Evolucionismo ou Fixismo?!

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MANUEL REIS

EVOLUCIONISMO OU FIXISMO?! RECUPERAÇÃO CRÍTICA DA OBRA (INÉDITA, DE 1955) EM 2014

COMO NASCEU REMOTAMENTE O CENTRO DE ESTUDOS DO HUMANISMO CRÍTICO (C.E.H.C.)


Obs. Editorial: Mantem-se a ortografia portuguesa dos Anos 50 no texto original e a actual, em 2014, fora do acordo ortogrรกfico.

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MANUEL AUGUSTO DA ENCARNAÇÃO REIS

EVOLUCIONISMO OU FIXISMO? TESE ─ 8º ANO ─ 3º DE FILOSOFIA (Tese de Bacharelato em Filosofia, ‘Ancilla Theologiae’)

SEMINÁRIO DE COIMBRA ─ Maio de 1955

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Dedicatória

Ao meu amicíssimo Tio e Padrinho, Pe José Augusto dos Reis, testemunhando a minha gratidão sincera ‘ab imo corde’; o meu reconhecimento mais profundo que brota da ‘quinta essência’ da alma; o meu humilde mas sentido preito de homenagem, que só o Bom Deus no céu há-de completar e premiar eternamente. Muitíssimo obrigado, pois.

Seu sobrinho e afilhado sempre grato em Cristo Jesus e na Virgem Imaculada, Manuel Augusto da Encarnação Reis.

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PRÓLOGO

A Evolução, essencialmente, não se opõe de modo nenhum à Religião e à Fé. Podemos admitir mesmo a evolução mais integral, como a de Lamarck, Darwin e Haeckel, desde que a vejamos sob o prisma da ortodoxia: não segundo os seus intérpretes materialistas, mas à luz divina da Religião Católica. E a evolução dos grandes arautos do transformismo integral, na sua ala direita, é sempre coerente e susceptível, portanto, de interpretação teofinalística. Nunca, como hoje, os homens se afastaram tanto de Cristo, o Perfeito Amor, por antonomásia. Os caminhos do erro e do ódio dirigem-se em todos os sentidos e cruzam-se em todas as direcções, cada vez mais sinistros e sangrentos, até aos cantos mais recônditos da Terra. E… quantas vezes por uma mera palavra ou por uma simples ideia! Que o verbo salvador substitua a palavra falaciosa dos falsos profetas!... e o único verbo salvador é o de Cristo! Que o ‘team’ diabólico ceda envergonhado perante a ‘linha’ invencível dos filhos de Deus, que desejam repor a Verdade e resgatar o Amor!

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EXÓRDIO Para o trabalho da praxe do último ano de Filosofia, ansiava, há muito, organizar um corpus das teses discutidas que se nos foram deparando através do respectivo curso. Não me levava a isso o orgulho e altivez insolente, mas só a caridade e a justiça; intentava, apenas, provando-as da maneira o mais racional possível, dar o nosso contributo para o arsenal volumoso das Ciências filosóficas. Com efeito, todos os homens têm razão; ora, usando bem dela, todos nós podemos e devemos prestar o nosso concurso para o progresso da Filosofia. O Homem, porém, é muito raro ser livre 100%! Somos, por isso, mais determi-nados que o que muitas vezes julgamos. Não sabemos, pois, por que razões… o facto é que abandonámos o primeiro tema. Já talvez por ser mais candente e actual, já ainda por ser pouco versado, preferimos o segundo. E como o presente exige, por natureza, uma certa longuidão, para ser tratado devidamente, quer em si mesmo, quer em assuntos secundários relacionados, propusemo-nos, no plano geral, dezoito secções. Mas, considerando bem a extensão duma obra de ‘fôlego’ médio, como é uma tese, vimo-nos forçados a reduzi-la a metade das secções. Não resistindo à tentação de querer ser completo, notámos claramente, ainda assim, que fomos demasiado longo. Para satisfazer a exigências íntimas, simplificámos e sintetizámos o mais que pu-demos, dum modo especial no que toca à História do Evolucionismo. Tereis a des-culpar, pois a vida e as ideias dum homem não se ostentam em duas ou três penadas. Desenvolvemos o título mais no campo filosófico que no experimental, com o fito na ideia de que a Filosofia Escolástica não é fechada, mas, ainda que criteriosa, inteiramente aberta. Não tivémos a pretensão de burilar a frase; procurámos sim a linguagem natural e correntia. Enfim, quisemos fazer coisa justamente aprovável; se, porém, não o conseguimos, salve-se ao menos a intenção. Aos leitores só pedimos compreensão e justiça e, secundáriamente, benevolência. O Autor

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SUMÁRIO GERAL

I Parte:

EVOLUCIONISMO Secção I: Secção II: Secção III: Secção IV:

II Parte:

Transformismo Os factos e as Teorias da Evolução Origem da vida e Origem do Homem Argumentos do Evolucionismo

FIXISMO Secção I: Noção, Doutrinas e Divisão Secção II: Argumentos do Fixismo?... Secção III: Fixismo ─ a solução da Igreja?

III Parte:

EVOLUCIONISMO ou FIXISMO? Secção I: Evolução ou Fixidez? Secção II: A evolução e a Doutrina Católica.

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PROÉMIO Doutrinas fixista e evolucionista

‘L’univers m’embarrasse et je ne puis songer Que cette horloge marche et n’ait point d’horloger!’ ─ Foi a inesquecível frase do ‘ímpio’ Voltaire ao pretender significar a ordem do universo! ‘Duas coisas me inundam a alma de respeito e admiração sempre novas: “o céu estrelado sobre as nossas cabeças e a lei moral dentro de nós!”’ ─ pensamento do ‘solitário de Koenisberg’ perante o argumento da existência de Deus fundado na lei moral e na sanção! O mundo, efeito da Causa Infinita ─ o Acto Puro, tem, sem dúvida, perfeições admiráveis, embora relativo e por isso mesmo composto, mutável, contingente e finito; nexo substancial existente entre as muitas e diversas substâncias criadas, nexo dinâmico entre as causas segundas eficientes, nexo teleológico entre as causas segundas finais; tem ainda uma ordem encantadora nos seres ─ ordem particular, universal e universalíssima; leis inelutáveis, porque proveniente da Fonte inexgotável e prescritas pelo Legislador eterno ─ particulares, universais e universalíssimas. Em suma, o universo não é ‘caos’ mas ‘cosmos’, não é fatalismo, mas finalismo, não é repugnante, mas agradável, belo! É que, dizemos nós a cada passo, é na variedade que se encontra a Beleza! * Conhecemos já, graças a Deus, dos anos anteriores, a diversidade de seres criados que a Natureza pródiga nos apresenta: três reinos distintos, mineral, vegetal e animal, e, neste último, o tipo Homem que constitui indubitavelmente espécie filosófica distinta; cada reino com os seus tipos diferentes, cada tipo com as suas classes, cada classe com as suas ordens; as ordens com famílias diferenciadas; as famílias com géneros diversificados; os géneros com as suas espécies (científicas) e as espécies ainda com variedades. É, pois, manifestamente evidente que os inumeráveis seres que hoje povoam a terra diferem entre si ou por caracteres e notas essenciais ou acidentais. Sabemos também que, pelos dados da Bíblia ─ Génesis ─ e da História da Paleontologia, os seres não apareceram todos simultaneamente na sua omnímoda diversidade actual.

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Por isso, surge o problema: tal variedade procede directa e imediatamente dum acto creativo, de tal maneira que, no início de cada espécie hoje diversa das outras, existissem indivíduos produzidos imediatamente por Deus na mesma espécie?; ou muitas e, por ventura, todas as espécies diversas provêm de um número muito reduzido de entes ou até de um só por uma evolução assaz lenta? ─ Eis a questão da origem das espécies. ─ Da teoria peripatética e tomista, sobre a transmissão da vida, resulta que os progenitores transmitem necessariamente com a vida, a sua semelhança específica, e, por vezes, mesmo os seus caracteres individuais. É assim que todos os viventes, no pensamento de Aristóteles, participam, tanto quanto podem, do Eterno e do Divino, senão pela mortalidade dos indivíduos, pelo menos pela perpetuidade indefinida das espécies. A lei da hereditariedade seria, segundo esta antiga doutrina, uma lei de constância específica; seria, pelo contrário uma lei de variações progressiva e indefinida, segundo certas escolas modernas, cujas discussões vivas e duradoiras permanecem ainda depois da morte de Lamarck e Darwin, seus ilustres corifeus. As polémicas sobre a evolução têm removido muitas ideias filosóficas e lançado confusão em muitos espíritos, para que se possa crer na possibilidade duma solução próxima. As conclusões satisfatórias, essas só advirão depois duma análise demorada e conscienciosa. Vejamos o ponto em litígio: ─ Todos os sábios concordam em afirmar que o globo terrestre caminha com o selo da história das suas origens e das suas revoluções; as páginas gigantescas desta história não são susceptíveis de falhanços; e os caracteres e o estilo deste livro misterioso, se não são indecifráveis pelo génio humano, encerram, porém, enigmas e obscuridades que estão bem longe de esclarecimento integral. Os primeiros resultados destas investigações consistiram em demonstrar que a Terra não foi sempre povoada, pois que passou por um estado gasoso e incandescente absolutamente incompatível com a vida; e que, depois da aparição dos seus primeiros habitantes até aos nossos dias, a população animal e vegetal mudou pelo menos vinte e sete vezes, segundo d’Orbigny, pela destruição e renovação completa das espécies. A explicação mais verosímil deste facto era de supor, com Cuvier, Milne Edwards e outros geólogos ilustres, que o Divino Arquitecto tinha operado criações múltiplas e sucessivas, e que tinha querido, nas diferentes idades do globo terrestre, substituir as personagens da grande cena do mundo. Esta conclusão, no entanto, não podia agradar a todos os espíritos: não só aos materialistas e ateus, mas também aos espiritualistas que esperavam encontrar, na série dos seres criados, esta gradação geométrica, estas transições quase insensíveis do orga-nismo menos perfeito ao mais perfeito ─ o que lhes parecia ser o ideal dum plano criador perfeitamente concebido. Para tanto, puseram-se os cientistas à procura dos tipos intermediários que deviam estabelecer a unidade e continuidade da cadeia. Uns já cantam vitória. Outros não crêem mais que na possibilidade do sucesso. Surgem-nos assim duas questões: se a ciência conclui um dia para a impossibilidade de identificação dos tipos de transição, então terá triunfado a tese das criações múltiplas e sucessivas, o criacionismo ou fixismo; se, em contra partida, se vier a provar a existência dos tipos intermediários, qual será o resultado deste facto?, quais as consequências filosóficas óbvias a deduzir-se? ─ Este parece ser o ponto mais con-trovertido do problema. Para melhor compreensão iniciemo-nos na questão de direito, e, seguidamente, na questão de facto.

