Manifesto sobre a Educação

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MANUEL REIS

MANIFESTO SOBRE

A EDUCAÇÃO E OS SISTEMAS EDUCATIVOS

Cetro de Estudos do Humanismo Crítico C.E.H.C.

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Manuel Reis

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OS SISTEMAS EDUCATIVOS E A CARTILHA CONTEMPORÂNEA DO ECONOMICISMO CAPITALISTA EM CURTO-CIRCUITO

(na suposta fase derradeira do Sistema capitalista na sua modalidade selvagem: o Neoliberalismo global)

● Trata-se de duas realidades societárias, absolutamente antagónicas: uma exclui a outra e vice-versa. Necessariamente!... ● Sobre a Noção de Sistema, advirta-se no Aforisma de Blaise Pascal: “É tão impossível conhecer as partes sem o todo, como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes. ● As Sociedades contemporâneas, everywhere in the Planet, são geridas e ‘governadas’ por figurões robóticos. Segundo as cartilhas das inércias societárias e do mais vil e desesperante mecanicismo objectivo-objectualista. ● ‘Crear es resistir. Resistir es crear’. (Rapariga anónima que, na massa de gente constituída pelo ‘Movimento dos Indignados’, teve a coragem de fazer este Depoimento). Que se encontra, em termos semânticos, nos bastidores desta asserção/aforisma? A) Que a percepção/convicção de que o mundo anda tão iníquo e perverso, que as duas palavras (verbos) referidas não se podem distinguir e separar, no seu emprego linguístico-societário. B) Que o bem e o mal foram dogmaticamente hipostasiados e os bons e os maus se confundem e misturam e se perdeu o próprio caminho.

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C) Que os que se acham na mó-de-cima e nos lugares de comando já não sabem ser sensatos e responsáveis, i.e., responsáveis perante os outros e didiante do povo que os elegeu. ● Quando o irredento (e ainda não desconstruído criticamente na Cultura...) ‘despotismo iluminado’ vai transitando, sorrateiramente, para o ‘modus operandi’ (o modo de funcionamento) das novas Tecnologias automáticas da Informação e Comunicação, cerceando e bloqueando as capacidades de acção dos utentes das máquinas em causa… algo vai muito mal no universo da Humanitas!... É a continuação perversa e escravizadora das Tecnologias, que deveriam ajudar a Libertação e estão a promover a servidão.

1 Em demanda da Noção de Sistema Educativo

● Σύστημα (atos) é, na sua origem, um substantivo (abstracto/concreto) do Gre-go clássico, cuja denotação nuclear se encontra na órbita de percepções e conceitos como conjunto (também no plano da aritmética e das Matemáticas) e totalidade articulada (que tanto se pode referir a um organismo vivo, como a um robôt e a qualquer computador…). Quando pesquisamos e estabelecemos a denotação e a conotação semânticas do vocábulo ‘Sistema’, na expressão ‘Sistema Educativo’, devemos saber e estar atentos ao facto (primacial e primordial) de que nos encontramos no hemisfério das Ciências sociais e/ou humanas, ─ não no hemisfério das ciências físico-naturais. Como é óbvio, ficou, aí, implicitada e pressuposta a teoria/doutrina da Dualidade Epistémica (que é a gramática de funcionamento do CEHC). Em termos empíreo-criticistas, a bifurcação rumo aos dois hemisférios referen-ciados pode assinalar-se nos dois livros principais de Norbert Wiener (prof. no MIT) , a saber: ‘Cybernetics, or Control and Communication in the Man and in the Machine’ (1948); e ‘The Human Use of Human Beings’ (1954). ‘Cybernetique et Société’ (1952), que se pode considerar a abóbada da Obra do N.W., confirma, à saciedade, a índole ecléctica do pensamento filosófico do Autor. N.W. está muito longe de professar a teoria/doutrina da Dualidade 4


Epistemológica, como nós fazemos no CEHC; mas já é suficientemente esclarecedor e surpreendente o simples facto de o ‘inventor’ da Cibernética contemporânea se ter visto obrigado, intelectualmente, a abordar, pelo menos, a problemática (vaga) da Dualidade Epistémica, muito embora sem consequências de qualquer tipo. Foi, efectivamente, a partir dos anos ’40 do séc. XX (e já desde o período da Guerra e em função dela…) que se desenvolveu (a começar nos USA) o conceito moderno de ‘Sistema’, nos domínios das ciências e das tecnologias, ─ e, por paradoxal que pareça, à rebelia do tradicional racionalismo cartesiano. Como já se dá conta, esse conceito não tem nada a ver com a supracitada noção de Sistema, de B. Pascal. Ali, há uma submissão, em todos os azimutes, à religião do Objectivo-Objectualismo; aqui, há, no processus operatório do Sistema, um cruzamento de Darwinismo e de Lamarckismo, de genética e de milieu. (No concernente à problemática da Evolução, nos patamares da biogénese e da antropogénese, já defendíamos o cruzamento das duas vertentes, na nossa Tese de Bacharelato, em Coimbra, titulada: ‘Evolucionismo ou Fixismo?’/1955). A noção de Sistema, ‘made in USA’, destinou-se a resolver problemas complexos (sempre no horizonte do Objectivo-Objectualismo…), tais como instruções de comando aéreo, compreensão do funcionamento do cérebro humano, a orientação das grandes organizações industriais e o fabrico dos primeiros computadores. Ora, na abordagem sistémica levada a cabo, no horizonte das ciências sociais e/ou humanas, deve ter-se em linha de conta a noção nuclear de ‘paradigma conceptual’ (Raymond Boudon), que está na base de qualquer arquitectura sistémica, neste hemisfério das ciências e do Saber. Significa isso que é preciso dispor de instrumentos adequados, para a análise (fina…) das complexidades e das propriedades dinâmicas do que é um Sistema psicosócio-cultural, onde há, naturalmente, conflitos e cooperação (consciente ou não…), desvios à norma, comportamentos colectivos, poder coercivo e mudança social. Em geral, e a partir das próprias inércias institucionais da I. & D., a Teoria geral dos Sistemas fechou-se (ou continuou tradicionalmente fechada…) no seu catecismo monístico e objectualístico, e tornou-se incapaz de compreender e percepcionar a complexidade dos sistemas sociais/societários (onde nunca se pode omitir a consciência do Indivíduo, seja no seu estado consciente ou inconsciente). Justamente, aquilo que se acha no núcleo duro do aforisma de Pascal: ‘é tão impossível conhecer as partes sem o todo, como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes’. Amarrada à doutrina do monismo epistémico (de índole fisicalista), a Sociolo-gia tradicional sempre caiu nas tentações de considerar as sociedades 5


humanas como ‘sistemas de papéis ou funções’, redes de organizações ou de superorganizações, compostas, por seu turno, de organizações mais simples e elementares. Os Sujeitos individuais-pessoais, que são os humanos (dotados de reflexão e consciência), nunca foram achados ou ouvidos enquanto os primeiros e últimos centros/fontes da energia social/ /societária e das actividades sociais (sejam elas intelectuais e científicas, económicas ou políticas, culturais/artísticas ou tecnológicas). Pior: mais de metade do ‘corpus científico’ da própria Psicologia moderna e contemporânea abastardou e rejeitou o fenómeno da Consciência, e queimou incenso ao Behaviourismo (Comportamentalismo) mais desbragado (o seu patrono pode chamar-se Bhurrus Skinner).

O Sistema Educativo é edificado no hemisfério das ciências psico-sociais e/ou humanas

Ao adicionarmos o sintagma adjectival Educativo ao sintagma nominal Sistema, é mister sabermos bem o que são as duas realidades. Debrucemonos, agora, sobre o que vem a ser a Educação. É um substantivo oriundo do verbo latino educere (tirar a partir de dentro) e educare (no latim vulgar) → alimentar… que tanto se aplica ao alimento material/corporal como ao alimento intelectual/espiritual. Algo, afinal, de que todos os seres vivos carecem, muito embora em níveis e escalas diferenciados. (Explicámos e desenvolvemos esta temática, copiosamente, no nosso Livro de 2010, ‘De Educatione et de Instructione’, na edição electrónica da Rev. ‘Noética’, a partir de São Paulo/Br.). Nunca se perceberá bem toda esta Problemática, se não tivermos em mente a doutrina dos Gnósticos judeo-cristãos primevos e a sua dialéctica (primacial e primordial) da Interioridade ↔ Exterioridade. Essa dialéctica é muito mais importante e decisiva do que a do ‘em cima’//’em baixo’, ou do ‘superior’//’inferior’. Além do mais, por definição e estrutura operativa, essa dialéctica pressupõe e tem na devida conta o fenómeno das Consciências individuais/pessoais, que tem sido laminado e exterminado ao longo da história das Civilizações, devido ao facto de se ter optado, nos processos de organização societária, por essa Alavanca de Arquimedes que é a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Já nos démos conta, com a devida nitidez e precisão, que os Sistemas Educa-tivos (que se configuram no hemisfério das ciências psico-sociais e/ou humanas) não se podem misturar ou confundir com os sistemas naturais (que se erguem e modelam no hemisfério das ciências físico-naturais). A corveia de 6


uma certa mistura e confusão ainda persiste, contemporaneamente, não só na organização pró-determinística das Sociedades humanas, como também nas injunções de ‘libertação pelas tecnologias’ e admissão acrítica do sistema capitalista, no concernente à estruturação de um Sistema Educativo nacional. Os Sistemas Educativos (nacionais) na sua configuração actual são de data re-cente, na História das Sociedades ocidentais. Começam nos inícios do séc. XIX, quando se dá o boom da ‘Revolução Industrial’ e se instalam as primeiras redes dos ‘caminhos de ferro’. Entretanto, apesar da emergência formalizada do S.E. ter acompanhado (significativamente) o surgimento do Estado-Nação moderno, tem de observar-se e admitir-se que a própria percepção do valor económico da Educação/Instrução é, sem dúvida, muito anterior à percepção da realidade do Estado (genericamente falando e qua tal). A bússola de orientação para a definição própria e específica de um Sistema Educativo pode ser-nos facultada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, oriunda da Rev. Francesa, e refundida e adoptada, sob o determinativo de Direitos Humanos, pela O.N.U., em 1948. Aqui se asseverava que a “educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o reforço do respeito do homem e das liberdades fundamentais”. Ora, os Humanos, qua tais, têm de ser considerados e respeitados nas suas duas vertentes: activa (Sujeitos) e passiva (enquanto ‘objectos’ de Estudo). (Os Poderes Estabelecidos, na Cultura do PoderDominação d’abord, não sabem tratar os cidadãos e os trabalhadores senão como objectos, segundo a sua cartilha implacável do ObjectivoObjectualismo). Daqui mesmo, é mister extrair, desde logo, um postulado essencial: O Sistema de Educação/Instrução não se pode confinar, tão só, à preparação e formação dos Alunos em ordem ao exercício de uma dada profissão. A cidadania e o civismo, a boa ética e a moralidade, a Cultura substantiva integram, igualmente, uma Sociedade viva e organizada e fazem parte, por conseguinte, do Sistema de Educação/Instrução. Educação e Instrução (como se explanou copiosamente no nosso Livro, já referenciado) constituem-se como realidades diferenciadas: a 1ª manifesta-se ab intra ad extra; a 2ª ab extra ad intra. A 1ª opera mediante os processos da assimilação das ‘lições de vida e comportamento’, ganha raízes através das convicções pessoais e tem, neces-sariamente, de tomar em conta o facto da Consciência individual-pessoal. Sem Diálo-go inter-humano e sem levar em linha de conta as Experiências humanas individuais não se chega lá. A 2ª processa-se num esquema de informação e esclarecimento, em or-dem à execução de determinadas acções, cujos resultados se podem programar, em maior ou menor grau. A noção básica/elementar de Educação foi dada por Émile Durkheim nos se-guintes termos: “a educação é a acção exercida pelas gerações adultas 7


sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social”. O que o sociólogo teve em mira, nesta noção, foi uma certa linha de continuidade, cultural e civilizacional, entre as gerações, que o Processo histórico tem por missão/função assegurar. Os Sistemas Educativos (de natureza pública e estatal) começam, efectivamente, na 1ª metade do séc. XIX, não só como respaldo da ‘Revolução Industrial’ em curso, mas, também, como expressão e fornalha alimentadora do sentido/sentimento de unidade da Nação (do Estado-Nação em causa). Como resulta óbvio, havendo-se tornado mais complexos e sofisticados os modos de produção, na economia política, e mais diversificados os modos de relacionamento económico, apesar da uniformidade de base das relações salariais de produção (o regime do salariato tornou-se a salgada ‘lei de ferro’ da Era industrial, a qual, se ajudou a superar a condição anterior da servidão, por outro lado, manteve-a…), a Escola pública e o Sistema de Educação/Instrução foram chamados a dar uma Resposta consistente, nos domínios da preparação e da formação profissionais. Como é sabido, o Sistema económico então vigente era o Capitalismo, balizado e definido segundo o catecismo de Adam Smith (1776), que, ao longo de boa parte do séc XIX, Karl Marx e F. Engels, bem como os outros socialistas, (onde se destaca Joseph Proudhon e o proudhonismo, sem esquecer os anarquistas e a escola de M. Bakúnine), se encarregaram de denunciar e repudiar, em nome da vera e justa condição humana, e em tempo histórico oportuno. Em meados do séc. XIX (1848) a chamada ‘Revolução dos Povos’ resultou gorada… como, aliás, veio a fracassar, igualmente, a ‘Comuna de Paris’, em 1871. Analistas da História e da Sociologia costumam argumentar que o Processo histórico não se encontrava amadurecido para as mudanças contidas nos projectos socialistas. Ilusão e discurso embusteiro… Os ‘sinais dos Tempos’ são sempre lobrigados e identificados por pessoas sensatas e honestas. As causas do falhanço das Revoluções (de todas… até ao presente) são outras: é o cincho da Cultura do Poder-Dominação d’abord, na organização das Sociedades; é o Economicismo (destilado pelo Sistema capitalista), que já se achava a fazer caminho; e, no reverso da medalha, era a índole imprópria e incompetente dos Sistemas nacionais de Educação/Instrução, que se deixaram polarizar, tão-só, ou principalmente, na formação profissional, para dar serventia às indústrias e ao comércio. Nesse horizonte (reducionista…) o planeamento e a programação da Educação e da Instrução (púbicas…) impuseram-se, pacificamente, em função da Produção e da organização societária na Economia: o planeamento económico (ao longo dos sécs. XIX e XX) ultrapassou de longe, em despesas orçamentais e investimentos, todas as restantes áreas da Sociedade 8


(Educação, Saúde, Justiça, Artes, Cultura…). E, paradoxalmente, isso constituiu um facto indiscutível e incontornável, tanto nos países de sistema capitalista puro e duro, como nos do chamado ‘socialismo convencional’. De resto, na órbita do catecismo de A. Smith, as chamadas ‘leis do Mercado’ sempre foram enaltecidas e, nas aparências societárias, sobrepujaram o chamado ‘planeamento central’, próprio das economias políticas ditas socialistas. Contudo, o Mercado nunca desapareceu nestas… e a própria definição exacta destas é outra: ‘capitalismo monopolista de Estado’ (J.K. Galbraith dixit). Nas décadas de ’80 e ’90 do séc. XX (quando se deu início à nova fase do neo-liberalismo capitalista global, nas asas das Multi-transnacionais), a evolução da Economia (política), sob a nova fórmula, de sabor demagógico, da ‘economia do conhecimento’, veio a subsumir a Instrução e a Educação e todo o ‘processo educativo’, já não como factor de crescimento, mas como vera finalidade do desenvolvimento: significou isso que o Economicismo resultou redobrado: os Sujeitos humanos (como cidadãos e como trabalhadores…) perderam o pé no processus economicista/tecnológico; entrou-se, assim, num curto-circuito completo e acabado, uma vez que, não se saindo da órbita do Objectivo-Objectualismo, não mais era possível descobrir e identificar os Sujeitos humanos, enquanto meta e finalidade (activa e passiva) da própria Economia política. Em termos de balanço crítico, tem razão, pois, Adriano Moreira ao concluir (ironicamente…): “O sistema educativo [português] evolucionou de forma a que os estudantes foram transformados em clientes. As propinas que são taxas que obedecem ao domínio financeiro, consideradas preços, de acordo com a lei do mercado. O ensino foi reduzido à comercialização. Eu sustento que o ensino, sobretudo numa situação como a de Portugal, é um elemento da soberania nacional do século XXI. Uma responsabilidade de todo e qualquer Estado que quer ter soberania”. (In entrevista a Viriato Soromenho Marques, ‘JL’/Ed., 17-30.10. 2012, p.4). Para mais, quando esse Ensino se acha integrado num Sistema Educativo.

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Os próprios Sistemas Económicos não são determinísticos: eles mesmos são configurados no horizonte das ciências humanas.

● Foi a esta triste e trágica e demencial situação, que chegámos na 2ª década do séc. XXI. Em Portugal, houve um sinal de Alarme (no sentido da interiorização e da humanização), em 1923, por iniciativa do ministro da Instrução Pública, João Camoesas (1887-1951), no encalço dos descaminhos e desencontros da Iª República (implantada em 5.10.1910). Militante aguerrido do Partido Republicano e deputado da Nação em 1916, J.C. foi ministro da Instrução Pública entre 1923 e 1925; enquanto ministro, ele começou por alterar a nomenclatura: o ministério deveria chamar-se da Educação, no futuro; não, apenas, da Instrução. E foi nesse horizonte, que ele elaborou a proposta de lei sobre a reorganização da Educação pública nacional, que apresentou à Câmara dos Deputados, em 21.6.1923. Na história da Educação/Instrução deste País, até ao presente, muitíssimo poucos se aperceberam do desejo de rotura, da semântica larga e profunda, que se achava encerrada na simples mudança de nome do respectivo Ministério da tutela. Polarizar todo o Processus na Educatio, muito mais do que na Instructio. Os Seres humanos, qua tais, crescem e desenvolvem-se de dentro para fora e vice-versa e do interior para o exterior e vice-versa; não de cima para baixo nem de baixo para cima. (Essa é, de facto, a Lectio dos Gnósticos judeo-cristãos primevos da antiga Escola de Alexandria.). Por exemplo: o consulado de Mª de Lourdes Rodrigues (no governo de José Sócrates), ao porfiar na sanha impertinente e teimosa de proceder (per faz et nefas) à avaliação heterónoma e objectualista de todos os professores(as) dos Ensinos Básico e Secundário, demonstrou à saciedade não ter entendido nada daquela Lectio, e pretender, tão só, reduzir toda a classe social dos docentes a um rebanho dócil, em nome do Economicismo reinante.

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Foi, igualmente, em nome do Economicismo reinante que, na última década, em Portugal, o S.E., no concernente aos E.B. e S., viu o número de ca. de 150.000 docentes maquiado de ca. de um terço. Como se Educação/Instrução só contasse, no O.G.E., como despesa, e não como vero investimento. Foi, ainda, em nome do Economicismo imperante, que o ministro da Educação, Nuno Crato (no governo de Passos Coelho) decidiu elevar para 30 o número de alunos por turma; elevou para cerca de 150 o número de Mega-Agrupamentos de Escolas (verticais e horizontais…), reforçando drasticamente a já bem pronunciada ‘desertificação’ do Interior do País; afastou ca. de 6.000 docentes, nos últimos concursos públicos; e criou uma situação tal que mais de 14.000 docentes (desempregados) já fizeram as suas inscrições nos Centros de Emprego e Formação Profissional. Tudo em função dos 150 mega-agrupamentos de escolas, criados por força da redução brutal da Despesa pública. E é neste contexto que o Governo pretende alargar a escolaridade obrigatória até ao 12º ano!... Onde está cumprido ─ pergunta-se à puridade ─ o ordenamento adequado do Território nacional, em termos educativos e culturais?!... É um país a saque, convertido num protectorado da ‘Troika’, e desgovernado por um governo incompetente, que, por cima de tudo, alardeia o orgulho estúpido de se apresentar mais troikista que a ‘Troika’!... Como coroa do patético, inventou uma imoral T.S.U. (taxa social única…), com o objectivo de saquear aos rendimentos do Trabalho o que vai entregar, de mão beijada, ao mundo do Capital. Patrões e capitalistas são poupados… e os salários dos trabalhadores são reduzidos, e ainda por cima, em tempo de ‘vacas magras’… A Avaliação corrente, estabelecida em Portugal (e em outros países…), para os professores dos Ensinos Básico e Secundário, foi configurada e balizada (administrativa e burocraticamente), no sentido de domesticar e controlar a classe docente e, eo ipso, a organização e a orientação das escolas do Sistema dito Educativo. Os Poderes Estabelecidos, na Cultura/Civilização do Ocidente, estão, ainda, muito longe de abdicarem destas pretensões… como se as Escolas e o Sistema Educativo fossem propriedade do Estado e não da Sociedade Civil. A famigerada ‘Autonomia das Escolas’, que, em Portugal (e noutros países do Ocidente), tem sido posta em marcha (desde os anos ’70 do séc. XX), a conta-gotas e sempre sob condições (i.e., de cima para baixo), não tem passado de uma farsa, um ‘scarecrow’, para dar resposta à insatisfação dos professores, no atinente à sua reconhecida condição de menoridade (cívica e profissional). Nas Teses sobre Feuerbach (1845/46), de Karl Marx, há nas 11 Teses, duas em que é obrigatório determo-nos: a 11ª e a 3ª. Naquela, deixou o Filósofo revolucionário escrito: “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de modos diferentes; o que importa, porém, é transformá-lo”. Por que acontece esta triste realidade? Porque as Sociedades estão concebidas e organizadas, 11


segundo o catecismo do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo, e são reguladas pela cartilha da Cultura do Poder-Comdomínio. Em tal horizonte, há uma muralha a dividir e separar os dois campos: a Teoria e a Prática. Em tom sarcástico q.b., Bernard Shaw costumava repetir, acertadamente, o slogan: ‘Quem sabe faz; quem não sabe ensina’!... Na 3ª Tese, Marx deixou esta bússola monumental, para todas as revoluções: “A doutrina materialista, segundo a qual os homens são produto das circunstâncias e da educação, esquece que são precisamente os homens que modificam as circunstâncias e que o educador necessita, por sua vez, de ser educado É por isso que ela tende a dividir a sociedade em duas classes, uma das quais está acima da sociedade. “A coincidência entre a modificação das circunstâncias e a actividade humana, ou modificação dos próprios homens, só pode ser concebida se for compreendida como prática revolucionária” (os itálicos são nossos, à excepção do último). Pressupostos, ou postulados, que é preciso ter em conta, na leitura crítica desta Tese: 1º: Por definição e principiologia marxiana, K.M. posicionase contra a Sociedade tradicional, dividida em duas classes (antagónicas), onde uma classe (a do Poder e dos mandantes, bem como dos docentes, seus lacaios…) se constituiu, inexoravelmente, acima da outra (os executores de ordens, os que estão ao serviço dos poderosos e dos patrões). Ipso facto, K.M. operou, aqui, a denúncia tácita do que o CEHC designa por Cultura do PoderDominação d’abord. 2º: O que vem a ser a praxis revolucionária? É o próprio Autor que a define: a modificação/conversão dos próprios humanos, que se pode comprovar nessa tão desejada coincidência entre a modificação das circunstâncias e a actividade humana. 3º: O molde original/originante é o do Sujeito//Objecto (Interioridade//Exterioridade). Não há, aí, o ‘tertium datur’ de qualquer Poder constituído ou a constituir, e não há, aí, qualquer Divindade idolátrica destilada pela cartilha do Objectivo-Objectualismo. O homem novo, a Sociedade nova, verdadeiramente alternativa, não pode proceder de cima para baixo (de um qualquer ‘novo Poder’ constituído!...), mas, outrossim, de dentro para fora, da Interioridade (das Consciências) para a Exterioridade (do Mundo material). Eis por que as Avaliações (heterónomas!...) dos docentes, ditadas e impostas pe-los Poderes Estabelecidos não passam de embustes e processos de castração para impedir e evitar o advento de uma vera Sociedade Alternativa. Neste contexto, as populações e a Sociedade civil, em geral, não podem esperar, das Escolas do Sistema público de Educação e Ensino,

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orientações sérias e críticas para um Mundo Alternativo. Sociedade e Mundo estão em curto-circuito… O bloqueio é total!... K.M. já conhecia muito bem esta Lição. Sabia que professores e educadores precisavam de se converter e transformar revolucionariamente; e sabia, igualmente, que um tal processus tinha de proceder do seu Interior, da sua Consciência crítica autónoma. Daí, a importância decisiva da Autonomia das Escolas e do Sistema Educativo, para a emancipação/adultização de toda uma Sociedade civil, vis-à-vis do Estado.

Sistemas Educativos (nacionais)

N.B.: A nossa referência, primacial e primordial, vai, necessariamente, para o chamado Modelo de Transição, que é constituído (como se verá) por uma Arquitectura híbrida e compósita.

