas Escolas e nos Sistemas Educativos ‒ é sempre o mesmo. Tira-se o posto de trabalho aos que dele carecem para sobreviver. Parece que ainda não chegámos à escala da Grécia clássica de Péricles, Demóstenes e Clístenes: Aí, para 30.000 cidadãos livres (de uma dita Democracia Ateniense), havia 120.000 escravos (metecos e periecos), para tratarem e cuidarem dos bens e serviços dos seus donos e senhores!... É, por conseguinte, em tal horizonte, que é forçoso apoiar e aprovar o chamado ‘salário mínimo nacional’, de raiz tecnológica, para preencher os postos de trabalho desocupados desse enorme ‘exército de reserva industrial e comercial’, atingidos pelo chamado desemprego de longa duração.

GLOSAS E DESENVOLVIMENTOS (a partir do Artigo supra-referenciado do sociólogo Bernard Friot) N.B.: Antes de tudo, um alerta crítico em confronto com as habituais e estereotipadas referências ao impenitente Liberalismo. Custa-nos muito continuar a sobreviver de máscaras e de fantasmagorias!... Depois, é preciso e urgente atentar, seriamente, em três Projectos/Direitos, que devem assumir, plenamente, os Trabalhadores e a Classe Operária: A) É preciso tomar plena consciência (alargada) da noção de Trabalho produtivo social. B) Em vez das lutas puramente defensivas, que nos deixam extenuados e de mãos vazias, no concernente aos resultados, é preciso, corajosa e destemidamente, empreender, inteligentemente, lutas ofensivas (que não carecem do uso da violência qua tal) contra a escravização sistémica do Capital, por forma a mudar as Sociedades e o Mundo. C) Em terceiro lugar, cumpre-nos definir e balizar, adequadamente, o Caminho da Sociedade a edificar. ‘In omnibus rebus tuis, respice finem’. É a bandeira do ‘Homo Sapiens//Sapiens’.

A abrir o seu artigo, escreveu, atinadamente, B.F. (ibi, p.3): “Desde há decénios, as batalhas conduzidas pelas forças da reforma liberal têm consistido, essencialmente, em privar a classe operária do que faz a sua unidade, para além das profissões, das origens sociais, do sexo, das culturas: o estatuto de produtor. O que, fundamentalmente, une o tecelão e a videasta, o engenheiro e o operário que labora em cadeia, a padeira e o professor primário, é, no concernente à questão de ‘quem produz as riquezas?’, a faculdade de responder: ‘somos nós’ ”. Como tudo se foi mudando, desde o após-guerra até aos dias de hoje!... “Contra este nó central da consciência de classe, a burguesia conduziu, desde os anos 1970, uma dupla ofensiva ideológica: tratou-se, então, de fazer esquecer como, em 1946, o movimento operário impôs, com o regime geral da Segurança Social e o estatuto dos electricistas-gazeiros, as primícias de uma mudança do modo de produção. Porquanto, a contar dessa data, as somas colossais colectadas pela quotização social, e geridas, mesmo nos anos 1960, pelos próprios trabalhadores, remuneraram, como trabalho, actividades antes tidas e havidas por ‘improdutivas’: os serviços de saúde, a actividade dos pensionados, o trabalho de educação das crianças em casa, etc.. Basta enumerar algumas das realizações desses anos do pós-guerra, para compreender a que ponto importa, hoje, aos dirigentes apagar os traços na consciência colectiva: o salário-devida dos funcionários e dos pensionados, o financiamento do conjunto do sistema


hospitalo-universitário francês, sem o pré-bancário nem accionistas nos anos 19601970 (a taxa de quotização aumentou), o estatuto não capitalista deste instrumento que é o hospital ‒ os que aí trabalham são co-proprietários de uso, ainda que um tal estatuto permaneça em estado de esboço” (ibidem). Continua o nosso Autor: “A grande força do mundo operário foi, então, a de combater, não pela repartição do valor, mas por uma outra produção de valor. Assim, Ambroise Croizat, o secretário da federação CGT (Confederação Geral do Trabalho) dos metais, que deveio ministro, em novembro de 1945, encarregue da aplicação das ordenanças sobre a Segurança Social, estabelece, na lei de agosto de 1946, a educação das crianças pelos seus pais na categoria de trabalho produtivo. Ele calcula, aliás, o montante das subvenções familiares como um múltiplo do salário horário do trabalhador especializado da metalurgia, e indexa o 1º sobre a progressão do 2º. Uma mãe de dois filhos é, assim, remunerada em 225 horas de salário operário por mês, para um trabalho desconectado do ‘mercado de emprego’ e da subordinação patronal (mas não da dominação masculina…). O que o regime geral institui não é a afectação de uma parte do valor a ‘improdutivos úteis’; é uma produção de valor, que obriga o trabalho a sair da coleira de ferro do capital. Trabalhar sem empregador nem accionistas, receber um salário socializado, disfrutar da propriedade de uso dos utensílios: uma sociedade comunista balbuciada” (ibidem). Depois do alargamento social (legítimo) da noção de Trabalho, durante os ’30 gloriosos’, foi posto em marcha um segundo movimento, que levou ao processo de redução/diminuição do valor do salário. Escreve o nosso Autor (ibidem): “A segunda ofensiva contra este mundo em devir, consistiu em quebrar a unidade social e económica dos produtores. [O contrário do movimento anterior]. Trata-se para os governantes que se sucedem, desde há meio século, de multiplicar as medidas, que redefinem o trabalho em torno das únicas actividades susceptíveis de valorizar o capital. O discurso reformista diminui, sem cessar, do mesmo modo que a segurança na doença não cria valor económico, ao produzir cuidados de saúde: o que gera é despesas de saúde. Ou que o salário dos cuidadores não retribui veramente o seu trabalho: ele provém da solidariedade dos outros trabalhadores. Esta tentativa de desintegração do mundo dos produtores desembocou atingindo os próprios ‘jovens’. A intenção era acabar com a progressão do salário do contrato, que empurrava para cima o conjunto das remunerações. As medidas postas em prática para desacelerar, depois dividir por dois o salário, a 25 anos entre o fim dos anos 1960 e o fim dos anos 1990, conduziram à criação de uma nova categoria das políticas de emprego. Não havia ‘jovens’ no mercado de trabalho até que Raymond Barre os inventa em 1977, sob a figuração vitimizada dos 16-18 anos em regime de fracasso escolar, que merecem a solidariedade, em lugar de um salário normal. Anteriormente, era-se pago ao salário da convenção colectiva, independentemente da idade”. Diante dos grevistas ‒ que, de resto, faziam greve com direito legitimado ‒, as famílias, as organizações políticas e as associações sindicais viam os seus protestos defraudados, ao mesmo tempo que reconheciam como limitado e, até, deslocado o seu combate social para a solidariedade com as vítimas de todo o processus societário. Ora “Vencer E. Macron ‒ escreve B.F. ‒ e o mundo que ele incarna impõe aos contestatários uma mudança radical de estratégia. A questão é, antes de tudo, travar a luta no bom terreno. Não o das vítimas, mas o dos produtores, que somos nós todos e todas; não o do dinheiro, mas o do trabalho: não a repartição das riquezas, mas a sua produção” (ibidem). “O que vale, o que é considerado como trabalho, no espaço infinito das actividades humanas, não é senão uma convenção decidida pelas relações sociais. A actividade de ‘levar as crianças’ à escola não tem valor económico se os pais se encarregam disso.


Mas ela adquire um valor, logo que ela é confiada a uma educadora de infância. Tratase, por conseguinte, do mesmo trabalho concreto. O discurso capitalista não nega a utilidade dos pais que educam, dos reformados que trabalham e dos enfermeiros ou curadores que salvam. Mas ele identifica a produção tão só com as actividades registadas no quadro da subordinação a um empregador proprietário do instrumento de trabalho, com vista a torná-lo com valor de capital. Não importa que a actividade possa ser validada socialmente como trabalho, mas essa validação torna-a objecto de uma irreductível luta de classes: os que determinam se esta ou aquela actividade constitui ou não um trabalho detêm o poder sobre a produção. Eles decidem quem produz, o que é produzido, onde, como e por quanto. A classe dirigente não tira a sua potência a não ser da sua condição de dona do trabalho. Conservar essa dominação constitui a sua obsessão: sem ela, não há lucro” (idem, ibidem). Ora, o Capital e o Sistema capitalista perderam, por completo, a sua legitimidade histórica, a partir do momento em que entraram nos desmandos, sem controlo, da corrupção, da exploração e opressão dos seus serviçais, sem escrúpulos e o mínimo de humanidade. Até como ‘2ª força’ de Produção, ele perdeu o seu estatuto…Precisamos, pois, de prosseguir em demanda de novas e adequadas soluções. Uma vez que a Organização política (o Governo do Estado) existe, essencialmente, em função da Economia, temos de começar, desde logo, por estabelecer dois planos distintos: A) O Conselho governamental para a organização política e a administração da Economia; B) o Conselho dos Trabalhadores produtivos, que deve funcionar, autonomamente, em confronto com o primeiro. (Como temos proposto e defendido em outros trabalhos do CEHC.) A divisão primacial da Economia em dois Planos (o das Pessoas e o das Coisas) é fundamental, para manter separados os primeiros dois planos. A ruptura completa, entre os dois Planos, foi consumada, no fim dos ’30 gloriosos’, com a emergência subsequente do Neoliberalismo capitalista, que pretendia operar à escala global, sem as estruturas adequadas para o efeito. Escreveu, com acerto, o nosso Autor (ibidem): “Classe outrora revolucionária, a burguesia havia unificado, em fins do séc. XVIII, o estatuto jurídico das pessoas, até então divididas à nascença: os humanos ‘nascem e permanecem livres e iguais em direitos’. Encrespada nos seus privilégios, ela confessou, doravante, ser incapaz de organizar a produção de valor, em bases antropológicos, territoriais e ecológicas aceitáveis. Desde logo, a tarefa do salariado consiste em unificar o estatuto económico das pessoas, proclamando a sua liberdade e a sua igualdade em direitos no campo do valor”. Ao contrário disso tudo, os governos foram-se empenhando em medidas múltiplas, para definir e enquadrar o Trabalho em torno, tão só, das actividades susceptíveis de aumentar o capital. O discurso reformista, no que tange os seguros de doença, fez entrar em jogo as despesas de saúde, contanto que não criassem valor económico. Os cuidados dos enfermeiros não constituem trabalho… que deva ser retribuído. Essa despesa procede dos fundos sociais e da solidariedade dos outros trabalhadores produtivos. Uma tal desintegração do mundo do Trabalho acabou por atingir os ‘jovens’. Entretanto, o status quo não permitia que as remunerações do trabalho produtivo crescessem. Desta sorte, entre os anos ’60 e os anos ’90 do séc. XX, as políticas salariais levaram à criação de novas categorias na política de emprego. Foi Raymond Barre o seu arauto, em 1977, sob a figura vitimizadora dos escolares fracassados entre os 16 e os 18 anos. Esta gente precisa da nossa solidariedade, não de um emprego normal. Outrora, era-se pago segundo o estatuto da convenção colectiva, independentemente da idade.