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A) Questão de direito: ─ O facto da aparição contínua e progressiva de organismos vivos do menos ao mais perfeito, se está provado, podia explicar-se de vários modos: pela Evolução ou sem a Evolução. A própria evolução podia ser entendida de maneiras diferentes, entre as quais umas são rigorosamente possíveis, não implicando contradição; outras seriam abertamente contrárias aos primeiros princípios, quer da ciência positiva quer da razão humana: a) evolução ideal, segundo a qual, as aparições sucessivas e crescentes, são criações contínuas ou antes formações contínuas, pelas quais o Criador teria tirado as coisas, não do nada, mas de matéria pre-existente; b) evolução passiva, que supõe que as espécies cada vez mais perfeitas foram tiradas por Deus não duma matéria qualquer, mas de espécies menos perfeitas já criadas; c) evolução activa, pela qual Deus podia ter criado ao mesmo tempo todas as espécies vegetais e animais, no estado virtual. Ao lado destas três hipóteses que se conciliam com o princípio da fixidez das espécies, encontramos outras três que rejeitam expressamente esta fixidez, e proclamam a evolução das espécies como lei natural, universal e absoluta: a) Monismo, que supõe como possível a evolução universal dos três reinos; b) Transformismo propriamente dito, ─ que não supõe senão uma evolução restrita dentro de cada reino. Vários protótipos, ou um só, teriam produzido todos os vegetais; e o mesmo aconteceria para os animais. O Homem, todavia, em atenção à sua alma racional, seria exceptuado pelos evolucionistas moderados; c) Darwinismo, que considera a evolução universal ou restrita num sentido puramente passivo; seria, pois, o meio e as diversas causas exteriores que dariam ao ser gradualmente as potências superiores. B) ─ Passemos já, sem fazer a crítica, às modalidades da Evolução, à ques-tão de facto: ─ Perguntamos se o facto da Evolução ou não-evolução está na posse da Ciência, se ele foi demonstrado como certo, ou pelo menos, como provável. Muitos vão procurar uma resposta a esta questão no mais antigo monumento histórico, a Sagrada Escritura. Entre eles, uns sustentam que o Génesis condena formalmente a Evolução; outros, interpretando mais concretamente os conceitos ‘genus’ e ‘species’, defendem, não com menor segurança, que a Bíblia dá uma prova evidente da Evolução. Daí, pois, as discussões sem fim. Nós, porém, temos que ambas as soluções são exageradas, pois os escritores sagrados escrevem sem pretensões científicas, servindo-se do conhecimento e linguagem do seu tempo com fins unicamente religiosos e moralizadores. As palavras de Leão XIII são claríssimas a este respeito: “In consideratione sit primum scriptores sacros, seu verius Spiritum Dei, qui per ipsos loquebatur, noluisse ista (videlicet) intimam aspectibilium rerum constitutionem, docere homines nulli saluti profutura”. (1) O escritor sacro fala das coisas da natureza em sentido figurado, umas vezes, outras em linguagem própria mas do seu tempo e deixa-se levar frequentemente pelas aparências sensíveis. (2) Todavia os ataques mais vivos e apaixonados ao nome da Bíblia e da Religião não têm contribuído nem contribuirão para persuadir os ignorantes de que a prova da evolução seria a ruina da espiritualidade da alma e da existência de Deus.

…………………… (1) Vid. Encíclica ‘Providentíssimus Deus’; Denzinger, nº1947. (2) Vid. Vittório Marcozzi, S.J., ‘Evoluzione o Creazione’, Milão-1948, p.225.

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Não é, por conseguinte à Bíblia, mas à Ciência das revoluções do globo terrestre, à paleontologia, que é necessário dirigir a nossa segunda questão: a aparição progressiva das espécies vegetais e animais, durante as épocas geológicas é um facto já demonstrado? Deixaremos este assunto ─ que não temos intenção de tratar formal e profundamente, visto não caber no âmbito do trabalho. Desde já assentimos que, hodiernamente, os maiores cientistas, geólogos ou paleontólogos, como Bergounioux, Carlos Richet e Marcozzi, que se prezam de o ser, professam todos o evolucionismo. A terminar o proémio, demos ainda um apanhado da razão histórica destas doutrinas. Durante muito tempo, a espécie foi considerada como grupo natural imutável, delimitado, definido. Segundo este critério, a característica primordial das espécies distintas e em número determinado seria a fixidez e invariabilidade, através das gerações sucessivas e as variações dos indivíduos seriam intransmissíveis aos seus descendentes. Esta a doutrina fixista que, apesar dos esforços erráticos de alguns naturalistas, dominou a Biologia até meados do séc. XIX e encontrou a sua formulação na célebre frase de Lineu: “Species tot sunt diversae, quod diversas formas ab initio creavit infinitum Ens”. (3) Opõe-se-lhe a doutrina evolucionista, segundo a qual, as espécies são essencial-mente variáveis.(4) Descendem umas das outras e, por isso, há entre elas afinidades genealógicas. A doutrina da descendência leva-nos, assim, a procurar reconstituir hipotética-mente a chamada evolução ancestral ou a filogenia, não ontogenia, das espécies actuais. (5) ─ Este problema da origem e evolução das espécies, aparentemente límpido e simples, torna-se difícil e complicado na sua investigação conscienciosa e profunda. Sem pretender revolucionar o pensamento a este respeito, pudéssemos nós, sem prejudicar a clareza, condensar, nalgumas páginas, uma questão tão densa e complexa!

………………………….. (3) Há tantas espécies distintas, quantas as formas distintas que foram criadas pelo Ser Infinito. (4) Espécies científicas e filosóficas variáveis = evolucionismo absoluto; espécies não filosóficas variáveis = evolucionismo relativo ou restrito. (5) Vid. António Machado, ‘As bases da Zoologia’, Porto ─ 1943, p. 143.

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I PARTE

EVOLUCIONISMO

Obs.: com a ortografia da época.

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SECÇÃO I TRANSFORMISMO Iniciando explícita e formalmente o trabalho, comecemos por apresentar as no-ções do vocábulo ‘transformismo’ ou evolucionismo, depois as suas divisões e seguida-mente o que se entende por mutacionismo e a noção de espécie ─ o que fará assunto de três capítulos.

CAPÍTULO I

NOÇÕES ‘Quo maior extensio, eo minor comprehensio, et quo maior comprehensio eo minor extensio’ ─ diz a Lógica de Aristóteles, ‘O Filósofo’. Na verdade, quanto mais conhecidos e vulgares são os termos, tanto mais é di-fícil a sua definição. Razão tinha, pois, S. Agostinho, quando dizia a respeito do tempo: “Quid est ergo tempus? Si nemo ex me quaereret, scio; si quaerenti explicare velim, nescio”. (1) Todavia o vocábulo transformismo ou evolucionismo não está ainda na mesma categoria do tempo. Sabemos já que os dois termos transformismo e evolucionismo se predicam, muitas vezes, um pelo outro indiferentemente. A significação, porém, não é totalmente idêntica, como veremos. Cumpre-nos, primeiro, analizar a definição etimológica: Transformismo (= trans + forma + ismo) = sistema, doutrina das mudanças das formas; e, por esta, chegamos à sua definição real, se observarmos que forma significa, aqui, espécie: doutrina da evolução das espécies. Examinemos, por sua vez, o vocábulo evolucionismo (evolução + ismo) = sistema, doutrina da evolução. …………………………. (1) In ‘Confessiones’, lib.12, c.14, n.17.

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Ao conceito de evolução pode adjudicar-se ainda uma grande variedade de sentidos e interpretações: doutrina moral da Evolução, em Spencer e Haeckel, que, como sistema moral, descamba num materialismo e monismo radicais; evolução idealista, mormente no triunvirato do idealismo absoluto alemão, Fichte, Sheeling e Hegel e mais flagrante e desastrosamente, sob uma feição já inteiramente materialista, nesse Marx de comunismo ateu e monista, que o disfarçou subreptícia e matreiramente no socialismo científico; evolução panteísta no panteísmo idealista; evolução criadora em M. Henry Bergson; e, finalmente, evolução biológica que corresponde mais exactamente ao chamado transformismo. Secundàriamente, podíamos tomar ainda evolução sob o ponto de vista geográfico, fisiológico e filosófico. Pelo exposto, podemos já concluir que o termo evolucionismo é mais extenso que transformismo, pois que este é apenas um dos vários modos de evolucionismo ─ o evolucionismo aplicado às espécies. Embora cada um dos termos tenha o seu conceito próprio e adequado, é oportuno dizer que o emprego da palavra evolucionismo está mais generalizado, substituindo muitas vezes o conceito rigoroso de transformismo, mormente no domínio infracientífico ou vulgar, pois a ciência utiliza ainda, graças a Deus, não raras vezes, os termos próprios e adequados para exprimir as suas ideias. Do exposto, podemos concluir que a palavra evolucionismo, mais extensa que transformismo (= evolucionismo biológico), pode tomar-se em várias acepções; destacaremos apenas três: a) biológica ─ já mencionada atrás; b) etnológica: etnologicamente, à chamada escola histórico-cultural, que afirma a existência de tipos, círculos ou formas de cultura, distintos entre si e de génese independente e diversa, opõe-se a escola evolucionista que admite uma evolução uni-linear da cultura, a qual atravessaria, em todos os povos, as mesmas fases, sem que, no entanto, todas as populações se encontrem na mesma fase; deste modo, a aparição de duas manifestações análogas de cultura, em pontos distantes, seria um facto de convergência; c) filosófica: filosoficamente, é uma concepção do pensamento que pretende explicar a formação e desenvolvimento tanto do mundo físico como das espécies vivas, da consciência e da sociedade humana, por um mesmo processo natural, segundo leis idênticas. Deve distinguirse das teorias que, apesar de admitirem uma formação histórica gradual, reconhecem nesta a realização dum plano divino, assim como daquelas que consideram o processo não como uma sucessão de fases no tempo, mas como uma ordem lógica de momentos dialécticos, à laia de Hegel. Este evolucionismo filosófico propriamente dito opor-se-ia a todas as explicações finalísticas e seria unicamente motivado por aquilo a que eles chamariam causas naturais. Este evolucionismo, preocupado somente com a sua forma mecânica e cam-biando irresistivelmente para o materialismo e monismo, apareceu sobremodo no séc. XIX com Spencer. Patrocina a dissolução da homogeneidade relativa, indefinida, incoerente, e a mudança para uma heterogeneidade absoluta, definida, coerente. Ardigó, Hartman, Wundt, Fouillé rejeitam o mecanicismo e defendem, como motivo e causa da evolução, o voluntarismo camuflado na actividade psíquica. Na filosofia de Bergson, o processo evolutivo apresenta-se também oposto ao mecanicismo e formula-se como uma génese da inteligência; mas a impossibilidade de prever certas fases do desenvolvimento da realidade e de as deduzir mecanicisticamente das anteriores, levou-o a adoptar a expressão evolução emergente. Estas ideias exageradas sobre as transformações aquecerem nimiamente alguns espíritos e deram aso ao terrível fanatismo

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transformista que, estudando o desenvolvimento da vida e do homem, coloca sempre os problemas no campo científico e ra-cionalista, procurando, para explicação da evolução concreta da vida social humana, causas também concretas e humanas; daí deriva com efeito uma confiança eficaz no Progresso do Homem, confiança assente nos resultados da actividade da Razão, da Ciência e da Técnica que são, por sua vez, produtos do contacto do homem com a Natureza e do seu progressivo domínio; recusam ainda os fanatistas aceitar como explicação da evolução social e intelectual o recurso a entidades obscuras e irracionais, como sejam a ‘Raça’, as ‘Tendências inatas’, a ‘Providência Divina’. Estes exageros são abertamente condenados pelas simples leis do bom senso! Por conseguinte, é realmente oportuno e exacto dizer com Unamuno: “Não crer que há Deus, nem alma imortal, pode ser um estado de alma respeitável; mas não querer que haja Deus e alma imortal, isso é que repugna profundamente”. ─ Depois de atendermos a que, usualmente, se confunde evolucionismo com transformismo, ou que se emprega o primeiro na significação do segundo, que aliás é o sentido que lhe damos no tema da tese, digamos alguma coisa sobre a definição real. Os autores dividem-se, mas tudo e sempre em pontos acidentais; e as definições são de molde a dar cabimento às duas correntes, à materialista e à Providencialista ou finalística. O Transformismo ou evolucionismo estrito (se quisermos) ensina que as espécies vêm umas das outras por sucessivas transformações e que têm um tronco comum.(2) Não confundamos, por isso, o Darwinismo e o Lamarckismo com o transformismo puro e simples; este fala-nos, conforme a definição, da realização de factos; aqueles indicam-nos suplectòriamente o modo da realização dos mesmos factos. Tiago Sinibaldi, depois de se perguntar qual a origem das espécies, relata-nos que o transformismo mostra que todas as espécies dos seres organizados resultam da lenta evolução de uma espécie inferior na superior.(3) Enriquez de Salamanca, numa conferência cultural, respondendo à pergunta que se propôs ao abrir, ‘Que é o Evolucionismo?’, diz assim: “é uma doutrina científica que pretende explicar a aparição dos seres vivos sempre através e procedendo de outros seres vivos anteriores, mediante transformações sucessivas e perfectivas”.(4) Intercalada uma pequena paráfrase à questão das razões da admissão da hipó-tese, que se formulara, refere-nos as seguintes palavras: “os factos ou motivos com que se fundamenta o evolucionismo são: primeiro, a semelhança morfológica, a semelhança fisiológica, a semelhança bioquímica, a semelhança e desenvolvimento embriológico; segundo, a aparição progressiva e sucessiva das espécies, em sentido de menor a maior perfeição”.(5) Como podemos verificar, as várias noções não diferem essencialmente; todas concordam em atribuir ao termo ‘transformismo’ mutações, transformações e, mais ainda, não no mesmo indivíduo, mas em indivíduos diferentes, em ‘espécies’ diversas. Enfim, todas o têm por sinónimo de filogenia, e não unicamente de ontogenia.