● As três plataformas (imbricadas…) dos Sistemas Educativos nacionais, na sua evolução histórica, ao longo da Modernidade Ocidental, até ao seu desaguar na Foz/Início de uma nova Idade, ─ a que o CEHC deu o nome de Pós-Modernidade positiva e crítica: A) S.E. polarizado nas aprendizagens e ensino das profissões necessárias e correntes na Sociedade em que se vive… Estes foram o horizonte e a tendência evolutiva, que mais têm prevalecido, nos últimos três séculos da Modernidade ocidental amadurecida, … até ao ponto (comprovativo dos desvios fáceis…) de se haver constituído a Teoria das duas vias civilizacionais: a das ‘Humanidades’ e a das ‘Tecnologias’. (A obra do poeta e crítico literário Matthew Arnold (1822-1888) pode muito bem ser considerada o emblema icónico desta problemática, que já se fazia sentir no séc. XIX. Vd., a propósito, o seu livro ‘Cultura e Anarquia’, edit. pela Pergaminho, Lisboa, 1994). B) S.E ainda centrado no Ensino/Aprendizagem das profissões necessárias à Sociedade, mas dando guarida (na esfera da Educatio, em 13


contraste com a Instructio) à presença (mais ou menos forte…) das Ideologias Religiosas, privilegiando a religião institucionalizada censitariamente mais volumosa à escala de cada Nação. (Este foi o esquema que principiou a fazer caminho, depois da 2ª Guerra Mundial, no horizonte da lei da separação entre Estado e Igrejas, que, no país pioneiro que foi a França, teve lugar em 1905.). C) S.E. polarizado no Ensino/Aprendizagem do Humanismo Crítico, cons-tituído formalmente (no CEHC) para promover e assegurar as práticas da gramática (esquecida e postergada) do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, dotado de Consciência reflexiva e crítica: ele mesmo criador (não apenas súbdito…) da Sociedade (nacional) em que vive. Balizado e orientado pelo Laicismo laico (passe a redundância aparente), este horizonte do Humanismo Crítico dispensa e despede (na dimensão educativa) toda a representação das religiões institucionalizadas, no Quadro do S.E. nacional. ‘Non multiplicanda entia sine necessitate’, ─ como já ensinava a Escolástica medieval. Antes e acima de tudo, é preciso e urgente quebrar as algemas e os cadeados, re-sultantes da cartilha comum do Economicismo, e que desnaturam, ab initio, qualquer S.E. nacional, que se preze. Quando, v.g., o governo português decidiu, em 2012, que os alunos que reprovem duas vezes, nos anos do 3º ciclo do E.B, devem seguir para cursos práticos de profissionalização (rápida…), o dito governo está a ceder à tentação do Economicismo, porque ─ argumenta ─ não há dinheiro para pagar os apoios pedagógicos que havia antes… Para o governo, a Educação/Instrução não é um Investimento, mas uma Despesa no Orçamento. O resultado destas medidas de restrição já se sabe qual é: o aumento do insucesso e do abandono escolares a toda a velocidade. Não se pode esquecer, entretanto, que nas Sociedades balizadas e estigmatizadas pelo Capitalismo, a Regra (oficial) dos S.E. é sempre a mesma: a preparação e a formação de profissionais, para exercerem os seus ofícios nas Empresas ou nas Instituições societárias. Massa crítica que o seja de verdade, não lhe interessa!... Quanto mais maleáveis, dóceis e obedientes, tanto melhor!... Depois, é preciso saber que, na dinâmica própria da Economia política, um programa de austeridade pura significa estagnação e recessão; a austeridade, para cumprir a sua função, tem de estar associada a um programa mínimo de crescimento/investimento. O actual governo de Passos Coelho, como está agindo de modo cego e fanático, procedeu a maquias/esbulhos graves, desde logo nas pensões dos reformados e nos dois subsídios (de férias e de Natal), (contra o estabelecido na própria Constituição da República e o acórdão do Tribunal Constitucional que decidiu conforme à Lei); (anote-se, aqui, que o Governo de direita de Rajoy, em Espanha, não tocou nas pensões dos reformados). Agindo sempre com o mesmo critério (todo o investimento 14


púbico é despesa…), o governo de Passos Coelho, no encalço das malfeitorias executadas no Sistema Educativo nacional, procedeu, igualmente, a maquias orçamentais no Sistema de Justiça e Direito (afastando cada vez mais os cidadãos dos seus Tribunais de Comarca), e está em vias de desmantelar (completamente…) o Sistema nacional de Saúde. Na esteira da Lição de Marx, para calibrar e vertebrar, a sério, uma Sociedade, precisamos, simultaneamente, de cidadãos e trabalhadores conscientes e críticos, de cidadãos e trabalhadores com direitos e os correspondentes deveres. Não há liberdade in abstracto; o que há, em concreto, é a Liberdade Responsável, ─ como aprendeu e ensina o CEHC. Ora, como é sabido, nos Sistemas Educativos nacionais correntes, a preparação e a formação substantiva dos cidadãos para o exercício de uma cidadania activa e crítica, capaz de uma participação activa e crítica, ─ isso não conta. Inversamente: só por efeitos de excepção à regra se poderia conceber que a Administração de uma Sociedade, regida pela Cultura do PoderCondomínio, pudesse preparar e formar cidadãos para demandar e constituir uma vera Sociedade Alternativa!... Chega de misturar e confundir tudo e mais umas botas, in rebus humanis. Discernir a verdade e a justiça, nas asserções patéticas feitas à puridade, é o 1º dever de uma Consciência crítica e moral. Atente-se nas duas posições antagónicas seguintes: é preciso saber discernir a verdade e a mentira em frases como a de Karl von Clausewitz: a guerra é a economia política a expandir-se por outros meios!... Como não saímos, ainda, do Sistema capitalista, ‘esta crise não é senão a punição do trabalhador’. (Valter Hugo Mãe, in ‘Expresso’/Ec., 1.9.2012, p.16). Uma vez que a Sociedade se acha, toda ela, pensada por e para economistas (fiéis ao sistema capitalista… que não discutem), qualquer cidadão leigo em matérias de economia, dinheiro e finanças, cai nas armadilhas correntes como tordos. De resto, ‘a guerra já é isto mesmo, é económica’; ‘não há muito amor possível na crise’ (idem, ibi, pp.1617).

Em busca do realismo crítico

Em resumo: é preciso regressar a J.M. Keynes e aos parâmetros políticos e só-cio-económicos, que o guru estabeleceu como pilares seguros do período histórico, que veio a ser nomeado sob o epíteto de ‘os trinta gloriosos’ (1945-75). Aí, os Sistemas Educativos até funcionaram de modo 15


substantivo, e a dimensão pública da Educação e do Ensino, bem como a igualdade de acesso à escolaridade, por parte de todos (fossem filhos da média ou alta burguesia ou filhos da classe operária) eram positivamente promovidas e incrementadas. Na década de ’60, graças a uma certa ‘vis critica’ generalizada, até foi possível, por todo o Ocidente, a emergência da chamada revolução dos jovens estudantes e de uma boa parte dos trabalhadores que fez ‘espírito de corpo’ com eles, rumo a um Projecto de Sociedade Alternativa. Nesse mesmo contexto (crítico-cultural), o chamado ‘Clube de Roma’ (em 1968) teve a audácia de denunciar, expressamente, a tese tradicional de que o crescimento ex-ponencial ad infinitum não respeitava os equilíbrios ecológicos e não preservava, adequadamente, a Madre-Natura; por isso, ele chegou a propor um ‘crescimento zero’, que não só tivesse em conta metas equilibradas ecologicamente, mas se preocupasse, igualmente, com a preservação das reservas do Planeta, para as gerações futuras. Foi o período em que se configurou, clara e objectivamente, a nova noção de Desenvolvimento, centrada nos Indivíduos-Pessoas e nos Povos em demanda de Autonomia e Soberania nacional. A Enc. ‘Populorum Progressio’ de Paulo VI (1965) constituiu um momento alto na celebração dessa viragem sócio-histórico e cultural: Aí se estabelecia e defendia o direito dos povos a um Desenvolvimento livre e justo. O novo nome da Paz era constituído pelo Desenvolvimento dos Povos, ─ esta temática foi o seu leit-motiv. A chave dos enigmas estava encontrada: a) os recursos do Planeta são limitados; b) o crescimento ad infinitum é uma loucura, porque se torna impossível à la longue; c) o que importa, decisivamente, é o Desenvolvimento (autónomo) dos Povos e dos Indivíduos-Pessoas. O Neoliberalismo capitalista global, que (a partir de 1985) começou a ter livre curso, nas asas das Multinacionais, abriu (à rebelia daquele movimento saneador e fecundo) uma época negra e desastrosa para todas as Sociedades, na medida em que, o que a partir de então foi imposto, mundialmente, foi o Capitalismo selvagem, alimentado pelo que se chamou falsamente ‘a democracia dos mercados’ (capitalistas…). Em termos crítico-culturais, o que estava em projecto, no contexto societário de ‘os trinta gloriosos’? Uma organização da Economia política polarizada nos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, suas necessidades vitais e desejos justos. Dir-se-ia que, embrionariamente, começava a fazer caminho a Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, contra a pura e simples ‘liberdade de arbítrio’, balizada pelo catecismo do ObjectivoObjectualismo: (a idolatria, em suma, as práticas já condenadas no Sinai, por Iahwéh e o Chefe do Povo hebreu, Moisés). Meditemos, por uns instantes, nas duas problemáticas seguintes: A) À escala global, o dueto diabólico que dá pelos nomes, ‘A proliferação das 16


desigualdades e A opulência escandalosa dos ricos’ (resultado directo do período do Neoliberalismo capitalista global, que está nas origens da Crise mundial, que perdura…); B) À escala da U.E. (em particular na zona Euro), o binómio disruptor dos países centrais (e nórdicos) e mais ricos e dos países periféricos (e do Sul) e mais pobres. Ad A). Na verdade, a proliferação das desigualdades sociais (com o empobrecimento crescente das populações) e a opulência sem vergonha dos ricos (cada vez menos e cada vez mais ricos…) constituem as duas faces da mesma moeda: não há freios nem controlos neste Sistema capitalista… Ele tornou-se feroz e selvagem; já não respeita as regras mínimas da Civilização. Quando se acredita na chamada ‘democracia dos merca-dos de capitais’ (que é Ditadura…), já não há mais comentários a fazer diante da Estupidez reinante!... Se há um salário mínimo nacional, para os que caíram no desemprego de longa duração, por que não taxar os ricos e as grandes fortunas e proibir, terminantemente, os ‘off-shores’, em nome, justamente, do Bem comum nacional?!... Ad B). No seu livro recente (‘Acabem com Esta Crise Já’, Edit. Presença, Lisboa, 2012), Paul Krugman (um keynesiano convicto) afirma e defende uma tese, que é o seu leit-motiv ao longo do livro: o volumoso e generalizado desemprego, bem como a recessão da Economia, a que assistimos hoje, tem a sua origem no estancamento da procura. Assevera P.K. (ibi, p.37): “Não estamos a gastar o suficiente”; por outras palavras, “estamos a sofrer de uma severa e generalizada falta de procura”. Explica a tese como segue: “uma economia ferida pela falta de procura” só pode conduzir ao ‘empobrecimento generalizado’. À semelhança do que ocorreu em outras situações análogas ─ diz P.K. ─ ‘outro surto de investimento público’ resolveria radicalmente os problemas… E conclui (ibi, p.52): ‘Acabar com esta depressão deveria ser, poderia ser incrivelmente fácil’. Segundo a gramática de Keynes (que produziu bons resultados, no termo da IIª G. M., dando início aos ‘trinta gloriosos’), P.K. aposta nas funções coordenadoras e estimulantes (com marca estratégica) de um Estado autónomo e independente dos grupos privados e das ‘corporations’. Nisto, quanto a nós, ele vai no caminho certo. Está, igualmente, no caminho certo, ao denunciar a falta de articulação e de objectivos precisos, nas Instituições europeias da zona Euro. O que ele postula é que é preciso dar resposta adequada a esta situação desconcertante e disruptiva: os países mais ricos e cen-trais são superavitários (credores arrogantes), e os países mais pobres e periféricos são deficitárias (sacrificados e pagantes). É, pois, urgente a revisão profunda das Instituições europeias, que se encontram num estado de autarcia e desarticulação, comandadas, apenas, pelas vagas (mais ou menos alterosas) do Capitalismo selvagem.

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Como se vai moderar e refrear o Capitalismo (ao sabor da ‘ditadura dos mercados de capitais’)? Só mediante o reforço das funções estratégicas dos Estados autóno-mos e independentes, no quadro do Regime democrático. Este projecto não será posto em prática, mediante o modelo da Federação de Estados da zona Euro (como, apressadamente, foi adiantado por José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia). É que esse modelo, em vez de servir a estratégia dos Estados autónomos e soberanos, só dá serventia ao imperialismo do Capitalismo selvagem. A solução vera e adequada, para a zona Euro, tem de passar, por conseguinte, pela fórmula clássica da Confederação de Estados (como o CEHC já tem defendido em outras ocasiões). De resto, os países mais pobres e periféricos não poderão aproximar o seu nível de vida dos países centrais e mais ricos, dentro do irredento Sistema capitalista!... Mas são ainda mais profundos e de escondidos efeitos perversos os problemas estruturais da Economia política, no mundo hodierno. P.K. e os melhores economistas, por regra, nunca se dão conta de que a Crise actual, de longa duração (já vem desde 2007…), que desembocou numa enorme massa de desempregados, de que não há memória, e na mais completa estagnaflação, que tudo parou e empobreceu, tem as suas ori-gens no Neoliberalismo capitalista global, encadeado com o tsunami das novas T.I.C.’s, que foram rapidamente atiradas para os mercados para acumular lucros, e não, propriamente, preparadas de modo adequado, para as diferentes espécies de instrumen-tos de trabalho. Perante esta ruptura colossal nos movimentos económicos e sua historicidade, é imperioso lembrar que a nova Era que se abriu terá de respeitar dois parâmetros fundamentalíssimos: 1. Cada Nação/Estado tem de contar, primeiro, com as suas próprias for-ças vivas e recursos disponíveis; 2. face à corrente pandemia dos organismos genéticamente modificados (OGM), que, no horizonte do Sistema capitalista, estão a corromper e a desnaturar (sem retorno) a própria Mãe-Natureza, impõe-se, absolutamente, o regresso firme à Natureza, e ipso facto, a edificação de Estados democraticamente soberanos, com estratégias adequadas, com vista ao desempenho de missões/funções especí-ficas, em defesa da Humanitas e de Sociedades humanas dignas do nome. A este Projecto, dá o CEHC o nome de Socialismo vero e autêntico.

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É preciso balizar e orientar, correcta e adequadamente, o Sistema Educativo nacional.

● Três teoremas de enquadramento estrutural: A) Sistema Educativo e Sistema Económico, como já se deu conta, configuram-se, ambos, no hemisfério das ciências psico-sociais e/ou humanas. (Tomar consciência crítica deste dado epistemológico equivale a não sucumbir à religião corrente do Objectivo-Objectualismo). B) O próprio Sistema Económico (adoptado na Sociedade em causa) deve ser balizado e orientado por uma vera e autêntica Cultura substantiva. (Não é a segunda que deve derivar do primeiro, mas o primeiro que deve proceder da segunda). C) Os Sistemas Educativos(nacionais), ancorados em Culturas substantivas, não podem ser, apenas, tratados como Despesa no O.G.E., mas, outrossim, como vero e autêntico Investimento. Em consequência disso, a gramática a que eles devem obedecer é constituída por dois parâmetros essenciais: a) a vinculação efectiva e activa ao Território nacional e seu adequado ordenamento, onde terão de entrar as diferenciações procedentes da regionalização do País; b) o ordenamento geo-demográfico das Escolas do S.E. deverá assumir, desde logo e ab initio, os princípios da real Autonomia dos Estabelecimentos de Educação e Ensino. Só a partir desses princípios se poderá construir: pessoas/cidadãos livres e responsáveis; uma vera e autónoma Sociedade Civil; um Regime político democrático, emancipado e adulto. Já desde meados do séc XIX (no Ocidente: quando as revoluções sociais neces-sárias começaram a resultar, todas elas, frustradas… sempre bloqueadas por um Capitalismo irredento e empedernido e pela religião do Objectivo-Objectualismo), os críticos sociais e os psico-pedagogos mais atentos afinavam o Diapasão, evocando/invocando, sistemicamente, o termo/slogan: ‘Educação ou Barbárie?’ (Vd. o livro homónimo de Guilherme d’Oliveira Martins, Gradiva, Lisboa, 1998). Todos eles sabiam que o mito do 19


‘Bom Selvagem’ à J.J. Rousseau não passava de uma pia ilusão e de uma ficção demagógica. De tal maneira o Processo civilizatório, uma vez terminada a PréHistória, entrou pelas veredas comandadas pela Cultura da PotestasDominação d’abord, que as boas e as más actuações sociais se misturaram e confundiram numa maranha tal, que a crença nos Humanos naturalmente bons se dissipou, como a neblina da manhã ao calor do Sol!... A Bondade ou a Maldade têm de ser assumidas e construídas na Cultura (em contraponto com a Natura), segundo a gramática específica do ‘Homo Sapiens//Sapiens’; e aí, nada de bom poderá acontecer sem o discernimento crítico (entre o bem e o mal…), promovido e assumido pela inteligência/consciência de cada IndivíduoPessoa.). Com efeito, Viver é uma Arte e Viver Humanamente é Sabedoria! Estava certo Immanuel Kant, ao proclamar que o homem só consegue ser homem mediante a educação. A Barbárie de hoje é extremamente complexa e monstruosa… uma vez que as Sociedades e a Civilização, em vez de resolverem devidamente os problemas emergentes, se limitaram a acumulá-los e a adiá-los para as calendas gregas. Assim, a Barbárie hodierna não é só a ignorância e o facilitismo, a tirania da indiferença e um utilitarismo vil, a intolerância e a teimosia e o dogmatismo de quem manda ou governa. Ela é, igualmente, todo esse conjunto de Instituições societárias, que não são habitualmente contestadas e criticadas, como o Sistema capitalista vigente e o imperialis-mo/uniformismo universal, que ele destila, bem como as próprias Religiões institucionalizadas, que estão inibindo e atrasando a emancipação/libertação das pessoas e dos povos. Está certa a orientação da G.O.M., na introdução ao livro acima referido (p.5): “Ensinemos, pois, as crianças sobre o que é o mundo, despertemos as suas consciências, em lugar de lhes darmos uma chave sobre a arte de viver. Conhecer, compreender, aprender o respeito mútuo e a responsabilidade, cultivar o método, a experiência, o rigor científico, o espírito crítico e a capacidade de trabalho ─ eis as tarefas da escola e de uma educação para todos e em toda a vida. Assim se desenvolve uma educação activa, pela qual se pratica a disciplina da liberdade, na expressão de Fernando Savatar”. É, de facto, também, a vera Cultura da Europa que está em jogo. ‘La conquête suprême de l’Europe s’appelle la dignité de l’homme, et sa vraie force est dans la liberté’ (Denis de Rougemont, in ‘L’Europe en jeu’, 1948). É preciso corrigir e completar o axioma de D.R.: Do que se trata é da Liberdade Responsável, a vera origem da dignidade humana. Se tomarmos como novo paradigma (cultural e educativo) a Liberdade Responsável, abriremos o caminho para a necessária superação das duas lógicas tradicionais (contraditórias…) nas sociedades modernas: a igualitária e a elitista. 20


Thomas Morus (na sua ‘Utopia’) tem um parergo, que é preciso lembrar e não esquecer: “Não é pela controvérsia travada com as armas nas mãos, mas sim pela suavidade e pela razão, que a verdade se liberta por si própria, luminosa e triunfante, da treva do erro”. Só neste horizonte é possível construir um projecto de Educação que tenha causas dignas do nome e seja capaz de se dirigir aos Indivíduos-Pessoas, como seus legítimos destinatários. O que, em 1º lugar, está em causa é a edificação da Hu-manitas, enquanto ambiente e enquanto programa. Estava, igualmente, certo I. Kant (in ‘Para a Paz Perpétua’), ao estabelecer a axiomática: “O estado de paz deve ser instituído, porque abster-se de hostilidades não é ainda assegurar a paz e, salvo se esta for garantida entre vizinhos (o que só pode produzir-se num estado legal) cada um pode tratar como inimigo aquele que exortou no sentido da paz”. ─ A Cultura substantiva procede do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. O ‘Homo Sapiens tout court’ é incapaz de dar à luz uma tal creatura. Ser professor tornou-se, hodiernamente, uma profissão de risco, devido à socie-dade violenta e selvagem, que nos envolve; e tornou-se um ofício em vias de extinção… porque os agenciamentos tecnológicos institucionais, ao serviço da preparação e for-mação profissionais, criaram toda uma situação societária, onde os professores, qua tais, são perfeitamente dispensáveis!... Entre os ‘cães de guarda’ do Establishment e os ‘botas de elástico’ passadistas, a Sociedade uniformista, não faculta qualquer ‘tertium datur’. (Cf. Luiza Cortesão: ‘Ser Professor: Um Ofício em Risco de Extinção?’ ─ Reflexões sobre práticas educativas face à diversidade, no limiar do séc. XXI, Edições Afrontamento, Porto, 2000). À medida que aumenta e é explorado o Tsunami tecnológico (desencadeado na fase do neoliberalismo capitalista global, precisamente sob o signo das chamadas ‘tecnologias desadequadas’…), mais proliferou e se expandiu, everywhere, a Crise financeira-económica, e mais, igualmente, entrou em declínio e extinção a função de profes-sor e mestre. O catecismo latente é sempre o mesmo, com a sua perversidade fatal: antes era o oráculo determinístico de uma qualquer divindade exterior, transcendente e metafísica… agora, é o slogan supostamente ditado pelas máquinas (pela sua hipóstase humanóide…) : ‘ a Máquina tem sempre razão’!... O quadro foi bem descrito por L. Cortesão (ibi, p.23), quando escreve: “Dado que o desenvolvimento capitalista exige competição, e estando ela já, como se acaba de referir, a sofrer também com os reflexos de uma crise que se avoluma, as orientações neoliberais preocuparam-se então em desviar as funções dos educadores do seu papel de ‘entidades messiânicas’ concebidas pelos Estados-Providência (entidades essas que partilhariam a tarefa de construção de uma sociedade mais justa) para o de entidades que deveriam ajudar os sistemas económicos a manterem-se rentáveis e competitivos. Sentindo a crise, e numa situação que Elliott descreve como sendo de ‘histeria 21


política’, professores, formadores e investigadores em educação passaram a ‘bodes expiatórios’ (Elliott, 1998). Passaram assim a ser culpabilizados por problemas sociais e econó-micos, com que os diferentes Estados-Nação se debatem. Isto porque, na Escola, os alunos não estariam a ser ensinados a tornarem-se competitivos, capazes de desempenhar tarefas com eficácia, não atingindo os ‘padrões de excelência’ necessários à produção e, portanto, ao desenvolvimento de economias competitivas”. Em resumo: o predomínio e a hegemonia absoluta da religião do Objectivo-Objectualismo (como metodologia e como epistemologia). Os mercados estigmatizados pela cartilha patética e absurda da ‘competição’ (uma realidade, afinal, sempre ilusória, no caleidoscópio societário…). As sociedades humanas convertidas em ‘Rebanhos submissos e obedientes’ à ‘Vox domini et patronis’, ─ por uma razão simples e complexa, fundamental: na sua antropogénese, a vigente e hegemónica Cultura do Poder-Condomínio não deixou a Espécie humana evoluir do estádio inferior do ‘Homo Sapiens tout court (sempre hierárquico e verticalista, tirando sempre partido da escravatura e da servidão) para o estádio superior do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. A desumanização/inanição completa dos Humanos… onde professores e educadores, com veros Programas de Humanização (cultural!) desapareceram, ou estão em vias de desaparecimento defi-nitivo. E, para aquém ou além da Estrutura de um S.E. nacional, o que torna substantivo o Sistema Educativo em causa é o seu programa de humanização e dignificação da Espécie. Um tal programa dispensaria, ipso facto, todas as religiões institucionalizadas; mais: as suas implicações levariam os Alunos e, depois, os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos a lançarem borda fora todas as balizas e enquadramentos gregários do Rebanho humanóide, que parece não se cansar de dar serventia aos Poderes Estabelecidos!... Nas pp.51-54 do seu livro, L. Cortesão procura submeter à reflexão um quadro analítico sobre o fenómeno da transmissão dos saberes e do conhecimento, de Professor para Aluno, tendo em conta três parâmetros: o ‘quê’, o ‘como’ e o ‘quando’, e duas coordenadas: o eixo metodológico de domesticação/emancipação e o eixo da aquisição de saberes, que envolve a reprodução e a produção (de conhecimento disciplinar). Como se vê, nestes dois eixos, estão representadas as duas dimensões cruzadas: a psico-pedagógica e a científico-disciplinar. A Autora procura tirar partido da conjugação perfor-mativa dos dois eixos em causa (não esquecendo as respectivas variações do tal cruzamento nos diferentes graus ou níveis de Instrução/Educação ou Ensino/Aprendizagem). Procedendo ao balanço, escreve L.C. (ibi, p.54): “Poderemos começar por cons-tatar que as situações a que foram atribuídos os números 3, 6, 9, 8 e 7 implicam a existência de processos de produção de saber (portanto de investigação), processos que estão, respectivamente, ligados, uns, à produção 22


de conteúdos disciplinares (3, 6, e 9) e, outros, à elaboração de conhecimentos de tipo socioantropológico e educativo (7, 8 e 9) (cf. Cortesão e Stoer, 1997, Stoer e Cortesão, 1999)”. É de advertir, contudo, que este enquadramento crítico de L. Cortesão e S. Stoer ainda enfermam, estruturalmente, dos clássico-tradicionais parti-pris (oriundos da Cul-tura do Poder-Dominação d’abord e da cartilha do Monismo Epistemológico): o que dá pelo nome de Objectividade do Conhecimento d’abord, que menospreza os 50% da Subjectividade do Sujeito humano cognoscente; e o que se pode designar pelo primado da socialidade objectivaobjectual, que, simultaneamente, produz dois efeitos desastrosos: enfraquece a decisão livre e responsável/voluntária do Indivíduo-Pessoa e presta a sua caução ao princípio societário da Autoridade/Poder. Na década de ’80 do séc XX, a O.C.D.E. publicou uma obra de balanço crítico e prospectivo sobre os problemas fundamentais dos Sistemas Educativos: ‘O Ensino na Sociedade Moderna’ (Edições ASA, 1989): a edição original tinha por título ‘Education in Modern Society’ (Paris, 1985). Eram, sem dúvida, importantes, estruturadores e decisivos os temas aí discutidos e tratados: a situação e o contexto actuais do Ensino; o meio socioeconómico do ensino; e as respostas do Ensino nos anos ’80, ou seja, antes do Vendaval que foi a emergência do Neoliberalismo capitalista global. Aí se procurava, ainda, defender e assegurar uma Cultura substantiva e Sistemas Educativos mode-radamente substantivos. Na orelha esquerda da capa, foi realçado o seguinte, como resumo do livro: “Face aos desafios da hora presente, a necessidade de ensino nas sociedades ocidentais é maior que nunca. Este relatório reafirma a necessidade de se assegurar um ensino de base da melhor qualidade possível, sublinha a importância de iniciativas inovadoras e diversas nos ensinos pósobrigatório e superior, e insiste sobre o papel primordial da educação recorrente, num meio económico social em constante mutação. Chama a atenção dos países da OCDE, que se tornarão, inexoravelmente, ‘sociedades educativas’, para uma reflexão nova e para uma determinação sem esmorecimento neste domínio”. O pé de um tal Projecto (crítico) não chegou a fazer a sua pègada, perante o fu-racão emergente do Economicismo. As ‘sociedades educativas’ que, então, se reivindicava não se viam, de modo algum, confrontadas com as ‘ditaduras dos mercados de capitais’, por exemplo. Eram concebidas e assumidas, em nome de uma Cultura substantiva, com funções próprias na direcção política da Economia. Mas, já então, os Sistemas Educativos, qua tais, se configuravam como moderadamente substantivos, i.e., queimavam incenso aos determinismos sócio-históricos e à religião do Objectivo-Objectualismo. A emancipação/libertação dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos não 23


contava, decisivamente, em 1ª e última instância. Parvulus error in principio magnus in fine!... Todavia, a submissão (alienante) da Cultura e da Educação à Economia ainda não é um facto consumado (como veio a acontecer, na fase posterior aos chamados ‘trinta glorio-sos’). Aí se escreve, na síntese final e nas conclusões da Obra (p.193): “Neste rela-tório, parte-se da ideia fundamental que o ensino deve, simultaneamente, adaptar-se à evolução da situação económica e social e desempenhar nela, plenamente, o seu papel. Mas insiste-se também, muitas vezes, na necessidade de proteger a escola das flutuações da moda e de defender a sua missão a longo prazo, apesar das necessidades a curto pra-zo. Realça-se, em particular, que se pertence às políticas educativas dar o seu contributo, quando as pressões do mercado do emprego são fortes e o desemprego elevado, isto não significa modificar os programas e reajustar a ordem de prioridades, para satisfazer os únicos critérios da adaptação às exigências imediatas do emprego”.