Resultado: apela-se à solidariedade capitalista e à substituição do salário por um expediente fiscal. Esta rotura, no quadro geral, que distinguia trabalhadores produtivos e outras funções úteis à sociedade, acabou por dissolver-se, uma 2ª vez, nos anos ’90, quando emerge, com toda a sua violência, o neoliberalismo capitalista global. E. Macron segue nesta linha: manter tudo na mesma: solidariedade com as vítimas!... Pouco lhe interessa ter uma Sociedade de cidadãos/ãs de corpo inteiro. E, entretanto, com prudência e bom senso, as soluções podem vir a encontrar-se. “Como? Atribuindo três novos direitos a todos os indivíduos, logo que atinjam a maioridade. Um salário de vida, que integra, para cada um, o estatuto de produtor de valor; a propriedade de uso dos utensílios de trabalho, que ele terá de utilizar; a participação nas instâncias de coordenação da actividade económica. A esses direitos corresponderia a instauração de duas quotizações prévias sobre o valor acrescentado e vertido, segundo o modelo da Segurança social, em caixas específicas: caixa de salários e caixa de investimento. “Organizado em torno de uma qualificação associada a cada indivíduo e convidada a evoluir no curso da carreira, em função da antiguidade e de provas de qualificação, o salário de vida já não será debitado pelo empregador, mas pelas caixas de salário; ele já não dependeria do emprego e deviria um atributo pessoal. Aconteceria o mesmo para a propriedade de uso: os salários dirigeriam efectivamente a produção, no seu próprio local de trabalho: composição do colectivo, definição dos investimentos, do produto, das entradas, dos mercados, das relações com os parceiros, do lugar na divisão internacional do trabalho. Mas o exercício efectivo da propriedade de uso não se pode limitar ao utensílio de trabalho usado. Deverá estender-se às decisões concernentes às grandes orientações económicas, através da participação dos assalariados nas deliberações das caixas de investimento. Estas substituiriam os accionistas, para decidir os investimentos; decidiriam sobre a afectação das quotizações económicas, e criariam moeda em lugar dos bancos, tanto em vista do financiamento de novos projectos, como para a questão das despesas de funcionamento dos serviços públicos de acesso gratuito. “Estes três direitos fundariam a soberania popular sobre a economia, e dariam ao estatuto de produtor a força política, que possui o estatuto de proprietário, no artigo que fecha a Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de 1789: ‘A propriedade, constituindo um direito inviolável e sagrado ninguém poderá ser privado dele’. Todos titulares do nosso salário e do nosso utensílio de trabalho: esta conquista deveria constituir o coração da acção dos opositores ao Movimento das empresas de França (MEDEF) e às ordenanças de M. Macron” (idem, ibidem). Já antes, enquanto ministro, E.M. havia legislado sobre o Trabalho. Agora, como Presidente eleito dos franceses, voltou à carga sem alterar muito a legislação; por isso, os trabalhadores reagiram e saíram à rua em grandes manifestações. E a palavra d’ordem não poderá ser outra senão: Somos todos trabalhadores! O que interessa verdadeiramente referenciar é o Trabalho; não o capital; é a produção, não a distribuição das riquezas!... (Nesta perspectiva… como é óbvio.). O que é Trabalho resulta de convenções sociais e respectivo enquadramento. O discurso capitalista não pode negar nem recusar os modos úteis de utilizar o tempo… Mas, como é sobejamente sabido, ele identifica bem a produção naquelas actividades que são, tão só, capazes de se enquadrarem na subordinação social a um empregador proprietário dos meios ou instrumentos de trabalho, com o fito primacial de valorizar e aumentar o capital. De resto, a Luta de classes é nisso mesmo que se polariza: averiguar se uma dada actividade constitui valor/trabalho, que detenha poder sobre a produção (de capital). Neste horizonte ‒ é óbvio ‒ são os capitalistas quem decide quem produz, e como e por quanto é produzido, em função do mercado


capitalista. Nunca poderá esquecer-se que a classe dirigente só tira a sua ‘omnipotência’ a partir da dominação do trabalho. O capitalismo tem a sua obsessão nesta dominação precisa, visto que sem ela não pode haver o lucro almejado. Ora, do que se trata, na luta de classes desarmada dos operários, é tão-só a tarefa de recuperar os esquemas operatórios justos e de organização do funcionamento sindical do imediato após-guerra. Apesar das reformas liberais, a socialização salarial leva o valor do salário a subir tendencialmente em importância e valor. Desde 1945, as quotizações para a Segurança Social mais que duplicaram; as prestações sociais, que representavam 15% do PIB, em 1959, passaram para 32%. O salário ‘à vie’ atinge, hoje, 1 terço dos maiores de 18 anos, contra apenas meio milhar de pessoas em 1946 e, igualmente, alguns pensionistas. Tudo isso limitado ‒ deve dizer-se ‒ à produção não mercantil. Mesmo no após-guerra, o capitalismo conservou a sua hegemonia nos domínios mercantis. Já se vê, por conseguinte, como é importante e decisiva a distinção estrutural entre a economia mercantil e a economia social. Essa distinção é tão importante e decisiva, que constitui a âncora seguradora do bom funcionamento da Economia em regime democrático. Uma vez quebrada aquela rotura, o emprego normal dos trabalhadores assalariados fica em perigo, cai na situação de precário. Outrora, era-se pago segundo o estatuto da convenção colectiva, independentemente da idade. Depois da rotura, apela-se à solidariedade capitalista (?...) e à substituição do salário por um qualquer expediente fiscal. A solidariedade com as vítimas não resolve adequadamente os problemas. Os conteúdos do Programa de E. Macron terão de mudar de estratégia: Mais uma vez, é preciso reafirmar: Somos todos(as) trabalhadores; o que interessa referenciar verdadeiramente é o Trabalho, não o capital; é a vera produção; não a distribuição das riquezas. “Conduzir uma tal batalha implica um trabalho de convicção, em direcção, não apenas dos assalariados, mas igualmente dos agricultores, dos independentes e dos pequenos patrões. É preciso mostrar-lhes em quê estas categorias têm interesse em estender a soberania popular ao domínio da economia mercantil”. (Idem, ibidem). Mais: “a emancipação do Trabalho dos independentes supõe que o seu rendimento não depende das sortes económicas sobre as quais eles não possuem nenhuma capacidade de captação”. (Idem, ibidem). De modo firme e sensato, o nosso Autor conclui o seu Artigo, como segue (ibidem): “Permanecem muitas questões, designadamente a da exportação de uma tal organização económica em outros países, bem como a sua compatibilidade com a livre troca e os constrangimentos europeus. Mas uma coisa é certa: toda a acomodação aos termos dos credores desarma um pouco mais os produtores. Como é que, após 40 anos de batalhas perdidas, porque conduzidas nos termos impostos pelo adversário, podemos nós continuar a reflectir em dois tempos desconectados um do outro, o do curto termo, onde a gente pactua com o capitalismo, e o do longo termo, em que ele teria desaparecido? Mas por que milagre desapareceria ele?!... Uma adição de curtos termos coerentes com o regime actual não conduzirá senão ao status quo. A classe dos produtores constrói-se no presente, na conquista da responsabilidade económica. É necessário assegurar a exigência da identidade do projecto e do caminho. Nenhum lirismo no projecto; nenhum prosaísmo no caminho: a revolução é uma proposta perfeitamente audível, se se trata de honrar o combate dos nossos antigos companheiros”.