…………………………….

(2) H. Boulenger: ‘Manual de Apologética’, 2ª ed., p.90. (3) in ‘Elementos de Filosofia’, 2ª ed., Coimbra – 1894; vol. I – Cosmologia, nº189 – observ. (4) Vid. Revista ‘Ecclesia’, p.513, Ano X, nº461. (5) Vid. Revista ‘Ecclesia’ ─ ibidem.

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CAPÍTULO II

DIVISÕES O Evolucionismo nunca formou sistema doutrinário fixo, estável, rígido, invariável, insusceptível de interpretações em sentidos diversos, já porque, como hipótese, não podia lograr os foros de tese, já porque, sujeito a mil e uma cabeças, através da História, a sua pureza não podia conservar-se intacta, já ainda por ser termo impreciso e não totalmente concreto; seria, por isso mesmo, alvo de manipulações, fulcro de diversidade no campo do pensamento. ‘Tot caput, quot sententiae!’ Por consequência, o evolucionismo (mais rigorosamente, falamos de transformismo), no decurso de toda a sua já longa idade, aparece-nos pintado de matizes multicolores, formas multifárias, aspectos e divisões distintas. Não temos a pretensão de mostrar todas as suas divisões, considerando-o sob todos os pontos de vista possíveis; não; isso seria tolice crassa ─ abranger toda a variedade de formas com que ele actuou na História. Para melhor fixação de ideias, damos, na página seguinte, os esquemas e a sua explicação.

monofilético universal Transformismo

quanto à origem

polifilético

quanto ao modo monístico ou ateu restrito teístico ou espiritualista

“Transformismo universal é a doutrina daqueles que afirmam que todos os viventes, inclusivamente o homem, quanto ao corpo e até quanto à alma, derivam de pouquíssimos entes muito simples, ou apenas de um, por meio da evolução”. (1) ……………………………..

(1) Carolo Boyer ─ ‘Cursus Philosophiae’, II vol., Psicologia ─ p.184.

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Analizando-lhe a origem, este pode ainda ser monofilético e polifilético: “monofilético se ensina que todos os viventes procedem duma única célula; ─ ‘Eu estaria disposto a crer que todos os animais e plantas descendem dum protótipo único’(2); “é polifilético se coloca na fonte inicial vários tipos muito simples, donde procedem todos os viventes”. (3) Atendendo outrossim à forma da evolução, este transformismo universal divide-se em monístico ou ateu e teístico ou espiritualista. “Denomina-se monístico o que explica a evolução meramente pelo acaso ou fortuna ou por uma certa energia imanente. Assim Darwin, que explica o transformismo das espécies sobremaneira pela selecção natural, isto é, pela permanência das formas mais aptas à ‘luta pela vida ─ struggle for life ─ e os neo-lamarckianos. “Todavia, recentemente, o transformismo universal, sobretudo com Bergson em ‘’L’évolution criatrice’, e Le Roy em ‘L’éxigence idéaliste et le fait de l’évolution’, rejeita as explicações materialistas, tomando claramente uma feição teísta. Estes autores têm a evolução como uma certa criação contínua ou invenção de alguma força espiritual, de modo a resultar a aparição de nova espécie, não de causas externas e eficientes, mas de uma operação interna ─ o ‘élan vital’. São fautores deste transformismo também os que professam um teísmo genuino, apelando para Deus na direcção e força da evolução, como outrora Lamarck e, hoje, Cuénot”.(4) “On est amené invinciblement à admetre qu’il y a, dans la Nature, en plus des causes efficientes, objects de l’étude scientifique, un agente directeur d’ordre métaphysique, guidant les variations vers un fin utile, de même qu’un ouvrier dirige la fabrication d’un marteau” (5), escrevia este na Revista ‘Etudes’, de 20 de Outubro de 1928. “O evolucionismo restrito, próprio de alguns cientistas católicos, doutrina três pontos principais: a) a alma de cada homem não procede por evolução, mas imediatamente de Deus, por criação; b) requere-se uma intervenção divina especial para o aparecimento da vida vege-tativa das plantas e sensitiva dos animais; c) a evolução é ordenada e dirigida por Deus. “Entre estes autores, notam-se, porém, algumas diferenças: uns negam a evolu-

……………………. (2) Darwin ─ ‘De l’origine des espèces’ cap.15, p.570. (3) Carolo Boyer ─ ‘Cursus Philosophiae’, II vol., Psicologia ─ p.185. (4) Boyer ─ ibidem. (5) Com efeito, somos levados invencivelmente a admitir, na Natureza, na maioria das causas eficientes, objectos de estudo científico, um ordenador metafísico, guiando as variações para um fim útil, do mesmo modo que o ferreiro dirige o fabrico do martelo.

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ção relativamente ao corpo humano; outros restringem ou ampliam o número dos viventes primitivos; e, finalmente, há-os ainda que parecem conceder a passagem da planta ao animal”(6). ─ Em suma, estes admitem, como necessárias à evolução, o influxo divino, causas finais e princípios internos. Relacionando-o mais proximamente com a Doutrina cristã e católica, podemos dividi-lo em: A) ─ Materialista ou ateu que se vale da teoria como arena ofensiva e sanguinolenta contra a Religião, contra a existência de Deus; este é o que preceitua a eternidade da matéria, a geração espontânea sem intervenção sobrenatural e a formação das espécies segundo as leis da evolução. B) ─ Espiritualista; este, já de carácter crente, não é acriacionista; mas formula que, não sendo dogma o fixismo, podemos seguir o evolucionismo; pois, não sendo contraditoriamente opostos os termos, há possibilidade de sermos, ao mesmo tempo, evolucionistas e criacionistas. Este pode ainda receber duas modulações: um, mais amplo, segundo o qual, Deus terse-ia limitado a tomar o corpo do animal mais perfeito e a infundir-lhe directamente a alma humana; outro, mais mitigado, aliás aparentemente mais com-patível com as ideias de S. Agostinho (Tratado sobre o Génesis, L. VII, c. XXIV) e de S. Tomás (II, 1ª, q.91, 2, ad.4), e com a ‘suposta’ opinião tradicional da Igreja, diz que Deus, ao criar o Homem, se serviu dum corpo já organizado e o retocou e aperfeiçoou, antes de lhe infundir a alma. Este caso, o barro ou ‘limo’, de que fala o Génesis, seria, pois, um organismo já preparado pelo trabalho lento da evolução, e adaptado finalmente por uma nova intervenção directa de Deus, a fim de lhe comunicar a forma humana característica. Esta é a teoria defendida por Russel Wallace, transformista convicto, que, depois de Darwin, foi o mais acérrimo defensor da selecção natural, que, neste caso concreto, redundaria em selecção divina(7). Depois destas divisões explicativas, como não resistimos à tentação, exporemos sucintamente outras, por ventura mais completas e filosóficas, coligidas do célebre Pe Vittório Marcozzi, S.J., (8) da Universidade pontifícia gregoriana.

………………………….. (6) Boyer ─ ibidem: p.116. (7) Boulenger, ‘Manual de Apologética’, 2ª edição, nº 121. (8) ‘La Vita e L’uomo’;

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Materialístico-mecanicista integral Teístico EVOLUCIONISMO

parcial Finalístico

não Teístico

vontade inconsciente élan vital entidade maior

“Sob o aspecto filosófico, a teoria evolucionista pode agrupar-se em duas classes: teoria materialístico-mecanicística e teoria finalística. A primeira convém em afirmar que as causas da evolução são fortuitas e casuais, mas diferem na determinação da natureza das mesmas. Segundo uns, são externas ao organismo: selecção, agentes físico-químicos, etc.; segundo outros, são internas ao organismo: mutação genética, cromossómica, tendências diversas, etc.; e finalmente, na opinião duns terceiros, podem ser mixtas, quer internas, quer externas mesmo. Esta classe, enquanto materialista e mecanicista, nega a criação, pelo menos na origem do primeiro organismo, a finalidade na Natureza e a espiritualidade da alma humana. Fazendo ponte de ligação da primeira à segunda classe, surge-nos a ‘ologénese’, a descobrir como factor primordial da produção de nova espécie, qualquer coisa de interno ao organismo ─ a causa interna. Há diversas formas de evolucionismo finalístico. Todas concordam, porém, em asserir que a evolução não se deve atribuir a factores de natureza puramente mecânica e casual, mas à causa vital e finalística. Todavia, os autores não concordam na identificação da causa. Para Hartman, a causa finalística da evolução seria uma ‘vontade inconsciente’, presente em todos os seres; para Bergson, identificar-se-ia com o ‘élan vital’, que cria continuamente formas novas e que é irredutível à força inanimada”; oiçamos o que a este propósito diz Franco Amério (9): “A realidade profunda é impulso vital; com este conceito significa-se que a realidade é algo de análogo à vida, entendida na sua fonte,

……………………….. (9) Vid. ‘História da Filosofia’, II vol., 2ª ed.; Coimbra ─ 1952, p.392.

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no seu momento inicial; por isso, não é nada de fixo, de determinado; é devir puro. A sua lei será, portanto, não a do determinismo, mas a da liberdade…”. “Para Wagner, a evolução seria causada por uma entidade maior que aquelas que se verificam presentemente. Finalmente para os evolucionistas teístas, a causa da evolução consistiria numa ‘capacidade ou virtude’, posta por Deus, nos primeiros viventes. Sob o aspecto filosófico, é necessário conservar uma distinção nítida entre a teoria finalístico-teísta e a finalístico-ateista, como tivemos ocasião de verificar. Podemos ainda distinguir sumariamente, no evolucionismo teísta, um integral e outro parcial. O primeiro sustenta a criação de uma ou poucas formas simples de organismos, os quais teriam recebido de Deus a capacidade de evoluir com destino a produzir o corpo do Homem; a alma, porém, seria criada e infundida por Deus directa e imediatamente. O segundo, por sua vez, admite a criação de muitas formas de organismos, não só inferiores, mas também superiores, como seriam os proto-viventes dos tipos, das classes, das famílias, etc.. O Homem seria, pois, segundo uns, resultado definitivo de uma intervenção especial de Deus, não somente quanto à alma, mas até quanto ao corpo; segundo outros, a intervenção especial de Deus seria só referente à alma, como afirmam os evolucionistas teístas integrais. Como se vê, a diferença entre as duas formas de evolucionismo teístico, integral e parcial, presentemente, está no facto de que os primeiros professam uma evolução mais ampla que os segundos” (10).

……………………. (10) Vid. Marcozzi ─ ibidem.

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CAPÍTULO III

O MUTACIONISMO E A NOÇÃO DE ESPÉCIE

Uma das notas peculiares do transformismo de Lamarck e Darwin, como veri-ficaremos adiante, consistia na extrema lentidão do processo evolucionista que se faria por gradações contínuas e insensíveis. Desta maneira, as lacunas hoje existentes na cadeia dos seres vivos explicar-se-iam pela desaparição (não importa de que modo) das formas intermédias. Entretanto, aparecem em liça os escrúpulos dos anti-transformistas. Gregório Mendel, professor de ciências naturais na Morávia, publicava o livro ‘Recherches sur les hybrides végétaux’ ─ contendo o resultado das suas observações engenhosas, particularmente sobre a hereditariedade. Estas experiências esquematizou-as R.P. Carles nas seguintes leis: “1º Os caracteres hereditários comportam-se como unidades estáveis, que perseveram na sua integridade, através das gerações sucessivas; ─ é a chamada lei de Pureza dos caracteres. “2º Se dois caracteres opostos se encontram em presença no organismo, um de-les eclipsa totalmente o outro e a sua influência é a única a exercer-se: ─ lei da pree-minência. “3º Os caracteres unidos no organismo separam-se nos gâmetas, e os tipos, ante-riores ao cruzamento, reaparecem puros na descendência; ─ lei da segregação.”(1) As experiências foram ulteriormente repetidas por outros cientistas, entre os quais o leonês Alexis Jordan, e pareceram vir confirmar a espécie ‘lineana’, não já como uma unidade infrangível, mas antes como um conjunto de formas elementares rigorosa-mente constantes no tempo. Ora, é evidente que a existência destas espécies elementares, autónomas e cons-tantes, modifica a questão da Evolução e o valor das soluções propostas por Lamarck e

……………………………………. (1) Frédéric Marie Bergounioux = ‘Progrès ou Régression?’; Didier-Paris, p.87 e 88.