2 A Educação como coluna dorsal de uma Cultura substantiva e fonte e âncora da centralidade a atribuir aos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos numa Sociedade democrática digna do nome.

Havia e há, na Cultura do Ocidente da 2ª metade do séc. XX, uma boa e forte tradição sobre a Educação substantiva, a Escola e os Sistemas Educativos, antes da emergência do furacão diabólico, que foi o Neoliberalismo capitalista global das últimas três décadas. Em 1971, René Maheu (então director-geral da UNESCO) solicitou a Edgar Faure ‘sugestões quanto aos meios intelectuais, humanos e financeiros a accionar, para atingir os objectivos que se tinha fixado’. A Comissão Faure deu à estampa, em 1972, o famoso Relatório intitulado ‘Aprender a Ser’. Surgiu, nessa altura, o conceito positivo e fecundo de educação permanente, enquanto categoria a institucionalizar. Como em tudo, há logo os que lobrigam nestas emergências o lado positivo e bom e os que espreitam o lado menos bom, negativo e perverso…

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Em 1991, a Conferência Geral da UNESCO (sob a batuta de Federico Mayor) pediu a Jacques Delors que presidisse a uma Comissão de 14 personalidades (vindas de todas as grandes regiões do Mundo, e com diferentes horizontes culturais e profissionais), convocadas para reflectir, de modo estrutural/estruturante, sobre os problemas da Educação e da Instrução. E o que surgiu dessas reflexões e trabalhos foi a obra marcante, que dá pelo título em português ‘EDUCAÇÃO/ Um tesouro a descobrir’ (Edições ASA, 1996), e que ostenta o subtítulo explicativo: ‘Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o séc. XXI’. Na Nota de Introdução à edição portuguesa, Roberto Carneiro fez questão em afirmar e defender que, no meio de tanta indeterminação e sintomas de crise, ‘a Educação pode fazer a diferença’ (p.10): “Se é nos processos educativos que reside a resposta estratégica de longo alcance e a alavanca da história comum, acaba por ser natural que o corpus central do livro se fixe nas pessoas: alunos, crianças e jovens, adultos, idosos, famílias, comunidades, professores, investigadores, políticos, administradores, responsáveis locais. Tudo o resto ─ tecnologia, economia, instituições locais, nacionais e internacionais, modelos societais, memória ─, sendo obviamente importante, cede o passo ao humano concreto e à real cerzidura que faz os dramas de vida quotidianos” (idem, ibidem). No estruturador e bem cuidado Prefácio de Jacques Delors (pp.11-30), são pas-sados em revista os temas mais importantes e decisivos: A Educação é mesmo a Utopia necessária. No quadro prospectivo, J.D. não se esqueceu (contra os fenómenos correntes do aumento do desemprego e da exclusão social, mesmo nos países ricos) de estabelecer a bússola de orientação: “Torna-se insustentável considerar o ‘crescimento económico a todo o custo’, como a verdadeira via de conciliação entre progresso material e equidade, respeito pela condição humana e pelo capital natural que temos obrigação de transmitir, em bom estado, às gerações vindouras” (pp.12-13). Teve, ainda, o cuidado de realçar a necessidade de ultrapassar as tensões: entre o global e o local, entre o universal e o singular, entre a tradição e a modernidade, entre as soluções a curto e a longo prazo, entre a competição e a igualdade de oportunidades; e não se pode pôr de parte a tensão permanente entre o espiritual e a material (ibi, pp.14-15). Acima de tudo, como gramática para pensar e construir o nosso destino comum, foi valorizada e enaltecida a dimensão ética e cultural da Educação, pensando, sim, nas profissões e na empregabilidade, mas sem nunca descurar os valores fundamentais da pessoa humana e da cidadania, no que se pode chamar ‘uma sociedade educativa’ (pp.15-18). É preciso colocar a Educação permanente (no bom sentido), a educação durante toda a vida no coração da Sociedade; e, na sequência deste processus, repensar as novas articulações entre a educação básica, o ensino 25


secundário e o ensino superior. Convém entrosar a chamada ‘escola clássica’ e a ‘escola paralela’, por forma a cumprir as 3 dimensões essenciais da Educação: ética e cultural, científica e tecnológica, económica e social (pp.1824). J.D. não se esqueceu de nos precaver contra os perigos da massificação do ensino, que anda de mãos dadas com o elitismo excessivo (pp.23-28). Os antídotos já é sabido quais são: descentralização dos Sistemas Educativos e aposta na vera e autêntica Autonomia das Escolas. Dividido em três Partes (Horizontes, Princípios e Orientações), é, sobremaneira, na 2ª parte (o seu ancoradouro!), que se define e caracteriza o Projecto crítico do Relatório: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos e aprender a viver com os outros; aprender a ser. Como se poderá dar conta, reafirmou-se, substancialmente, o horizonte crítico do anterior Relatório (encomendado pela UNESCO) e da Comissão de Edgar Faure. Alguns temas e teses do Relatório de 1996, que merecem ser sublinhados e realçados, mormente (na maior parte dos casos pela negativa…) em função da nossa Contemporaneidade: ─ Desde logo, os 4 pilares que balizam a formação dos IndivíduosPessoas/Cidadãos, durante toda a sua vida: aprender a conhecer, para compreender o mundo; aprender a fazer, para agir sobre o meio panenvolvente; aprender a viver em comum, participando e interagindo com os outros; aprender a ser, ─ o que faculta a base e integra os três pilares precedentes. (Cf. ibi, pp.77 e ss.). Compreender o mundo é, antes de tudo, compreender o outro (p.41…), ─ o que implica a prática primacial da solidariedade, em prejuízo da competição individualista/selvagem. Por isso, há um Sistema Educativo, com funções e desígnios próprios e específicos. Neste quadro, deverá advertir-se que a coesão social só se edifica e promove, verdadeiramente, através da cívica participação democrática (p.45…). Quando se fala de ‘escola de massas’, deverá saber-se que o que está implicado, modernamente, no conceito, é a luta contra toda a sorte de exclusões sociais, a começar pela uniformização/homogeneização, que é sinónimo de exclusão societária. O direito à diferença deve ser afirmado ao mesmo tempo que a abertura ao universal, ou seja, uma educação para o pluralismo (p.50…). A inclusão societária de todos deve constituir a Regra d’ouro a seguir. ─ É preciso saber conciliar liberdade e autoridade (p.55), sobremaneira na cha-mada nova ‘Sociedade da informação’, que lança desafios sérios às chamadas ‘Sociedades educativas’ (pp.57 e ss.). Quando o horizonte é, exactamente, o da defesa e salvaguarda do regime democrático, deve saberse, sem equívocos, que o crescimento eco-nómico e o desenvolvimento humano têm de resolver a contradição societária estrutural, a favor do primado reconhecido ao segundo (cf. pp.70-71…). Eis por que constitui um imperativo categórico a Educação (substantiva) para o Desenvolvimento humano (e dos 26


povos, enquanto tais). (Cf. pp.72-73…). É justamente nesta perspectiva que tem de ser resolvido o próprio problema das ambiguidades, que, sem dúvida, persiste na noção de ‘educação permanente’, quando esta é urgida ao serviço acrítico do Sistema capitalista. Esta problemática será, em boa parte, resolvida, se for atribuída igual importância aos quatro pilares da Educação, acima referidos (pp.78 e ss.). ─ O ‘sistema dual’ na Alemanha, com permuta e alternância entre a formação na escola e a formação na empresa, tem dado resultados práticos positivos. “No plano institucional, o sistema dual apoia-se num organismo de coordenação, o Instituto Federal de Formação Profissional, que define as formações em colaboração com as organizações patronais e sindicais. O sistema está concebido de maneira evolutiva, de modo a adaptar-se às necessidades de mudança da economia” (cf. ibi, p.98). ─ Quando se fala de flexibilidade e adaptação dos Sistemas Educativos, deve saber-se do que se fala. Nem se deve nivelar por baixo, uniformizando os cursos, nem seleccionar de modo a multiplicar o insucesso escolar e os riscos de exclusão. As duas vertentes da Educação (a formal e a informal) são, ambas, necessárias para o efeito de-sejado (pp.103 e ss.). O que, em situação alguma, se deve fazer, é submeter, incondicio-nalmente, um S.E. às variações aleatórias de um economicismo hegemónico. O objectivo prioritário de um S.E. público/nacional deve ser o de reduzir, sistemicamente, a vul-nerabilidade social das crianças e jovens, procedentes de meios desfavorecidos e margi-nais, por forma a romper o círculo vicioso da pobreza e da exclusão social: aí, deverá funcionar o princípio da discriminação positiva. Há que ter cuidado em não criar guetos educativos e, portanto, qualquer forma de segregação, em relação aos alunos que seguem uma escolaridade tradicional. Pode pensar-se na organização de sistemas de apoio em todos os estabelecimentos de ensino: criar cursos de aprendizagem mais suaves e flexíveis, para os alunos que estiverem menos adaptados ao sistema escolar, mas que se revelem dotados para outro tipo de actividades. O que supõe, em particular, ritmos de aprendizagem individuais e turmas reduzidas. As possibilidades de alternância entre escola e empresa permitem, por outro lado, uma melhor inserção no mundo do trabalho. O conjunto destas medidas devia, se não suprimir, pelo menos limitar significativamente o abandono da escola e as saídas do sistema escolar sem qualificações” (cf. ibi, p.125). Nas sociedades desiguais, que o Capitalismo desencadeia e alimenta, o Insucesso escolar dos alunos (em virtude da sua inescapável radicação na sua condição social de classe…) constitui, sem dúvida, o mai-or problema societário a resolver, por parte de um S.E. digno do nome. ─ A Educação durante toda a vida (integrada num S.E.) postula, por simples exigência de honestidade semântica, uma vera Escola de massas, 27


flexível e diversificada, por forma a banir toda a sorte de Insucesso escolar ( cf. ibi, pp.125-129). As chamadas ‘escolas intensivas’ (accelerated schools) para o Básico e o Secundário, nos USA, bem como as turmas de currículos alternativos, têm dado bons resultados. Acompanham o processo as novas formas de certificação para reconhecer as competências adquiridas (pp.126127). ─ Não se esqueceram os Autores do Relatório em causa de nomear as quatro funções essenciais, que devem caber às instituições universitárias (p.129): “ 1. Preparar para a investigação e o ensino. 2. Dar forma altamente especializada e adaptada às necessidades da vida económica e social. 3. Estar aberta a todos para responder aos múltiplos aspectos da chamada educação permanente, em sentido lato. 4. Cooperar no plano internacional”. ─ Sobre a problemática (complexa…) envolta no trinómio: relação pedagógica, autoridade do professor e responsabilidade do aluno, deve saberse, antes de tudo, que o paradoxo da Relação Pedagógica consiste no facto de esta se basear no Saber do Professor, e não na sua Autoridade formal e Poder: trata-se, afinal, do ancestral postu-lado helénico de a virtude ser ensinável indirectamente, e, bem assim, do princípio gnóseo-ontológico do ‘bonum diffusivum sui’, e da pressuposta identidade do ens, unum, verum, bonum et pulchrum. Ainda que, num quadro marcado por algumas cedências (ao Objectualismo historicista…), os Autores procuram aproximar-se, sensatamente, desse paradoxo real: “A relação pedagógica visa o pleno desenvolvimento da personalidade do aluno no respeito pela sua autonomia e, deste ponto de vista, a autoridade de que os professores estão revestidos tem sempre um carácter paradoxal, uma vez que não se baseia numa afirmação de poder, mas no livre reconhecimento da legitimidade do saber. Esta noção de autoridade poderá vir a evoluir mas, para já, permanece essencial, pois é dela que derivam as respostas às questões que o aluno coloca sobre o mundo e é ela que condiciona o sucesso do processo pedagógico. Além disso, a necessidade de o ensino contribuir para a formação da capacidade de discernimento e do sentido das responsabilidades individuais impõe-se cada vez mais nas sociedades modernas, se se pretende que os alunos sejam, mais tarde, capazes de prever e adaptar-se às mudanças, continuando a aprender durante toda a vida. O trabalho e o diálogo com o professor ajudam a desenvolver o sentido crítico do aluno” (ibi, p.135). ─ Quando se fala de um S.E. nacional, estamos a pressupor, na sua base, a necessidade estrutural de escolas e famílias (pais e/ou encarregados de educação) se encontrarem associadas e organizadas de modo adequado, para a prossecução de objectivos comuns: desde logo, assegurar a assiduidade escolar dos alunos (p.141); a elaboração dos programas escolares 28


não poderá dispensar a participação activa dos professores em exercício (p.142). Só por essa via será possível assegurar os efeitos posi-tivos da ‘sociedade educativa’ e da educação ao longo de toda a vida, discernindo e preservando o positivo, em contraste com o perverso (p.143). ─ No concernente às opções político-educativas, em torno de um bom e ade-quado S.E., deverá saber-se, antes de tudo, que o S.E. não pode ser avaliado, apenas nem principalmente, do ponto de vista económico (pp.146-7); mas deverá ter em conta parâmetros de organização e promoção de uma Sociedade veramente democrática (pp. 148-9). Por isso, além da descentralização do seu funcionamento orgânico, no que tange processos e orientações, deverá promover-se uma autêntica Autonomia (pedagógica e administrativa) das Escolas. Fora deste enquadramento, será muito difícil os professores promoverem nos próprios alunos um sentimento de Liberdade Responsável e o cuida-do por uma formação integral do Ser humano. A propósito desta problemática, nunca se poderá esquecer que “o Estado deve assumir um certo número de responsabilidades para com a sociedade civil, na medida em que a educação constitui um bem de natureza colectiva, que não pode ser regulado apenas pelas leis do mercado” (ibi, p.150). ─ Que Educação para a ‘Aldeia Global’?!... Cuidado com as mistificações… Se há matérias no universo humano que requerem uma atenção especial à dimensão local, é toda a problemática da Educação e da Boa Pedagogia. Por outro lado, uma boa e adequada resposta às exigências da ‘globalização’, e de toda a conveniência que seja efectuada no quadro de uma empenhada cooperação internacional (cf. ibi, pp.169 e ss.). Não esquecer que um desenvolvimento sustentável se baliza e caracteriza por essas duas dimensões e que é justamente nos Seres humanos, qua tais, que ele se pode e deve polarizar (pp.171 e ss.): só a partir daqui se pode promover, efectivamente, o pleno emprego produtivo e eliminar, alfim, a pobreza no Mundo. Com efeito, “a tensão entre o glo-bal e o local exacerba-se porque se não tem consciência das mutações em curso. Nesta perspectiva, há que encorajar todas as iniciativas de base, desenvolver o intercâmbio e o diálogo, saber escutar os homens e as mulheres no seu dia a dia” (p.179). ─ As novas Tecnologias da Informação e da Comunicação desencadearam rupturas assinaláveis (de natureza disruptiva) no tecido tradicional e corrente das Sociedades. A fragmentação do tecido societário constitui, hoje, um facto irrecusável (pp. 193…). A massificação, o mimetismo e o individualismo foram exacerbados. Neste contexto, só uma Escola renovada e socializadora poderá facultar e promover o advento dos valores pósmateriais, tais como a formação de uma personalidade humana integral, a formação para a justiça e a justiça social, a formação para os valores da equidade e da democracia (pp.194 e ss.).

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Hannah Arendt considerava a vida social/societária constituída por três esferas relativamente autónomas: a esfera pública, a esfera de mercado e a esfera privativa. Sem atender expressamente ao facto pan-envolvente do Sistema capitalista hegemónico, ela considerava que o mercado e o sistema de trabalho são fonte de discriminação e, por sua vez, a esfera privada está estigmatizada pela exclusão, em resultado de escolhas ou não-escolhas individuais. Na verdade, a Economia do Ter e da Dominação, em vez da Economia do Ser e do Dom, pesam aí muito mais do que habitualmente é suposto!... É o próprio Roberto Carneiro (ex-ministro da Educação) que assevera, a propósito do tema (ibi, p.195): “Em sociedades cada vez mais complexas e multiculturais, o ascenso da escola como esfera púbica acentua a sua relevância insubstituível na promoção da coesão social, da mobilidade social e da aprendizagem da vida em comunidade”. ─ Em nome do ideário (cada vez mais universal) da Democracia, bem como do Desenvolvimento sustentável, (num novo enquadramento ecológico exigente), o que é preciso reivindicar e defender é essa âncora da Liberdade Responsável dos Indivíduos-Pessoas, com capacidade, não só de resistirem à fácil manipulação da opinião pública (p.209), mas também de se abrirem a sociedades progressivamente multiculturais, proscrevendo definitivamente toda a sorte de chauvinismos e etnocentrismos hegemónicos. Sem fanatismos, mas alimentando um diálogo fecundo entre os povos, a ética global, cultivada pelos novos Sistemas Educativos, terá de instruir-se com valores culturais universais (cf. pp.234 e ss.). ─ As viragens político-sociais, efectuadas com a Queda do Muro de Berlim (1989) e o Colapso da URSS (1991), que representaram uma mudança de eixo na acção do Estado e dos Poderes Estabelecidos, não foram operadas, historicamente, apenas para pôr termo à tentação totalitária dos Estados, deixando o caminho aberto e desobstruído aos projectos do Imperialismo (mundial), decorrentes da nova cartilha do Economicismo reinante. É por isso que Bronislaw Geremek ainda acusa alguma ingenuidade ao escrever (ibi, p.201): “É na sequência da verificação do fracasso dos sistemas totali-tários e autoritários que no último quartel do séc. XX se restabelece a preponderância dos direitos do indivíduo em relação aos direitos do Estado em particular. A filosofia dos direitos do homem tornou-se uma referência universalmente admitida; a ingerência directa do Estado na economia ou na vida social foi considerada suspeita e supérflua; a liberdade individual foi reconhecida como um valor e uma orientação política prioritária” ─ Mais cautela… quantas vezes somos atraiçoados pelos ‘esquemas geométricos’!... Enquanto as Sociedades (humanas?!...) continuarem a funcionar no horizonte (capitalista…) dos recursos ilimitados do Planeta, bem como da liberdade ilimitada dos indivíduos, não haverá mesmo solução para a gramática dos Humanos, qua tais. Foi nessa perspectiva crítica que Manuel Maria 30


Carrilho definiu a sua noção de ‘endividualismo’ (correlacionada, também, com a nova mundividência da ‘dívida’…): “O ‘endividualismo’ é um conceito que surge para pensar, na crise actual, o seu núcleo fundamental, que a meu ver se encontra no cruzamento do individualismo e do consumismo, tal como se desenvolveu no quadro do paradigma do ilimitado que marcou, de um modo cada vez mais forte, o século XX: o ilimitado da energia, do consumo, da dívida, etc.” (Na entrevista ao ‘JL’, 3 a 16 de Out. de 2012, p.29). Com efeito, “quando se diviniza o mercado, como o actual governo faz, não me admira que se caminhe para a extinção de todo o tipo de serviço público… Absurdo é que se invoquem dificuldades semânticas, de definição, como se a justiça ou a educação, por exemplo, não fossem conceitos igualmente controversos. Nessa linha, a discussão sobre o que é ou não é a justiça, levaria à extinção dos tribunais, e por aí adiante” (idem, ibi, p.31).

TEMAS APARENTEMENTE AVULSOS, MAS FUNDAMENTAIS E DECISIVOS, NO NOSSO ENQUADRAMENTO CRÍTICO

A Será a História um campo de batalha?!...

● Ao abrigo da gramática (holística) do Psico-Sócio-Ânthropos, é intelectual e eticamente imperioso concluir que sim. A história do Passado precisa, sempre, ser refeita pelas gerações vivas do Presente (se quisermos alimentar a Esperança no Futuro). São, efectivamente, os Sujeitos humanos vivos, enquanto tais, que procedem à historiografia e à elaboração da História sobre o Passado e, eo ipso, dos seres humanos já mortos, que passaram à categoria de Objectos do Conhecimento. Por isso mesmo, a História, que é elaborada pelos historiadores, é sempre, de algum modo, autobiográfica. Eis por que o C.E.H.C., depois da ‘Histoire des Annales’, chegou à conclusão e estabe-leceu (em termos epistémicos e metodológicos), o novo paradigma da História ao 3º grau, a qual se configura em três planos imbricados: a) físiconatural; b) social-sociológico; c) psíquico-psicológico.