Esquadrinhando e coadunando soluções


(ainda que parciais), mas em demanda de uma Sociedade Socialista sem capitalistas… ‒ Numa Sociedade assim esquadriada, as funções de direcção e orientação política são exercidas por uma Alta Comissão de Coordenadores, capaz de ter, na devida conta, as necessidades e os projectos da Sociedade inteira (nacional). Não emerge como uma entidade distinta, sobreposta à restante Sociedade Organizada. ‒ As duas partes, que se devem distinguir e não confundir (e que são essenciais): Caixas de Salários; Caixas de Investimentos. N.B.: os assalariados participam, de pleno direito, nas deliberações, promovidas e estabelecidas, pelas Caixas de Investimentos. (Não se fala de Bancos, em virtude das razões negativas e dos justos preconceitos, que sobre esta taxinomia ainda caiem!...) Justamente, as Caixas de Investimentos são mesmo e, tão só, para isso. Por isso, não deixam lugar aos habituais ‘accionistas’. ‒ Estender um tal enquadramento, configurado directamente na Soberania Popular das Cartas dos Direitos Humanos, a toda a organização da Economia mercantil. (O nosso Autor falou de 100 mil milhões de euros, atribuídos aos agricultores, com entrega directa às pessoas. Fala ainda de 20.000 € de salário anual atribuído a cada um dos ca. de 500.000 agricultores/produtores: os agricultores/trabalhadores efectivos tornar-seiam co-proprietários, no uso das suas terras. São hipóteses a ter em conta e a considerar, mutatis mutandis!... ‒ Não esquecer os dois Planos da Organização societária, dois quais o CEHC já tem falado: o das Pessoas e o das Coisas: o da Vida a viver; e o de um Salário (decente e adequado) de vida. É simplesmente triste e macabro referenciá-lo; à força de acreditarmos no incontornável Sistema capitalista, acabamos, todos, por não dispor da fé suficiente para acreditar no milagre do Desaparecimento do Capitalismo… e, assim, continuamos a fazer o jogo do adversário!... Não acham que, nos 7 ou 8 milénios de Sociedades humanas organizadas, ainda não amadureceram os Tempos para nos darmos uma tal Liberalidade?!...

Elenco substantivo de intenções/projectos honestos e radicais 1.‒ Política e Economia em dois Planos distintos, mas em pleno respeito da gramática psico-sócio-antropológica, que não permite que uma se substitua à outra ou detenha a primazia sobre a outra. 2.‒ Pôr fim, definitivamente, à sacrossanta lei do ‘Lucro d’abord’. 3.‒ Acabar, cerce, com os off-shores. 4.‒ Eliminar todas as espécies de exploração (e opressão) e de dominação dos proprietários sobre os meios de produção e, de ricochete, sobre os próprios Trabalhadores. 5.‒ Acabar com os Bancos, tais como eles funcionam (disfuncionam…) e se organizam: colocando, incontornável e sistemicamente, a Finança acima da Produção e das Mercadorias. 6.‒ Em vez dos Bancos: Caixas de Investimentos, geridas por pessoas honestas e com provas dadas; e Caixas de Salários, geridas pelo mesmo tipo de Gente. 7.‒ Tribunais e Justiça a funcionar, com Gente honesta e credenciada, segundo a Lei estabelecida.


8.‒ O Dinheiro não é uma mercadoria. Ele não é a 1ª das Mercadorias, ele é, tão só, um simples meio de troca, ‒ como tal reconhecido pelo próprio K. Marx. 9.‒ Caminho e Projecto: ‘caminero, no hay caminho, se hace el caminho al andar’ (A. Machado, poeta sevilhano). O Projecto (comum) em qualquer altura se pode retocar e/ou refazer. N.B.: Antes de tudo, é necessário começar por alimentar o que o CEHC designa, muito simplesmente, por Liberdade Responsável. Tanto na Sócio-Economia, como na Sócio-Política e na Organização das Sociedades humanas.

DOIS COROLÁRIOS E/OU PRESSUPOSTOS ● A ‒ Mashía…Madí, ‒ e outros termos sinónimos em outras Línguas são termos e expressões inteiramente configurados e situados fora do Horizonte (ideológicocultural e linguístico) do C.E.H.C.. Como, de resto, todas as ideologias doutrinárias, que são cobertas sob o vocábulo Messianismo. Pelo tipo de escrita e de pensamento crítico/criticista do nosso Autor referenciado, sociólogo BERNARD FRIOT, que seleccionámos e glosámos com muito gosto e carinho, chegámos à conclusão de que, também ele, é um anti-messianista (sem, porventura, dar conta disso). Se queremos construir uma Sociedade Nova, digna dos Humanos, que se consideram balizados e orientados pelo 2º paradigma (evolutivamente aperfeiçoado) da Espécie, ‒ o do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ e não o do ‘Homo Sapiens tout court’ ‒, não podemos lançar a âncora nas doutrinas e movimentos messiânicos, que destróiem a nossa Personalidade individual e dissolvem a nossa Liberdade Responsável, reduzindo-a à triste e draconeana condição do ‘livre arbítrio’, a estafada ‘lei do pêndulo’. Teremos gente ofendida e humilhada, ‘rebanhos humanos’… gente que é capaz de submeter-se à servidão e à escravatura, ao colonialismo e ao imperialismo. Haverá, de um lado, os mandões e os detentores da Propriedade, os Ricos e os Donos de tudo… e do outro, os humilhados e ofendidos, os pobres e os pedintes e os sem eira nem beira!... Que humanidade é esta, dividida em duas partes antagónicas, onde uma goza a vida e a outra sofre e morre por causa da vida?!... ● B ‒ ‘Nova Teoria do Sebastianismo’ do Autor Miguel Real. Edição da D. Quixote, Alfragide, Março de 2014. Advirta-se que o exemplar do livro, que temos em mãos (e que lemos duas vezes… a ver se lhe poderíamos atribuir valor crítico-cultural) tem uma Apresentação assinada com a data de 10 de Outubro de 2013. Nesse texto, o Autor começa solenemente assim: “A ideia central de Nova Teoria do Sebastianismo fundamenta-se na teoria da alucinação de Fernando Gil, desenvolvida em diversos livros, nomeadamente em Tratado de Evidência (1993, Paris; 1996, Lisboa), Modos da Evidência (1998) e A Convicção (2003)” (p.11). Quanto a nós, trata-se de fundamentos muito débeis e falaciosos para comprovar uma pseudo-Verdade psico-sócio-histórica. É que estão, aí, envolvidas, 2 teses de tomo: a do Messianismo em geral e, especificamente, a do Sebastianismo. Decididamente, além disto, as nações e os estados não vivem isolados e separados uns dos outros. O nosso espanto é tanto maior quanto sabemos que Miguel Real é um bom professor de Filosofia, no ensino secundário e um colaborador profícuo (que eu leio habitualmente) no Jornal/Revista ‘JL’. Há gente, que parece adaptar-se a tudo!... Em resumo, não


gostámos nada do modo como Miguel Real encarou e desenvolveu a temática do Sebastianismo. O que vem escrito na contracapa do livro é suficiente, para uma pessoa honesta e honrada se demitir logo de ler o livro. Eis: “Ser sebastianista hoje […] significa, não a esperança no indefinido regresso de D. Sebastião, nem acreditar neste como o Messias regenerador da sociedade portuguesa, […] mas ter plena consciência de que em Portugal só se atinge um patamar próspero de vida se algo (uma instituição) ou alguém dotado de elemento carismático nos prestar um auxílio que nos retire, por meios extraordinários, do embrutecimento e empobrecimento da vida quotidiana: a subserviência rastejante ao Partido, a cunha do ‘Sr. Doutor’, a crença no resultado do totoloto ou do euro-milhões, a promessa a Nossa Senhor de Fátima ou santo congénere… Esse algo ou alguém, quando negado em Portugal, impele à emigração, forçando o português a buscar no estrangeiro o que, devido às políticas de autofavorecimento das elites, lhe é negado na sua terra natal”. ● Uma coisa é Ideologia. Outra, Cultura. E outra: a Filosofia, mas a crítica e criticista, capaz de Dialogar e formar as personalidades a sério. Os melhores Filósofos, que a História Geral da Humanidade regista, são, incontestavelmente, SÓCRATES e JEOSHUA. O Pior de todos é George Wilhelm Friedrich HEGEL (1770-1831): Porque, nas suas obras, muito especialmente, na ‘Fenomenologia do Espírito’ (‘The Phenomenology of ‘Mind’: ‘Die Phäenomenologie des Geist’) caiu em dois Erros/categorias grosseiros, que chancelaram todo o modo moderno (e contemporâneo) do Pensamento: a) misturou e confundiu Natureza e Cultura; b) mais e pior: enrolouas num sistema unificado, quase infinitesimal, de tese → antítese → síntese. E, assim, sucessivamente, (de forma encadeada) porque só no infinito se poderá parar!... K. Marx proclamava e repetia, com meia-sabedoria, aos seus discípulos e companheiros/camaradas: É preciso, absolutamente, começar por inverter a ‘Dialéctica hegeliana’: o que ele põe em baixo deve ser posto em cima e vice-versa: o que está no lugar do comando não é o Geist/Espírito, é a Matéria. A História, nos seus registos, só nos tem reprovado a Tese: tanto na versão hegeliana, como na versão marxista. Eis por que o CEHC estabeleceu, (logo nos nossos 1os livros, após a fundação em 1995), em termos epistemológicos, com objectivos pedagógicos e propedêuticos, dois hemisférios no vasto universo das ciências: a) a epistéme das ciências físiconaturais; b) e a epistéme das ciências psico-sociais e/ou humanas.