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Darwin. Com efeito, torna-se impossível fazer intervir a acção do meio e a selecção na-tural para explicar a dita permanência dos caracteres. Enfim, a descoberta dos cromos-somas, escreve Bergounioux (2), parecia consumar o fracasso do transformismo. No grande livro de História, porém, a um ataque forte contrapõe-se ordinariamente uma reacção forte; a uma tese violenta, uma antítese mais violenta ainda! Surgem em campo biologistas célebres como Morgan e Weismann. Este último, alemão, distinguia, com efeito, em cada indivíduo o “plasma germinativo” ou ‘gérmen’ que forma as células sexuais e que só deve ter influência na descendência, e o plasma vegetativo ou “soma”, donde sairá o resto do organismo. (3) Morgan, americano, vem no encalce deste verificar que um cromossoma, longe de ser uma entidade homogénia, era composto por um agregado de elementos de natureza particular e vectores de caracteres hereditários. Mas dirão: a hereditariedade supõe a estabilidade e, nesse caso, cada espécie possui um todo de notas especiais que ela não pode aumentar. Não; muito ao contrário; a espécie sente o conjunto de notas diminuir-se e empobrecer.(4) Posta em contra-ataque a concepção do ‘idioplasma’ de Weismann, outro biologista se levanta no horizonte claro do meio-dia. É Hugo de Vries(5), que, longe de professar o fixismo, segue na esteira de Weismann e faz a defesa do evolucionismo com tintas nimiamente carregadas. É o fautor do mutacionismo, uma nova teoria sobre a causa da evolução. Encontrara ele, um dia, um grupo de exemplares de Oenothera Lamarckiana, planta de origem americana, cultivada nos jardins, mas que se habituara à vida livre do campo. Ora, depois de lhe seguir as gerações por alguns anos, encontrou, nesse grupo, algumas que patenteavem caracteres diversos da planta-mãe e que diferiam fundamentalmente do tipo da espécie. Examinou assim que, do tipo normal da espécie, surgiam bruscamente formas novas, com características distintas que se conservavam na descendência. Em suma, uma espécie daria origem de repente a espécies novas.

………………….. (2) In: ibidem, p.89. (3) In: ibidem; p.90. (4) In: ibidem; p.93. (5) Hugo de Vries, professor de Botânica em Amesterdão; a sua obra mais notável é a ‘Teoria das Mutações’.

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Com estes dados, De Vries inventou a teoria das mutações bruscas. Segundo ela, hoje, pouquíssimas espécies seriam mutantes, o que não sucederia outrora. Desta maneira, todas as espécies existentes proviriam de mutações bruscas de espécies anteriores. Estas mudanças darse-iam ao acaso, em todas as direcções; só se manteriam, porém, as favoráveis à espécie. (6). Na realidade, como diz autorizadamente Vittório Marcozzi (7), S.J., não se tratava de verdadeira mutação, mas dum fenómeno que, em Genética e Citologia, tem o nome de ‘poliibridação’. O fosso da teoria das mutações está, efectivamente, em ela ser inadvertida e demasiadamente rápida e precipitada, na generalização das leis. Falta-lhe, pois, a reflexão no processo indutivo. Mas, pergunta-se, poderemos nós, porventura, explicar a evolução, mediante a mutação, no seu genuíno significado de variação brusca e subitânea? Os cientistas conduzem-nos à negativa, pois as dificuldades encontradas não são leves. Em primeiro lugar, as mutações são geralmente poucas e representam fracas vantagens (ou desvantagens) para os indivíduos que as possuem; em segundo lugar, sendo minoradamente receptíveis, permanecem por longo tempo no estado latente, e, e dada maior possibilidade de reprodução com a forma normal, não podem manifestar-se senão dificilmente. Por último, não se compreende como acidentes fortuitos e independentes poderiam dar origem a órgãos completos, o que realmente sucede na hipótese positiva. Todavia, tendo em conta a mutação de maior amplitude, a macro-evolução, e, supondo, no caso particular de isolamento, o concurso da selecção natural, pode pensar-se na possibilidade de originação de raças ou mesmo de espécies sistemáticas; no entanto, na microevolução, a mutação não pode considerar-se, a parecer nosso, como factor principal e tanto menos exclusivo.(8)

………………………. (6) Américo Pires de Lima e Augusto Soeiro: ‘Compêndio de Biologia’; 2ª edição; Por-to ─ 1952; pp.605 e 606. (7) ‘La vita e L’uomo’; ─ Milão ─ 1946; p.155. (8) In: ibidem; pp.157 e 158.

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Não é, efectivamente, gratuito supor que as mutações naturais se realizam tão raramente como as produzidas no laboratório e que elas não contribuirão menos que as últimas para o aperfeiçoamento dos organismos. O que muito bem apelida Bergounioux de ‘hesitações da natureza’ na realização do plano, é um compromisso necessário entre a progressão e a regressão. Todo o mistério dos desenvolvimentos da vida está compreendido nas duas palavras: “evolução e hereditariedade”, cuja aliança manifesta, por seu turno, a plasticidade da vida e a estabilidade dos organismos. É, portanto, duma maneira fortuita, a nosso entender, que se produzem as mutações; elas afectam uma parte qualquer do corpo; resolvem-se bruscamente ou, prosseguindo no mesmo sentido, acentuam a modificação começada, se bem que suficiente, após algum tempo. Deste modo, ser-nos-ia impossível unir a forma terminal ao tronco primitivo, se não encontrássemos no estado fóssil, os estádios intermediários. Por conseguinte, é por tal motivo que a espécie não será tomada univocamente pelos biologistas e paleontologistas. Num determinado agrupamento de seres, que apresentam um certo número de características permanentes e hereditárias para os primeiros, a espécie é, para os segundos, uma série arbitrária de formas afins que variam continuamente, através do tempo. (9)

* *

*

É bem notório que, no mundo sensível, os seres criados não receberam uma potência ilimitada e infinita. Cada um deles não recebeu senão um certo grau de ser e de potência ou virtualidade; e é o grau máximo, o que lhe fixa o seu lugar na escala dos seres, que se denomina espécie. “Unumquodque constituitur in specie, secundum quod determinatur ad aliquem specialem gradum in entibus; quia species rerum sunt sicut numeri…”(10)

…………………….. (9) Bergounioux: ‘Progrès ou Règression?’; Didier, Paris; p.110. (10) Vid. S. Tomás; 1ª; q.50, art.1, ad 1.

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O Espírito humano é ‘furiosamente’ relacionador, sistematizador; e, perante a diversidade de seres vivos, o Rei da Natureza estabelece as relações reais das variadas formas de animais e plantas e exprime-as nos diferentes grupos taxonómicos ou nas chamadas categorias sistemáticas. O grupo basilar da classificação, a unidade taxonómica, é a espécie, agrupamento onde a semelhança dos indivíduos é maior. A partir desta, formam-se por associação contínua as categorias sistemáticas de ordem superior, respectivamente, género, família, ordem, classe e tipo. A espécie é o grupo taxonómico menos extensivo, mas o mais compreensivo, pois só pelo seu conhecimento se identifica verdadeiramente o animal ou a planta. A sua noção é muito simples e clara, considerada em alturas um pouco abstractas; porém, se descemos às aplicações práticas e pretendemos dar um critério fácil para distinguir os limites que as variações não podem ultrapassar na mesma espécie, somos forçosamente levados a concluir que a questão é extremamente difícil. Todavia, não nos admiremos que o termo ‘espécie’ tenha revestido conceitos di-versos, tantas vezes segundo a diversidade dos autores, pois, em todas as ciências, as questões mais difíceis têm necessariamente, por objecto, precisar os limites exactos entre as ideias e as coisas vizinhas e limítrofes. Apesar da deficiência de critério absoluto e definitivo para ajuizar da igualdade ou desigualdade de espécie entre dois seres, todavia, escreve Albert Farges (11), podemos dar de espécie, na senda dos naturalistas mais célebres, a seguinte definição: “Une collection d’individus ayant une type semblable et inaliénable”: ─ uma colecção de indivíduos de tipo semelhante e inalienável. Desenvolvendo a ideia, prossegue ainda ele, diremos que uma espécie apresenta três caracteres: 1º) é um grupo de seres vivos, fundamentalmente semelhantes entre si e diferentes dos outros grupos; 2º) estes entes são incapazes de variar e aperfeiçoar-se naturalmente, acima duma certa medida que é insuperável; 3º) estes seres são capazes de conservar, perpetuar, defender e restabelecer mesmo o tipo fundamental se algum acidente ou a violência dos cruzamentos anti-naturais o tiver desfigurado. Estes dois últimos caracteres são verdadeiramente específicos e o posterior é realmente o mais prático (12). Cuvier dá-nos esta definição: “Espécie é uma colecção de indivíduos, descen-

…………………… (11) ─ ‘La Vie et L’évolution des Espèces’; 6ª edição, Paris ─ 1902; p.214. (12) ─ Já o vemos empregado por Aristóteles que reconhecia a espécie na fecundidade: ─ Histoire naturelle, 1, 6, 8; ─ De la génération, II, 10, §10.

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dentes uns dos outros ou de pais comuns e de todos aqueles que são tão parecidos com eles, como estes o são entre si”. Alguns naturalistas, como Lineu, De Jussieu, Műller, Quatrefages, etc. apresen-taram outras definições que, muito embora difiram em alguns pontos acidentais, são substancialmente concordes na semelhança da forma que se perpetua pela geração. O célebre filósofo lusoitaliano, Tiago Sinibaldi, expressa na sua Cosmologia: “Espécie é uma colecção de indivíduos, que participam da mesma natureza e geram outros indivíduos semelhantes”. “A espécie ─ redige António Machado (13) ─ pode definir-se como uma reunião de indivíduos muito semelhantes, capazes de se reproduzir entre si e de originar novos indivíduos tão parecidos uns com os outros, como com os geradores”. No entanto, ele mesmo diz que a sua enunciação reproduz apenas por palavras diversas o citado enunciado de Cuvier. Na definição supra referida, continua ele, estão contidos implicitamente dois critérios: um de ordem morfológica, respeitante à semelhança dos indivíduos; outro de natureza fisiológica, relativo à fecundidade dos indivíduos que a constituem; nenhum deles, porém, é absolutamente seguro. Em resumo, devemos dizer que, embora os naturalistas e dum modo especial os zoólogos possuam um determinado número de critérios para a caracterização das espécies e sua distinção e separação práticas, nenhum deles é infalível. Segundo a doutrina da evolução biológica, as espécies não são fixas e imutáveis, mas transformam-se com o tempo noutras, não passando de raças que se fixaram.(14) Mas, se quisermos atribuir-lhes uma nota particular de fixidez, pensamos ainda, com a ilustre escola weismaniana, que a espécie lineana é uma reunião de genotipos, formando uma série contínua. Marcozzi, depois de analizar a multivariedade de formas de viventes e ponderar a necessidade de os agrupar em séries cada vez menos extensas e genéricas, define espécie como “l’insieme di organismi sostanzialmente simili, per caratteri morfologici, anatomici, fisiologici e che si distinguono soltando per diferenze puramente accidentali” (15).

………………….. (13) ─ ‘As Bases da Zoologia’; Porto ─ 1943; p.134. (14) ─ Vid. ibidem, pp.135,137. (15) ─ Marcozzi: ‘La Vita e L’uomo’; Milão ─ 1946; p.139.