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Tem-se falado, em diapasão criticista, por exemplo do ‘branqueamento’ do ‘Holocausto’ nazi, na historiografia das últimas três décadas. Mas ─ advertindo bem no conceito ─ é preciso começar a falar, criticamente, do ‘branqueamento’ da História, no concernente ao discurso corrente dos historiadores sobre ‘o verdadeiro Poder do Vaticano’ (veja-se, a propósito, o filme documentário: ‘Le vrai Pouvoir du Vatican’), relativamente às Cristandades em geral, bem como a regimes políticos como o nazismo alemão e o franquismo espanhol, no que tange a sua cumplicidade e pactuação com os mesmos. Em boa verdade, ter-se-á de asseverar, axiomaticamente: Enquanto a I.C.R. e o Vaticano não romperem o odre da Cultura do Poder-Dominação d’abord (sob cuja égide sempre têm funcionado desde a constantinização da Igreja (313) e, mais radicalmente, desde o Paulinismo (que estigmatizou o próprio Novo Testamento), não será possível fugir às práticas habituais (e tradicionais…) do chamado ‘branqueamento da História’, levado a cabo pelos Poderes Estabelecidos do Presente e seus ‘cães de guarda’. Enzo Traverso (historiador italiano) publicou, em 2011, um ensaio notável sobre a metodologia crítica da História, com o título significativo (e intenções criticistas que se aproximam da mundividência crítica do CEHC sobre a matéria: ‘A História como Campo de Batalha’. Aí se procede ao balanço crítico de duas obras, que foram marcantes e tiveram a sua justa celebridade: ‘A Era dos Extremos’ (1994) do inglês Eric Hobsbawm e ‘O Passado de Uma Ilusão’ (1995) de François Furet. Como é sabido, o fenómeno das Revoluções modernas está bem no centro dos centros da historiografia levada a cabo por estes dois autores. Contudo, em função de uma historiografia crítica (ao quadrado!), estes dois historiadores estiveram longe de ter rompido o cerco da sempiterna Cultura do Poder-Condomínio. O chamado ‘homem novo’ (que se invocava como padrão societário dos Projectos revolucionários…) não emergiu, de todo, na odisseia dos acontecimentos; e os historiadores em causa também não tiraram daí partido para aprofundar as suas análises criticistas. A triste constatação final é que não há Revolução sem Terror, e as Luzes Jacobinas e o ‘homem novo’ soviético tiveram a mesma sorte!... Com alguma penetração e percepção do caminho crítico, escreve Pedro Mexia (in ‘Expresso’/Atual, 15.9.2012, p.3): “Traverso não censura Hobsbawm e Furet, embora recorde os respectivos percursos. O contraponto entre o historiador britânico e o francês conta-nos a história do século passado, ou dos últimos séculos, nos quais todas as discussões andaram à volta da liberdade e do despotismo, e do ‘despotismo da liberdade’. O projecto dito de ‘emancipação’ é ou não uma ‘ilusão’? E como se relaciona com outros projectos, ou contraprojectos, nomeadamente os fascismos? Lembremos a grande polémica causada por ‘A Guerra Civil Europeia 1917-1945’ (1987), de Ernst Nolte, cuja tese, esquematicamente, consiste em ‘equiparar’ o 32


comunismo e os faz-cismos, ‘irmãos inimigos’, um ‘activo’ e o outro ‘reactivo’. Esta hipótese desencadeou a chamada ‘querela dos historiadores’, que agitou o espaço púbico alemão há vinte e cinco anos. Era possível fazer ‘comparações’? E ‘equivalências’? Que utilidade tinha o conceito de ‘totalitarismo’? E seria aceitável contar vítimas? Traverso, um trotskista, ao que sei, é bastante equânime, e usa a mundividência de cada historiador para o com-preender, não para o denegrir”. O questionário de P.M. é pertinente e quase completo. O historiador italiano preferiu vestir um robe doméstico, para tentar compreender os dois historiadores, mas sem explicar, estruturalmente, as raízes e as causas dos seus discursos… Os últimos três não saíram do odre da Cultura do PoderDominação d’abord. Por isso mesmo, ‘o homem novo’ não surdiu!... Na verdade, todas as Revoluções modernas acabaram por desembocar no Terror ou em formas variadas de ‘Despotismo iluminado’. Mas este enunciado, como bandeira de uma revolução, não passa de uma ‘contradictio in terminis’, um absurdo, em última análise. O vero e autêntico ‘homem novo’ tem de repudiar e mandar borda fora todas as expressões e manifestações da Cultura do Poder-Dominação d’abord. Como é um Ser humano dotado de consciência reflexiva e crítica e, por conseguinte, da linhagem antropológica específica, que sabe usar a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, ele vê e assume a Liberdade e a Autoridade/Poder como uma realidade inseparávelmente geminada e, implicadamente, rejeita como ‘non sense’ toda a sorte de Dualismos metafísico-ontológicos (segundo o figurino de Platão e de Paulo de Tarso, o fariseu inveterado, supostamente convertido à Mensagem de Jesus, mas que o atraiçoou redondamente, inaugurando um Cristianismo, necessariamente objectivo-objectualista). O ‘homem novo’, segundo o Socratismo e o Jesuanismo, e na órbita da mundividência crítica dos Gnósticos judeo-cristãos primevos, actua e orienta-se segundo as pautas e os diapasões da Interioridade ↔ Exterioridade; não, segundo as pautas hierárquicas do ‘em cima’ e do ‘em baixo’, do ‘superior’ e do ‘inferior’. Eis por que as Revoluções modernas abortaram todas… elas limitaram-se e confinaram-se à tarefa simples e banal do substituir um Poder estabelecido por outro Poder a estabelecer, mas, inexoravelmente, do mesmo sinal!... A Potestas d’abord que separa, de si, (para a submeter…), por abismos, a Liberdade Responsável dos humanos indivíduos-pessoas, singulares e concretos. Neste horizonte, não pode emergir o vero e autêntico Socialismo, visto que este só se pode configurar, no quadro de um Regime Democrático digno do nome. Numa carta a Arnold Ruge (1843), Karl Marx teve a ousadia de afirmar: “A situação desesperada da época em que vivemos enche-me de esperança”. Não é, afinal, das situações de desespero que procede a esperança 33


fecunda?... (Como ensinavam os Gnósticos primevos…). No tempo de K.M., a monotonia e os estereotipos/clichés tradicionais começavam a dissipar-se. Numa abertura crescente a um horizonte cultural crítico, Walter Benjamin, na sua oitava tese sobre o conceito de História, estabelecia (em 1939) esta asserção lapidar: “A tradição dos oprimidos ensina-nos que o ‘estado de excepção’ em que vivemos é a regra”. W.B. tinha bem presente a experiência dramática dos 12 anos de nazismo a funcionar enquanto ‘estado de excepção’, o qual, mutatis mutandis, poderia perfeitamente ser generalizado a outras situações e regimes políticos. A 8ª Tese de W.B. foi retomada e desenvolvida, com pertinência e penetração, por Giorgio Agamben (em 2003), num livro que saiu a público com o título preciso de ‘Stato di eccezione’ (editada trad. port. nas Edições 70). Aí, assevera e defende G.A. que, afinal, o Estado de excepção constitui o ‘paradigma dominante de governo’, na política das Sociedades contemporâneas. É o Despotismo iluminado, dapertutto, pela simples e elementar razão de que não saímos da Cultura do Poder-Condomínio e da sua cartilha, a religião laica do Objectivo-Objectualismo. Os regimes ditos democráticos não passam de um isco sistémico, para levar as populações ordeiras a suportar a infâmia do intolerável!... No seu livro ‘On Revolution’ (1961), Hannah Arendt estabeleceu (em convergência com estas posições críticas) a noção/bandeira de ‘guerra civil mundial’, que exprime e resume o Factum de que, afinal, todas as guerras (na sócio-história) se tornaram guerras civis. Tem razão, pois, António Guerreiro (in ‘Expresso’/Atual, cit., pp.34-35), ao afirmar: “Agamben mostra que aquilo a que continuamos a chamar democracia, corresponde à instauração de uma guerra civil permanente, por meios eminentemente econó-micos, já que a racionalidade governamental se passou a confundir inteiramente com uma racionalidade económica, eclipsando a política e introduzindo uma nova forma de violência que é cada vez mais patente”. Quem não vê, aqui, o aforisma de Clausewitz, aplicado por inteiro: ‘a guerra é a continuação da política por outros meios’?!... E a consagração, in aeternum, do Despotismo iluminado, dentro da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord?!... O que está a ocorrer em Portugal, (como em outros países da U.E., como Grécia, Irlanda, Espanha, Itália…), é a abolição da soberania popular e a dissolução do regime democrático, em função da obediência aos programas exteriores de uma Troika economicista; em suma, a instauração da ditadura, mediante o expediente do ‘Estado de excepção’. O litígio resultante do confronto do Governo de Passos Coelho com o Tribunal Constitucional mostrou à saciedade que, “nas suas práticas, o governo tende a situar-se num espaço, em que não há um fora da lei, e em que a guerra civil legal instaurada pelo

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estado de excepção, não declarado, pode abolir a distinção entre o poder legislativo, executivo e judicial” (A.G., ibi, p.35). E, precisamente, porque não saímos do Poder-Dominação d’abord (onde o cha-mado, erradamente, ‘comunismo soviético’ não passou de capitalismo monopolístico de Estado…), do que se trata, afinal, na ‘Crise’ actual, é de “uma espécie de comunismo do capital, em que o Estado e a comunidade satisfazem as necessidades dos ‘sovietes financeiros’ (como já foram chamados): bancos, seguradoras, grandes empresas. Assistimos, assim, à situação paradoxal que consiste na abolição da sociedade salarial, mas agravando as relações de dominação que ela implica, na sua definição clássica” (idem, ibi, p.36). ‘Estado de excepção’/ditadura; abolição da sociedade salarial; os trabalhadores convertidos em servidores do governo e suas políticas draconianas; o ‘comunismo do capital’ expresso numa sorte de ‘sovietes financeiros’, cujas necessidades têm de ser satisfeitas pelo Estado e por uma comunidade servilizada… o Estado transformado no Agente directo dos negócios do capital, em vez de dar resposta às necessidades e aos serviços das populações, como manda a gramática da soberania do povo. Um despautério… Uma vilania… O Top-plus do Patético!... O Neoliberalismo capitalista global e a geminada religião do Economicismo viraram as Sociedades e o Mundo de pernas para o ar. Estado/Sociedade civil/Sistema (nacional) Educativo… anda tudo configurado do avesso!... Na sua vasta e fecunda Obra, Michel Foucault ensina-nos a distinguir e a não confundir a forma-de-vida e os modos de vida. A primeira emerge e toma forma, a um só tempo, no quadro das deliberações e autonomia do indivíduo e através de um processo de assimilação, que actua como se fosse geração espontânea. Aí, só a Educação (na Família e na Escola) pode exercer uma influência positiva. Os segundos podem ser o resultado das variações anuais do O.G.E. e das determinações draconeanas dos governos em tempo de ‘crise’. Em regime democrático, a vida só se pode separar da sua forma, por iniciativa autónoma do indivíduo, eventualmente com as ajudas do processo educativo (mesmo a partir da cadeia). Ora, como a Educação e o S.E. deixaram de actuar (bem como a própria Sociedade civil), é o Estado que, em ‘regime de excepção’ e ditadura, resolve impor, draconeanamente, condições de empobrecimento aos cidadãos, ─ a alteração dos seus modos de vida, o que vai forçosamente implicar a separação da vida da sua forma. De facto, “só esta separação garante que se pode dar um empobrecimento generalizado sem que, por isso, se inventem novas formas-de-vida: algo que os aprendizes de feiticeiro da pla-nificação económica têm como missão evitar a todo o custo que aconteça” (António Guerreiro, in ‘Expresso’/Atual, 5.10.2012,p.38), ─ de contrário é o 35


abalroamento do Sistema capitalista neoliberalista. E a Ditadura prossegue, sob os disfarces diabólicos e embusteiros da ‘democracia representativa’, marchando sob o estandarte da religião do Objectivo-Objectualismo!... Assim vai o mundo…

B A religião do Economicismo e a laminação dos Sistemas Educativos (nacionais) e dos regimes democráticos A erosão e a destruição dos Sistemas Educativos nacionais… É esta a last frontier do Neoliberalismo capitalista global. A seguir virá, por implicação, a demolição final dos regimes democráticos (ainda vigentes…). O esquema estrutural da relação biunívoca custo/benefício, no quadro do Sistema capitalista contemporâneo (por sua própria índole, panenvolvente e totalitário) tem por objectivo acabar, literalmente, com a mais elementar gramática dos Seres humanos, enquanto tais, i.e., dotados de consciência reflexiva e crítica e de vontade livre e responsável. Segundo esta gramática, o Dinheiro é sempre imoral, quando ultrapassa as suas funções de ‘meio/equivalente de troca’, o balizamento próprio e adequado para que foi institucionalizado societariamente. As Funções e Objectivos de um S.E. nacional, que se preze e seja capaz de actuar segundo a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’: Ensinar e instruir Alunos e Estudantes a pensar (por sua própria cabeça!), a ser e a estar e a agir, de acordo com a sua Consciência reflexiva e crítica. Estas são as balizas e as orientações fundamentais. Promoção, em suma, da Autonomia pessoal e da capacidade de deliberação (humana e cívica). O princípio (específico) da Igualdade social dos Seres humanos não pode ser defendido dentro da Lógica hegemónica do Mercado. Quando esta pretende erigir-se num absolutum, submetendo e englobando todas as realidades do Mundo, os pobres e os carenciados e os desprotegidos têm, ipso facto, muito menos oportunidades, em confronto com os que ‘estão bem na vida’. As pautas valorativas do humano foram monetarizadas. É por isso que tem razão Pedro Mexia, ao concluir (in ‘Expresso’/Atual, 14.7.2012, p.3): “certas práticas e certos bens não deviam ter um preço, porque dar-lhes um 36


preço é instrumentalizá-los, torná-los ‘mercadorias’, e isso degrada-os, como se prova pela modificação dos nossos comportamentos”. A ‘desregulação’ e a ‘financeirização’ da Economia, que foram desencadeadas pelo thatcherismo e pelo neoliberalismo capitalista global das últimas três décadas, tiveram o seu grande sinal-de-alarme no fenómeno especulativo ligado ao Lehman Brothers, que se acha nas origens patentes da ‘Crise’ financeira/económica hodierna. Não esquecer que foi esta atmosfera ideológica que atribuiu aos chamados mercados de ca-pitais, de modo espúrio e súbdolo, índices/indicadores de ‘democracia’, v.g., para efeitos de Investimento, à escala das nações e do mundo. De resto, a Economia (cujo estatuto se tem de estabelecer no que o CEHC chama o hemisfério das ciências psico-sociais e/ou humanas) está muito longe de ser uma ciência moralmente neutra. A Lógica mercantil do custo/benefício não pode abarcar todo o universo da vida humana em Sociedade. Quem pode, por exemplo, defender que haja moralidade na compra de rins humanos, ou na compra de um simples lugar numa fila de espera?!... Os seris (um povo em vias de extinção… reduzidos, hoje, a 650-1000 falantes) têm um refrão identitário típico, na sua própria língua, que reza assim: “Quando os seris se tornam ricos, eles cessam de existir” (cf. ‘National Geographic’, Julho de 2012, p.79). “Everyone has a flower inside, and inside the flower is a word. Language is a seed of Seri identity” (ibi, pp.78-79). O Neoliberalismo capitalista global é o resultado do funcionamento estereoti-pado (e nunca discutido…) da cartilha (tradicional) do ObjectivoObjectualismo; e o resultado, igualmente, de o moderno Sistema capitalista (smitheano) nunca ter permitido, por definição e estrutura societária, tomar a Democracia e os regimes democráticos a sério. Eis por que não se tem percebido nem admitido (em termos primaciais e primordiais), que a Economia política é direccionada para os Indivíduos-Pessoas, não para as coisas e as ‘mercadorias’ e sua produção em série. Por isso, a Moral e a Ética, que deveriam constituir o Diapasão axiológico de todas as acções humanas, são abastardadas, em nome da neutralidade (objectual) da Economia. É preciso tomar consciência crítica de que a democracia representativa, sem o respaldo da democracia directa e de base constitui um perjúrio patente: não saímos, substantivamente, do ‘Ancien Régime’. Quanto à Economia de mercado, não vamos discutir a sua área própria e específica de aplicação. O que não queremos, e precisa ser erradicado, com urgência, é a injusta e belicista ‘Sociedade de mercado’, em que as populações já não podem sobreviver. Decididamente, a integridade física e moral dos Sujeitos humanos não é mercadejável.

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Portugal ─ um país periférico? ─ Dependerá do ponto de vista e do ancoradouro. O que nos tem faltado, ao longo da história, é uma Autonomia personalizada, enquanto povo-nação e enquanto indivíduos; como não somos disciplinados, o que nos falta, antes e acima de tudo, é organização social/societária. Quantos tomarão como seu o adágio/refrão de José Gomes Ferreira: ‘Penso nos outros, logo existo’?! No seu discurso, proferido na celebração do passado 10 de Junho (Dia de Portugal), António Nóvoa (reitor da Univ. de Lisboa) pôs o dedo na ferida, ao asseverar (in ‘JL/Ed.’, 27.610.7.2012, p.5): “Nos momentos de prosperidade não tratámos das duas questões fundamentais: o trabalho e o ensino. […]. Parece pouco, mas é muito, o muito que nos tem faltado ao longo da história. Porque Portugal tem um problema de organização dentro de si”: ─ Sistema político bloqueado; ─ instituições sem autonomia e independência, estigmatizadas pela burocracia, pela promiscuidade e pela corrupção; ─ economia frágil e falta de cultura empresarial. Ora, “chegou o tempo de dar um rumo novo à nossa história. Portugal tem de se organizar dentro de si, não para se fechar, mas para se abrir, para alcançar uma presença forte fora de si” (idem, ibidem). Fomos, tradicionalmente, um povo louvado pelos seus ‘brandos costumes’… O que até pode ser, sócio-historicamente, interpretado como inimigos dos extremos e amantes da moderação e da mediação, da vidinha normal do dia-a-dia. Mas isto mesmo pode, igualmente, ser entendido como rançon histórica da nossa ‘esquizofrenia’ foncière, que nos adveio, politicamente, desde a batalha de Alfarrobeira (Maio de 1449), onde foi assassinado, pela Casa régia do sobrinho D. Afonso V, o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra, o das Sete Partidas, que ─ ele sim ─ acalentava um Projecto pioneiro para o País. Por outro lado, o catolicismo latino e, sobremaneira, hispânico completou o quadro nacional das distorções e desgraças… Hoje em dia, o cratês (de Nuno Crato, ministro da Educação) continua esse caminho enviesado, que se pode definir como ‘cavilha quadrada em buraco redondo’. Antes de assumir funções ministeriais, criticou sensatamente um projecto de educação escolar, que identificava, abusivamente, a informação com o saber, e tomava as competências e os conteúdos como dimensões mutuamente exclusivas. Esqueceu-se o mais importante: os conteúdos (disciplinares) ganham a sua pertinência cultural e formativa, porque se traduzem e exprimem em competências operacionais. No fundo, o que permanece (na nossa odisseia psico-sócio-histórica) é sempre o mesmo problema crucial/estruturador: o de saber qual a Relação essencial precisa entre Indivíduo e Sociedade. Almerindo Janela Afonso indiciou o Problema (luso…), ao escrever (in ‘A Página da Educação’, Verão de 38


2012, p.19): “Contrariamente ao que pensava Marx, é impossível que o indivíduo coincida totalmente com seu ser social e que o ser social integre todas as dimensões da existência individual. Esta não é integralmente socializável. Compreende regiões essencialmente secretas, íntimas, imediatas, e não mediatizáveis, que escapam a qualquer possibilidade de apropriação comum. Não há socialização possível da ternura, do amor, da criação e do prazer (ou do êxtase) estéticos, do sofrimento, do luto, da angústia…”. O Problema/charneira é que há duas concepções antitéticas da Educação: a) a que investiga e desenvolve a nossa humanidade comum a toda a Espécie (‘Sapiens//Sapiens’); b) e a que está pronta a assinalar as diferenças entre os indivíduos para as explorar exponencialmente (são os partidários do ‘Homo Sapiens tout court’, os quais, por definição ─ como já vira bem K. Marx ─, dividem as sociedades humanas em duas classes antagónicas: os que mandam e detêm o Poder e os que obedecem e executam trabalhos às ordens dos poderosos: Ecclesia docens e Ecclesia discens). Lobrigou bem Susan L. Robertson, ao escrever (ibi, p.28): “É claro que a educação, propriamente, não é uma ideia pacífica. São sobejamente conhecidas as alusões à concepção da educação como um mecanismo de triagem e classificação de profissões e como uma forma de conferir status social. Contudo, a educação também tem a capacidade de enriquecer as nossas vidas e a nossa compreensão de nós mesmos e da socie-dade através das artes e das maravilhas da ciência; é uma maneira de conhecer o nosso passado e imaginar os nossos futuros. Depois de três décadas de neoliberalismo, pode-mos, com segurança, dá-lo como uma experiência falhada ─ social, política e economicamente ─ e, em particular, em áreas como a educação. Os sistemas de educação neoliberais, com a sua ficção de liberdade de escolha e corrupção do bem público, têm causado profundas brechas e roturas nas nossas sociedades. A evidência de desigual-dades sociais crescentes, que não estão a diminuir, rodeia-nos por toda a parte”. Tem, pois, razão o Prof. Carlos Firmino, quando assevera e argumenta, criticamente, que a Escola privada contemporânea virou uma praça de pedágio (uma portagem por onde se passa, claro, pagando…); e de igual modo, Marta Novaes, que denuncia a situação generalizada, onde a massa estudantil e os próprios cidadãos foram reduzidos à condição anódina de clientela. (Cf. ‘Noética’, 28.6.2012). Não é para menos, quando a religião do Economicismo, em nome da suposta neutralidade da cartilha do Objectivo-Objectualismo, exterminou, do universo humano, tudo o que não sejam ‘valores de troca’ (= mercadorias). Precisamos, hoje, de re-aprender quase tudo!... O Dualismo metafísico-ontológico teve consequências trágicas na Cultura/Civilização do Ocidente: desde logo a separação, em compartimentos estanques, de Teoria e 39


Prática. ‘Quem sabe faz, quem não sabe ensina!...’, ─ ripostava, satiricamente, Bernard Shaw. Ora, penetrando criticamente na Realidade (como faziam os Gnósticos primevos), chega-se à conclusão de que ‘A Verdade prova-se, não se pensa’ (como demonstrou o cineasta francês Bruno Dumont, no seu filme ‘Fora. Satanás’) (cf. ‘Expresso’/Atual, 21.7.2012, pp.18-20). É que, ao provarse, a Verdade surge no resplendor da sua plena autenticidade/autoridade (como acontece, v.g., no filme de Dreyer, ‘A Palavra’!). O positivismo jurídico e as políticas empíreo-criticistas modernas/contemporâneas enceraram o universo societário humano no curtocircuito da Linguagem e do Discurso virado para dentro… para a suposta ‘Casa humana’, de tal modo que tudo o que no Universo paira fora dessa ‘Casa’ não existe ou não tem significado. Foi assim, por exemplo, que, em nome do Objectivo-Objectualismo (supostamente neutro…), se defendeu e incensou (per fas et nefas…) o Sistema capitalista (incontornável…), como se ele mesmo constituísse um datum da Lei natural universal!... Não esquecer que a mundividência contemporânea do ObjectivoObjectualismo chegou ao requinte de se justificar e respaldar no Estruturalismo e na Linguística, considerados estes (segundo a cartilha moderna) em compartimentos estanques. Onde predomina a obsessão construtivista, o que emerge, insidiosamente, é sem-pre a formalização linguística e, ipso facto, a frase, como se esta constituísse o limite inultrapassável da investigação em Linguística!... Isto mesmo… quando, há mais de meio século, o filósofo Jacques Derrida iniciava as suas escavações arqueológicas, nos domínios da Linguagem e do Pensamento, com as necessárias e indispensáveis meto-dologias da Desconstrução. Eis por que nos achamos, hoje, numa situação tal em que se converteu o significante no significado… mas esquecendo, ou ignorando, sistemica-mente, o significado real das coisas!...