Manuel Reis Centro de Estudos do Humanismo Crítico Guimarães/Portugal, 2017 (secretariado por Lillian Reis)


ANEXOS

E Afinal, Anarquia É O Quê?

_ Mariza de La Paz

Do Espectro Filosófico D´Anarquia _ Johanne Liffey

Ferré, Zeca Afonso, Belchior & Joyeux ...Mas também: Sônia Oiticica & Lucía Sánchez Saornil, etc... _ João Barcellos Anarquia | Arquivo Luso-Brasileiro

_ João Barcellos

Dos Piratas Aos Narco-Traficantes No Submundo Sócio-Económico _ Céline Abdullah

Humanidade Libertária | Caso Garibaldi e Anita _ Tereza Nuñez, João Barcellos, Céline Abdullah

Mário Domingues | Voz d´Anarquia

_ João Barcellos,

Mário, Reis e Fanhais [Da Perseguição Ideológica Em Portugal]

_ J. C. Macedo


E Afinal, Anarquia É O Quê? Mariza de La Paz

“[...] Ah, o caos, a demonização da imagem de ´deus´, a quebra d´harmonia entre ricos e pobres, gente bárbara que se alimenta de criancinhas e blasfema contra a cristandade. E o que dizem os ´comunistas´? Ah, essa gente é uma corja que actua contra a ditadura proletária... Eis o que dizem os dogmáticos capitalistas e chefes religiosos e chefes políticos de todas as vertentes ideológicas. Mas, por que dizem isso d´Anarquia? Porque a Anarquia é o encontro civil de pessoas em acções pelo progresso de cada pessoa em suas comunidades e nações, e não se confunda Anarquia com grupelhos ditos ´anarcas´ que não passam de seitas políticas interessadas (essa gente, sim) no caos social e na desinformação misturada a alto consumo de psicotrópicos e estupefacientes com os quais vivem a irrealidade e negam a humana essência. [...] Pensar e agir com Anarquia é pensar e agir cerebralmente e levar as próprias experiências ao quotidiano de cada Pessoa que se entende por Pessoa e como Nação organizada em si mesma e não por elites que chicoteiam os povos por elas escravizados [...]”

MACEDO, J. C. – “Liberdade d´Acção é Viver a Vida como ela é junto de uma Política de governança libertadora”. Palestra, Viana do Castelo, Tuy e Sant´Iago de Compostela, 1973. (Excerpto do panflo mimeografado e distribuído pela Turma de Jovens Anarquistas Intelectuais – TJIA)


Dar Fim Na Classe Escravagista, Uma Batalha De Sempre!

Abominar a escravidão, seja ela de que tipo for (e hoje, física e virtual em razão das tecnologias computacionais), é o princípio primeiro da Anarquia. De onde nos chegou o conceito? A palavra Anarquia tem origem nos diálogos filosóficos gregos: ἀναρχος, ou anarkhos, q.s. sem chefes. Soma-se ἀν (na), q.s. ´sem´, a ἄρχή (arkhê), q.s. ´chefes´, e temos Anarquia – sociedade sem chefes. Comunidade ´sem chefes´ não significa comunidade ´sem organização´, e explico: a Anarquia é um sistema em que pessoas vivem em autogestão e exercem entre si a autoridade que dá regra de convivência social e mercantil, ou seja, cada pessoa é responsável pelo que faz e toda a produção é gerenciada em regime de cooperativa; a coordenação é rotativa o que evita que alguma pessoa possa manipular o sistema. Já no Século XIX “...o filósofo francês Proudhon (Pierre-Joseph) fez publicar as suas ideias de Anarquia e contribuiu para esclarecer a essência grega da autogestão: quem vive em autogestão não precisa de chefes, pois que estes, sim, para viverem instauram o caos institucional (político e policialesco) no qual impõem a escravidão. E além de Proudhon, encontra-se no russo Kropotkin (Piotr Alexeyevich), seu contemporâneo intelectual, a formatação de uma Anarquia com base no mutualismo popular, experimentado e com sucesso sócio-económico em várias nações, o que assustou as tradicionais elites patriarcais, políticas e religiosas, logo, era preciso disseminar mentiras sobre os anarquistas que agiam sem distinções sexuais...” [Macedo, idem]. Nos Séculos XVIII, XIX e XX, e muito a par do conceito maçônico de liberdade com fraternidade, quem defendia publicamente tais ideais no âmbito grupal e público de Anarquia sofreu as mesmas perseguições, as mesmas inquisições e preconceitos místicos e políticos que os ´free-masons´, assim como ´rosa-cruzes´ e outros grupos esotéricos. “No contexto da organização da sociedade em Anarquia, as palavras e os manifestos do anarquista italiano Malatesta (Errico) e do filósofo russo Bakunin (Mikhail Aleksandrovitch), dos quais resultou (acredito que pode-se dizer assim, e eu digo) a Anarquia sindical de acção social-libertadora, depois muito manipulada pelos socialdemocratas e bolchevistas em termos de expansão ideológico-colonial (chefes sindicais com bandeiras partidárias), o que acabou por penalizar a Anarquia na sua essência e a dar ´voz´ a quem já perseguia a Anarquia designando-a de ´corja comunista´... [Macedo, ibidem]. Esta situação esteve, e em algumas nações continua assim, em diálogo aberto diante de chefias sindicais que se apoderaram da Anarquia para darem ´gás´ a projectos direccionados a cargos eleitorais (edis, deputados, presidentes, enfim), mas o certo é que a Anarquia precisa passar por um pente fino para tirar o ranço político-partidário incorporado pelo sindicalismo (trabalhista e empresarial) e retornar à sua origem filosófica. Quero lembrar neste texto a jornalista e poeta anarquista Lucía Saornil que, em 1896, juntou-se a outras mulheres para organizarem o grupo Mujeres Libres, que se


movimento em prol de uma moral libertadora contra a moral burguesa da distinção de géneros na sociedade. A acção de Lucía e suas companheiras logrou expandir-se pela Península Ibérica e depois pelo Brasil e a América ´espanhola´, além de focos na África ´portuguesa´. As batalhas intelectuais e trabalhistas das mulheres anarquistas tiveram muito peso social com a chegada da República a países como Portugal e Brasil, onde também a Maçonaria agia com as mesmas bandeiras libertárias, embora que sem a militância política por ser uma associação filosófica. No entanto, na Espanha (de muitos países) o regionalismo independentista ajudou muito no apoio à Anarquia de voz feminina. Eu fui técnica têxtil, professora e pequena empresária, e quando conheci Lúcía, em Valência, poucos anos antes de ela falecer, ainda era operária especializada e estudava. “Estudar, estudar, estudar, ganhar consciência de ser Mulher e batalhar por todas para uma sociedade livre”, escutei dela. O que deve ter repetido em Portugal e no Brasil (onde esteve com a Família Oiticica, da tradição anarquista pura). Um dos territórios mais favoráveis ao ideal anarquista foi a nação estadunidense: os EUA conviveram com todo o tipo de experiência social, mas a mais enraizada foi a elite escravagista. Desse meio surgiu um poeta-cantor popular (´folk´) chamado Woody Guthrie e cujas canções eram manifestos que faziam tremer os alicerces sempre que se apresentava nos encontros sociais e sindicais da Industrial Workers of the World. A presença e a acção anarquista de Guthrie influenciou intelectuais e artistas em todo o mundo, como o luso Zeca Afonso e o brasileiro Belchior, entre outros, como o espanhol Patxi Andión, uns e outros sob ditaduras político-militares de envergadura fascista. Este quadro artístico-anarquista revela como a Anarquia percorreu e percorre rotas que sempre têm a ver com a batalha libertária da pessoa e das comunidades escravizadas. Desafiar a hierarquia das elites auto-instituídas significa pôr a cabeça a prémio a todo o instante. Significa dizer de nós enquanto pessoas que têm na honestidade humana o rumo libertário para uma sociedade igualitária, por mais utópico que possa soar...

Mariza de La Paz Vigo/Galícia, 2019


Do Espectro Filosófico D´Anarquia

Johanne Liffey

Ao final da madrugada o sol bateu, forte e exuberante, na lona desgastada da barraca de campanha. A luz projectou um desenho: um ´A´ inscrito num círculo. Desenho furtivo feito com rápidas pinceladas de tinta preta. Do cantil despejei um pouco d´água nas mãos e refresquei o rosto. Em campanha médica não se desperdiçam recursos. E “assim como a água, a tinta e outras substâncias devem ser aproveitadas para dar cobertura ou consertar objectos de utilidade...”, lembrei. Ao sair da barraca, que divido com outra médica, observei o borrão que me nomeava como alguém d´Anarquia. Mas, alguém d´Anarquia...? A mensagem era clara e tinha endereço certo, uma vez que a médica que actuava comigo era adepta incondicional de regimes de alto poder de persuasão militar, como EUA e Rússia ou China, o que nos levava a intermináveis conversas ideológicas. Sim, a mensagem foi-me direcionada. “E agora?”, engoli em seco. E decidi não limpar a pincelada, deixar que quem a fez e me diz que sou ´anarquista´ se faça presente de outra forma. É do jogo da vida profissional, mas mais do jogo ideológico com o qual só me comprometo para me defender enquanto cidadã em liberdade e com opinião própria. O que ainda não é aceite muito bem no universo patriarcal. Fosse como fosse, como dizem as anciãs, o dia começou movimentado com bombardeio a poucos quilômetros e uma barraca médica ´anarquizada´... Por várias vezes, entre opções de ´dar´ vida ou ´deixar´ morrer na cama de campanha que serve de ´centro´ cirúrgico, obrigo-me a deixar claro que a medicina não faz milagres e eu não sou oráculo, apenas uma mulher que toma decisões emergenciais no meio de uma contenda belicista que não gerei. Nem sou ´anjo´ nem ´alquimista´, apenas a médica que aprendeu a ser mecânica do corpo humano e a tentar fazê-lo funcionar da melhor maneira possível. Mesmo quando as vísceras são uma massa ensanguentada a pular das feridas abertas como que a clamarem por ancestrais sacrifícios tribais, tão comuns nos afazeres mesopotâmicos que nos deram pitacos de civilização.