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Mas, para não divagarmos demasiado, nem nos imiscuirmos em confusões e posições duvidosas, é efectivamente urgente e óbvio discriminar e distinguir a espécie científica e a espécie filosófica, sistemática e natural, restrita e ampla. Assim, o termo Espécie pode e deve entender-se num duplo sentido: No sentido próprio e filosófico, ‘est natura aliqua seu essentia, quae invenitur in pluribus individuis multiplicata’ (16); nesta acepção, denomina-se espécie natural. No sentido menos próprio e adequado, mas mais prático, ‘est collectio individuorum, quae caracteres quosdam comunes habent, a characteribus aliorum clare distinctos, et quae inter se illimitata fecunditate gaudent’(17); nestoutra acepção, cognomina-se espécie sistemática. Vejamos, para melhor compreensão, os graus da Sistemática, e o lugar ocupado, na mesma, pela espécie. Tais graus ou divisões são pela ordem decrescente na extensão e crescente na compreensão: reino, ramo, classe, ordem, família, género, espécie e variedade. Esta classificação dos organismos aplica-se indistintamente aos animais e às plantas, a todos os viventes, como vemos. Podemos, porém, apresentar melhor, em esquema, a dita classificação dos organismos e com uma visão panorâmica das relações para com a Evolução: ─

Classificação dos Organismos _________________________________________________________ Macro-evolução Tipo Classes Maiores Classe ____________________________ ____________________________ Ordem Família _______________________________ _______________________________ Classes Menores Micro-evolução Género Espécie Variedade _________________________________________________________ …………………….. (16) Vid. Boyer ─ ‘Cursus Philosophiae’ (Desclée); vol. II; Psicol., p.184. (17) Vid. ibidem; p.184.

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O Sumário indica-nos: ─ A macro-evolução não se dá; esta constitui a evolução filosófica, cuja efectuação repugna que se dê. O que, porém, se admite integrado na evolução é o género, a espécie e a variedade; esta é a micro-evolução que se dá realmente, e a que podemos chamar, em contrapartida, evolução científica. Esta esquematização e a sua correspectiva explicação não nos parecem estar, hoje em dia, de acordo com os avanços da ciência nem com a identificação mesmo da espécie filosófica com o tipo da Sistemática. Para melhor análise dos assuntos e das posições a tomar, permita-senos expor, ‘escolasticamente’, algumas afirmações capitais. E não se venha retorquir, dizendo que o processo dedutivo, dedução ou demonstração, é vão e gratuito, e, por isso, está antiquado! ─ Não! Estas redarguições só demonstram de quem as profere, uma pobreza de conhecimentos, uma ingenuidade científica crassa ou supina, um atraso e uma reclusão formal dos espíritos às verdades mais elementares da Filosofia Perene do Senso comum, como belamente a apelidou Leibniz; enfim, patenteiam terminantemente uma clausura à ‘Summa Veritas’, uma vez que as outras verdades são participações, muito embora contingentes, finitas e limitadas da Verdade actual e suprema! Negar que o silogismo é fonte de conhecimento é desconhecer as noções basilares de acto e potência, tão sàbiamente introduzidas por Aristóteles na Metafísica e que se têm conservado indeléveis até mesmo no meio das convulsões do pensamento, nos fluxos e refluxos, nas teses e antíteses da História da Filosofia, como frutos maduros e sazonados da Inteligência humana, através já de vinte e quatro longos séculos! Mas, graças a Deus pelos progressos que, contemporaneamente, já se têm feito na renovação da mentalidade e na criação de uma corrente geral simpatizante e mesmo defensora da Escolástica, particularmente do Tomismo. ─ Perdoai-me estas insistências espontâneas e quase irreflectidas.

TESE nº 1 As espécies filosóficas não estão sujeitas à evolução, por virtude própria, mas são fixas e imutáveis. Parece que só os três graus de vida, vegetativa, sensitiva e intelectiva, constituem, substancial e essencialmente, espécies filosóficas propriamente ditas. Não repugna que a vida se desenvolva nas diversas espécies do mesmo grau, pela evolução da inferior na superior. A ─ Esclarecimentos: ─ Vimos já, atrás, que a espécie filosófica era realmente uma natureza, uma essência; e, como sinónimos, podemos acrescentar, é verdadeiramente uma forma, uma substância. A natureza é, como sabemos,, ‘principium operationis’; ou, doutro modo, é a própria essência enquanto primeiro princípio das operações. A essência ‘est id quo aliquid est id quod est’; é, praticamente, o que constitui o ente numa certa e determinada espécie. A forma substancial ‘est actus primus materiae’; é uma realidade ou perfeição que determina a matéria. A forma divide-se em substancial e acidental; nós só tratamos da primeira.

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Esta é simples, é o princípio da actividade, é o elemento próprio de cada espécie e o princípio da especificação dos entes e pode ser única nalguns corpos; mas noutros, na maior parte, tanto orgânicos como inorgânicos, parece ser actualmente única, mas virtualmente múltipla. Nos seres animados, denomina-se alma, a qual se pode considerar em dois aspectos: enquanto anima o corpo organizado e enquanto é princípio de operações. Nos seres inanimados, conserva a sua primeira designação e apenas se considera como dando o simples ‘esse’ à matéria prima. A substância ‘est id cui competit esse in se’; é o ente que existe em si, (não por si, como pretenderam Descartes e Spinoza e todos os monistas e panteistas), sem necessitar de sujeito a que adira. ─ A vida consiste num ‘motus imanens’. Segundo a qualidade da imanência, assim se dão três graus: vida vegetativa, o grau das plantas; vida sensitiva, o grau dos animais, dos brutos; e vida intelectiva, o grau dos animais racionais, dos seres inteligentes (o Homem, o Anjo, Deus!). Estes graus de vida nunca podem chamar-se espécies, porque se predicam analogicamente; ora as espécies predicam-se univocamente do género, e vida não é género. B ─ Opiniões: ─ 1): ─ a) Os evolucionistas absolutos, ateus e materialistas, negam a imutabilidade das espécies filosóficas e estendem a evolução às supremas divisões da Sistemática, enfim a todos os entes; b) Os panteístas evolucionistas, já naturalistas, já idealistas, chegam mesmo a atribui-la ao próprio Deus. 2): ─ A maioria dos biólogos e psicólogos ortodoxos dos séculos passados não restringiram tanto o campo da espécie filosófica, o que se faz ainda hodiernamente. Não há muitos anos que compreendia ambas as classes maiores; hoje, porém, é possível e provável a sua identificação racional com o tipo. C ─ Prova da Tese: ─ I ─ As espécies filosóficas não estão sujeitos à evolução, mas são fixas e imutáveis. 1) Da noção de natureza: Toda a natureza se ordena para a própria perfeição e não para a sua destruição: ‘creaturae exsistunt ut agant, tanquam suo fine naturali’. Ora toda a espécie filosófica é uma natureza determinada em si e distinta essen-cialmente das outras. Logo é ininteligível e absurda a evolução nas espécies filosóficas; o mesmo é dizer que são fixas e imutáveis. 2) Da noção de essência: A essência é, como já tivémos ocasião de ver, o que constitui o ente na própria espécie ou natureza; mais claramente, é o conjunto de elementos pelos quais o ente é o que é e se distingue de todos os outros. ─ As essências criadas, aquelas de que é óbvio tratarmos aqui, são necessárias, indivisíveis e eternas: ─ necessárias, quando não podem deixar de ser o que são, não relativamente à existência, mas com respeito aos elementos constitutivos.

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Esta necessidade das essências criadas, porém, não é absoluta, mas hipotética ou ‘sub conditione’, pois Deus podia formar outros ideais ou modelos que fossem reproduzidos na Criação. São, todavia, necessárias, porquanto Deus não muda nem pode mudar de planos, o que seria imperfeição; indivisíveis, isto é, que se não podem mudar, modificar ou alterar. A indivisibilidade é corolário da necessidade. Por exemplo, se à planta se ajuntar a vida sensitiva, deixará imediatamente de ser o que é, para começar a ser animal; se lhe suprimirmos a vida vegetativa, ficará somente mineral; são eternas, não porque existam realmente desde a eternidade, (o que repugnaria, porque a eternidade, sendo Acto puro ─ como é ─, identifica-se com o próprio Deus), mas enquanto prescindem do tempo (não estão no tempo, embora, em certo modo, estejam com o tempo). Desta maneira, consideradas em si ─ não na Inteligência divina ─ a sua eter-nidade denomina-se negativa ou ‘in sensu lato’. Por conseguinte, a essência, embora, considerada nos seus elementos reais, possa ser destruída com a morte, todavia, apreciada em si, não pode transformar-se nem mudar-se. A contingência da criatura vem-lhe directa e imediatamente não da essência, mas da existência. Ora toda a espécie filosófica é uma essência necessária, indivisível e eterna. Logo, tanto quanto a razão humana compreende, repugna a transformação nas espécies filosóficas. A razão da premissa menor consta da definição de espécie filosófica. Efectivamente, admitir a evolução neste campo, é admiti-la no próprio Deus ─ Acto Puro ─, aseidade infinita e infinidade absoluta. Na verdade, a essência é um possível, uma ideia, na Ciência infinita especulativa e prática de Deus; é, em suma, objecto da Sua Inteligência, que, quando muito, se distingue dela e esta da Sua suprema Entidade actual, por uma distinção ‘rationis ratiocinatae minor’, a qual, fundamentalmente não deixa de ser lógica. Em Deus não há, absolutamente, nenhumas distinções reais. O Seu conhecimento identifica-se com a Sua Natureza; o objecto conhecido com o sujeito cognoscente. E Deus não só Se conhece e compreende perfeitamente, como conhece e compreende também as coisas diferentes de Si, não ‘per speciem totius’, mas ‘per speciem propriam adaequatam’. Deus é a Causa das coisas que são, por isso, semelhanças, participações limitadas da essência divina. A Inteligência divina conhece-as na e pela Sua Essência, causa exemplar, protótipo-modelo de todas as criaturas. (18) Porquê, pois, estar a esquadrinhar evolução nas essências, como fazem os evolucionistas materialistas, se estas, participações de Deus Imutável e enquanto conhecidas por Ele, se identificam com Sigo próprio?! Como? Com que razão?, se é que ela ainda existe!... Oh! Espírito de Verdade, Sabedoria infinita, ilumina esses transviados na selva escura dos sistemas pseudo-filosóficos e, oferecendo-lhes tábua de salvação, trazei-os todos ao porto da Verdade! Sim, ó Unidade absoluta, a razão de ser da essência (← Inteligência Divina) e a razão de ser da existência das criaturas (← Vontade Divina) vem provar, assaz evidentemente, a impossibilidade racional da criação ‘ab aeterno’. É a contingência da criatura e a aseidade divina mais uma vez a manifestar-se, a evidenciar-se. “Ao inteligível opõe-se o absurdo; ao compreensível o mistério”, diz o adágio filosófico. Não vão, pois, julgar os materialistas que esta doutrina é mistério, nem muito menos absurda, porque é sumamente inteligível, como verificámos. …………………….. (18) ─ Cfr. S. Tomás: Iª; q.XIV, a.V, c.. 3) Da noção de forma substancial:

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Há três variedades de formas: a forma substancial, a forma metafísica e a forma lógica. A primeira é a parte determinada e determinante da essência; a segunda é a expressão de toda a essência; e a terceira é propriamente a diferença específica. A metafísica e a lógica têm analogia com a substancial, pois, se esta aperfeiçoa e completa a matéria, também as outras aperfeiçoam respectivamente o suposto e o género. Ora bem; a forma substancial é a parte determinada e determinante da essência. Mas as essências são imutáveis, como já vimos. Logo também as formas substanciais propriamente ditas são imutáveis. Ora, o princípio da especificação, já nos entes corpóreos, já nos incorpóreos (nos anjos), é a forma substancial; por conseguinte, a forma substancial é a espécie filosófica. Logo é absurda a mudança nas espécies filosóficas. Directamente: ─ A forma substancial, como tal, e, portanto, primária, confunde-se com a espécie filosófica. Ora repugna a mutação ou destruição da forma substancial. Logo é evidente e lógica a imutabilidade da espécie filosófica. ─ Menor do silogismo: ─ Repugna a mutação ou destruição da forma substancial: Com efeito, a forma substancial é o que, em última instância, dá a entidade e determina a espécie ao ser. Ora a mutação ou a destruição implicariam uma aniquilação do ser. Mas esta aniquilação dependeria ou de Deus, ou da mesma criatura: não de Deus, porque isso seria revogar o Seu plano maravilhoso e desmentir os Seus propósitos; não da criatura, porque esta tem um horror instintivo à morte e tende inelutável e irresistivelmente, não para a destruição, mas para a vida, para a perfeição. II Parece, assim, que só os três graus de vida, vegetativa, sensitiva e inte-lectiva, constituem substancial e essencialmente espécies filosóficas propriamente ditas. As espécies filosóficas propriamente ditas são fixas e imutáveis. Ora só os três graus de vida são racionalmente fixos e imutáveis. Logo só eles são espécies filosóficas, no verdadeiro sentido do vocábulo. ─ Menor: ─ Só é absurda e repugnante a evolução entre os três graus de vida: negativamente: ─ Os organismos do mesmo grau de vida poderão evolucionar, se a sua diversificação for somente em razão da forma exterior ou disposição orgânica, e não motivada pela sua organização interna. Ora, nos organismos do mesmo grau, a distinção é causada pela forma externa e pela modalidade na disposição dos órgãos. Logo a evolução é-lhes possível; positivamente: ─ Os três graus de vida não evoluirão entre si, se constituírem tipos formais diversos e distintos, radical e essencialmente uns dos outros, isto é, tipos de organização diferente, cuja organização se fundamente na essência do próprio ser. Ora tal acontece só perfeitamente com os três graus de vida: sensitiva, vegetativa e intelectiva, que, por isso, são necessariamente irredutíveis. Logo só a eles compete própria e exactamente a repugnância da evolução.