● Sistemas Educativos (nacionais) substantivos. O Estado-nação em causa po-de ter uma só língua (oficial) ─ caso do monolinguismo; ou pode ter várias línguas (como a Suíça) ─ caso do plurilinguismo. Mesmo neste caso, haverá sempre uma língua oficial predominante, onde os Poderes Estabelecidos e todos os cidadãos de um Estado-nação se poderão entender e questionar pelas mais diversas razões. Como quer que seja, uma Língua (oficial) com o meio de comunicação nos espaços/tempos de um Estado-Nação constitui, sempre, um poderoso Coeficiente factorial de união e identidade das populações de uma dada Sociedade: a) no que tange a formação de uma Cultura substantiva; b) no concernente à dinâmica da sua Sociedade civil; c) no que diz respeito à configuração de um Sistema Educativo substantivo. 40


Consideramos que todas as tendências e orientações (contemporâneas), que vão no sentido de privilegiar um ‘koinè diálektos’ (o inglês, v.g.), secundarizando e enfra-quecendo as Línguas (maternas) nacionais, só contribuem para fomentar o uniformismo e o conformismo (nas asas do neoliberalismo capitalista global), pressupondo ─ erradamente ─ que estão a promover a aproximação e a união dos povos e a unificação das Sociedades humanas. Este é um processus histórico condenado à partida… não só por-que a cavalgadura que monta é o incontornável Sistema capitalista, mas também por-que, ipso facto, é absolutamente incapaz de dispensar, por sistema, os meios e recursos da Violência e da Guerra (em vez dos meios e recursos do Convívio, do Diálogo/Discussão e da Paz). Os estudos académicos e as revistas (da especialidade ou generalistas) não se cansam de lamentar a crescente e inexorável perda e extinção das Línguas (e respectivas culturas) no Mundo: uma perda que é, fatalmente, operacionalizada por via da extinção dos seus (últimos) falantes. Trata-se, aqui, de perdas severas, no Património linguístico e cultural da Humanidade. (Cf. ‘National Geographic’, Julho de 2012, pp.60-93). É um fenómeno análogo, e, pelo menos, com a mesma importância, que habitualmente é atribuído às perdas na Bio-Diversidade. Quem ousa, no meio deste dramático Bazar de Problemas cruciais, formular a denúncia de que toda essa inércia de distorções e perversões se deve ao terrível e belicoso modus vivendi das Sociedades humanas, sob o camartelo inalterável do Sistema capitalista?!... Como são néscios os responsáveis dos Estados-Nações. Em cada duas semanas, está morrendo uma língua. No último quartel do séc. XX, por força da homogeneização/globalização e da consequente ‘unificação’ mecanicística das Sociedades humanas, das sete mil línguas faladas na Terra (ainda na 1ª metade do século), 3.500 já desapareceram, nas comunidades nativas que as falavam, em benefício do Inglês, do Mandarin, do Espanhol. É incalculável o que se perde, quando uma língua desaparece!... (Cf. ibi, pp.60-61). Ora, a importância e o carácter decisivo da preservação das Línguas decorrem de problemas estruturais, que já encontraram as suas soluções em statements axiomáticos (universalmente reconhecidos), tais como: ─ Todas as línguas foram edificadas na base de uma subterrânea gramática universal embutida nos próprios genes humanos (os trabalhos de Noam Chomsky foram decisivos nesta matéria); ─ os contrastes entre as diferentes línguas e, sobremaneira, o confronto com as línguas nativas ameaçadas de extinção, mostraram-nos, à evidência, que as línguas, em geral, nas suas características e diferenciações, exprimem e traduzem a variedade linguística da Experiência e da Cons-ciência humanas: É óbvio que linguagens diferentes põem em relevo a variedade e a diversidade da experiência humana. Assim a Língua e a linguagem moldam e modelam a experiência humana. (Cf. ibi, p.97; p.70. Vd. 41


ibi, pp.92-93, o mapa possível das línguas em risco de extinção). Não se pode estudar a Linguística sem acompanhar a investigação com a Semântica e a Semiologia. Quando se dá conta destas realidades críticas, tendo em pauta a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ (que o Processo histórico das civilizações, até ao presente, substituiu pela cartilha do ‘Homo Sapiens tout court’), fica-se siderado perante o horizonte sombrio, no concernente ao futuro da Humanidade, se a inércia do extermínio das línguas continuar como dantes. As Sociedades e as Civilizações pereceram, precisamente porque não ligaram aos fenómenos da Experiência e da Consciência dos Indivíduos-Pessoas humanos. Com o Sistema capitalista ao leme da Nau… e as religiões institucionalizadas (dualistas) como combustível para os motores… não poderá haver esperança de Alteração substantiva de Rumo, na Odisseia humana, ao longo da história das civilizações. É o eterno dilema entre o ‘Homo Sapiens//Sapiens’, dum lado, e do outro, o ‘Ho-mo Sapiens (Demens) tout court’. Aquele, porfiado nos IndivíduosPessoas e na gramática da horizontalidade (i.e., na Liberdade Responsável, na Liberdade/Igualdade); este, apostado na (infra-humana) struggle for life darwiniana e, inexoravelmente, na vitória fatal do mais forte e no catecismo religioso da verticalidade e das hierarquias de toda a sorte. O 1º tem todo o interesse no mantenimento e na preservação das línguas e das culturas perdidas, visto que as considera importantes e decisivas, em função do enriquecimento do património histórico-cultural da Humanidade; o 2º não alimenta qualquer interesse por isso. O recente ‘Acordo Ortográfico’ (iniciado em 1986 e terminado em 2008; a sua 3ª versão, a mais desastrada), imposto atabalhoadamente, pelos Poderes Estabelecidos, a Portugal e aos países da Lusofonia, constituiu um produto típico, que emerge na cartilha de comportamento do segundo caso. A sua famigerada ‘ortografia unificada’ (que não passa de uma falácia e uma mentira…), e que, na pressuposição dos seus fautores, irá facilitar o uso da Língua comum, a 250 milhões de falantes (cf. ‘Expresso’, 14.7.2012, p.14), acha-se estigmatizada pelo mais vil mecanicismo de actuação e, em derradeira análise, pela completa ignorância do que vem a ser uma ‘Língua viva’: a simbiose e a conjugação unificada da Ortoépia e da Ortografia. Essa ortografia, supostamente unificada (?!...), está a promover, pela via mecanicística, o mais repulsivo imperialismo económico-financeiro, que mistura e confunde, no mesmo saco, as Empresas multinacionais e os Estados-nações com as suas culturas próprias e específicas. Os países anglófonos não precisaram de nada disso… A França e os francófonos fizeram duas tentativas, que resultaram malogradas… O mesmo se passou com a Espanha e os hispanófonos… 42


Eis por que estava no bom caminho, nos anos ’60 do séc. XX, o filólogo Rodrigues Lapa, ao asseverar que o português do Brasil já havia evoluído (tanto na grafia como na fonética e na fonologia), a tal ponto, que estava em curso a formação (espontânea…) de outra língua, em confronto com o português da Europa. As línguas vão evoluindo, naturalmente. É a sua regra d’ouro. E os Poderes Estabelecidos não têm direito de foro sobre elas.

C

As Instituições da Educação e da Cultura (como as da Saúde, da Justiça e do Direito) não podem ser avaliadas e medidas pela mesma bitola das Empresas e dos Mercados.

● A problemática da competitividade (nos e dos mercados) é uma questão muito complexa, porque a própria noção de competitividade económico-mercantil não passa de um mito e uma trágica ilusão (cf. ‘Le Monde Diplomatique’, Out. de 2012, pp.1, 22-23), sempre alimentada e brandida para defender e incrementar o incontornável Sistema capitalista. Ora, as Instituições sociais ligadas aos Sistemas Educativos (nacionais), aos Sistemas da Saúde, da Justiça e dos Tribunais não podem, de todo em todo, ser metidas no mesmo rol dos Mercados e das Empresas; não podem ser avaliadas segundo as mesmas pautas destes últimos. Quando haverá, no Mundo, condições sócio-económicas e culturais, para a configuração de Sistemas Educativos Autónomos e Independentes, em confronto com as pautas draconeanas dos Mercados?!... Não ignoramos, nem gostaríamos que se ocultasse, que, em toda esta proble-mática (na sua ‘Grund-Struktur’), têm o seu peso inercial e importância decisiva, no sentido das confusões fáceis e da admissão leviana da ‘Economia de mercado capitalista’ para tudo e mais umas botas, as chamadas Religiões institucionalizadas (dualistas…). 43


Por isso, a situação em que sobrevivemos é o que é!... Sistemas Educativos (adjectivos) e Economia de mercado capitalista, cujas aporias e contradições já ninguém ousa discutir. Do mesmo modo que ninguém ousa questionar as Religiões institucionalizadas e o próprio Sistema capitalista, qua tal, o qual tem vindo a evoluir para a mais abjecta selvajaria (ao abrigo do catecismo da religião do Objectivo-Objectualismo), nos últimos três decénios. Neste último período referido, Margaret Thatcher e Ronald Reagan, na base de uma ideologia do mais extremado individualismo/egoísmo, prepararam o terreno para a emergência desse tsunami, que foi, e ainda é, o Neoliberalismo capitalista global. Viram-se, assim, super-alimentadas e promovidas, a todo o vapor, as muti-transnacionais, por via de processos e condições que se empenharam na desregulação dos próprios mercados (que, aos olhos daquelas, se achavam demasiado espartilhados, durante a época dos ‘trinta gloriosos’). É óbvio que, neste novo contexto, os Sistemas Educativos (públicos e nacio-nais…) foram perdendo o que restava da sua autonomia e independência, ─ predicados que procediam do próprio carácter substantivo dos Estados-Nações e da Teoria/Doutrina das Soberanias nacionais. A partir de 1997, Anthony Blair (o Premier britânico, que enganou toda a gente com a bandeira da ‘Terceira Via’…) começou a acondicionar o caminho no sentido de confiar os comandos do Sistema Educativo (britânico) ao sector privado. A tonalidade estava dada, everywhere, a partir do homem que se achava no alçapão do ponto (em scenario de teatro!...). A batuta do maestro sinalizava o caminho: economia de mercado capitalista e educação/cultura ─ tudo metido no mesmo alforge. O ‘novo Trabalhismo’ de Blair dava as mãos ao thatcherismo do Partido Conservador. Os miasmas da confusão dissiparam-se depressa. Numa procissão em via única, a Europa e todo o Ocidente iriam experimentar, até à náusea, as novas atmosferas (ideológicas…) da época neoliberalista: decisivamente, as escolas foram transformadas em empresas (regidas pela cartilha ─ como é óbvio ─ do Lucro d’abord). Que implicou toda esta estratégia? A entrega completa das Instituições Escolares (e do S.E.) ao patronato. (Cf. ‘Manière de Voir’, Ag./ /Set. de 2012, pp.78-81). Em conclusão, a Escola e o Sistema Educativo deveriam, finalmente, confor-mar-se com a sua nova condição de instituições (sociais), rigidamente submetidas ao serviço das necessidades e funções do Mercado. Nada menos e nada mais!... Pour épater le bourgeois, as motivações da nova estratégia até poderiam variar e ser tão diversas, como questões de filantropia, promoção da imagem da empresa ou busca acrisolada de influência política ou corporativa. Francis Fukuyama, no encalço da ‘Queda do Muro de Berlim’ (1989) e do co-lapso da URSS (1991), havia tocado o sino a rebate, para proclamar o 44


fim das ideologias (e, no seu horizonte, do próprio ‘Estado-Providência’); ao mesmo tempo, guindou ao 7º céu o novo culto (idolátrico) da Empresa… como se a emergência (que, depois, se tornou hegemónica…) desta implicasse a dissolução dos Estados tout court. Em 1984 (Fev.), por seu turno, os franceses já haviam sido convocados para o abandono do chamado Estado social e suas sequelas, designadamente, as conquistas sindicais, em nome do rigor da contabilidade e da Finança, ─ o que foi feito (imagine-se!...), através de uma emissão televisiva, protagonizada pelo actor Yves Montand. Em suma, a propaganda e o marketing político-mediáticos do Neoliberalismo entravam, definitivamente, em cena (cf. ibi, pp.91-94). No horizonte inercial, criado pelas atmosferas do Neoliberalismo global, a seguir ao processo da entrega (maioritária, já não supletiva do Ensino Público…) das escolas ao sector privado (como ocorreu na G.B.), veio (um pouco dapertutto) o processo da empresalialização das escolas da rede pública do S.E., que se fez acompanhar do repúdio de toda a principiologia científicopedagógica, que rege e regula o Processo de Ensino/Aprendizagem (cf. ‘Jornal da Fenprof’, Julho de 2012, p.7). (Em Portugal, até se tornou necessário conceber e formatar um novo estatuto do Aluno: vd. ibi, pp.8-9). Ora, quando as dimensões política e económica se acham inteiramente subordinadas à hegemonia absoluta do poder financeiro, atribuído aos ‘mercados de capitais’ (como se de um processo democrático se tratasse!...), quando estes não são outra coisa senão a disfarçada ditadura omnipotente do Capital sobre o Trabalho (de uma ‘res mortua’ contra uma ‘res viva’), a ditadura, em suma, dos sempiternos detentores do Poder no Establishment, sobre os indivíduos-pessoas/cidadãos… o que restará, eticamente, num discurso ad hominem, é a Revolução! É, pois, inquestionável que, nos dias de hoje, o empobrecimento crescente e a carência de toda a sorte, nas Sociedades humanas, em fracções avassaladoras das suas populações, se devem e constituem o resultado da submissão absoluta da política e da economia aos chamados ‘mercados financeiros’, orquestrados dentro da religião laica do ObjectivoObjectualismo. Sistema Educativo e encaminhamento vocacional por volta dos 12 anos ou mais tarde, por volta dos 15/16 anos (como ainda era corrente na época dos ‘trinta gloriosos’)? A ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, chamou recentemente a atenção, desta vez de modo sensato, para a segunda opção (in ‘Expresso’ de 21.7.2012, p.33): “Os estudos indicam que o encaminhamento vocacional dos jovens deve fazer-se o mais tarde possível, isto é, a partir dos 15 anos. A OCDE e a Comissão Europeia recomendam que os países, onde ainda subsiste o encaminhamento vocacional dos 12 anos, como por exemplo a Alemanha e a Áustria, abandonem esse regime, tanto por 45


razões de equidade, como de eficiência do sistema educativo. Recomendação a que esses países têm respondido positivamente, reconhecendo hoje que assegurar uma for-mação básica geral comum a todos os alunos, até aos 15 anos, é a melhor forma de os preparar para a sociedade do conhecimento, independentemente da profissão que venham a escolher na idade própria”. Tudo tem causas e consequências… Já se vê que a sensibilidade (ideológica) que leva à opção dos 12 anos, é precisamente a que presta atenção à preponderância efectiva do Sistema económico capitalista; ao passo que a opção (mais acertada) pelos 15/16 anos aposta num Sistema Educativo (nacional) substantivo, que tenha resolvido e ultrapassado os conluios e as promiscuidades gerados pela nova atmosfera ideológica do Neoliberalismo capitalista global. Contudo, para que possa haver encadeamentos causais (sérios e seguros), no Processo sócio-histórico, é preciso reivindicar, no fundo de toda esta problemática, Sistemas Educativos (nacionais) substantivos bem como Escolas Autónomas, onde os professores, profissionalizados, possam ser e actuar como profissionais autónomos e independentes. Por isso, abaixo os 'rankings’ de escolas (que os pretende pôr em competição no mercado capitalista). Os próprios exames têm de mudar de função e estatuto; têm de deixar de funcionar como ‘a triste e tradicional comédia do rigor’ (cf. António Guerreiro in ‘Expresso’/Atual, 14.7.2012, pp.36-38). Desde logo, algo está substancialmente errado, no Sistema Escolar, quando a percepção generalizada é a seguinte (ibi, p.38): “De uma maneira ou de outra, todos acham que o funcionamento regular da escola não basta como ‘preparação para os exames’ e que tal tarefa tem de constituir um esforço suplementar”. Não é preciso olho de lince para lobrigar as inércias e as distorções, os erros e as promiscuidades das Escolas e dos Sistemas Educativos (em Sociedades capitalistas). Que dizer, por exemplo, dos exames? “Os exames não são apenas sinónimo de rigor e exigência, são também um convite à repetição, à ausência de pensamento crítico e a uma tarefa perversa, que se chama ‘preparação para os exames’; e são ainda uma ferramenta de gestão das escolas e de domesticação dos professores” (idem, ibi, p.36). Ora, é precisamente o modelo de Sociedade de massas, hierárquico e elitista, plafonado, espiritual e intelectualmente, pelo Dualismo metafísicoontológico de Platão e Paulo, que um tal tipo de exames e o seu cúmplice, o sistema de Rankings das Escolas (públicas e privadas), introduzido em Portugal desde 2000, preparam e acondicionam, no Quadro do Sistema capitalista.

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Uma Quaestio ad hominem: Até quando teremos de continuar reféns dos sound-bytes das modas em voga, prisioneiros desta visão leviana e simplista, empíreo-criti-cista, que mete no mesmo alforge Escolas e Sistema Educativo, dum lado, e do outro, as Empresas e o Mercado, ─ o que, de ricochete, catapulta o Estado-Nação para o rol das Empresas e das Mercadorias?!... Escreveu Gil Nata et alii (Univ. do Porto: Fac. de Psicologia e Ciências da Edu-cação) (in ‘Expresso’, 13.10.2012, dossier ‘Ranking das Escolas/Exp./Sic’, p.XV): “A crítica aos rankings de Escolas não significa uma rejeição da importância da avaliação das escolas. No entanto, esta análise simplista formulada pelos rankings, associada à sua influência sobre a opinião pública, incentiva uma visão simplista da realidade educativa e, consequentemente, do que é a qualidade em educação”. ─ Ingenuidade ou teoria do rebanho em marcha inercial?... É caso para nos interrogarmos: Para que serve a crítica?!... Está mais próximo da Verdade crítica, Leandro Silva Almeida (Univ. do Minho), ao asseverar: “Se a avaliação deve abranger o domínio dos conteúdos, mas também os processos envolvidos na aprendizagem, é importante que ela não se confine aos exames” (in ‘JL’/Ed., 17-30.10.2012, p.1). Mais, e no mesmo horizonte crítico: “A escola deve preocupar-se com a formação dos alunos em termos de atitudes, valores, competências de relacionamento interpessoal […]. É evidente que a avaliação destas aquisições não se faz através de testes escritos” (idem, ibi, p.2).

● É preciso discutir e avaliar, filosoficamente, a famigerada questão da Competitividade. A Competitividade (no quadro do Sistema capitalista-imperialista, como é ho-diernamente o caso) é um mito e uma falácia (frustrados e frustrantes). Trata-se de uma estratégia errada de soluções erradas, por várias ordens de razões: A) Uma vez no quadro do Sistema imperialista do Neoliberalismo capitalista hodierno, e eo ipso no horizonte da Cultura do PoderCondomínio, ela emerge e (dis)funciona como uma Solu-tio Falsa: No ‘ordo mundi’ dos Poderes Estabelecidos, há sempre um ‘regime de Corporation’ para os que estão na mó-de-cima, os detentores do Poder e da Hegemonia; desta sorte, a concorrência e a competitividade só servem para os que se acham na mó-de-baixo (os trabalhadores em geral e o povo…), que, para eles, funcionam como isco de apaziguamento na desgraçada e contraditória ordem do Mundo.

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B) A estratégia da Competitividade encontra-se, por definição, ferreamente submetida ao catecismo da religião laica do ObjectivoObjectualismo. Ela não cura nem cuida das Pessoas enquanto Sujeitos humanos individuais e concretos. Ora, a própria tradição da Economia política clássica, no Ocidente, nunca pôs radicalmente fora da sua órbita os Indivíduos-Pessoas, singulares e concretos. Por exemplo, sempre que se invo-cava a Teoria do Pleno Emprego (como ainda fez J.M. Keynes, em meados do séc XX). C) Ora, os desígnios próprios de uma Economia política digna do nome são medidos e avaliados pela sua destinação aos Indivíduos-Pessoas, singulares e concretos (em última instância): satisfazem ou não as suas necessidades vitais e culturais e os seus desejos legítimos, ─ eis a questão crucial. D) Por último, deve advertir-se nesta Regra d’Ouro: nunca se pode nem deve misturar e confundir no mesmo rol e sob o mesmo padrão (dos Mercados) as Empresas (para quem é acertado e justo que funcionem a concorrência e a competitividade) e os Estados-Nações (para os quais é absurdo serem tratados no mesmo pé-de-igualdade das Empresas, na área de funcionamento destas que são os Mercados). Medite-se neste paradoxo monstruoso: as etnias ciganas, que prosseguem espalhadas e escorraçadas, por esse mundo fora, reduzidas a coisas/empecilhos, deveriam ser vistas em contraste com as multinacionais do capital e das mercadorias! (Cf. ‘Le M.D.’, cit., pp.14-15). Contudo… quem lhes reconhece o estatuto de veras e autênticas Identidades transnacionais, até para poderem desafiar o estatuto dourado das multinacionais?!... A estratégia do Tratado de Lisboa da U.E. (2000) enganou-se redondamente ao estabelecer o seu ‘novo objectivo’ como segue: ‘Tornar-se a economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo’, na base dos ‘acordos competitividade-emprego’, lançados por Nicolas Sarkozy no fim do seu mandato. (Cf. ‘Le M.D.’ supra-citado, p.1). A ‘economia do Conhecimento’ é uma contradictio in terminis… é linguagem demagógica, que (como já foi referenciado em A)) só funciona como isco para apanhar peixe no anzol. O ambiente de emboscada foi logo indiciado no texto/frontispício do artigo de Gilles Ardinat (no jornal citado, p.1, pp.22-23), subordinado ao título: ‘La compétitivité, un mythe’ (Quand l’Europe impose son Credo): “Para sair de uma crise desencadeada pela finança, as pistas eram múltiplas: açaimar a especulação, regulamentar os mercados, sancionar os banqueiros… Com o apoio de um número crescente de industriais, a União europeia formulou uma outra prioridade, que já está a impor aos países em dificuldades: levar a crescer a ‘competitividade’ do mercado de trabalho. Mas que vem a designar 48


este termo, que tanto dirigentes de esquerda como de direita parecem ter guindado à condição de um novo Graal?”. Esquerdas e Direitas ─ note-se bem ─, as duas alas do hemiciclo, (recordando o vetusto Parlamento ‘Jacobino’ da Rev. Francesa…), estão ambas minadas pelos mesmos erros e vícios: a religião do ObjectivoObjectualismo (que ignora os Sujeitos humanos/Pessoas, enquanto tais) e a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Por isso, o próprio A. de Tocqueville se enganou, ao caracterizar o ‘Ancien Régime’ e o ‘Nouveau Régime’, e ao concluir que o 1º havia sido substituído pelo 2º, no processo revolucionário!... Por isso, igualmente, após as ocorrências históricas de 1989 e 1991, se tem assumido o Capitalismo como uma espécie de dado indiscutível da Lei natural (humana), ─ o que, sintomaticamente, aconteceu no período identificado, historica-mente, pelo Neoliberalismo (capitalista) global. Parece que já ninguém se acha capaz de denunciar e profligar a Economia capitalista, alavancada sobre o Ter e a conquista/dominação, como um Sistema que gera, inexoravelmente, exploração e opressão, e divide a Sociedade em duas classes antagónicas (os senhores e os servos ou súbditos, os exploradores e os explorados), como já denunciara Marx. Parece que já ninguém tem a coragem, em contraponto crítico, de propor e bater-se pela Economia Política do Dom, a qual, ancorada no Ser (sua expansão: ‘bonum diffusivum sui’!...) dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, é capaz de apostar (numa óptica radicalmente horizontalista) na Liberdade Responsável e na Igualdade social efectiva de todos os Seres humanos. Paul Krugman (Prémio Nobel da Economia/2008) esclareceu bem, em termos críticos, o tema da ‘Competitividade’ (in ‘Competitiveness: A dangerous obsession’/ /1994 e ‘The competition myth’/2011), ao asseverar: “A competitividade é uma palavra vazia de sentido, quando é aplicada às economias nacionais. A obsessão da competitividade é, a um só tempo, falsa e perigosa” (cit. in ‘Le M.D.’ cit., p.22). Comparar, no mesmo plano da concorrência, empresas e países (Estados-nações) constitui uma doutri-na errada e demencial. É uma insensatez redonda. Escreve o Autor do Artigo em pauta (ibidem): “Um território, espaço apropriado e delimitado por uma fronteira, oferece a um povo o seu suporte físico, bem como uma boa parte das suas referências culturais e políticas”. Quem vai, por exemplo, cair na asneira de reduzir os países a dossiers de dados, ainda que de índole macroeconómica?!... Que pretende o Neoliberalismo capitalista global? Reciclar as velhas e anquilosadas hierarquias e verticalismos societários. No núcleo duro de toda esta problemática da concorrência e da competitividade, a tese da competitividade (que alguns ‘smarts’ pretendem continuar a articular com a doutrina clássica de ‘produtividade do trabalho’…) ─ convém sabê-lo ─ 49


encontra-se estigmatizada pela degeneração crescente do processo da globalização, o qual (contra o previsto por alguns astutos…) caminha, inevitavelmente (rebus sic stantibus), no sentido da construção do Imperialismo financeiro/económico, mediante a mercadorização de tudo e mais umas botas à escala do Mundo!... Se os próprios Estados-nações estão realmente ameaçados de dissolução, no processo globalizador, … isso até parece que já não conta para nada!... Escreve Gilles Ardinat (art. cit., p.23): “Se a ideia de uma ‘concorrência livre e perfeita’ serviu de guia para múltiplas leis antitrust e antidumping, a sua transposição para os territórios/países põe certos problemas. Desde logo, não existe nenhuma autoridade credível de regulação da concorrência entre nações. Nem a Organização Mundial do Comércio (OMC), nem a Organização Internacional do Trabalho (OIT) parecem estar em condições de enquadrar os diferentes dumpings”. Por outro lado, desde 1980, o próprio FMI abandonou a expressão ‘dumping monetário’, para atribuir a sua preferência à categoria (paralela…) de ‘desvalorização competitiva’: mantém-se em curso uma moeda artificialmente baixa, com o fito de favorecer as exportações nacionais. Desde que em 1971, Richard Nixon pôs termo à base do ‘padrão ouro’, nos câmbios internacionais das moedas nacionais, (quase) tudo se tornou possível… Malhas que o Império tece!... Advirta-se que é a própria Comissão europeia que prossegue embarcada na Nau do Imperialismo sans ambages. É precisamente o que ela faz, quando enuncia o seu Diktat privilegiado: “a concorrência é, pois, a aliada, e não a inimiga, do diálogo social” (cf. ibidem). Desta sorte, no caleidoscópio internacional, configuram-se, necessa-riamente, duas categorias (diferentes e opostas) de competitividade: a) a ‘estrutural’ou sem preço; e b) a competitividade/preço (a dos trabalhadores que, às escalas nacional e mundial, estão condenados a ser as mãos no processo da mundialização…). Como diria K.M., as Sociedades (à escala nacional e à escala mundial) continuam divididas em duas classes antagónicas!... Convém não esquecer que a noção de competitividade, no Sistema capitalista, se configurou e manteve sempre ancorada no carácter ilimitado dos processos, que, por seu turno, se mantinham apoiados no suposto carácter ilimitado dos meios e dos recursos da Natureza. Ora, sabe-se (pelo menos desde o Clube de Roma/1968) que os meios e os recursos naturais são limitados. Por isso, o Sistema capitalista continua a laborar sobre ilusões e falsidades. ─ Tudo, no Universo, tem os seus limites. Por isso, o S.C. se tornou selvagem e predatório (no seu processus ab initio): v.g., no que tange a Natureza e a paisagem, a Biodiversidade; no que diz respeito à exterminação das línguas e das sociedades humanas; no concernente à exploração e opressão dos trabalhadores. O que podia ser o céu na Terra tornou-se o Inferno feroz do Processo histórico das civilizações. 50


A organização e o funcionamento da Economia política destinam-se (directamente) aos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, singulares e concretos. E devem conservar-se ao seu serviço. Por que se balizou e orientou a Economia política para o campo do Sistema capitalista? Porque, epistémica e metodologicamente, a Economia política apostou, perversamente, no Mercado, segundo a cartilha do Objectivo-Objectualismo. Considerou o Mercado como a única agência factorial para estabelecer os preços, os custos e os valores das coisas/mercadorias. Mas há tanta coisa, acções ou actuações, sem preço!... Desde logo, a própria Natureza, no seu conjunto. O Mercado (e aí, o Dinheiro absolutizado como meio de troca…) não é um campo sem limites, onde tudo pode entrar… Contra o que pressupunha Adam Smith, no concernente inclusive à área das necessidades primárias dos Indivíduos, ─ decididamente, o Mercado não é, não pode constituir a única agência factorial na formação dos preços. O quadro em que pen-sou A.S. é simplesmente contraditório e absurdo. Estava certo o filósofo Tzvetan Todorov (no seu livro ‘Les énnemis intimes de la démocratie’, Robert Laffont, Paris, 2012), ao denunciar, corajosamente, o mal-estar generalizado nas democracias: o populismo e a demagogia, o messianismo e o ultralibe-ralismo conduziram a uma situação paradoxal, onde as classes dirigentes, ao reivindicar a democracia para melhor renegar os seus princípios, levaram as classes populares a perder a confiança nos representantes políticos e no Estado. Enunciou ele, aí, esta tese desconcertante, mas estrutural: “a economia, o Estado e o direito cessaram de ser meios em vista do Desenvolvimento de todos, e doravante participam de um processus de desumanização”.