Pois, pois é, esta civilização que se permite escancarar ódios brutais e ainda questionar o senso d´Anarquia de quem simplesmente dá apoio humanitário a inocentes no meio de tais circunstâncias abomináveis. Quem pincelou na barraca o habitual emblema d´Anarquia sabe quem sou, e sabe que prezo os ensinamentos científicos que levaram, entre outras, a matemática e filósofa egípcia Hypatia à morte brutal por arrastamento nas ruas de Alexandria, sob o ódio d´ignorância dos bispos cristãos; e sabe que prezo a verdade que a filosofia d´Anarquia encerra, mas que permite, qual oráculo, revelações para diálogos sociopolíticos que nos enveredam para a paz, não para a guerra. Três dias depois e a confrontar-me com risadas intermináveis da minha parceira médica, uma jovem adolescente, com o braço esquerdo meio esfacelado por estilhaços de bomba, ou granada, aproximou-se de mim. “Por que é que a senhora pode tudo como mulher e nós, aqui, não podemos nem ser mulheres?!”, foi o que escutei. Ora, finalmente, aquele alguém que ´anarquizou´ a barraca estava na minha frente. E nem era ele, mas ela. Algo muito raro entre o Tigre e o Eufrates, ao largo de uma Bagdad que não é mais das ´mil e uma noites´. “Olhe, sei que é difícil a situação, e ser mulher por aqui não é fácil; mas, olhe, quantas mulheres que aqui perderem maridos, e viramse aflictas com os filhos para criarem, não deram a volta por cima e são elas, agora, o ponto de humanidade que resta? Já pensou? Já observou? Eu sou uma mulher como tu, trabalho, tenho que sobreviver e nem admito que me dêem ordens, pois, eu sou mulher e sei tomar decisões que me conduzem na (minha) vida...”, disse eu. “Eu pintei a tua barraca, eu quero ser anarquista como tu!”, escutei. Aquilo deixou-me desarmada. Levei a adolescente para a barraca, deixei-a saborear uma barra de cereais com chocolate. Ela não tinha nem tido o direito àqueles sabores por causa das guerrilhas pelos poderes tribais regionais que há anos assolam a mesopotâmia. Depois de saber que só ela e o irmão de sete anos sobreviveram, pude ver que ela queria ser alguém, estar presente, ser útil. “Olhe, tu e o teu irmão podem ajudar-me e à minha amiga, a outra médica, no barracão ambulatorial, seja na limpeza ou na conversa com doentes. E então, tu vais saber o que é a Anarquia, pois terás que tomar decisões por ti mesma sem precisares que outras pessoas te digam o que fazer, ou como fazer. Certo?...”, propus. No dia seguinte, ela e o irmão já me aguardavam no fim da madrugada frente à barraca. “Ora, vamos lá dar vida às pessoas que querem viver...”, disse eu, com o sorriso cúmplice da outra médica, já a par da situação. Foi a primeira vez que vivi uma situação tão esquisita, e esquisita no sentido de que eu – agora ´anarquizada´ – teria que ser o oráculo d´Anarquia para uma jovem que a guerra não poupou e queria, a todo o custo, ser alguém no meio do pandemônio belicista tribal que arruína o ancestral espaço mesopotâmico: mas, perceba-se, ela queria ser alguém a tomar decisões sob o espectro filosófico que a ancestralidade grega e alexandrina nos legou como Anarquia – ou, o acto de ser uma pessoa por si mesma em res publica! Crónicas de Campanha, 2018.


Ferré, Zeca Afonso, Belchior & Joyeux ... Mas também: Sônia Oiticica & Lucía Sánchez Saornil, etc... Da Essência d´Anarquia Na Arte João Barcellos

Quando se fala Cultura d´Anarquia fala-se de artistas e escritores que se dedicam ou dedicaram, à conscientização da humanidade por um processo civilizatório digno e justo para cada pessoa no seio da sua comunidade, ou seja, cada pessoa na sua justa posição social sem ter que se humilhar diante de gente poderosa, política ou mística. Artistas e escritores como o monaguesco Léo Ferré, o português Zeca Afonso, o brasileiro Belchior e o francês Joyeux, entre a brasileira Sônia Oiticica e a espanhola Lucía Sanchez Saornil, etc. e etc., mostraram em suas vivências cotidianas que o é preciso não é uma chefia corporatizada, mas pessoas conhecedoras de si mesmas e que, assim, bastam-se para produzirem ideias e produtos afins à humanidade em civilização. Os compositores/cantores Léo Ferré [1916-1993], Zeca Afonso [1929-1987] e Belchior [1946-2017], serviram a civilização com uma dedicação amorosa digna e sendo eles-mesmos jograis de uma anarquia filosófica não compreendida pelas respectivas casas gravadoras que, simples e de jeito às vezes humilhante, massificaram as suas obras entre o romantismo e o sarcasmo político, e só. Basta lembrar aqui os versos cantados belchiorianos “marginal bem-sucedido e amante da anarquia / eu não sou renegado sem causa”, para se entender que a essência d´Anarquia nunca foi difundida nem como fundo da ´coisa´ cantada... E tanto Belchior como Zeca sabiam ao que se expunham como docentes que eram. No entanto, sabiam também que levar a Anarquia ao mundo via música era já uma vitória.

Ferré, Belchior, Joyeux, Sônia


Sônia, Zeca, Lucia

Neste enquadramento intelectual temos também Sônia Oiticica [1918-2007], que continuou no Brasil a obra anarquista do pai José; e ela, editora do jornal Ação Direta, veio a receber a anarquista italiana Luce Fabbri, radicada no Uruguay. Deve-se a Sônia grande parte da divulgação do ideal d´Anarquia que ainda hoje ecoa no Brasil. No campo matriarcal que se opõe ao caudilhismo patriarcal teo-político, a figura de Lucía Sánchez Saornil [1895-1970], jornalista e ativista sindical, elevou o nível d´Anarquia em política por toda a Península Ibérica. Um dos nomes mais sonantes d´Anarquia europeia e mundial é Maurice Joyeux [1910-1991], cuja obra literária incentivou (e incentiva) um grande ativismo sociopolítico e filosófico, e cultivou ainda o interesse e a simpatia de intelectuais como o francoargelino Albert Camus e como a brasileira Zélia Gattai (que nos legou ´Anarquistas, Graças a Deus´, seu livro de estreia). A importância de Joyeux nos mundos das artes e da política define-se pela insistência das novas gerações em buscar nele referências para outras demandas tendo a filosofia d´Anarquia como base.

BARCELLOS, João – in Rádio Aquarius. Cotia-SP/Br., 2006.