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─ Demais, só os três graus de vida constituem, em última análise exaustiva e despretensiosa, naturezas e essências fixas e imutáveis, inimigas figadais da evolução, por mínima que seja. A corroborar esta doutrina, concebemos logicamente os três graus de vida como três cúpulas acabadas na tríplice escala dos seres. E, assim como o número ‘10’ contém em si, implicitamente, o ‘2’, o ‘3’, o ‘4’, … os quais de per si são independentes como números, assim também, por exemplo, o tipo, na escala sensitiva, contém em si, virtual ou implicitamente, a classe, a ordem, a família, o género, a espécie e a variedade ─ divisões da Sistemática que, por si só, são entidades constituídas e reais. Assim, a maior parte dos seres terá uma pluralidade de formas, as quais, em relação ao degrau supremo da escada de classificação, são secundárias, digamos assim, porque nele e a ele se subordinam; e, em relação ao ente singular, permanecem ‘in virtute’, ‘non actualiter’, isto é, sempre dominadas pela forma principal constitutiva de determinado grau de ser. O último escalão, a vida sensitiva, neste caso, o mais externo, como não é determinante de nenhum género, é que é verdadeiramente a forma substancial primária, imutável, portanto verdadeira espécie filosófica. As outras formas (poderíamos chamar-lhes substanciais secundárias), embora constituam, na realidade, seres concretos e indivíduos, não perdem todavia a sua relação de dependência das superiores e finalmente da última superior, pois o constituinte metafísico da sua essência não lhes permite autonomia e autocracia, em face das imediatamente superiores, e radicalmente da suprema. E não penseis que a doutrina da pluralidade das formas, tão acerrimamente defendida pela Escola Franciscana, esteja, fundamentalmente, em oposição cerce com o Tomismo, ensinado nos Seminários. De modo nenhum. S. Tomás fala de unidade de forma, tomando-a actualmente, realizando em acto a entidade e a especificação do ser. Esse sentido está muito certo; nem os franciscanos ensinam outra coisa. O que eles, porém, acrescentam, e bem, é uma pluralidade de formas ‘in virtute’, todavia sempre subjugadas e domadas pela forma substancial primária ─ o que os Tomistas também admitem nos chamados corpos mixtos perfeitos ou ‘mixta realiter seu naturaliter’. Que visão maravilhosa e cheia de harmonia que o panorama do mundo assim nos apresenta!!!! Que ordem! Que esquemas portentosos! Que prova mais evidente e racional da existência de Deus? ─ Devemos rematar ainda, com o imorredoiro psicólogo Frӧbes, que a doutrina da pluralidade das formas está mais em acordo com a Ciência moderna que a unidade das mesmas. III Não repugna que a vida se desenvolva, nas diversas espécies do mesmo grau, pela evolução da inferior na superior: ─ A) ─ Prova-se pela razão: ─ Repugnaria que uma espécie inferior evoluísse para a superior, se ela não possuísse uma tendência para essa transformação, se não tivesse virtude e potência para a forma superior. Ora nós supomos precisamente a forma-espécie inferior em virtude e potência para a superior; esta virtude ou potência procede de Deus, como todas as coisas, e foram depositadas por Ele na sua natureza. O contrário seria admitir efeito sem causa e redundaria no mais inconcebível absurdo, se é que tal se pode conceber…, ─ a geração espontânea, própria e rigorosamente falando, o evolucionismo ateu e materialista que, se causa aversão aos católicos, não menos irrita os sábios.

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Logo não é absurdo que a vida se desenvolva nas diversas espécies do mesmo grau, pela evolução da inferior na superior; B) ─ Prova-se pela experiência: ─ Vemos que, do cruzamento de dois indivíduos diferentes (não essencialmente), resulta um outro sem semelhanças externas com qualquer dos progenitores. E isto mesmo tem sido verificado e confirmado realmente por sábios sinceros e conscienciosos verdadeiramente cientes do seu ofício de rectos investigadores da Natureza. Ora, reza o mais simples e elementar princípio de Filosofia, contra factos não há argumentos. Corolário: ─ Segundo o exposto, não ofende absolutamente nada a razão humana nem a doutrina católica que se dê ou venha a dar a evolução entre as várias divisões da Sistemática, mesmo entre as superiores, contanto que sejam todas do mesmo grau de vida. Uma coisa, porém, é o campo filosófico, e outra é o campo científico. Ao filósofo pertence-lhe ponderar a possibilidade ─ é uma acção meramente lógica e dialéctica, e, por isso, transitória; ao cientista compete-lhe a verificação da hipótese, a aplicação da lei ─ é uma acção histórica, prolongada e lenta. Não façamos, pois, confusões e misturas. Mas uma coisa há que, mesmo ‘a priori’ repugna profundamente: é a passagem da vida vegetativa ou sensitiva para a intelectiva, sem o concurso de Deus. Aqui cerram-se as portas da evolução, para que a realidade permaneça una, imutável, indivisível, ─ verdadeira testemunha do Deus uno, simples, imutável, eterno, imenso, daquele Deus ─ Acto Puro ─ foco imutabilíssimo que tudo criou no tempo e com o tempo, sem deixar de ser eterno; que concebeu com a Inteligência, sem passar da potência ao acto, e actuou com a Vontade, sem se mover quer física, quer logicamente. Oh! Deus! Quão insondáveis são os Vossos actos de amor efectivo para com o Universo: a Criação, a Conservação, o Concurso e a Providência!!!

TESE nº 2 É possível filosoficamente e verificável experimentalmente a evolução nas espécies científicas; mas nem toda a espécie científica postula necessariamente a evolução. ─ Antes de mais, façamos uma observação: entendemos, aqui, por espécie científica, não a espécie no seu significado restrito ─ penúltima divisão na escala des-cendente da Sistemática, mas na sua significação ampla, abarcando todas as restantes divisões, com exclusão apenas da espécie filosófica, isto é, dos graus de vida. Todavia, notemos primeiramente que evolucionismo e fixismo não são integral e completamente opostos, como o são por exemplo o clericalismo e o anti-clericalismo; o sim e o não. Não; com efeito não se excluem mutuamente. Tanto que pode haver e há de facto evolucionistas que partilham do fixismo ─ são os evolucionistas católicos, relativamente às espécies imutáveis por natureza. São adversários da nossa tese somente os fixistas totais e absolutos e alguns que pretendem restringir erradamente demasiado a evolução à última ou às duas últimas divisões inferiores da escala de classificação dos organismos.

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Esta posição ainda se encontra actualmente, sobretudo numa pléiade de cristãos, aferrados às tradições antigas, e furiosamente hostis a tudo o que puder chamar-se progresso, avanço científico. São os cristãos de ‘vista curta’ e mentalidade fechada. Com medo de transigirem nalgum ponto os ensinamentos da Igreja, abrindo os olhos, cerram-nos apaixonadamente, como se a ciência pusesse em perigo a fé, a filosofia, a Revelação, a natureza, a sobrenatureza. Aquele adágio francês ‘il faut vivre avec son temps’, para eles, é uma bagatela estrondosa. Deles se pode dizer, pois, com S. Paulo, que a letra mata…, mas o espírito vivifica; com a diferença de que o segundo membro da proposição, para eles, perdeu o sentido; não existe. Ò Deus Uno da Verdade una, até onde chega a mesquinhez altiva e soberana dos homens!

Prova da Tese: ─ I ─ É possível filosoficamente e verificável experimentalmente a evolução nas espécies científicas: A) ─ É possível a evolução do vivente numa ordem não essencial e fixa, mas acidental. Ora as notas que caracterizam as espécies científicas não são de molde a criar diferenças profundamente essenciais entre elas. Logo é inteligível a evolução nas chamadas espécies científicas. ─ A maior é evidentíssima; a menor é comprovada pela análise do ser: vemos que os caracteres diferenciais afectam a morfologia, mesmo a fisiologia; nunca, porém, a ontologia da coisa. B) ─ É verificável experimentalmente, se for observada, examinada, confirmada e demonstrada pelos biologistas, paleontologistas, naturalistas; enfim, pelos homens da investigação e da ciência. Ora isto mesmo fizeram e fazem, na Época Moderna, Darwin e Lamarck, e na Contemporânea Bergounioux, Vialleton, o ilustre Pe Vittório Marcozzi, o Dr. Carlos Richet da Academia de Medicina de Paris e outros ‘águias’ na Ciência, de que não fazemos menção. II ─ Mas nem toda a espécie científica postula necessariamente a evolução: ─ Nesta altura, é oportuno o princípio de Metafísica: ‘ab esse ad posse valet illatio, sed non contra’. Uma coisa é, de facto, a possibilidade racional da evolução e outra a verificação experimental, aplicada à ‘res’ em concreto. Por consequência, pode haver casos em que a evolução não se dê realmente, posto que, no campo dos princípios, seja racional. ‘A posse ad esse illatio non valet necessario’.

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SECÇÃO II

Os Factos e as Teorias da Evolução Antes de apresentarmos uma visão panorâmica do Evolucionismo através da História, profiramos alguma coisa primeiro sobre os factos, afim de criarmos convic-ções e não nos suceder como à cana agitada pelo vento, de que fala o Evangelho, no meio dos inúmeros sistemas de matizes tão variegados e tons tão esparsos.

Capítulo I

Os Factos Sigamos, na exposição, o inconfundível cientista contemporâneo, distintíssimo professor de Geologia, no Instituto Católico francês de Toulouse ─ o ilustre sábio Frédéric Marie Bergounioux(1). Sabemos já muito bem o que é o Evolucionismo: ─ Doutrina científica que en-sina derivarem as espécies vegetais e animais, porque solidárias, umas das outras, por transformação natural e por via de filiação. É sinónimo de Transformismo. É admitido unanimamente pelos paleontologistas e biologistas ─ botânicos e zoologistas ─ e baseia-se num grande número de factos, dos quais passamos a examinar alguns: ─ 1º ─ Característica dos seres vivos: As propriedades primordiais, caracterizantes dos seres vivos, e que os distinguem dos inorgânicos, são: mobilidade, irritabilidade, assimilação e reprodução. A capacidade de reagir aos excitantes exteriores não serve como distinção absoluta entre seres vivos e não-vivos. Mas a assimilação é verdadeiramente a propriedade mais característica e a única exclusiva dos seres vivos. Com efeito, estes crescem assi-

…………………… (1) ─ In ‘Catholicisme’ ─ (enciclopédia) ─ vid. Evolutionisme.

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milando, isto é, transformando as substâncias estranhas, na sua própria substância. Este atributo nenhum ser inanimado o possui: ─ Um cristal de glicose, mergulhado numa solução saturada da mesma substância, cresce, mantendo a sua forma peculiar. Se, pelo contrário, o mergulharmos numa solução saturada de açúcar de cana, não é capaz de o assimilar, transformando-o em glicose. A assimilação ou ‘anabolismo’ é, portanto, a base de todos os outros fenómenos de vida: desassimilação ou ‘catabolismo’, reprodução, multiplicação, etc.. Os seres vivos compreendem animais e vegetais. Distinguem-se uns dos outros, especialmente, pela nutrição que, naqueles, é holozóica (por alimentos sólidos), e, nestes, holofítica (por alimentos dissolvidos). Embora não seja uma diferenciação absoluta, pode, no entanto, admitir-se com certa generalização. Os vegetais são seres de síntese; os animais seres de análise. 2º: ─ Classificação dos viventes actuais: No começo da vida sobre a terra, apareceu um organismo simplicíssimo, com uma única célula protoplasmática, denominado ‘virus’, com propriedades patogénicas. Este tronco, evoluindo, deu origem às ‘Bactérias’, formadas já por um conjunto de células. Estas, por sua vez, diferenciando-se em dois ramos, produziram: a) os vegetais, com membrana celulósica, clorofila e uma reserva de amido; no seu modo de nutrição, transformam a energia solar em energia química; b) e os animais, que têm uma membrana não celulósica e recebem toda a sua energia doutros seres vivos.