Abrégé/Quadro prínceps: ─ Mercado, sim: enquanto fenómeno aferidor/indiciador estrutural dos preços e custos das mercadorias e das coisas, em geral; obviamente, nas áreas do universo humano onde as trocas mercantis são, universalmente, admitidas e legítimas. ─ Mercado capitalista, não: ou seja, Mercado sob a égide do Sistema capitalista hegemónico, onde, em última análise, não há, absolutamente, áreas do universo da vida humana em sociedade vetadas às trocas mercantis. ─ A Grande Questão (como pensavam os socialistas no séc. XIX e ao longo da 1ª metade do séc. XX) não é a opção pelo Plano, com exclusão do Mercado. De resto, o vero nome dos ‘socialismos’, construídos segundo essa opção e modelo, é: capitalismo monopolista de Estado (J.K. Galbraith dixit). Sendo assim, é sempre a Regra do ‘in medio virtus’ a mais aconselhável, e que se deve pôr a funcionar na praxis concreta das Sociedades humanas. Na 51


organização das Sociedades humanas, tem de haver, pois, planificação económica, levada a cabo pelos Poderes Estabelecidos e por Governos democraticamente eleitos, tanto à escala dos Estados-Nações como à escala mundial, onde a O.N.U. é convocada a intervir, preparando as instituições e as agências de um Governo Mundial de enquadramento e coordenação globalizados. ─ As necessidades primárias dos Seres humanos, bem como os bens e serviços atinentes à Cultura e à Educação, à Saúde e à Justiça/Direito, não podem ficar atrelados e submetidos às leis de ferro da troca mercantil: ‘lei da oferta e da procura’. (Aqui, é óbvio que A.S. se enganou e errou… ao estabelecer a lei da troca mercantil, mesmo para a área que tange as necessidades primárias dos Seres humanos.). ─ É claro que, no universo humano, há muitas áreas onde a gramática da gratui-dade e da dádiva é, por princípio, mais aconselhável, em termos ético-morais. Se, na Modernidade ocidental, tivesse vingado a principiologia do Ser, em vez da doutrina do Ter, na Teoria e na Prática da Economia política, outro galo teria cantado cantiga bem diferente. O ‘Homo Sapiens//Sapiens’ teria levado a melhor, no processus da Antropogénese, sobre as práticas saqueadoras e terroristas do ‘Homo Sapiens tout court’. ─ Hoje, é-nos dado saber, através das experiências trágicas ocorridas ao longo do Processo histórico (sempre baseado na cartilha da Potestas d’abord), que a Economia do Dom (do Ser em lugar do Ter), que nós próprios explanámos na nossa obra antiga e recente, ‘Em Demanda da Economia do Dom’/2012 (a partir da Rev. Noética/ /Web, São Paulo), deve constituir a âncora e a pauta (se quisermos encontrar coerência lógica no Sistema…), para o funcionamento adequado de uma Economia política verdadeiramente humana. ─ ‘Bom gré, mal gré’, quando tiver lugar, historicamente, uma tal Proeza, o velho e enquistado Sistema capitalista terá sido, alfim, ultrapassado, na Sócio-História, pelo que nós, no CEHC, chamamos o vero e autêntico Socialismo. ● Advertências no concernente à Agricultura e à produção de Alimentos (que, no fim dos processos de distribuição, escasseiam cada vez mais) para uma população mundial que, ca. de 2050, rondará os 9 mil milhões e já está a exercer uma forte pressão de saque sobre as áreas dos animais selvagens. 1. ─ A regra d’ouro (identitária) a nunca esquecer, porque tudo parte do Local (para a suposta globalidade): Contar, em primeiro lugar, com as suas próprias forças e recursos. Princípio da Auto-Suficiência.

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2. ─ À escala global, prestar atenção às chamadas vantagens comparativas: por exemplo, produzir borregos na Nova Zelândia, sai mais barato e produz carne de melhor qualidade, em confronto com as práticas da G.B.. 3. ─ Defender e promover a simbiose civilizatória entre a chamada ‘agricultura de sobrevivência’ e a agricultura industrializada e intensiva de produção em grande quantidade para mercados (nacionais e internacionais). É sempre um desastre quando a 2ª procura exterminar a 1ª. 4. ─ O recurso aos alimentos geneticamente modificados deve manterse em stand by, no que diz respeito à sua generalização, até por causa dos processos de con-taminação. Há ca. de 10 anos que o Estado americano de Nebraska produz cereais e outros alimentos geneticamente modificados (OGM), ao que parece, sem efeitos secundários nocivos. Mas estamos ainda longe de cumprir uma gramática de prevenção ade-quada. 5. ─ O coeficiente factorial decisivo, em toda esta problemática, distribuise em dois princípios geminados: A) Elevação dos Humanos ao nível do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. B) Uma vez realizada a dinâmica de A), a contenção geracional e o respeito ecológico pela Natureza/Mãe, a preservar e a defender, constituirão um Factum novo, na História futura da Humanidade.

‘Le Monde Diplomatique’, de Outubro de 2012, traz um Suplemento de 4 pp., dedicado ao tema da Gratuidade, ─ sintomaticamente com este título introdutório: ‘La Gratuité, um Projet de Société’. Quase como se procurasse, desta maneira, estabelecer (com alguma coerência) o contraponto ao tema central de abertura desta edição, ou seja, o da Competitividade como mito, ilusão e farsa. Estamos falando, assim, tendo presente o nosso antigo e recente Livro ‘Em Demanda da Economia do Dom’ (em edição da Rev. Elect. ‘Noética’/São Paulo, desde 8.10.2012), e porque o Discurso (crítico) sobre todas estas matérias e suas implicações deve ser tomado a sério, nas duas vertentes, positiva e negativa. Há dois milénios que a Cultura/Civilização do Ocidente embarcou, mediante o Cristianismo paulino, na Nau da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Foi fácil, por esses caminhos, construir, no Processo sócio-histórico, a Economia do Ter, da Conquista e da Predação, da Dominação e do Poder d’abord, em vez da Economia do Ser, do Dom e da Dádiva e da Gratuidade. No horizonte crítico do C.E.H.C., é o próprio Processo psico-sóciohistórico, ao longo destes dois milénios de Cristandade, que resultou gorado e farsesco. As consequências podem resumir-se nesta axiomática: em vez de 53


abrir caminho, na Antro-pogénese (psico-social/societária), para o advento e configuração do ‘Homo Sapiens// //Sapiens’, o que foi empurrado para o terreiro da História foi o ‘Homo Sapiens (Demens) tout court’ e as práticas da sua cartilha inexorável. O que à Humanidade coube em sorte foi a via da Paz e da Guerra à mistura, e a paz como o armistício entre duas guerras!... Apesar de tudo, ficámos contentes com o título do Suplemento de ‘Le M.D.’ de Out. de 2012: ‘La Gratuité, um Projet de Société’. O que, desde logo, enquanto projecto a globalizar, implica a eliminação radical desse absurdo que é, hodiernamente, o Mercado capitalista hegemónico, e a adopção (sistémica), pelo menos na sua ante-câmara, da gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, contra a cartilha tradicional do ‘Homo Sapiens (Demens) tout court’. Em vez do axioma tradicional ‘homo homini lupus’, pelo menos o slogan ‘homo homini res sacra’, até chegarmos ao axioma ‘homo homini frater’. É que as incoerências (sistémicas) e as meias soluções, nas práticas da psico-sócio-história, pagam-se caro… Por que se chegou, por exemplo, a essa máxima perversa, que se aceita com resignação e fatalismo: ‘Tudo tem um preço’?... ‘Tout se paie’ (como afirmam em tom de evidência os economistas liberais)?... ‘There’s No Such Thing as a Free Lunch’ (como diria o economista americano, em 1975, Milton Friedman)?... Quando se trata de encontrar soluções reais e concretas, entre perspectivas extremas e opostas, o pragmatismo é recomendável, sim, mas sempre ao serviço dos Humanos qua tais e suas Sociedades. Convém, pois, ter sempre presentes as exigências da coerência e da ética, em todo o universo dos problemas e das soluções políticas a resolver e a encon-trar. Depois do título, o Suplemento em pauta abre com um quadro-painel destinado a caracterizar, sumariamente, o que há no terreno. Vamos dar conta dele, não sem antecipar que o discurso acusa, ainda, a persistência da cartilha tradicional do ‘Homo Sapiens tout court’ e, bem assim, o horizonte da Cultura do Poder-Dominação d’abord e do incontornável Mercado capitalista. “Desde Aubagne (no sul da França) a Hasselt (na Bélgica), são cada vez mais numerosas as municipalidades europeias que praticam a gratuidade dos transportes públicos. Pouco conhecidas, estas iniciativas têm encontrado frequentemente a hostilidade, não apenas dos meios patronais, mas também de uma parte da população, muito embora sensibilizada para as ideias progressistas. Com efeito, desde há séculos, os seres hu-manos foram habituados às transacções monetárias, encorajadas pelos teóricos do liberalismo económico, para quem a esfera mercantil não poderia ter limites. Além disso, para alguns à esquerda, cada indivíduo deve contribuir, mesmo simbolicamente, para as vantagens que a colectividade lhe oferece; uma tarifação/alvo, definida segundo critérios sociais, seria preferível a uma gratuidade ‘desresponsabilizante’. No terreno, a ex-periência é rica de 54


ensinamentos e incita a reflectir no tipo de sociedade que nós que-remos construir”. Esclareça-se, entretanto, que a via das práticas (anunciadas) da ‘gratuidade’ é ocupada, precisamente, pelas cidades médias, que exercem, na matéria, uma função piloto (cf. ibi, pp.I-III). Sintomático: é sabido que, na Cultura do Poder-Dominação d’abord, os extremos tocam-se… Os vínculos à economia de troca, através do preçário em dinheiro como equivalente geral, estão muito arreigados no Ocidente; de tal modo que a atmosfera individualista criada, tem dificuldade (considera isso estranho…) em aceitar a troca directa de bens e serviços. Contudo, assiste-se, na própria Itália (cf. ibi, p.IV) a um vero movimento de fundação de outra economia (nos antípodas da economia mercantil): quer no mundo rural, quer nos meios culturais, os italianos estão a descobrir um outro laço social, para além das tradicionais trocas monetárias. O processus tem-nos levado a encontrar as situações/ /padrão da reciprocidade efectiva e, eo ipso, a descobrir e a proteger os bens comuns. Um dos dirigentes deste movimento (Antonio Cannoletta) prestou o seguinte depoimento (ibidem): “A nossa intenção era a de colocar em rede a produção das pequenas empresas, favorecendo o consumo crítico e a troca solidária, mas, sobretudo, desenvolver, a uma escala mais vasta, formas de participação em questões de carácter mais geral”. Assim, a preocupação era dupla: exigência moral e intenção política. Estava, assim, aberto o caminho para a descoberta/recuperação da Economia do Dom, em contraste com a Economia de Mercado; a Economia do Ser, em contraste com a Economia do Ter (e da apropriação/conquista/dominação). Num colóquio havido em Roma, em 28.5.2010, o sociólogo Alessandro Montebugnoli apelava para uma sociedade ‘multiactiva’, capaz de abrir os olhos para além da “esfera do trabalho remunerado, incorporado no valor das mercadorias e dos serviços públicos, que, em conjunto, constituem o quadro das actividades profissionais” (cit. ibidem). ─ Ao mesmo tempo, começa-se, assim, a descobrir outra gramática de base para o funcionamento e organização da Economia: os indivíduos-pessoas já não carecem do fetiche do dinheiro como meio de troca, para se aperceberem do valor do custo e do pre-ço dos produtos/mercadorias. O preconceito smitheano pode dissolver-se, definitivamente, sem prejuízo para a colectividade. O ‘Borda d’Água’ já não precisará de repetir, ad nauseam’, a cantilena habitual: ‘Não há refeição gratuita’!... ‘Tudo se paga’!... Para nos apercebermos, adequadamente, da substituição e ultrapassagem da Economia de mercado capitalista (que desaguou na ‘Sociedade de Mercado’…) pela nova Economia do Dom e da Gratuidade, é necessário: 1º, descobrir e identificar, na história da Cultura do Ocidente, o filão 55


alternativo ao Mercado capitalista, que é oriundo e se lobrigou configurado nas duas Mensagens gémeas de SÓCRATES e de JESUS; 2º, desconstruir, porfiada e radicalmente, o fantasma ideológico que se acha no núcleo duro do Mercado capitalista: aquilo que o economista José Castro Caldas, do C.E.S. da Univ. de Coimbra, chamou, no título do seu artigo (in ‘Le M.D.’ cit., pp.II-III): ‘Un enjeu idéologique’. Convirá, em primeiro lugar, não esquecer que a exclusão radical do desinteresse e da gratuidade, nas relações humanas, resultou, fundamentalmente, do tradicional ‘preconceito smitheano’ que, por seu turno, é alavancado pela sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. A cartilha (antiga, medieval e moderna) do Monismo Epistémico (contra a TeoriaDoutrina da Dualidade epistémica, defendida pelo C.E.H.C. e pelos Gnósticos judeo-cristãos primevos) fez o ninho apropriado àquela Cultura/Civilização, onde ela veio a produzir toda a sua exotérica filharada. Convirá não esquecer, a seguir, que o papel central e hegemónico do Dinheiro, nas nossas Sociedades, procede exactamente desse ‘enjeu idéologique’, que nós preferimos designar por ‘fantasma ideológico’. Em termos críticos, é imperioso avaliar este artigo de Castro Caldas como segue: o pé não chega à pègada!... Continua, como toda a gente, a adoptar, como catecismo, o Monismo epistemológico e a incensar a Cultura do Poder-Condomínio. Só no último parágrafo do seu artigo, ele tem a coragem de afirmar (paradoxalmente…): “Se existem ‘leis’ em economia, elas são criadas pelos seres humanos; elas não decorrem da natureza. Nós podemos, portanto, modificá-las”. Deverá dizer-se, a propósito deste tópico, que Bagão Félix (um dos homens da 1ª geração do CDS/PP, partido formado no pós-25 de Abril de 1974), em entrevista recente na RTP-1, foi muito mais explícito, ao asseverar que a Economia não é uma ciência exacta, procede por tentativas e erros. O farol (de Alexandria) e outros, para os navegantes; a luz; o sol; as florestas e os animais selvagens; as chuvas, etc. Tudo isto são dons facultados à Espécie humana. No erário público de uma dada Sociedade, a própria esfera das contribuições e impostos, pagos pelos cidadãos, em função dos serviços públicos do Estado e da conservação e defesa do Bem Comum, em geral, se é habitualmente entendida como um encargo e uma obrigação, poderia (como imaginou, semanticamente, o filósofo alemão P. Sloterdijk) ser assumida, a contrario, como donativos prestados pelos cidadãos. Desta sorte, o próprio leque diversificado das áreas contempladas, no universo da Economia política, não nos permite tratar uma ciência humana e/ou social (que é a sua condição…) como se de uma ciência físico-natural se tratasse. Ora, é isto mesmo que ainda acontece, quando se pretende tirar partido da noção (básica…) de propriedade privada para regular e fundar o 56


‘problema’ da legitimidade dos bens públicos e do Bem Comum. É, de facto, o que transparece, quando Castro Caldas escreve (ibi, p. III): “Para certos economistas, a propriedade privada tem precisamente por origem a necessidade de regular o ‘problema’ dos bens públicos. Ou seja, encontrar o meio de impor um preço ao utilizador de um bem. Desta feita, poder-se-ia pensar que as estradas devem ter, logicamente, um estatuto público”. Ora, essa tese só faz sentido e é admissível, quando aplicada aos ‘bona constructa’, não aos ‘bona naturalia’. E, mesmo a partir do ponto de vista admissível, deverá concluir-se que, de acordo com esse registo fundador da propriedade privada, terá de haver, necessariamente, um tecto para os lucros privados!... Que até poderia ser o dos governantes e dos funcionários de Estado. É precisamente porque o sistema capitalista está muito longe de seguir este catecismo de actuação, que os Poderes públicos, na de-pendência e no horizonte do Capitalismo, nunca cumpriram, sócio-historicamente, o postulado de garantir o mínimo no concernente à alimentação, ao vestuário e ao alojamento. Contudo, C.C. conserva a moderação e a sensatez, ao afirmar (ibidem): “Não obstante, a lógica mercantil não poderia estender-se a tudo. Assim, existem coisas ou seres, cujo respeito é mais importante que a busca da pretensa eficácia económica. É o caso das pessoas ou dos órgãos humanos”. ─ Decididamente: os fins não podem justificar os meios. E a definição (dada pelo Direito Romano) da propriedade privada está redondamente errada: ‘jus utendi et abutendi’!... ‘Não há paz entre as nações sem paz entre as religiões’ (Hans Kűng). Será que as cristandades vão ser capazes de dia-logar pacificamente (sob a influência do movimento ecuménico, nascido no Conc. Va-ticano II), com as outras religiões institucionalizadas, sobremaneira com o Islão (uma das 3 religiões de ‘O Livro’)?!... Não o farão, seguramente, na órbita do Sistema capi-talista neoliberal…

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D Cultura Humana/Humanista Radical e Despotismo Iluminado: a sua incompossibilidade recíproca

● ─ ‘A Cultura é o que faz do Ser Humano um novo tipo de Ser vivo, uma Ruptura na História da Vida’. ─ ‘A Linguagem é uma faculdade característica e essencial da Espécie humana’. (Axiomas inscritos nos painéis da Sala central do Museu de Arte Rupestre de Vila Nova de Foz Côa). ● Capazes de abstracção, de elaboração de sinais/símbolos e de arte simbolista, os Humanos de entre 30.000 e 17.000 anos a.E.C., que aí deixaram os seus vestígios artísticos, a sua chancela/pègada, já eram e entraram plenamente na categoria (antropo-genética) do ‘Sapiens//Sapiens’. Eles estão integrados (fisiológica e cerebralmente) na Grande Família do ‘Homem de Cromagnon’, de há ca. de 60.000 anos, o qual acabou (pelas suas capacidades mentais e físicas) por destronar a subespécie anterior do ‘Homem de Neanderthal (de há ca. de 200.000 anos), que ainda pertencia à família do ‘Homo Sapiens tout court’. Falamos, assim, porque a especiação filogenética, que deu origem ao paradigma/ /padrão antropogenético do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ se caracteriza e baliza, em confronto com a subespécie anterior, a do ‘Homo Sapiens tout court’, pela nova gramática da consciência reflexiva e crítica: Trata-se de um Ser que sabe que sabe, ─ o que, em última análise ou instância, o reconhece como dotado de consciência ao quadrado e ao cubo; por isso, ele pode e deve dispensar todos os mandos ou imperativos procedentes do exterior (i.e., todas as religiões institucionalizadas e toda a sorte de ‘Poderes sêcos’, de ordem política, económica ou social). ─ ‘Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensibus’. Quando Leibniz corrige o axioma filosófico tradicional, típico, que define o processus do Conhecimento humano, acrescentando-lhe a cláusula (da excepção): ‘nisi ipse intellectus’, ele não só ultrapassa a díade cognitiva inicial, mas também estatui 58


um esquema triádico, onde o intelecto, excepcionado, emerge (no plano de cada indivíduo-pessoa) ‘sentado na sua cátedra’ e, ao mesmo tempo, exprimindo, semanticamente, a realidade da Consciência humana. Este é um dado a que a História da Filosofia não tem dado a devida atenção, até porque, simultaneamente, o Processo civilizatório tem feito o seu percurso, ignorando a Consciência (e a Experiência) dos Indivíduos-Pessoas; mas a esclarecida mundividência dos Gnósticos primevos (sem esquecer Sócrates e Jesus) confirmam, criticamente, esta perspectiva. Voltando à interpretação da Arte rupestre do Côa (que é do Paleolítico superior: ca. de 20.000 a 17.000 anos a.E.C.). No seu livro ‘No Tempo sem Tempo’ (A arte dos caçadores paleolíticos do Vale do Côa) (Centro Nacional de Arte Rupestre, Vila Nova de Foz Côa, 1999, p.15), o arqueólogo António Martinho Baptista cita um texto balizador do mestre André LeroiGourham/1971, que reza assim: “O que é importante, não é que os humanos do Paleolítico tenham conhecido o mesmo simbolismo elementar, é justamente que eles tenham, a partir dele, desenvolvido a abstracção ao ponto de traçarem figuras geométricas, fazerem delas signos, carregados de um sentido, que nós ignoraremos porventura para sempre, mas de um sentido, que superava o teor primário dos seus símbolos. “… durante longos milhares de anos, na Europa ocidental compartimentada por numerosos obstáculos naturais, houve tradições estáveis que asseguraram o amadurecimento de uma simbólica, cujo desenvolvimento é absolutamente contínuo, desde a primeira manifestação artística até ao fim do magdalenense”. Ora, há uma Quaestio ad hominem que é preciso colocar, hoje, diante da Arte abstracta dos paleolíticos de Foz Côa: Se os humanos das gravuras rupestres de V.N. de Foz Côa, de há ca. de 25.000 anos (no chamado Paleolítico Superior, nas eras pós-glaciares), já podem, perfeitamente, ser considerados e assumidos a funcionar, segundo a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, por que é que a cartilha do Processo histórico-civilizacional, registado pela História das Civilizações, nos veio a patentear, até ao pre-sente, a aplicação sistémica, rude e selvagem, da cartilha do ‘Homo Sapiens (Demens) tout court’?!... E a resposta a esta Questão é, sumariamente, como segue: Porque, desde o fim da Era da Gilania (há 5.500 anos), quando começa o Processo histórico da civilização, com o advento do Patriarcado e das Divindades uranianas, se construiu toda uma Arquitectura ideológica em torno do Fenómeno e do Exercício do Poder, que dá pelo nome cimeiro/sinóptico de ‘Dualismo metafísico-ontológico’ (fundado, explanado e constituído por Platão e Paulo, como nós temos vindo a desvendar no C.E.H.C.). 59


Basta de repetições e de estereotipos de pensamento, de chavões e de clichés que nos atraiçoam a mente e a consciência identitária, porque não passamos, afinal, de papagaios ou ‘relógios falantes’, a quem os ‘chefes’ e os ‘pontífices’ ensinaram a lição ou deram corda. Na esteira de Clausewitz, por exemplo, que pregou a doutrina ‘a guerra é a continuação da política e da economia por outros meios’ (statement que já se achava filiado no adágio romano: ‘Si vis pacem para bellum’), habituámo-nos a uma ‘paz de armistício’, ao ponto de fazermos do conflito e da guerra uma situação societária permanente. É, efectivamente, o que se passa nas Sociedades-de-mercado hodiernas. Na Modernidade, assistimos à proliferação das Revoluções, mas o necessário e indispensável ‘homem novo’, como alavanca da nova Sociedade, nunca o vimos emergir. A teoria/doutrina que prosseguiu foi a mesma de sempre: o despotismo iluminado, que os mais demagogos e charlatães chegaram a baptizar de ‘despotismo da liberdade’!... O horizonte incontornável continuou a ser, inevitavelmente, o da Cultura do Poder-Dominação d’abord. E o reino da Utopia continuou a configurar-se na galáxia longínqua da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial.