ANARQUIA Arquivo Luso-Brasileiro

Séc. 16 | Sob a perspectiva de uma tomada de posse definitiva, portugueses a caminho da Índia fazem uma volta longa a oeste de Cabo Verde e fincam na “Ilha do Brasil” [designação do rei Afonso IV em carta ao papa Clemente VI, em fevereiro de 1343] o Padrão de Posse. Enfim, após 158 anos, a relação luso-vaticana oficializa os conhecimentos sobre o Brasil... O primeiro século da ocupação e colonização das terras e das gentes nativas do Brasil é uma feroz contenda que leva, inclusive, religiosos a abdicarem da oração pela paz e enveredarem pela fé da espada e da tortura. E o Brasil rende pedras preciosas e muito açúcar e algodão para os reinóis e a Coroa lusa. E são 100 anos de miscigenação a gerar uma Nação Mameluca (filhos e filhas de portugueses com nativas e africanas) chicoteada social e psicologicamente, econômica e misticamente. Após a chegada do navio negreiro de Affonso Sardinha (o Velho), capitaneado pelo sobrinho Gregório, no porto de Santos, com centenas de africanos, uns capturados e outros adquiridos como peças entre os prisioneiros/escravos de guerra de sobasreis (a escravatura não é uma invenção portuguesa...), o cenário colonial muda de figurino com os religiosos a defenderem os povos nativos e a aceitaram a gente africana como mão escrava para as lavouras e as minas –, ora, como já se diz, uma mão lava a outra e ´deus´ sabe quem são os seus no páreo com as elites... Obviamente, se a resistência das gentes locais é fraca diante da desproporção armamentista portuguesa (mas também francesa e holandesa), a resistência africana conta com guerreiros habituados à guerrilha nas savanas e, logo, o norte do Brasil vê surgir o Quilombo dos Palmares (1602 a 1695), uma formação sociopolítica e guerreira sob a bandeira de uma Anarquia conscientemente instalada por Zumbi, que atormentou as elites reinóis. Sécs 17 a 19 | A repressão a quaisquer tentativas de resistência nativa e, logo, afro-brasileira, é feroz. Portugal impõe no Brasil-colônia um regime escravocrata, mas percebe na gente africana que a chibatada e a tortura não bastam para dominar escravos, até que..., a outra face do colonialismo entra em ação: as congregações da cristandade passam a colonizar os focos sociais africanos no modo do sincretismo, e tal fusão de crenças reforça a Nação Mameluca, que recebe também o esforço das congregações judaicas e reformistas, quando o Brasil torna-se um terreiro de fé plural sob o fio da espada fidalgo-clerical. Sob os cuidados diplomáticos de Bonifácio de Andrada e a habilidade política da princesa Leopoldina, o príncipe Pedro I declara a ruptura com Portugal, em 1822, quando meses antes o presbítero, mason e regente Diogo Feijó já havia não parlamento luso a independência da colônia. Entretanto, o Séc. 19 é uma vasta história de conflitos regionais – a saber: a Setembrada e a Novembrada (1831); Levante de Ouro Preto (1833); a Sabinada (1837); a Balaiada (1838); a Cabanagem (1835-1840); a Guerra dos Farrapos (1835-1845); a Revolução Liberal (1842); a Revolução Praieira e o fim do Estado reinol com a Proclamação da República, em 1889, ato ´puxado´ pela hipocrisia sociopolítica de uma Lei Áurea (13 de maio) bem urdida pelos masons republicanos, mas concebida como ´balão de ensaio´ para o golpe civil-militar. E enquanto isto, ideais libertários chegam da Europa e dos EUA, via literatura e emigração rural-industrial, com carbonários e masons ´tocados´ pela consciência anarquista em prol de uma sociedade socialmente igualitária. É quando arribam à Colônia Cecília, no Paraná, anarquistas italianos com


Giovanni Rossi, e a Guararema (São Paulo), Artur Campagnoli, Damiani, Alexandre Cherchiai, Oresti Ristori, Frederico Kniestedt, entre outros e outras. Durante a Farroupilha, surgem Bento Gonçalves e David Canabarro, ais quis se alia Giuseppe Garibaldi e, logo, a futura Anita Garibaldi. Sécs 20 a 21 | Entre gente brasileira e portuguesa existe uma identidade de consciência anarquista muito forte o que faz progredir o projeto “Anarquia não é caos, Anarquia é vida de igual para igual”, como diz o luso Neno Vasco, que faz ´escola´ na Sampa. E surgem nomes que fazem história (de uma cronologia aceita como geral): Maria Lacerda de Moura, Avelino Foscolo, Lucília Rosa (Minas Gerais), Angelina Soares, Reinaldo Frederico Greyer (Rio Grande do Sul), Ricardo Gonçalves), Noémia Lopes, Benjamin Mota, Edgard Leuenroth, José Martinez, Elvira Boni, Artur Compagnoli, Galileo Botti, Adelino de Pinho e João Penteado (São Paulo); Orlando Corrêa Lopes, Francisco Viotti, Domingos Ribeiro Filho, Lima Barreto, Domingos Passos, Matilde Magrassi e José Oiticica e Sônia Oiticica (Rio de Janeiro). São homens e mulheres que formatam, a partir da Sampa industrial o anarcosindicalismo sem deixarem de lado a Anarquia enquanto filosofia para a paz o bemestar. Dos núcleos d´Anarquia emergem literatura e jornalismo que aumentam a liberdade de escolha das pessoas por uma vida em autogestão empreendedora. Sempre com a preocupação voltada para a educação, cultura e a justiça social, os núcleos d´Anarquia, tanto os ibéricos quanto os sul-americanos, abriram universidades populares, escolas de ofícios gerais em prol da paz. E em 1964 o Brasil cívico sofre o golpe militar que retira as liberdades essenciais e impõe um estado de sítio até 1985 e os núcleos d´Anarquia, assim como Lojas de Maçonaria e partidos políticos republicanos, sofrem intensa repressão. Com o fim da era militarista, surge a Carta Magna de 1988 que, em suma, imita a Carta das Nações Unidas mas salva as elites com uma carga de impunidade sem limites. Ontem como hoje! De entre Portugal e o Brasil... a África e um nome singular pela sua pluralidade de ações em prol da liberdade: Mário Domingues. Um grande intelectual de origem africana a defender publicamente em Portugal o fim da colonização. A sua atividade como jornalista alcançou os núcleos d´Anarquia e fez eco entre muitos masons não mercantilizados pelo economicismo liberal.

Fonte: “Saber Viver Pela Opção Libertária”, palestra do poeta e jornalista João Barcellos; Sorocaba-SP e Niterói-RJ, 1996.


Dos Piratas Aos Narco-Traficantes No Submundo Sócio-Económico

Céline Abdullah

Quando fui conhecer a história de Nassau, o fortim nas Bahamas onde se recolheram diversos piratas e corsários (piratas a serviço dos reis e das rainhas), fiz logo um paralelo com os fortins urbanos favelados (México, Colômbia, Brasil) onde se recolhem chefes do narco-tráfico: piratas uns, piratas outros. Com uma diferença: os piratas de Nassau instituíram uma governança em Anarquia tendo cada um e cada as suas responsabilidades no desenvolvimento da região e da pirataria, na base do ´um por um, todos por um´. No caso dos chefes de carteis de alucinógenos, existe apenas a ganância e a barbárie com a morte em cada acção, sendo a chefia feminina ou masculina. Aliás, o único ponto que une a pirataria dos Sécs XVI a XVIII aos narcotraficantes dos Sécs XX e XXI é a presença de mulheres no ofício e no comando.

Do Pirata Dos Mares Ao Traficante De Drogas

Como se ´faz´ um(a) pirata? A sua origem está, em geral, nas condições de miséria social absoluta nas periferias das cidades ainda medievais na sua estrutura pré-industrial, na Europa, e nas cidadelasilhas colonizadas na África e nas Américas. O lema sob a bandeira negra da pirataria é “[...] nós roubamos os ricos com a nossa ousadia, e vocês, reinóis, roubam os povos com as leis que mandam publicar para nos manterem escravos e miseráveis, ou empregos com soldos miseráveis [...]”. Foi a proclamação de uma Anarquia em plena área colonizada pela Coroa inglesa ao tempo em que Nassau era apenas um fortim nas Bahamas. O que queriam os piratas


e as piratas? Uma oportunidade de serem iguais no jogo político e econômico, por isso, ao roubarem os navios que levavam produtos roubados das ilhas caribenhas e outras colônias (tabaco, ouro, prata, diamantes, açúcar, africanos escravizados em porões de navios ´negreiros´, etc.) para os reinóis da Inglaterra, da Holanda, da Espanha, da França e de Portugal, em pleno Século XVIII.

Como se ´faz´ um(a) narco-traficante? Nas vilas que cercam as grandes metrópoles do continente americano, e mais ainda, no interior das nações que ´brotaram´ da escravatura colonial e da pirataria (corsária, ou não), a miséria é parte do quotidiano. A falta de oportunidades sociais para a juventude e a política governamental que continua a tratar, no Séc. XXI, as nações como feitorias/feudos coloniais, e na África como feudos tribais, leva a juventude a engajamentos funcionais na economia paralela forjada pela nova pirataria que é o narcotráfico, e, por exemplo, cidades como Sinaloa (México), Rio de Janeiro (Brasil) e Bogotá, Calí e Medellin (Colômbia) movimentam-se entre a precária governabilidade institucional e os governos paralelos dos carteis da cocaína, muitas vezes com cobertura de grupos político-militares que não desejam outra coisa que não seja substituir ideologicamente (eu prefiro dizer: criminosamente) uma ditadura por outra, tanto fazem cooptação de militares e polícias e advogados que actuam como milicianos na base desse negócio de alto risco e de grandes fortunas.

Da ânsia De Ser Alguém Com Lei Própria Aos Ritos De Ganância Psicopata Nos tempos das caravelas e navios-negreiros a miséria era absoluta entre os povos, mas o clero e a nobreza viviam entre fortunas, palácios e posses ultramarinas; nos tempos dos navios motorizados e da aviação a jato a mesma miséria absoluta grassa nas velhas colónias que são tratadas com políticas neo-coloniais por elites místicas e fidalgas que reeditam a escravatura. Se antes bastava um religioso declarar que o servo deve obediência ao seu senhor, hoje esse dogma continua intacto; mas enquanto a pirataria marítima chegou a actuar ´socialmente´ por uma Anarquia exemplar, o que vemos e sentimos na sociedade industrial das tecnologias de computação é uma podridão neo-escravocrata e corrupção política, e mais, pois que debaixo da bandeira da ganância psicopata que estupra, totura e mata está alguém sem noção alguma de humanidade, que nem percebe que formular e distribuir drogas é formular e distribuir a morte..., mesmo a fazer o ´sinal da cruz´ e a encher os padres com dinheiro ensanguentado para lhe abençoar, mais tarde, um ataúde de ouro. Eu não sei como é possível viver a estuprar, esfolar e matar pessoas no meio do narco-tráfico, mas sei que no meio da velha pirataria marítima, exercia-se um ofício paralelo que resultava em contra-ponto à roubalheira colonial feita pela nobreza e o clero. Podem existir, e certo que existem, outras leituras paralelas quanto aos submundos sócio-económicos de ontem e de hoje, mas é sempre muito triste verificar que tudo continua como antes na sofisticação tecnológica de hoje!