As plantas são autotróficas; Os animais heterotróficos. Eis em resumo breve:

Virus → Bactérias →

Protófitos ─ Metáfitos Protozoários ─ Metazoários.

3º ─ A origem da vida sobre a terra: Após a descoberta da radioactividade natural, os tempos geológicos tornaram-se mensuráveis. Huxley concede à crosta terrestre uma idade de 3.500 milhões de anos. A vida deve ter aparecido, pois, nos antigos princípios do Antecâmbrico, com a data, provavelmente, de 1.400 milhões de anos. Se nos atemos só à observação da Ciência, neste ponto, ficamos muito ignorantes! Urge, por conseguinte, lançar mão das hipóteses. A hipótese mais plausível da origem da vida sobre a terra parece ser a de M. Dauvillier e Desguin (1942), que passamos a expor: Em épocas antiquíssimas, estando já arrefecida a crosta terrestre, nos mares quentes, vinham condensar-se vapores atmosféricos, atravessados por raios de sol ‘novo’, muito rico em ‘ultra-violetas’. E foi pela acção catalítica destes, que se produziram as reacções foto-químicas: do vapor de água e do gás carbónico da atmosfera, derivou o aldeído fórmico. A condensação do aldeído e do amido fórmicos deu em resultado as proteínas.

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É uma grossa molécula proteica, que fixa os elementos minerais da água do mar, enxofre, fósforo e metais. À superfície dos oceanos, ainda quentes, organizavam-se enormes massas de matérias orgânicas gelatinosas. O oxigénio, libertado pelas reacções, foi parcialmente transformado em ozone, sob a acção dos ultra-violetas, e limitou progressivamente o espectro solar no seu valor actual, trazendo consigo, para sempre, a foto-síntese da matéria orgânica, que ia gradualmente organizar-se num complexo heterogéneo mais coordenado, para dar grossas moléculas, dotadas do poder de organização que encon-tramos hoje nas ‘proteínas-virus’. 4º ─ O ensinamento dos fósseis: No Antecambriano, período geológico que preenche cerca de dois terços do total do tempo de vida sobre a terra, a fossilização era fenómeno raro, porquanto exigia numerosas condições que devem ser interpretadas sempre com muita prudência. Todavia, fornece-nos provas no campo dos vegetais e no dos animais: ─ a) Vegetais: ─ Em 1925, Scott distinguiu quatro fases, na história da evolução do reino vegetal: 1ª) transformação de uma flora marinha primitiva(?) numa flora terrestre; a época desta mudança deve localizar-se antes do Siluriano; 2ª) passagem desta flora terrestre primitiva a uma flora tipicamente paleozóica, no Devoniano superior, em que aparecem pteridófitas e gimnospérmicas antigas; 3ª) aparição da flora mesozóica com predomínio das gimnospérmicas, no fim do primário; 4ª) aparição de uma flora de tipo moderno, com preponderância para as angiospérmicas, no Cretácio. Esta sucessão, que acabamos de examinar, marca a aparição de tipos vegetais, cuja organização é cada vez mais complexa; b) Animais: ─ Nos manuais elementares, encontramos ensinamentos como estes: o primário é a era dos peixes; o secundário dos répteis; o terciário dos mamíferos; e o quaternário do homem. Sob esta forma, brutalmente esquematizada, o quadro apresenta erros manifes-tos; todavia, permanece válido no seu conjunto: numa época determinada, o complexo biológico é composto pela proliferação de certos grupos que têm um lugar preponderante em relação aos outros e se atribuem a um mesmo plano de organização. 5º ─ O Mecanismo da evolução: a) estabelecimento dos grupos de Vertebrados: no Siluriano ─ Agnatos; no De-voniano ─ gnatóstomos; no fim do Devoniano ─ tetrápodes; no Secundário ─ répteis; no Terciário ─ mamíferos; e no Quaternário ─ o Homem que suplantará, pela inteligência, todos os grupos; b) alguns organismos, na evolução, dão origem a ramos filéticos; c) diante de tais observações, pode perguntar-se se existiram relações de filiação, entre classes independentes; a Paleontologia vem em resposta mostrar os intermediários, isto é, as formas de transição, e patentear que uma semelhança real une todos os seres vivos actuais; d) e não vamos agora julgar que a evolução filética seja constante e interminável; não. Por um lado, ela representa um fenómeno cíclico; e por outro, a energia do ramo original não é sempre a mesma, mas vai-se esgotando pouco a pouco; e) representando a ortogénese uma série contínua de mudanças no mesmo sentido, a evolução torna-se um facto irreversível. E a vida parece já ter dado o seu fruto total ─ o Homem. f) Conclusão: ─ No seu livro ‘La Genèse des espèces animales’ (Paris, Alcan, 3ª edição, ─ 1932), escrevia já M.L. Cuènot: “Um número infinito de constatações positivas em Anatomia, Embriologia, Paleontologia, Fisiologia, Geonomia, encontram, no evolucionismo, uma interpretação simples e lógica, mesmo com a condição de admitir um transformismo generalizado, desde os primeiros seres portadores do gérmen da vida, que apareceram sobre a

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Terra, até ao Homem e às plantas superiores… A árvore genealógica, tão grossa e sujeita a qualquer revisão, é a imagem da realidade”. A evolução, isto é, a passagem da vida duma espécie a outra, é um facto já comprovado; já não é simplesmente hipótese, mas certeza científica; já não fica encerrada nos estreitos quadros da plausibilidade e da probabilidade, mas rompe triunfante as trincheiras da opinião e assenta praça no acampamento da Certeza. Nos colóquios e conferências de Paleontologia, reunidas em Paria, em Abril de 1947, os biologistas e paleontologistas de França, Inglaterra, América e Suécia, que se achavam presentes, concordaram unanimemente sobre a matéria.

CAPÍTULO II

AS TEORIAS Origem, História e Ideologia do Evolucionismo

Todos os dias, o grande público, curioso de ciência, ouve falar de evolução; na verdade, este conceito tem penetrado tanto na vulgaridade da ciência humana, a ponto de suscitar, na vida social, temas meramente literários como as ‘Espécies Sociais’ de Honoré de Balzac. Sendo assim, há, muitas vezes, dificuldade séria em nos reconhecermos no meio da diversidade de teses, cujas contradições nos aparecem confusamente, sem que se possa fazer uma ideia precisa da sua origem, dos seus argumentos e do nosso lugar na teoria geral do transformismo. Não se trata aqui de tomar partido nos factos e nas ideias transformistas; mas única e simplesmente duma exposição imparcial da História da Evolução. Seguimos muito de perto o

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autor francês Paul Ostoya, no seu livro ‘Les théories de l’évolution’ ─ Payot, Paris ─ 1951, que, por ser longo, tentamos resumir aos pontos essenciais. “O escritor citado que é um homem modesto, consciente da dificuldade da sua tarefa, não consentiu em afastar-se do seu escopo, que era uma redacção objectiva das doutrinas da Evolução, atingindo realmente o fito almejado”(1). A ordem das matérias procurará ser um compromisso entre a ordem histórica ou cronológica e o encadeamento lógico. O nosso ideal será a clareza.

SUB-CAPÍTULO I PRÉ-TRANSFORMISMO Artigo I Os Precursores ou Pretensos Tais A ideia da evolução é muito antiga. A maioria dos escritores científicos fazem remontar, aos filósofos gregos pré-socráticos, as origens das ideias transformistas. Infelizmente, não podemos ajuizar da mentalidade destes autores pela integrida-

……………………… (1) ─ In: ‘Les théories de L’évolution’; vid. Prefácio de Roger Heim, p.13.

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de das suas obras, mas unicamente por meio de fragmentos que conhecemos por intermédio de Aristóteles, principalmente, e de alguns comentários. E mesmo a obra gigantesca do Estagirita foi retocada e modificada pelos seus discípulos!... São considerados por alguns, como pioneiros remotos do evolucionismo, Pitá-goras, Xenófanes, Empédocles, Eródoto; mas os textos deles, segundo Vittório Marcozzi(2), não nos permitem tirar tal conclusão. A unanimidade das soluções aponta-nos como verdadeiros precursores do transformismo, muito embora longínquos, Anaximandro, Empédocles, Lucrécio e, particularmente, Epicuro, Leucipo e Demócrito. Que diz Anaximandro, nascido em Mileto, no ano 611 antes de Jesus Cristo, pela boca dos seus comentadores, Hipólito, Aécio e Pseudo-Plutarco? ─ “As criaturas vivas nasceram do elemento húmido, logo que foi evaporado pelo Sol. O Homem era, no início, semelhante a um peixe” (Hipólito). “Os primeiros animais foram produzidos na água e fechados numa casca espinhosa. Com o tempo, fizeram a sua aparição sobre a parte mais seca. Logo que partiu a casca, modificaram, em pouco tempo, o seu género de vida” (Aécio). “Na origem, o homem nasceu de animais duma outra espécie. A razão disso é que, enquanto os outros animais encontram, com bastante imediatez, o seu próprio alimento, o homem tem necessidade de um longo período de amamentação. E daí resulta que, se ele fosse, na origem, o que é agora, não teria jamais sobrevivido” (Pseudo-Plutarco). Enriquèz e Santillana querem que nós vejamos, nestas frases, a primeira expressão da ideia da evolução, por adaptação ao meio. Abel Rey faz reservas e diz que a palavra evolução será abusiva a este propósito. Com efeito, não é questão duma transformação gradual, que faria sair todos os seres vivos dum ou de vários antepassados, de organização mais simples. A adaptação, de que fala Anaximandro, parece comandada unicamente pela ideia de que só os seres marinhos são capazes de acudir às suas necessidades, desde o seu nascimento. Intuição genial talvez, mas que está longe de brotar uma ideia geral da evolução. Cem anos depois de Anaximandro, Empédocles, nascido cerca de 495 a.C. em Agrigento, introduziu o gérmen duma ideia de selecção. Para ele, a Natureza criou primeiramente esboços imperfeitos, seres incapazes de sobreviver e, sobretudo, de procriar. Devemos nós ceder aos entusiasmos de Henriquès e ver, a dois mil anos de distância, repetir-se a história, Anaximandro ─ Lamarck seguido por Empédocles ─ Darwin? Nós, porém, com Zeller, seremos mais restritos. Nada nos diz que Empédocles faça derivar uma fauna da precedente por trans-

………………… (2): ‘La Vita e l’uomo’; Casa Editrice Ambrosiana, Milão ─ 1946, p.140.