● O Oximoro da Liberdade//Autoridade (Poder) Como se tem ensinado no C.E.H.C., o Poder é sempre um só, em última ins-tância. Por isso, os caminhos da afirmação da Liberdade (identitária) dos Indivíduos--Pessoas estão, inevitavelmente, marcados pela defesa da Dignidade pessoal e pela Re-sistência aos Poderes Estabelecidos, a todos eles!... Por isso mesmo, Jesus, na resposta que dá aos fariseus (que o questionaram sobre a quem pagar o censo…), disse, de um modo completo e cabal (segundo o Evangelho gnóstico de Tomé): ‘Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, e a mim o que me pertence’. Ou seja: a solução não é a díade (habitual/tradicional) dos Poderes… mas a tríade (onde, por definição, se acham incluídos todos os nascidos de homem e mulher). Marx, Nietzsche e Freud ─ como é sabido ─, nos últimos dois séculos da Mo-dernidade ocidental foram enaltecidos à categoria de ‘mestres (ou pensadores) da suspeita’. Usaram o seu camartelo, para dissentir do conformismo tradicional, para pôr cri-ticamente em causa tradições sem consistência, estereotipos e lugares comuns que, em vez de libertar, subjugavam e oprimiam as populações. Não obstante, os três pensadores mantiveram-se dentro do odre da sempiterna Cultura do Poder-Condomínio, apesar de terem envidado esforços para a desconstruir e demolir: prestaram culto à religião (laica) do Objectivo-Objectualismo; e adoptaram a cartilha do 60


Monismo epistemológico. Na mundividência crítica dos três, o chamado ‘homem novo’ (fonte da vera Alternativa para as tradicionais Sociedades humanas) não emergiu, nem poderia emergir. Porque a sua Gramática de Ser e Funcionar é a da Cultura da Liberdade Responsável pri-macial e primordial (que se encontra nos antípodas da primeira…). Preocupado com a crescente erosão da soberania das Nações e a implicada perda de poder dos eleitores, António Hespanha assevera, criticamente, que ‘a Democracia está em regressão’ (cf. ‘Expresso’/Atual, 29.9.2012, pp.34-36). “No plano político, a liberdade da nação chamava-se soberania. E essa consistia no facto de uma nação não ser património de ninguém”. Esta frase, com quase dez anos, explicou-a A.H., na entrevista (ibi, p.35), como segue: “Essa frase aplica-se actualmente com redobrada razão. A no-ção de democracia estava muito ligada à soberania e à ideia de a nação não ser pro-priedade de ninguém, embora nunca uma nação tenha realmente sido dona de si mesmo. Mas a democracia está em regressão, devido aos constrangimentos internacionais, com a formação de grandes espaços políticos e económicos, como a União Europeia, que expropriam o poder que a nação tinha sobre si mesma”. Eis por que é uma solução grave e pejada de consequências negativas o modelo que está em marcha para a U.E., a começar pelos 17 países da zona euro: o modelo da Federação (uniformista e piramidal/hierárquico), (à imagem dos USA…), em vez do modelo da Confederação (segundo, v.g., o padrão da Helvetia/Suiça). Onde está, hoje, a soberania de uma Nação, quando o Governo do Qatar (carecido de terrenos aráveis) se mostra pronto a comprar ao Quénia uma vasta região de terrenos de pastagem para gado vacum, que as tribos da região usufruem, desde há séculos, como garantia da sua sobrevivência?!... O Governo do Quénia mostrou-se empenhado em dar seguimento ao negó-cio… Em nome do Imperialismo economicista mundial, os Estadosnações entraram em agonia, e acham-se já na via da sua exterminação!... Enquanto não sairmos da galáxia do Despotismo iluminado (que as democracias representativas modernas/contemporâneas acolheram nas suas práticas societárias, sem o desconstruir e denunciar, precisamente em nome da religião laica do Objectivo-Objectualismo), não haverá soluções adequadas para toda aquela problemática política e institucional. Tem razão o prof. Carlos Firmino quando escreve (in ‘Pessoas & Humanidade’, org. de Maria C. Arruda, Noética/web e Edicon, São Paulo, 2012, p.46): “Desde que o despotismo iluminado (de políticos, militares e religiosos) traiu o conceito de solidarie-dade embasado pelo ideal socrático na aristocracia, da mesma maneira que Saulo/Paulo criou a igreja paulina contra a palavra de Jesus, o mundo do Ocidente vive uma guerra permanente contra si mesmo e contra a Humanidade; e quando a vera aristocracia (a gente boa e 61


capacitada para governar) levanta a voz contra esse despotismo do Poder pseudo instituído, como o fez a Justiça internacional no Caso Dusko Tadi , verifica-se que ‘É impossível evitar ilusões e embustes/armadilhas (activa e passivamente)’, como lembra Manuel Reis (in ‘Na Rota de uma Vera Nova Ordem Mundial’, p.22)”.

● ‘O Paradoxo dos Muçulmanos’?!... A revista/magazine ‘Newsweek’ (8.10.2012, p.1 e pp.16-22) traduziu esse paradoxo como segue: ‘Why do they always blame the West for their weakness?’, em boa parte apoiada e fazendo-se eco ao artigo de fundo de Husain Haqqani, titulado: ‘THE REAL THREAT TO ISLAM: Muslims have good reason to be angry ─ and it’s not a sophomoric movie trailer on Youtube’ (pp.22-26). (Husain Haqqani merece alguma atenção e respeito por este paper: foi embaixador do Paquistão em Washington de 2008 a 2011; e é prof. de Relações internacionais na Univ. de Boston e senior fellow no Instituto de Hudson.). Há, porém, aspectos e perspectivas (nesta problemática do conflito entre as reli-giões institucionalizadas e respectivas civilizações, bem como no concernente ao Movimento ecuménico inter-religiões…), que as melhores elites islâmicas têm dificuldade em captar e compreender; como, de resto, as elites cristãs ou hebraicas, as hinduístas ou shintoístas ou confucianas. O Diálogo franco, livre e responsável, entre os povos, as nações, as religiões institucionalizadas, está muito longe de constituir a ante-câmara, a realidade efectiva de onde se parte. Os sentimentos autárcicos e as ideologias próprias, por todos partilhados (em maior ou menor grau…), são a moeda corrente nas nossas Sociedades e à escala do Mundo, estigmatizadas e atiçadas pelo Sistema capitalista hegemónico e pela sua ma-triz, a Cultura do Poder-Dominação d’abord. Ora, se há um ‘Paradoxo Islâmico’ (que, segundo a ‘Newsweek’ e Haqqani, pode ser expresso na auto-censura da fraqueza dos islâmicos, perante o Ocidente), há, igualmente, um ‘Paradoxo Cristão’ que, partindo do pressuposto que tem a globaliza-ção assegurada e toma a hegemonia dos Ocidentais sobre o Mundo como um dado indiscutível, já não é capaz de operar a distinção estrutural entre eles mesmos qua Sujeitos e o Mundo objectivoobjectualizado por eles criado e construído. Por isso, os ocidentais têm actuado, ao longo da Sócio-história, com o catecismo dos dois pesos e duas medidas e nunca questionaram a sua Cultura da Potestas-Dominação d’abord e, consequentemente, a legitimidade (universal…) da sua Força e 62


Omnipotência. Desta sorte, o Mundo há-de continuar dividido entre os fracos e os fortes, entre a esquizofrenia e a paranóia!... E, em tal horizonte, não haverá Paz substantiva, i.e., Paz sem conflitos armados e guerras. Quando o forte se aproxima do fraco e o impede ou inibe de discutir consigo, em-pé-de-iguadade, as culpas do malogro (no relacionamento entre os dois), por princípio, devem recair, em última instância, sobre o primeiro. Enlevado pelo êxito geral das ‘Cruzadas’, e em demanda da dominação sobre o Levante, (antes da tomada de Constantinopla pelos Turcos Ottomanos, em 1453), Manuel II Paleólogo, imperador de Bizâncio, lançou o insulto/chave aos Muçulmanos, ao ter declarado que tudo quanto Maomé trouxe foi mau, designadamente o mandato para espalhar a fé, que ele prègava, pela espada. O que veio historicamente a acontecer desde essa ‘excomunhão’: os islâmicos pagam, na mesma moeda, o insulto, assinalando que os defeitos estão nas outras religiões e sublinhando que a sua fé é perfeita. Como se o Cruzadismo cristão e as práticas da Inquisição não pagassem também o seu tributo à espada, à violência e à guerra!... Assim, quando os ocidentais sentem (ou pressentem…) que os islâmicos constituem uma ameaça à Civilização ocidental, os primeiros estão a reconhecer um dado histórico, que os segundos já encorporaram no seu alforge (mais virado do avesso…). Escreve Haqqani (ibi, p.19): “O fenómeno do ultraje a propósito de insultos ao Islão e ao seu profeta final é uma função da política da era moderna. Teve o seu início durante o regime colonial do Ocidente, com os políticos muçulmanos a procurar questões para mobilizar os seus constituintes. Os líderes seculares polarizavam-se na oposição à dominação estrangeira, e os islamistas emergiram para reclamar que o Islão não é meramente uma religião, mas também uma ideologia política. As ameaças à fé torna-ram-se um grito recorrente para os islâmicos, que seleccionam as questões mais espinhosas para definir a sua agenda política”. Através das suas vinculações ao Poder da Espada e da Dominação (hegemóni-ca), os islâmicos e os islamistas em geral acentuaram (como nenhuma outra religião institucionalizada) a dimensão social da sua fé, ao ponto de, na sua mundividência, já não serem capazes de ou, pelo menos, terem muita dificuldade em discernir e identificar o que é o plano (universal) da Lei natural racional e do Direito natural. Desta sorte, por exemplo, quando, na Era da Pós-Modernidade positiva e crítica (como nós, no CEHC, balizamos e definimos a era actual), a palavra d’ordem intelectual/crítica é ‘abaixo todas as religiões institucionalizadas’ (a bem da paz e da convivência pacífica da Humanidade e da promoção de Sociedades humanas fraternas à escala global), os islâmicos e os islamistas teimam, 63


ideologicamente, em admitir e estabelecer o Islão como ‘religião natural’. O que é um contra-senso e uma contradictio in terminis. Por outro lado, as Cristandades, na sua mundividência oficial, ao admitirem o pensamento laico e ateu no seu seio, habituaram-se, ao mesmo tempo, a pactuar e a conviver com as religiões institucionalizadas, sem as questionar, enquanto tais (o que, na Modernidade ocidental, acontece, filosófica e politicamente, desde o ‘Leviathan’ de T. Hobbes). Desta feita, elas admitiram e adoptaram, no núcleo duro da sua Cultura, o que é, em termos críticos, uma contradição crucial/estrutural, que impede, absolutamente, a sua evolução, no sentido (necessário e indispensável) da superação das ‘religiões institucionalizadas’, enquanto tais. Quase em jeito de leit-motiv, diz-se, aí, no artigo (p.20) que Nada na Tradição Islâmica exige aos muçulmanos que lancem coisas ao fogo, sempre que ouvem alguém a insultar a sua fé. “De facto, o Corão refere-se ao Profeta Maomé como ‘Reh-matul-lil-Alameen’, ou ‘aquele que traz a compaixão para todos os mundos’. Depois de anunciar a sua revelação, Maomé rezou por aqueles que o insultaram ou a ele se opuseram” (idem, ibidem). Mas o ponto de viragem (ideológica) na história do Islão (face às Cristandades e ao Ocidente), começa quando os muçulmanos se viram submetidos ao regime colonial da Civilização Ocidental; e aí, os seus queixumes e agravos têm o valor ético da resistência ao tirano e ao colonizador/dominador. Nesta questão, o nosso Autor faz alguma justiça à História, quando escreve (ibi, p.21): “Desde a sua queda sob o regime colonial do Ocidente, o mundo islâmico desenvolveu uma narrativa de agravados. A visão é par-tilhada pelos islamistas, que consideram o Islão como ideologia política, ao passo que outros muçulmanos não subscrevem esta tese. Como todas as narrativas nacionais e comunitárias, a tese tem alguns elementos verdadeiros. É um facto histórico que o mundo islâmico percorreu séculos em movimento ascendente, antes de surgir a influência do Ocidente, que trouxe consigo o declínio do poder muçulmano. E não restam dúvidas de que o imperialismo do Ocidente no séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX esteve lon-ge de ser benigno. Dividiu os muçulmanos, denegriu-os, e usou as modernas tecnologias ─ desde a imprensa aos media electrónicos e aos filmes ─ para fazer uma caricatura do que foi, outrora, uma civilização preeminente e uma fé que perdura no seu coração”. Deve, aqui, advertir-se, em termos históricos, que o declínio dos impérios Otomano e Mongol já se registava antes do colonialismo ascendente da Civilização Ocidental. Na verdade, a Imprensa (os tipos móveis) descoberta por J. Guttenberg (1399-1468) foi por eles recusada, durante dois séculos e meio. O que pode explicar, igualmente, por que os Muçulmanos falharam na 64


sua adesão à Revolução Industrial, aos sistemas bancário e de segurança, às companhias de produção e distribuição, que proliferaram na Europa e no Ocidente, em geral. Assim, tem razão Haqqani, quando escreve (ibidem): “A fraqueza corrente do mundo muçulmano, contudo, não encontra a sua inteira explicação nessa Falta que foi o colonialismo do Ocidente e as maquinações póscoloniais. Durante um século ou mais, a superação dessa fraqueza tem sido a força condutora por detrás de quase todos os maiores movimentos políticos no mundo islâmico, desde o Pan-Arabismo ao Islamismo contemporâneo. No entanto, os muçulmanos não têm feito, praticamente, esforços sérios para entender as causas e os remédios do seu declínio ao longo dos últimos 300 anos. Ultrage e ressentimento ─ e a teoria da conspiração que os enforma ─ são substitutos pobres para compreender as razões pelas quais a glória perdida do Islão teve tantas dificuldades em ressurgir”. ─ Apesar da verdade histórica que vem em seu abono, o tom do discurso do nosso Autor ainda incensa objectualmetne a Cultura do Poder-Condomínio (porventura, sem disso dar conta…). Perante a hegemonia ascendente e a ‘omnipotência’ do Ocidente (cristão!...), foi quase natural que o universo islâmico se fechasse, na sua mundividência, sobre si mesmo, até cair no narcisismo e na paranóia, ─ um Islão que surge viçoso, nos sécs. VII/VIII, precisamente em anteriores áreas geográficas da Cristandade, para corrigir erros de palmatória e fazer apelo ao bom senso crítico. Não esquecer que os islâmicos se vêem a si mesmos, através da Ummah, como uma só nação, que se contrapõe ao resto do Mundo… Saiu recentemente um livro de um académico indiano islamista, Abdul Hasan Ali Nadwi, com o título em inglês: ‘Islam and the World: The Rise and Decline of Muslims and Its Effect on Mankind’. A edição árabe do livro em causa ostentou, desde logo, um título substancialmente diferente: ‘What the World Lost by the Decline of Muslims’. O fechamento e o narcisismo são patentes. E um dado é certo: sem uma gramática de objectividade/universalidade, não é possível sair do cerco/curto-circuito do narcisismo e da paranóia. Desta sorte, “a indústria do ultraje assegura que os muçulmanos continuem a censurar os outros pela sua condição, enraivecendo sobre a sua impotência, em lugar de darem a prioridade às questões económicas, políticas e sociais” (Haqqani, ibi, p.21). Aqui chegados, vale a pena gastar uns minutos de reflexão crítica (comparativa) em torno das Vantagens (reais) da Cultura/Civilização do Ocidente, que lhe granjearam, na Modernidade, o seu pioneirismo e ascendência, em confronto com as outras Civilizações/culturas. Falamos, aqui,

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obviamente, de vantagens estruturais/estruturantes, que possam fazer caminho histórico em justiça e verdade. Forte//Fraco; Vencedor//Vencido. Estas díades (hierárquicomonádicas) existem de modo bem assinalado, ao longo da História, na Cultura/Civilização islâmica. Mas elas também estão presentes (com consequências trágicas…) na Cultura/Civilização do Ocidente, e, em maior ou menor grau, nas restantes grandes Civilizações. São, afinal, categorias destiladas pela (comum) sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Quando esta Cultura da Conquista e Dominação está presente como ideologia societária corrente, as consequências e os resultados não podem ser outros. De resto, todas as religiões institucionalizadas, qua tais, alimentam esta pecha… Ora, as Vantagens reais e verdadeiras do Ocidente (à rebelia de todas as mundividências ancoradas na Potestas d’abord) têm duas fontes distintas mas conjugadas: A) a filosofia gnóstica do Socratismo e do Jesuanismo, que descobriram e identificaram, nos dois campos (no da Verdade e no da Justiça), o caminho certo a seguir: a lei (lugar de encontro das pessoas), na sua dimensão objectiva (não objectual) e universal, capaz de jungir o uno (identitário) e o múltiplo; a lei natural-universal, em suma. B) Nos inícios da Idade Moderna ocidental (também como resultado dos Descobrimentos transoceânicos…), surdiram as chamadas ciências positivas e experimentais (coadjuvadas pela Mathesis como saber exacto). Estas vieram a fazer caminho em duas direcções: ─ o da Ciência (pura) no plano teorético; ─ e o das diversas ciências aplicadas. Enquanto as segundas logo pagaram tributo à Ideologia dominante da Potestas d’abord (e estão na origem do colonialismo e do imperialismo modernos ocidentais), a primeira ─ a Ciência no plano teórico ─ manteve-se no horizonte objectivo-universal (não objectualista) do Conhecimento, portanto, no Plano da Lei Natural Racional, refractário, por definição, a toda a sorte de conquista e dominação. Este horizonte da novel Ciência (na esteira da Filosofia gnóstica) constituiu a perspectiva fundadora da vera Igualdade, esperada/futura, de todos os Seres humanos livres, na órbita do Conhecimento, onde, desta maneira, não há forte nem fraco, vence-dor nem vencido, e se podem, efectivamente, encontrar (ou recuperar) as leis objectivas e universais, que regem o Universo e os Humanos. Não esquecer que foi nesse horizonte que a Filosofia gnóstica de Sócrates e de Jesus descobriram e implantaram o Projecto da busca e identificação da Verdade em Diálogo e da Justiça e do Justo em Diálogo social/societário. Neste horizonte ─ como é óbvio ─ foi ultrapassado, definitivamente, aquele esquema estrutural diádico (mas, na realidade, hierárquico-monádico) do forte e do fraco, do vencedor e do vencido, porque a 66


gramática da Cultura, que aí se impõe, é a da Liberdade Responsável primacial e primordial dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos. Para completar este nosso painel comparativo/criticista, é mister acrescentar o seguinte: a Cultura/Civilização do Ocidente (ao dar guarida ao filão mais autêntico e nuclear das suas fontes históricas) não terá possibilidade/capacidade de pôr em marcha as mensagens (geminadas) do Socratismo e do Jesuanismo, em termos metodológicos, enquanto não adoptar, no seu andor procissional, a teoria/doutrina da Dualidade Epistémica (contra o tradicional e useiro/vezeiro Monismo Epistémico), que nós fizémos questão (no CEHC) de clarificar e defender, no nosso Livro ‘Honest to God ─ Já Não… Honest to Humans ─ Ainda Sim!...’ (Edições Alpharrabio, São Paulo, 2002). A saber: Há duas Epistémes distintas e inconfundíveis: a que é própria e específica das ciências físico-naturais; e a que é própria e específica das ciências psico-sociais e/ou humanas. De outra maneira, continuará a tragicomédia da ‘cartilha dos dois pesos e duas medidas’ e a separação abissal entre o plano da Teoria e o plano da Praxis e das Práticas societárias. Continuará em vigor a cartilha (insensata) do ‘Homo Sapiens tout court’. Como tinha razão Bernard Shaw, ao gritar a denúncia satírica: ‘Quem sabe faz; quem não sabe ensina’!... E razão tinha, igualmente, Henri Bergson ao proclamar a máxima orientadora: ‘Pensar como homem de acção; agir como homem de pensamento’.

● Em que órbita funciona o C.E.H.C.? ─ Desde logo, na sua fonte e base (de índole psico-sócio-antropológica), ergue-se, firme, a Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial (contra a tradicional Cultura antipódica do Poder-Dominação d’abord, que se exprime na apropriação, na conquista, no saque e na pilhagem, ─ Cultura de violência e guerra em vez de paz). Mas há sempre problemas cruciais (edge problems), que é preciso encarar e resolver, adequadamente. Entre eles, está o de saber lidar com acontecimentos dramáticos ou trágicos, por exemplo, aqueles cujas raízes de violência e sanha persecutória se acham (com alguma frequência), no ‘universo fechado’ do Islão (com ca. de 1,5 mil milhões (ou billions, à inglesa…) de crentes/aderentes no Mundo). Seja aqui recordada a ‘fatwa’ do Imã Ayatollah R. Khomeini, contra o romance de Salman Rushdie, ‘The Satanic Verses’,em 1989. Já em 2012, (23 anos depois da ‘fatwa’), foi dado à estampa um novo romance de S.R., com o título ‘Joseph Anton: A Memoir’, ─ uma narrativa entretecida pela história da sua vida clandestina, em regime de exílio protegido na G.B., durante todo o tempo que duraram os efeitos da ‘fatwa’ (cf. ‘Newsweek’, 24.9.2012, pp. 18-24). 67


Mais dois casos ‘exemplares’, em que (os) islâmicos foram tomados pelo sentimento de um ultraje enraivecido: a chamada ‘Danish Cartoons Controversy’ (as célebres caricaturas dinamarquesas, em 2005); e, mais recentemente, o ‘Wilders’s Controversial ‘Fitna’ Film’ (cf. artigo de Ayaan Hirse Ali, in ‘Newsweek’ cit., pp.20-24). Um Quadro-resumo, crítico-analítico, da situação: ─ “My friend Theo reportedly asked his assailant ‘Can’t we talk about this?’” (ibi. p.21). ─ Há, indiscutivelmente, uma proeminente tendência incoerente para, ao mesmo tempo, defender a liberdade de expressão e condicionar os seus resultados reais (ibidem). Ora isto mesmo, esta duplicidade foncière, é uma consequência directa da Cultura do Poder-Dominação d’abord. ─ Mesmo sobre o caso de S. Rushdie, que se considera amigo e não inimigo do Islão: foram defensores e amigos seus, durante o seu exílio protegido na G.B., que lhe respondiam, recorrentemente, desta sorte: ele só tinha que lamentar a fatwa, e que algo poderia ter sido feito para a evitar… Em conclusão, os seus amigos e defensores não defendem como inalienável o direito à livre expressão pessoal (desde que se esteja convencido do afirmado e se respeitem minimamente os outros). São ainda vítimas do Poder-Condomínio e sua Cultura tradicional (que é própria de todas as religiões insti-ucionalizadas). ─ Em torno do caso do assassinato de Theo van Gogh, o que a opinião corrente diz e repete é o seguinte: ‘claro, matar é mau, mas Theo foi um provocador’… Ora, o que nesta situação paradigmática se está exprimindo, é a tese de que, em tais situações, é preciso sempre pedir desculpa pelas ousadas liberdades de expressão!... (Cf. ibi, p.23). Que ficou pressuposto, na contenda?... Que se continua a ignorar (é um enigma…) o tertium datur, entre as duas partes antagónicas: ou seja, há uma Objectividade/Universalidade (ao nível da Discussão/Diálogo e das Inteligências), comum, onde as duas partes em litígio se podem encontrar. ─ Atente-se no veredicto sobre a não-publicação dos ‘cartoons’, emitido pela Yale University Press: “And the cartoons are deliberately grotesque and insulting, gratuitously so. They were designed to pick a fight. They meant to hurt and provoke. At best, they are in bad taste. The Press would never have commissioned or published them as original content” (ibidem). Constitui, na verdade, uma insensatez e uma loucura procurar extrair leis para as questões humanas, a partir dos deuses e dos profetas (cf. ibi, p.24). É por aqui, por esta propedêutica, que deve começar toda a Discussão séria sobre estas matérias e afins. A alternativa ─ lembra o Autor do artigo em pauta ─ é manter os ideais da regra da lei e a liberdade de pensamento, de adoração e expressão. E Ayaan Hirsi Ali lembra, ainda, a frase célebre de Voltaire em jeito de ícone: “Eu desaprovo tudo o que dizes, mas defendo até à morte o direito de o dizeres”! 68


Acerca do Filme americano sobre o Profeta (acima referido), lançado na Internet, que o mundo da Francofonia designou, mais explícita e ironicamente, sob o epíteto ‘L’Innocence des musulmans’, ‘Le Monde Diplomatique’ (Out. de 2012 p.20) falou, justamente, de uma Indignação selectiva, que, a nosso ver (no C.E.H.C.), é bem a característica suprema da estratégia ‘dos dois pesos e duas medidas’ da Cultura/Civili-zação do Ocidente e de todas as outras, que prosseguem funcionando segundo a cartilha do Poder-Dominação d’abord. Em resumo, os ‘cartoons’ de 2005 e o Filme, agora em discussão, abalaram as capitais árabes e desencadearam mais manifestações no mundo islâmico, do que a ocupação americana de Bagdade ou a persistência das agressões israelenses contra os Palestinianos. Assim vai o Mundo!... As’ad Abu Khalil faculta-nos o esquema das explicações da linha e do sentido dos acontecimentos (ibidem): “No conjunto do Próximo-Oriente, é viva a concorrência entre os salafistas e os Irmãos muçulmanos. Em numerosos países ─ Síria, Tunísia, Egipto, etc. ─, esta competição exprime as rivalidades entre a Arábia Saudita, que apoia os primeiros, e o Qatar, que apoia os segundos. Em razão do apadrinhamento de Riyad, os salafistas são reticentes em tomar posição sobre as grandes questões: a justiça social, a ocupação estrangeira, a Palestina. Em contrapartida, a defesa do Islão, do seu Profeta e de um código moral estrito não envolve qualquer perigo. Os salafistas manifestam-se sobre estes temas, com tanto mais força quanto eles podem acusar os Irmãos muçulmanos de dar mostras de pragmatismo político e de laxismo”. ─ Com efeito, quando é a Potestas d’abord que vai ao timão da Nau civilizatória, a Verdade e as convicções pessoais já não interessam para nada… a não ser para resistir aos Poderes Estabelecidos e aos Ditadores. “Por seu turno, os media ocidentais ─ conservadores ou progressistas ─ expri-mem a sua recusa de qualquer expressão islamista, mesmo muçulmana. As manifestações no mundo muçulmano, em lugar de levar os países ocidentais a rever a sua política, acarretam consigo um endurecimento. Ironia da sorte, o fanatismo dos muçulmanos salafistas alimenta os islamófobos ocidentais, e vice-versa” (idem, ibidem). ─ Dir-se-ia que os veros problemas sociais podem esperar pelas calendas gregas… no mundo ocidental e no mundo islâmico, bem como nos restantes!... A tragicomédia do Mundo em marcha para o ‘Apocalipse’ final…