Mas, veja-se como surgem paradoxos que ilustram possibilidades diferenciadas de viver o quotidiano, como essa república em Anarquia criada pela pirataria nos confins caribenhos e que assustou mais os governos reinóis e o clero imperial do que as guerras civis.

Céline Abdullah Técnica Química. Moçambique, 2018.


Humanidade Libertária Caso Garibaldi-Anita Amores Libertários Em Prol Da República No Ambiente Feudal-Escravocrata Da Monarquia Na Europa & Na América Tereza Nuñez / João Barcellos / Céline Abdullah

O universo ultramarino luso-cristão teve impactos políticos de ruptura interna na África e no Oriente (onde não conseguiu dominar a cultura tribal e as línguas diversas), como no Brasil, embora aqui tenha, a partir dos padres jesuítas e da inquisição orientada pelos torturadores e genocidas dominicanos, dominado os povos nativos e, principalmente, aqueles que já tinham uma mística própria com percurso iniciático e socialmente logístico (o caso dos inca-guaranis e o ´piabiyu´: o caminho para o ´sem-mal´). A ancestralidade africana gritou mais alto, mesmo quando o seu próprio sistema escravagista (tribos prisioneiras trocadas por favores com os ´brancos´ portugueses) não lhes garantiu paz e liberdade. Já no caso da ´Ilha do Brasil´, assim nomeada pelo rei Afonso IV em carta ao papa Clemente VI, em 1343, mais tarde agregada ao império com a fincada do ´padrão da posse´ (abril de 1500), o domínio teve dois momentos: a) a transferência da língua tupi-guarani para a língua portuguesa, na maioria dos casos através das amas-de-leite (as nativas escravas serviam para isso e enquanto as jovens amas viravam matronas aos 17 ou 19 anos e a filharada falava tupi-guarani), dos Séc. 16 ao 18; b) quando a Reforma Pombalina chegou ao Brasil-colônia via Morgado de Matheus (o 4º do morgadio trasmontano) nos Anos 60 do Séc. 18, nomeado chefe da Capitania de São Paolo e Sua Minnas e extinguiu os feudos jesuíticos para erguer novas vilas e produzir bens de consumo na vasta ruralidade. É na ruralidade e na mineração das regiões ultramarinas que a monarquia portuguesa tem o seu sustento e o estende à Santa Sé onde o papado vive nababescamente. O primeiro embate de Luís António, o morgado, é com os bispos e os magistrados, habituados à boa-vida, mas leva a melhor e permite então que surja um Brasil com cara de ´brasileiro´, apesar de Portugal. O tipo de administração exercido pelo Morgado de Matheus permitiu que a classe mameluca (filhos de portugueses com nativas) surgisse de uma vez no modo social e mercantil – quando a poderosa mameluca Suzana Dias levantou a Villa Sant´Anna de Parnahyba às margens do Anhamby isso foi um caso raro, e digno de registro –, e de uma vez por todas a ´cara´ da Sam Paolo dos Campi de Piratininga tem, então, a cara da gente brasileira. Logo após o retorno do morgado iluminista ao seu rincão trasmontano, surge em Minas Gerais um alferes-tiradentes de nome Joaquim José da Silva Xavier que se une a emergentes masons, na maioria da elite intelectual e rural formada em Coimbra e Paris, que querem um Brasil livre e em res publica, a contrariar a


imperial coroa lusa. A reivindicação com fraca sustentação organizativa enfrentou a resistência do império, que não perdoou. O mesmo veio a acontecer na aridez nordestina, quando e em plena governança do príncipe Pedro I, a voz de Bárbara de Alencar trovejou os princípios da res pública e se fez presidente republicana, porém, e mais uma vez, com fraca sustentação política, acabou nos calabouços monárquicos de Fortaleza.

Xavier (o alferes-tiradentes) e Bárbara de Alencar

Nos dois casos, esteve no ar também um cheiro de anticlero a dominar os acontecimentos – o antagonismo entre os padres regionalmente assentados, às vezes d´escopeta nas mãos, e os bispos nababos de sedas reinóis e tintas de pau-brasil que só às elites servem. E surge ao sul do Brasil algo mais poderoso, bem pensado, com ideal sob cultura castrense assumida profissionalmente sob a bandeira do ato libertário. Surge uma república declarada Rio-Grandense por um forte ruralista: Bento Gonçalves. É a Guerra dos Farrapos, que conta David Canabarro e o libertário europeu Giuseppe Garibaldi, cuja fama de libertador corre o mundo a par das façanhas dos piratas anarquistas caribenhos. Em pleno Séc. 19, nas tropicais praias do Rio de Janeiro o libertário, ´primo´ (ele é membro da Carbonária) e ´mason´ (liga-se à Maçonaria brasileira no meio ´secreto´ carioca), Garibaldi conhece as ´encrencas´ da vida sob o absolutismo monárquico, principalmente quando conhece, em vista, um Bento Gonçalves aprisionado após fim da ´república sulista´. E, logo, tem contato com Luigi Rosetti, jornalista italiano e ´primo´, que o leva ao sul e ao Uruguay e a outra aventura libertária...

* Durante muito tempo Garibaldi tem uma vida de marujo nas linhas dos navios mercantis, onde chega a capitão. Congrega com todo o tipo de gentes, e mais com idealistas anarco-republicanos. Ao saber de tal experiência, o aprisionado Bento Gonçalves, em nome da República Rio-Grandense escreve e assina uma carta de corsário para o capitão Garibaldi apreender embarcações reinóis nas águas republicanas. E então, Giuseppe Garibaldi torna-se pirata oficial após adentrar a Maçonaria e a Carbonária... *


“Selecto agrupamento de gentes e ideias, a Carbonária tem acções decisivas nas sociedades de Portugal, Uruguay, França, Itália, Espanha e Brasil... E se no Brasil e Uruguay tem óptima projecção política, já em Portugal instiga a queda dos reinóis e ajuda no esforço na mudança de regime (e, a 5 de Outubro de 1910, nasce a República portuguesa tendo o intelectual Luz Almeida como um dos libertários); enquanto isso, na Itália, origem do movimento (1810), a questão fundamental é anticlerical e um esforço para unir, na fé republicana, a Sociedade Italiana, onde surge Giuseppe Garibaldi após actos libertários no Brasil e no Uruguay.

Luz Almeida

Garibaldi e Bento Gonçalves

E sim, de entre as associações secretas como a Carbonária, a liberdade de expressão e de acção sócio-económica ganha mais relevância com a Maçonaria e a Anarquia (esta, filosoficamente operada como fé da pessoa em si mesma sob uma crítica humana culturalmente iluminada)”, como se lê no manifesto “As Pessoas D´Anarquia Batalham Por Uma Res Publica Igualitária” [panflo mimeografado e distribuído pelo poeta e jornalista J. C. Macedo no Q-G do Exército, Lisboa – 1975]. E, anote-se: “...se das acções libertárias nascem conceitos novos e velhas filosofias como a Anarquia brotam para diálogos políticos que se insurgem contra a liberdade sempre adiada, também, em várias ocasiões, a acção libertária fez e faz surgir encontros amorosos que se destacaram e destacam mundialmente, como o de Garibaldi com a Anita, no sul brasileiro” [idem]. E então, “[...] no meio das atribulações de corsário, carbonário, mason, e etc., Garibaldi conhece Anita, ou Ana Maria de Jesus Ribeiro, pela qual se apaixona. Formam aí o casal que incensa a América de uma liberdade amorosa, paixão


que se expande para uma Itália que se busca em si mesma, e aí ela morre em ação, e ele continua sua senda guerrilheira. É uma ocasião que fornece leituras históricas para uma filosofia que nos dá indicativos psicológicos, tal e qual os que se observam entre os ´secretos amores´ da resistência que na África conclamam a liberdade ainda salgada pelo neo-colonialismo do capitalismo que não tem cor ideológica”, na observação da moçambicana Céline Abdullah, na sua resposta a uma questão levada a esta pauta no Grupo de Debates Noética (Fevereiro de 2018) pela sul-americana Tereza Nuñez, a qual quis “...saber da África no contexto libertário, ontem e hoje, porque percebe-se muito movimento exotérico e raro movimento político por uma liberdade sem data, como acontece aquém e além Rio do Prata”. Na verdade, após os eventos políticos-libertários dos Sécs. 18, 19 e 20, a história mostra-nos “uma revolução tecnológica que liberta no imaginário e escraviza no socioeconômico” [João Barcellos, no painel de Fevereiro de 2018], e quando pensamos que percebemos veios libertários abertos na humanidade para mais jornadas em prol do humanismo crítico, eis que olhamos para o Ocidente e o Oriente e revemos conceitos que emergem para nos escravizar, mística e politicamente. O quadro romântico do Casal Garibaldi ainda é, por isto mesmo, uma cena vivificante em nossa memória libertária.

Anita e Garibaldi carregando o corpo ferido da amada

Também é verdade que “...a política tem encontros com a filosofia e tem encontros com o amor, em todas as situações, porque a humanidade civiliza-se pensando em si (filosofia) e age gregariamente (política) em comunidades com raízes geossociais próprias onde a família (amor) sinaliza a continuidade. O que não se pode é permitir que a animalidade sempre presente entre nós faça arremessos de crueldade contra a pessoa livre, porque isso gera medos e fere o ciclo libertário civilizatório...” [João Barcellos, idem]. A todo o instante o ato de agir por liberdade emociona e gera o amor que ilumina a humanidade. A questão é agir com a fé em nós mesmos, porque fé em sabedoria é liberdade e é amor. E é neste contexto humaníssimo que Garibaldi e Anita se eternizam. Tereza Nuñez João Barcellos Grupo de Debates Noética

Céline Abdullah


Mário Domingues


Voz d´Anarquia na Maresia Ultramarina do Engodo Colonial

João Barcellos

“[...] Agora, mais do que nunca, é preciso proclamar bem alto que o anarquismo não é a desordem, a violência e o crime, como as forças reacionárias têm querido qualificá-lo. Urge desfazer essa lenda tenebrosa e demonstrar ao grande público, enganado por essas torpes mentiras, que o anarquista ama e defende o ideal supremo da ordem, exercida numa Sociedade edificada na Liberdade, na Fraternidade e na Justiça Social” Mário Domingues

Parte 1 [Lisboa, 1971] Filho de português branco e de angolana escravizada e, aos 15 anos, levada para a Ilha do Príncipe (S. Tomé e), eis a encruzilhada sociopolítica que gerou Mário José Domingues, nos mesmos moldes de um tal de Almada-Negreiros, por aqui gerado e que se fez intelectual artista respeitado na sede colonial. É verdade, “...e Mário Domingues opta por ser ele-mesmo o menino-homem a encarar a vida de frente e a confrontá-la com a sua vontade de paz em ação libertária” [Macedo, 1971]. Nos bastidores da batalha contra o colonialismo português, que o mesmo é dizer, contra o regime autoritário do Estado Novo, “...a pluralidade de ideias e de formatos político-partidários nem sempre permite congregar esforços para uma resistência adequada: a situação mais inusitada é a dos ´pontos anarquistas´ entre sindicalistas e intelectuais”, diz o sempre jovem Mário Domingues, quando o encontro em Lisboa para uma conversa acerca da Anarquia, logo depois do policialmente turbulento Cascais Jazz. Eu sou um minhoto, jovem poeta metido a jornalista de primeiras águas, com experiência em tecnologia eletroeletrônica e cineclubismo, vivências que me ajudam a buscar a Anarquia pela via filosófica, e aproveito o momento lisboeta. Dou-lhe a ler 10


páginas mimeografadas de um opúsculo que intitulei “poética filosófica d´um anarquista”, com um artigo sobre o ideal libertário em Antero de Quental e em Ferreira de Castro e meia dúzia de poemas. Mas eu quero uma resposta para uma inquietação que me provoca faz tempo: “E o seu conterrâneo Almada-Negreiros?...”. E escuto: “Um artista de coração grande, mas muito envolvido consigo mesmo: parece-me que o mundo passa longe dele”. E é o que deixa-me de bem comigo, pois, é a ideia que tenho do poeta-artista no âmbito da cena dinamizada por Fernando Pessoa. Parte 2 [Rio de Janeiro, 2017] Acabo de ler “voz d´anarquia na maresia ultramarina do engodo colonial (a lembrar mário domingues)”, da moçambicana e libertária Céline Abdullah, que com este texto celebra o político e intelectual afro-português. A matéria empurra-me para a Lisboa de 1971 e lembro o meu encantamento ao conversar ali com Domingues, que me dizia “...vivo o que a natureza dá-me para viver, não sou mágico nem divino, apenas a pessoa que pensa e caminha por si”. Nunca esqueci a lição dessa “alma que liberta enquanto pensa”. Embora sem a agressividade intelectualmente criativa dele, quando leio algo de Domingues lembro Aquilino Ribeiro, o mason e libertário romancista que deu muito trabalho à sociedade policialesca monárquica e republicana: de ângulos diferentes ambos tinham o mesmo foco para uma nação socialmente mais justa. Quando Mário Domingues nasceu o seu berço era ainda uma feitoria entregue a empresa privada, e o ventre que o gerou era o de uma escrava no final do Século 19. Nessa circunstância, ou se aprende a ser ´mundo´ ou fica-se pelo algo simplesmente parido. Acredito que para Domingues a escolha de vida foi simples: viver a construir vida. Por isso, o espectro da vivência libertária foi para ele a filosofia única.

NOTAS Céline Abdullah – in “Voz d´Anarquia na Maresia Ultramarina do Engodo Colonial – A Lembrar Mário Domingues”; artigo p/ jCORPUS e Grupo de Debates Noética. Moçambique, 2017. J. C. Macedo – in “Um Libertador d´África No Meio Intelectual Luso”; opúsculo/palestra, SetúbalPortugal,1973. – in “É Preciso Ler Mário Domingues e Perceber a Falsa Ação Civilizadora do Colonialismo Luso e do Paternalismo Católico”; opúsculo/palestra, Santos-SP e Niterói-RJ, 1997.

Mário, Reis e Fanhais


da batina à batalha cultural Para Que Não Se Esqueça Da Perseguição Ideológica Em Portugal

Estava eu a dactilograr na maquineta do meu avô dois poemas para enviar à redacção da revista Mundo da Canção (eu participava amiúde da Secção Poesia 70), quando um companheiro de escola, residente em Guimarães, mas natural de Macieira da Lixa, entrou enfurecido no meu quarto. “Olha, pá, parece que prenderam outra vez o padre Mário. Tens qu´escrever um texto para pôr no mimeógrafo e depois levarmos de casa em casa...”. Estávamos no verão de 1970 e o grupo de jovens intelectuais (teatro amador, jornalismo, cineclubismo, política, sexo...) participava activamente da batalha invisível contra a ditadura policial-colonialista que humilhava Portugal desde os Anos 30. Terminei de dactilografar os poemas e envelopar para os enviar pelos correios. Peguei o conjunto de papeis carbonados e escrevi de uma assentada um texto com o título “[...] DA BATINA À BATALHA CULTURAL POR UM PORTUGAL AUTÊNTICO LIBERDADE PARA O PADRE MÁRIO DA LIXA Não sabemos até onde a PIDE vai, mas sabemos como ela pega políticos, intelectuais, cantores, artistas e padres, operário e camponeses, que conscientemente dizem ´Não!´ ao salazarismo, que ora agoniza no leito da morte (ele, não o regime). Encarcerar o padre Mário de Oliveira, que já foi até impedido de orar enquanto capelão do Exército, é encarcerar a Voz de um Portugal que almeja a Liberdade de expressão. Viva o Pe Mário, da Lixa! Viva Quem Não Teme As Sombras Terroristas Da Polícia Política Chefiada Pelas FA´s! Não, Não e Não ao Salazarismo! Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas / tjia Algures em Portugal, 1970” Agora, tantos anos depois e sob a notícia da morte de Pedro Barroso (em 7 de Março de 2020), um dos melhores trovadores da cena artística lusa, recebi da minha filha mais um lote dos meus papéis que ela guarda com carinho e vai ´digitalizando´ entre as suas habilidades médicas e fotográficas. Entre os papeis duas anotações rascunhadas: 1- “[...] acerca do livro Para Uma Moral Nova da Regulação da Natalidade, do padre e professor Manuel Reis, ´uma tese política a ser amplamente divulgada, apesar da PIDE ter surrupiado os livros nas livrarias´, como diz MACS...”. Lembro que no final da primavera de 1969 fomos para Coimbra engrossar a greve estudantil – ah, dessa jornada fiquei com várias anotações que resultaram no livro ´Vida Em Construção´, publicado no Brasil e que celebra a vida e a obra do filósofo Reis e da sua companheira Lillian; 2- “E agora temos um novo canto: mais uma batina cristã junta ao sacerdócio o acto evangelizador da liberdade política. Surgiu Francisco


Fanhais... no rasto de Zeca Afonso e de Adriano Correia de Oliveira e António Macedo. E, obviamente, mais um padre e um artista a ser incomodado pela PIDE a mando do salazarista Marcelo Caetano, o delfim académico... (Eu, Alex)”. Sim, confesso que já nem lembrava, pois, são anotações circunstanciais de encontros secretos, ora numa casa ora noutra casa, e na maioria das vezes em casa-barraca de um casal anarquista de Apúlia, ao som do mar (ela, apanhadora de sargaço, e ele, pescador). Nessa casa-barraco recebemos numa tarde de domingo o Prof. Luís de Albuquerque e o Prof. Santos Simões. Uma conversa acerca da sociopolítica e liberdade, com muita sardinha na brasa, vinho verde e broa. Ora pois... Circunstâncias portuguesas de uma autenticidade hoje muito rara. E assim, neste momento, do outro lado do mar, reúno uma história tão peculiar quanto terrível, porque ninguém fica imune às batidas da morte que se anuncia. Bem, a minha filha Johanne avisou-me para ´pegar leve´ nos papeis. Mas, não resisti. um abraço solidário para todos e todas que nesta crónica têm assento J. C. Macedo, 2020.

Nota: ´MACS´ é a Profª Maria Augusta de Castro e Souza, que criou a TJIA, hoje ainda muito activa em Berlin/De; ´Alex’ era um dos meus pesudónimos na TJIA. / Os professores Albuquerque e Simões eram especialistas em cartografia e tivemos aulas sobre os bastidores da política europeia a que poucas pessoas tiveram acesso nessa época de ´chumbo´.


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