● A Cultura/Civilização do Ocidente está, estruturalmente, inibida e impedida (!...) de ajudar a resolver o Conflito (nuclear) do Médio-Oriente (entre o Estado de Israel e os Israelenses, dum lado, e do outro, os Palestinianos e o mundo árabe) e, por essa via, a problemática global do Desconcerto do Mundo, por duas ordens de razões estruurais (de acordo com a gramática do C.E.H.C.): A) A Cultura do Poder-Dominação d’abord (que é o primeiro 69


motor que a alimenta…) e o seu 1º postulado: a estratégia ‘dos dois pesos e duas medidas’. B) O Dualismo metafísico-ontológico, procedente de Platão e das Cristandades de Paulo, o qual continua a nutrir toda a sua arquitectura ideológica. O essencial da Resolução nº 242 do Conselho de Segurança (Internacional) da O.N.U., de 22 de Novembro de 1967 (havida na oitava da chamada ‘guerra dos seis dias’, (onde Israel cantou vitória exuberante…), rezava o seguinte: “O Conselho de Segurança […] sublinha […] a necessidade de uma paz duradoura e justa, que permita a todos os Estados da região viverem em paz […]. Corrobora […] o estabelecimento de uma paz justa e duradoura […], que deve incluir os seguintes princípios: Retirada das forças armadas israelitas dos territórios ocupados durante o período do conflito, cessação de qualquer declaração de guerra e estado de guerra, o respeito e o reconhecimento da soberania da integridade territorial e da independência política de todos os Estados da região e do seu direito a viver em paz, dentro de fronteiras seguras, respeitadas e livres de qualquer ameaça e violência […]”. (Cf. ‘História Universal’, 2º vol., parte IV, p.478, edição do Círculo de Leitores/Selecções do Reader’s Digest, 1994). ─ Pias intenções, que não foram cumpridas, como é sabido… Uma declaração israelense de 1982, emitida por Yitzhak Shamir, Ministro dos Negócios Estrangeiros, estabelecia laconicamente: “Com a cedência da península do Sinai […], Israel percorreu um vasto caminho até ao cumprimento […] da resolução nº 242 do Conselho de Segurança […]. Deve recordar-se que a península do Sinai constitui 90% do que se alcançou durante a Guerra dos Seis Dias” (ibidem). No fundo de toda a problemática estrutural, de ordem real e concreta e também ideológica, do Conflito (ainda hoje/2012 por resolver) do MédioOriente, está, sem dúvida, a contradição institucional, criada ao nível da própria O.N.U.: no encalço da IIª G.M., a O.N.U. criou o Estado de Israel, procurando dar uma pátria/mátria aos judeus dispersos pelo Mundo. Em 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas deu o seu acordo à divisão da Palestina e à criação de dois Estados: o de Israel (Judaico) e o ÁrabePalestiniano. Em 1948, é proclamado, por David Ben Gurion, o Estado de Israel; e em 1949, é o ingresso oficial de Israel na O.N.U.. Ora, só em 2011, o Presidente da Autoridade Nacional Palestiniana (Mahmoud Abbas) encontrou condições para avançar com a proposta do Estado palestiniano, na Ass. Geral das Nações Unidas, quando a O.L.P. e a Al-Fatah já se encontravam mais flexíveis (do que na anterior situação sob a presidência de Yasser Arafat), em relação à existência do Estado de Israel. Entretanto, o objectivo dos Palestinianos era o de conseguirem um Estado próprio nos territórios (seus) da Palestina. Não puderam 70


(moralmente…) nem quiseram aceitar a proposta, admitida pelos israelenses, de constituírem um território autónomo, desmilitarizado, nos territórios ocupados, pelas forças armadas de Israel, desde 1948 a 1967, designadamente na Jordânia (a chamada margem leste, com Nablus e Hebron) e no Egipto (Gaza). Neste contexto, não se pode esquecer que a recusa da proposta (aceite por Israel) tinha um novo fundamento: o comportamento de conquista e dominação, por parte do seu vizinho, o Estado de Israel, ─ o que havia conduzido os Palestinianos a nutrir o sentimento e o desejo de eliminar o Estado de Israel. Ora, foi a própria Assembleia Geral/Plenária das Nações Unidas que, em 1967, veio a deliberar que os direitos dos Palestinianos deviam prevalecer. Assim, contrariava-se a própria O.N.U., que havia criado o Estado de Israel, e, ao mesmo tempo, apoiavam-se os direitos dos Palestinianos, que pretendiam eliminar o Estado de Israel. Neste caldo de cultura, sionismo e racismo tornaram-se equivalentes. O ambiente ideológico de hostilidade entre as duas partes tem prosseguido até ao presente, com situações e cenas de violência, perseguição e morte, onde o papel activo é prioritariamente desempenhado pelos Israelenses e o passivo pelos Palestinianos. Como os cristãos e os islâmicos, os judeus nunca abandonaram a sua mística e a sua ideologia da Cultura do Poder-Condomínio. Vítimas do Holocausto nazi (a Shoa hebraica: falaram os historiadores de 6 milhões, outros de 10 milhões…), os Judeus, quando se viram congregados historicamente, no que chamaram a sua antiga pátria//mátria, tudo fizeram para a defender, conservar e expandir (um pouco à semelhança da expansão nazi do ‘Lebensraum’): compra de terrenos e casas e fundação de colonatos; muros (de separação) de arame farpado e de betão. Policiamento e vigilância, por parte de piquetes das Forças armadas, sistematicamente de armas na mão contra as populações das aldeias palestinianas. Ameaças de toda a sorte sobre os Palestinianos, inclu-sive para os inibir e impedir de fazerem manifestações na rua. De vítimas, os Israelenses passaram a dominadores e agressores (como manda o catecismo da Cultura da Potestas d’abord: em esquema de vendetta). A propósito do Holocausto judaico, por parte dos nazis, e, paralelamente, do Ho-locausto dos palestinianos, por parte dos judeus, convirá lembrar que a chamada ‘lava-gem da história’ constitui um Erro e um Crime, contra a vera e autêntica História, os quais têm a sua base na perversa teoria nietzscheana do ‘eterno retorno’ e na doutrina geminada da Cultura do PoderDominação d’abord; além disso, ela constitui um atentado grave contra o espírito objectivo-universal da Humanidade. Depois da ‘guerra dos seis dias’ (em 1967), veio a guerra do ‘Iom Kippur’ (em 1973), entre Israel, dum lado, e do outro, o Egipto de Sadate e a Síria, que 71


resolveram atacar o 1º de surpresa. Foi a chamada guerra israelo-árabe. Israel (que saiu vencedor) anexou mais alguns territórios aos que havia conquistado em 1967. Finalmente, vieram os acordos de Camp David/Washington D.C., (em 17.9.1978), onde foi assinado um tratado de paz, um armistício, como impõe a cartilha, com o patrono (U.S.A.) a argumentar que tinha de ser assim, ou seja, a solução tinha de ser política, não militar; e, além disso, porque, de contrário, se esperava a intervenção da U.R.S.S. e, por essa via, uma guerra nuclear mundial. A paz de armistício entre os dois contendores da guerra do ‘Iom Kippur’ foi assinada… ─ Hoje/2012, ainda não temos dois Estados autónomos, a conviverem pacificamente na antiga Palestina. Até quando?!...

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● Há uma âncora na Nau do C.E.H.C. (para toda a sorte de odisseias em que se empenha), que dá pelo nome compósito: o Psico-SócioÂnthropos. Nomear a realidade e identificá-la, de modo crítico e holístico (não ‘en miettes’, como tem feito a Modernidade ocidental, estigmatizada pelo método e o espírito cartesianos), é mesmo importante e decisivo. Nunca será demais, contemporaneamente, sublinhar esta temática e o respec-tivo argumentário. Vamos recuperar e transcrever, a propósito, um pequeno texto de Alexis Carrel (Nobel da Medicina/1912), a partir do seu livro ‘O Poder da Oração e Seus Efeitos’ (Edição comentada por Médicos Portugueses), (Coordenador da Edição Portuguesa: Cândido Ferreira), Largebooks/Editora, 2012, pp.15-16): “A Nós ─ homens do Ocidente ─ a razão parece-nos muito superior à intuição, preferimos grandemente a inteligência ao sentimento. A ciência irradia, ao passo que a religião extingue-se. Seguimos Decartes e abandonamos Pascal. “Desta maneira, procuramos primeiramente desenvolver em nós a inteligência. Quanto às actividades não intelectuais do espírito, tais como o senso moral, o senso do belo e ─ sobretudo ─ o sentido do sagrado, são desprezados por forma quase completa. A atrofia destas actividades fundamentais torna o homem moderno um ser completa-mente cego, e essa enfermidade não lhe permite ser um bom elemento constitutivo da sociedade. É à má qualidade do indivíduo que temos de atribuir o desmoronamento da nossa civilização. De facto, o espiritual torna-se tão indispensável ao bom sucesso na vida, como o intelectual e o material. É, portanto, urgente fazer renascer em nós mes-mos aquelas actividades mentais, que, mais do que a inteligência, dão força à nossa per-sonalidade. E a mais ignorada dentre elas é o sentido do sagrado ou o sentimento religioso”.

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Aqui, o sino da Aldeia (global…) toca um Alerta, que te revela uma mensagem, tradicionalmente esquecida e oculta: Não é a religião que é ‘o ópio do povo’ (como pretendia K. Marx); são as religiões institucionalizadas qua tais, precisamente por causa da ‘duplicidade’ do Poder, que elas configuram, na sua actuação e exercício. Numa tonalidade assertiva e num estilo ad hominem, Cândido Ferreira escreveu aí, com toda a justeza (p.82): “Mas não foi com Carrel que aprendemos que a Humanidade evolui facilmente em tecnologia, mas não intelectualmente, desfasamento que tende a degenerar a sua própria essência? E que se o Homem não for à procura de si próprio, se afastará do Mundo e cairá no abismo, um dos grandes paradoxos da actualidade?” ─ Quanto tem, hoje, a aprender a Humanidade, a partir das religiões ancestrais do Oriente e, muito em particular, das Grandes Escolas de Atenas e Alexandria, onde os veros Gnósticos (como Sócrates e Jesus), ao defenderem a sintonia estrutural e profunda entre os Humanos e o Universo, assinalaram, ipso facto, a via certa e segura, para a realização da Humanidade: a união indissolúvel da Justiça e da Verdade, do justo e do verdadeiro. E aí, o diálogo socrático (fundador da vera e justa Sociedade) só pode fazer o seu caminho, sob a bandeira do primado da Justiça sobre a Verdade. (Uma via que se acha, afinal, nos antípodas do Mundo configurado por Bento XVI, na sua encíclica ‘Charitas in Veritate’ (de 29 de Junho de 2009).

● A Lição que veio da Islândia!... Há cerca de 4 anos em inícios de bancarrota financeira geral, a mais antiga Democracia do Mundo ocidental (sem falarmos da Democracia Ateniense de Péricles), (o seu parlamento designado de ‘Alting’ data de 930), deu sinais excepcionais de vida, que bem podem configurar-se num padrão a ser retido pelos regimes democráticos: moveu um processo, por incompetência funcional e fraude, ao seu Primeiro Ministro, o qual veio a ser condenado. Os três principais Bancos do país foram nacionalizados; e sob o mandato imediato do Povo, em referendo, 25 personalidades cidadãs elaboraram uma Constituição política, para pôr o regime democrático a funcionar em estilo (predominante) de Democracia directa, ou seja: a organização política dos Poderes societários procede das bases comunitárias para o topo, e não, a contrario, (como é tradicional nas democracias representativas indirectas), do vértice para as bases populares. Em tal esquema ─ já se pode lobrigar ─ tornou-se óbvia a ‘dispensa’ dos Parti-dos políticos tradicionais. Desta sorte, a nova Constituição Republicana e 73


Democrática da Islândia vai ser referendada pelo Povo nas urnas, nas próximas semanas. (Informação elaborada, a partir dos noticiários da RTP/1, em 19.10.2012). ─ Hodiernamente, alarga-se, cada vez mais, a atmosfera ideológicocultural das chamadas ‘artes do Protesto’ (na esteira dos movimentos de ‘Indignados’ dos últimos anos, especialmente desde 2008, quando a Crise económico/financeira actual deflagrou à escala internacional); ─ essa atmosfera exprime-se, hoje, nas mais diversas manifestações massivas/multitudinárias, em espaços ‘institucionais’ que já não são enquadráveis nas quadrículas habituais dos Partidos e das Organizações sindicais (cf. ‘Expres-so’/Rev., 20.10.2012, pp.26-34). Em alguns casos, até os polícias se oferecem para aju-dar e colaborar, voluntariamente, com os manifestantes, ─ claro, fora das suas horas de serviço. Sinais dos tempos!... Dir-se-ia que a geometria societária das democracias repre-sentativas liberais, se não se acha já em vias de extinção, estará pelo menos a deixar abrir novos espaços, para as práticas (fecundas e com futuro) da gramática da ‘Democracia directa’.

● “Avassalados por cíclicas crises de emprego, habitação, produção e consumo, continuamos a esperar dos conclaves de ‘experts’ a descoberta de um modelo de organização sócio-económica, que seja mais do que um ansiolítico ou cantiga de embalar” (Leonel Cosme, in ‘A Página da Educação’, Outono de 2012, p.83). ● “Percebendo a Anarquia e a incapacidade dos Estados, os ‘organizadores’ sem rosto do Mundo não estão preocupados. Há quem governe e se governe muito bem. A Ética não é um sistema de regras, e mesmo que o fosse, quem imporia ética a este ‘governo’ sem Estado nem rosto?” (Carlos Mota, ibi, p.86). ● “As palavras não mudam a realidade. Mas ajudam-nos a pensar, a conversar, a tomar consciência. E a consciência, essa sim, pode mudar a realidade”. (António Nóvoa, ibi, p.90). ─ A consciência in actu exercito (acrescentamos nós). Por isso, o próprio Fernando Pessoa enganou-se no aforismo por ele cunhado e, hoje, muito divulgado: ‘a memória é a consciência diferida no tempo’. Ora, a consciência, enquanto tal, não pode ser diferida… ela só é e actua in actu exercito. E, em defesa da Democracia e do regime democrático, deverá saber-se que “a arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade”. (António Nóvoa, ibidem). Vítor Gaspar (o super-ministro das Finanças português) deveria meditar nesta frase de A.N., quando proclama que é muito 74


reduzida a margem de manobras de altera-ção para o actual ‘O.G.E.’ de 2013!... Portugal tornou-se um protectorado da sra. Merkel da Alemanha.. E a U.E. está a desfazer-se; não apenas a ‘zona euro’.

Poderá Barack Obama (no caso de vir a ser reeleito Presidente, em Nov. próximo, ─ o que nós desejamos…) carrear consigo alguma nova esperança para o Mundo, à escala global?!... “A questão das desigualdades económicas está no centro do Debate público americano. O presidente Barack Obama agarrou o tema num discurso pronunciado em Dezembro de 2011, no Kansas, ao criticar a ideologia do mercado livre e ao insistir na necessidade de obrigar os ricos a pagar mais impostos e regular a finança. Utilizando uma imagem popularizada por ‘Occupy Wall Street’, ele salientou que os rendimentos dos 1% mais ricos haviam dobrado ao longo do último decénio”. (In ‘Manière de Voir’, Out.-Nov. de 2012, dedicada ao tema: ‘Où Va l’Amérique?’, p.40).

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● Respigando o tema do Despotismo iluminado, que se configura nos antípodas tradicionais do novo Modelo da ‘Open Society’ (popperiana) e da Sociedade baseada na Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, preconizada e projectada (criticamente) pelo C.E.H.C.: ─ O emblema supremo dos juízos críticos avaliativos do fenómeno do Despotismo iluminado, é a frase conhecida de Deolinda: ‘Que mundo tão parvo que, para ser escravo, é preciso estudar’!... ─ Onde está a ‘Pedagogia da AUTONOMIA’, defendida e promovida (magis-tralmente) por Paulo Freire e tantos outros Companheiros na mesma Luta (e sempre esquecida e ignorada pelos Poderes constituídos nos Sistemas Educativos e respectivas Escolas…)?!... ─ Diálogo entre Hamlet e Polonio: ‘What do you read, my lord? ─ Words, words, words’. Prisioneiros da linguagem e do discurso… não nos confundimos com a realidade nua e crua, mas acabamos, demagogicamente (nas vertentes activa ou passiva…), por misturar-nos com ela… e, no fim, sempre incapazes de a transformar!... Nesse contexto, o nosso discurso tornou-se, sistemicamente, mono-hierárquico e esclava-gista. Já não sabe dialogar… E não haverá salvamento/salvação fora do Diálogo e do Conceito socráticos e fora da Justiça jesuânica. 75


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● Em nome da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. A gramática (veneranda) desta Cultura (nos antípodas do ‘livre arbítrio’, a ‘lei do pêndulo’ tradicional, que foi glosada por Paulo, Agostinho, Lutero, Erasmo e tutti quanti da Modernidade ocidental) permite e promove a vera praxis ética e política de: a) respeitar e cumprir os princípios e os parâmetros de uma autêntica Sociedade Aberta (contrária à Sociedade fechada e censória, mesmo a modernamente controlada por toda a espécie de meios de ‘video-vigilância’…); e b) levar a bom porto este Projecto, numa atmosfera de acrisolado respeito pelos outros, nossos semelhantes (muito embora te-nham opiniões diferentes e até contrárias às nossas), sem ameaças nem provocações. É que, em termos epistémicos e metodológicos, em tudo o que faz parte do Universo humano, é imperioso ter em conta, na apreciação e julgamento, (duplamente), tanto o cumprimento dos objectivos pretendidos, como o modus faciendi dos agentes (pessoas do-tadas de consciência) cumpridores. ─ “Se não podeis eliminar a injustiça, pelo menos contai-a a todos”. (Ali Sharia-ti, citado por Shirin Ebadi, a iraniana do Prémio Nobel da Paz, em 2003). ─ “Perderei a minha utilidade, no dia em que abafar a voz da minha consciência em mim”. (Mahatma Gandhi). ─ “Não há nada que entretenha mais do que a verdade. Sempre me senti fascinado com a linha ténue que separa a verdade da ficção”. (Dan Brown). ─ Na série de desenhos desse grande artista espanhol, que foi Goya, titulada ‘Os Caprichos’, dá-se conta de um homem que está dormindo, e por cima dele voam criaturas nocturnas que amedrontam. O título do desenho é, sintomaticamente, ‘O Sonho da Razão Produz Monstros’. Mas, hoje, é preciso lembrar que, na galáxia da Cultura do Poder-Condomínio, que faz da Guerra um meio para conseguir a ‘paz’ (de armistício…), há crimes cometidos de ambos os lados: no horizonte dos vencedores e dos vencidos. Eis por que o postulado a extrair, como Lição, do desenho de Goya é o imperativo categórico de mudar de Cultura: da tradicional (em que sobrevivemos…), para a nova/futura Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial.

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─ “Viver com dignidade, hodiernamente, é resistir, sistemicamente, à monstruosidade societária, global e ambiente”. (Manuel Reis). ‘Quem cala consente’ ─ diz o adágio português, que tem a sua correspondência na máxima alemã: ‘Wer schweigt macht sich schuldig’. E noutras línguas ocidentais… porquanto já no Latim/língua mãe das novi-latinas, se encontra o parergo: ‘Qui tacet consentire videtur’.

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EPITÁFIO Sobre a Potestas/Dominação d’abord (Manuel António Pina in: ‘TODAS AS PALAVRAS/poesia reunida’ (1974-2011), Assírio & Alvim, Portugal/2012, p.183)

D’après D. Francisco de Quevedo

Também eu ceei com os doze naquela ceia em que eles comeram e beberam o décimo terceiro. A ceia fui eu; e o servo; e o que saiu a meio; e o que inclinou a cabeça no Meu peito. E traí e fui traído, e duvidei, e impacientei-me, e descartei-me; e pus com Ele a mão no prato e posei para o retrato (embora nada daquilo fizesse sentido). Não subi aos céus (nem era caso para isso), mas desci aos infernos (e pela porta de serviço): comprei e não paguei, faltei a encontros, cobicei os carros dos outros e as mulheres dos outros. Agora, como num filme descolorido, chegou o terceiro dia e nada aconteceu, e tenho medo de não ter sido comigo, de não ter sido comido nem ter sido Eu.

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Nota de Enquadramento: O poema/síntese crítica de M.A.P. levou o título supra justamente inspirado na mundividência crítica de Francisco de Quevedo (1580-1645); de modo análogo, esse título também poderia ser inspirado na mundividência crítica de John Donne (1571-1631). São dois poetas/filósofos criticistas (o 1º espanhol, o 2º inglês), quase contemporâneos um do outro, que recuperam o filão mais autêntico da Cultura do Ocidente, o que procede dos Gnósticos judeo-cristãos primevos. Eis por que M.A.P. (recentemente falecido) procura recuperar o melhor do Ocidente, em sintonia com a mundividência crítica do C.E.H.C.. É uma homenagem póstuma. John Donne, mestre insigne da parenética e cultor da poesia ‘metafísica’, tornou-se um padrão clássico assinalável, tanto na prosa como na poesia (os seus ‘Divine Poems’ são admiráveis!...), do ritmo da Língua Inglesa. Em termos filosófico-culturais, é o 1º pensador da Cristandade a falar-nos expressamente do ‘suicídio de Cristo’. É conhecida a sua tópica princeps: ‘No man is an island’! Francisco de Quevedo é um dos grandes clássicos da Literatura Espanhola: poeta-filósofo, foi um escritor crítico multifacetado: desde a poesia reunida e compilada in ‘El Parnaso Español’, aos escritos filosóficos e políticos (in ‘Politica de Dios y Gobier-no de Cristo’, ‘La cuna y la sepultura’), passando pela sua veia satírica in ‘Los sueltos’, até aos romances picarescos como é o caso de ‘La historia de la vida del Buscón, llama-do Don Pablos’. Dois parâmetros balizam a escrita deste mestre: um diapasão crítico-satírico ímpar e uma exigência ética permanente no sentido da edificação societária de um sistema político à luz do Evangelho.

N.B.: Um pedido e um recado aos políticos (empregados) do OCIDENTE: Deixem, de uma vez por todas, as doutrinas mistificadoras e suicidárias das Hegemonias (regionais ou globais) inevitáveis (que prosseguem pairando no horizonte… como por ex. na obra de Martin Jacques: ‘Quando a China Mandar no Mundo: O fim do Mundo Ocidental e o Nascimento de uma Nova Ordem Global’, Círculo de Leitores, Lisboa, 2012). E comecem a aprender a olhar para os Estados/Nações em-pé-de-igualdade (jurídica e política), independentemente do seu tamanho, riqueza e poderio (económico, tecnológico, militar).

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Se a sua índole for a do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, aceitarão e cumprirão a proposta. Se, pelo contrário, estiverem acorrentados ao ‘Homo Sapiens tout court’, desistirão e, dessa má sorte, só apressarão o apocalipse da Humanidade…

Guimarães, 23 de Outubro de 2012. Manuel Reis (presidente do C.E.H.C.). Lillian Reis (secretária do C.E.H.C.: digitalização e revisão de provas).

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ÍNDICE

SISTEMAS EDUCATIVOS E ECONOMICISMO CAPITALISTA EM CURTO-CIRCUITO ............................................................................................. p. 2 ─ Textos em exergo ………………………………………………………………. p. 2

1. Em demanda da Noção de Sistema Educativo ………………………………. p. 4 ─ O Sistema Educativo é edificado no hemisfério das ciências psico-sociais e/ou humanas ………………………………………………………………………... p. 6 ─ Os próprios Sistemas Económicos não são determinísticos: eles mesmos são configurados no horizonte das ciências humanas ……………………………… p. 9 ─ Sistemas Educativos (nacionais) ……………………………………………….. p. 12 ─ Em busca do realismo crítico …………………………………………………... p. 14 ─É preciso balizar e orientar, correcta e adequadamente, o Sistema educativo nacional ………………………………………………………………………… p. 17

2. A Educação como coluna dorsal de uma Cultura substantiva e fonte e âncora da centralidade a atribuir aos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos numa Sociedade democrática, digna do nome ………………………………..... p. 22

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TEMAS APARENTEMENTE AVULSOS, MAS FUNDAMENTAIS E DECISIVOS, NO NOSSO ENQUADRAMENTO CRÍTICO ………………… p. 28

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A: Será a História um campo de batalha?!... …………………………………….. p.29

B: A religião do Economicismo e a laminação dos Sistemas Educativos (nacionais) e dos regimes democráticos ………………………………………………. p. 33

C: As Instituições da Educação e da Cultura (como as da Saúde, da Justiça e do Direito) não podem ser avaliadas e medidas pela mesma bitola das Empresas e dos Mercados ………………………………………………………………… p. 39 ● É preciso discutir e avaliar, filosoficamente, a famigerada questão da Competitividade ………………………………………………………… p. 43 ● Abrégé/Quadro princeps ………………………………………………… p. 46

D: Cultura Humana/Humanista Radical e Despotismo iluminado: a sua incompossibilidade recíproca ……………………………………………………….. p. 52 ● O Oximoro da Liberdade/Autoridade (Poder) …………………………. p. 54 ● ‘O Paradoxo dos Muçulmanos’?!... …………………………………….. p. 56 ● Quadro de funcionamento do C.E.H.C. ………………………………... p. 60 ● Erros e Impedimentos da Cultura do Ocidente ………………………… p. 62 ● A Lição que veio da Islândia …………………………………………… p. 66 ● Em nome da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial . p. 68

● Epitáfio sobre a Potestas/Dominação d’abord ……………………………….. p. 69

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