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formações. Pelo contrário, a fauna monstruosa do princípio não terá possibilidade de reprodução. Há, pois, uma sucessão e não uma filiação. Notemos mesmo uma certa regressão, porque Empédocles insere estes factos num sistema universal, onde distingue épocas, a do Amor e a do Ódio, noções essencialmente metafísicas. A própria transformação dos invertebrados em vertebrados, tal como a imagina Empédocles, segundo Diels, não merecia o nome de transformismo, a não ser que fosse generalizada e erigida em regra universal. De todas as filosofias da Antiguidade, a que se presta melhor à eclosão duma ideia transformista é a filosofia materialístico-atomista de Leucipo, Demócrito e Epicuro. Enriquès e Santillana dizem-nos que a maneira como Demócrito concebe a hereditariedade” fá-lo aparecer em cena como um precursor de Darwin e da sua teoria da Pangénese”. O determinismo mecânico, de que ele não admite atenuação alguma, ajuntam os supraditos autores, “faz-lhe adoptar uma teoria da evolução, na qual o homem figura como descendente dum vermículo, nascido directamente do limo da terra. A interpretação desta frase não se deve, porém, estender a uma teoria geral, nem modelar pela ideia duma complicação progressiva. A interpretação desta frase não se deve, porém, estender a uma teoria geral, nem modelar pela ideia duma complicação progressiva. A grande ideia de Demócrito, em Biologia, parece ter sido a da correlação entre as funções; ele viu ainda que os animais inferiores possuem órgãos diferenciados como os animais superiores. Mas isto não o impediu de fazer sair o vermículo do lodo; porquanto admitia que a matéria inerte podia organizar-se imediatamente em seres vivos já de estrutura complexa. E daí um transformismo geral, que é inútil para dar conta da diversidade das espécies. Se Demócrito faz sair o homem dum vermículo, é somente para combater melhor a ideia da sua origem divina. Mais moralista que sábio, Epicuro, seu discípulo, não avançou, por certo, em progresso sobre ele. A sua doutrina científica é omissa de unidade e parece acolher qualquer explicação dos fenómenos naturais, dispondo que ela mesma permite eximir-se das intervenções divinas. Outro tanto podemos dizer do grande poeta latino, Lucrécio, que se contentou de versificar em latim as teorias de Epicuro e que passa, frequentes vezes, embora injustamente, por um dos precursores de Darwin. As suas ideias são em grande contingente as de Empédocles e a sua grosseira concepção de uma espécie de selecção natural nada tem de transformismo. “A natureza do mundo inteiro, diz ele, modifica-se com o tempo: um novo estado sucede ininterruptamente a outro mais antigo, segundo uma ordem necessária. Nenhuma coisa permanece igual a si mesma; tudo passa, tudo se muda e transforma nas ordens da natureza”. Por outro lado, nega que os órgãos dos animais tenham sido criados directa e imediatamente para o uso. Só com estas passagens, podíamos imaginar Lucrécio transformista e neo-darwinista. Mas as transformações, que ele concede precisamente à natureza, vai recusá-las às espécies vivas. Em várias partes, afirma expressamente que todo o animal ou vegetal não dará origem senão a produtos idênticos. Não admite, pois, a origem aquática, atribuída por Anaximandro às espécies terrestres. Lucrécio não teve, por conseguinte, nenhuma ideia transformista; como Epicuro, ele preocupou-se exclusivamente em desacreditar as fábulas e lendas que imaginavam as filiações acidentais ou milagrosas mais estranhas. Lemos em alguns autores, nomeadamente em Luciano Cuénot, que os Padres da Igreja, verbi gratia S. Agostinho, S. Gregório de Nissa, exprimiram ideias evolucionistas. Ora não se lhes pode encontrar nenhuma passagem verdadeiramente provante. Vários textos sugerem, certamente, que as espécies não foram todas criadas pelo próprio Deus ab origine; o que se encontra, porém, expressamente, é a ideia duma criação ‘potencial’, que se harmonizaria muito bem com o transformismo. Mas aqui, como em muitas outras ocasiões, é preciso distinguir cuidadosamente dois aspectos de conceber a parentela e a filiação entre os seres vivos, distinção esta que foi bem sublinhada por Alfredo Giard, na introdução das suas

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‘Controverses transformistes’: a ideia duma parentela e duma filiação real ─ é o transformismo; e a ideia duma parentela ideal, análoga à que se pode revelar nas produções da arte. É, pois, sem dúvida, com razão, que o autor do artigo ‘Transformismo’, no Dicionário Apologético, recusa ver, nos Padres da Igreja, embriões de evolução. No século XII, S. Alberto Magno invoca a influência do clima sobre as raças, mas é forçoso aportarmos ao século XVII, para ver reaparecer ideias que se fundem com as dos filósofos pré-socráticos. Em 1616, Lucílio Vanini, num diálogo assás ecléctico, onde mete em cena Alexandre e Júlio César, insinua que o homem pode ter o macaco por antepassado, pelo menos, o etíope, isto é, o preto; e que os primeiros homens caminhavam curvados e a quatro patas, como os animais. Fala ainda dum primeiro homem nascido por uma espécie de geração semi-espontânea, “da corrupção de vários cadáveres de macacos, porcos e rãs, porque, entre a carne e os costumes destes animais e os do homem, há uma grande semelhança”. Por ventura, Vanini preconizou um transformismo geral, como o creu L. Cuénot? Pelo contrário, parece que este espírito ágil, mas superficial se divertiu com parado-xos, de preferência a pensar seriamente sobre o problema. Na mesma época, em 1620, Francisco Bacon, no seu ‘Novum Organum’, estimula e preconiza e apregoa o estudo atento dos monstros e das produções aberrantes da natureza e mesmo as experiências para produzir outra novas. Alguns anos mais tarde, na sua ‘Nova Atlantis’, atribui, a um povo imaginário, a criação duma vasta instituição de inquirições e achados científicos, onde, por cruzamentos e pela escolha da alimentação se obtêm variedades e mesmo espécies novas de plantas e animais. Nesta obra, Bacon é um verdadeiro Júlio Verne da Ciência; aí se acha o pro-grama de inumeráveis realizações dos nossos laboratórios. Todavia, não nos é possível ver ainda, nessa obra, um verdadeiro transformismo, pois o autor atribui, aos seus sábios, o poder de fazer sair seres vivos perfeitos, da decomposição das matérias orgânicas. Em todos os seus escritos, Francisco Bacon nunca exprimiu a ideia duma evolução geral; o seu transformismo não é senão parcial e, sobretudo, acidental. Abrimos um pequeno parêntesis, já na ordem lógica, já na cronológica, afim de estudarmos, numa análise mais profunda e exaustiva, a evolução em Suarez, S. Tomás e, dum modo todo especialíssimo, em S. Agostinho. No seu livro ‘La Vie et L’Évolution des Espéces’(3), Farges depois de apresentar duas hipóteses da evolução ─ evolução ideal e evolução passiva ─ dá-nos uma terceira ─ a evolução activa, que considera de S. Agostinho, S. Tomás e Suarez. “Deus, refere o autor, podia ter criado, ao mesmo tempo, todas as espécies animais ou vegetais, no estado virtual: “Creant omnia simul”. As células primitivas, já diversamente especificadas, embora idênticas na aparência, teriam assim, contidas em potência, formas activas, mais ou menos perfeitas, segundo o seu destino futuro.

…………………. (3) ─ Vid.: Sexta edição; Paris ─ 1902; p.210 e seg.. (4): “Sicut in ipso grano invisibiliter erant omnia simul, quae per tempora in arborem surgerent: ita ipse mundus cogitandus est, cum Deus simul omnia creavit, habuisse simul omnia quae in illo et cum illo facta sunt, quando factus est dies: non solum coelum cum sole, luna, et sideribus,… sed etiam illa quae aqua et terra produxit, potentialiter atque causaliter, priusquam per temporum moras ita exorirentur quomodo nobis jam nota sunt, in eis operibus quae Deus usque nunc operatur”. ─ “In sunt corporis rebus per omnia mundi elementa quaedam ocultae seminariae rationes, quibus cum data fuerit opportunitas temporalis atque causalis, prorumpunt in species debitas”. ─ In: S. Agostinho, ‘De Genesi ad litt.’, lib. III, cap.14; V. nº 45.

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E, uma vez que as formas superiores contêm implicitamente todas as formas inferiores, como na hierarquia dos números, as células, antes de atingir a sua organização definitiva e a sua espécie completa, teriam podido passar sucessivamente por todas as etapas inferiores, ‘viae ad speciem’, seguindo as diversas circunstâncias de tempo e de meios favoráveis. “Esta opinião parece ter sido a de S. Agostinho(4). S. Tomás e Suarez(5), que a comentam e examinam, estão bem longe de a reprovar. Sob o ponto de vista filosófico, ela é, com efeito, irreprovável”. Alguns autores modernos, apoiando-se nas ‘rationes seminales’, têm apreciado, em S. Agostinho, o insigne pioneiro da teoria evolucionística e têm-no reputado evolucionista, na autêntica significação verbal. Como já referimos, S. Tomás parece ter nutrido simpatia pela doutrina da evo-lução, quando diz: “… a opinião de S. Agostinho é mais razoável que a de S. Gregório e defende mais eficazmente a Sagrada Escritura contra os ataques irónicos dos infiéis… ‘et haec opinio plus mihi placet’ ”(6). Examinemos melhor a doutrina do inesquecível ‘Doutor da Graça’, a este respeito, para que, seguidamente, possamos ajuizar com mais segurança e certeza. O universo, comenta Franco Amério(7), foi criado num estado imperfeito, de confusão, de indeterminação; os diversos elementos e formas vão-se especificando e determinando a pouco e pouco. Deste modo, o universo vai-se tornando cada vez mais rico, variado, harmonioso e perfeito. As manifestações vitais vão-se complicando e aperfeiçoando e os seres embrionários e simples vão-se fazendo mais perfeitos e complexos. Em suma, dá-se, continuamente, uma passagem do caos para o cosmos, da desordem para a ordem! As potencialidades, latentes no ser imperfeito, na sua estrita significação de ‘não acabado’, chama a ‘Águia de Hipona’ “rationes seminales”. Não se confunda, porém, em lamentável mescla, o evolucionismo augustiniano com o evolucionismo do século XIX: o primeiro ─ exaltador da sabedoria e potência divinas e o segundo ─ tentativa nefanda de ex-plicação da história do mundo, negando a Deus. Perscrutemos mais intimamente o imortal Bispo de Hipona, nas suas imorredoiras ‘Confissões’, o ‘judex rerum rerum notabilium’, como afortunadamente as baptizou L. Craveiro da Silva, S.J.; livro verdadeiramente imperecível, como o é o seu autor, o protótipo dos convertidos que, ofuscados pelo Sol radiante da graça, dobram a alma enrijecida ao sopro vivificador do Espírito e, humilhados e contritos, perguntam ao Senhor: “Quid me vis facere?”; desses convertidos que aprendem da sua experiência irresistivelmente comunicativa e abrem os ouvidos à sua mensagem, porque, como cantou um poeta dos nossos dias, “a vida é breve, a alma é vasta; ter é tardar”; esse livro que atravessará incólume e impávido todas as idades e, qual nau em alto mar, boiará eternamente no oceano tumultuante da História humana; esse livro, cujo estilo veemente, apaixonado, caloroso, cheio de piedade e comoção, transbordante de vida, numa

……………………… (5): Cfr. S. Tomás; ‘Summa Theologica’; I, q.69, a.2,c.;I, q.66, a.4, etc.; ─ Suarez; ‘De creatione’; disp.XV, nos 9,13,19. (6) ─ Cfr. S. Tomás, Sent., 1. II, dist. XII, 9.1, a.2. (7) ─ Cfr. ‘História da Filosofia’ ─ I vol., 2ª edição; Coimbra ─ 1952; p.173 e 174.

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palavra, sublime e resplendente em páginas de ouro, reclama necessariamente um verdadeiro Génio, já que, como diz um autor, ‘le style c’est l’homme’! (Boileau). Mas… como apreciar o livro, se as ‘Confissões’ “melius dicitur inefabilis”, como “Deus melius scitur nesciendo? ─ (assim O proclamou o ‘Doctor gratiae’). Com efeito, as ‘Confissões’ de S. Agostinho conhecem-se lendo-as e meditando-as e o conhecimento auferido é sagrado e divino; por conseguinte não é para se transmitir em palavras ocas e singelas, mas para se saborear e beber pessoalmente e… ruminar individualmente. Mas vejamos, rapidamente, o texto de S. Agostinho(8). “Ecce sunt coelum et terra; clamant quod facta sint: mutantur enim atque variantur. Quidquid autem factum non est, et tamen est, non est in eo quidquam quod ante non erat quod est mutari atque variari”. “Já que todas estas coisas se não fizeram a si próprias, proclamem: ─ Existimos, porque fomos criados; portanto, não existíamos, antes de existir, para que nos pudéssemos criar a nós”. A mesma evidência é a voz com que o céu e a terra nos falam. Vós, Senhor, os criastes; e, porque sois Belo, eles são belos; porque sois Bom, eles são bons; porque Existes, eles existem. Não são tão formosos, nem tão bons, nem existem do mesmo modo que Vós, seu Criador. Comparados com Vosco, nem são belos, nem são bons, nem existem. “Graças Vos sejam dadas por sabermos estas coisas. Mas a nossa ciência, comparada com a Vossa, é mera ignorância”. ─ Este é o pensamento de S. Agostinho, a respeito de Deus no poema da Criação. Pois bem; interpretemos agora a sua linguagem tão simples, mas profundíssima, na frase: “Quidquid autem factum non est, et tamen est, non est in eo quidquam quod ante non erat, quod est mutari atque variari”: Ainda mesmo o que não foi criado e todavia existe, nada tem em si que antes não existisse: portanto sofreu mudança e passou por vicissitudes. “Ainda mesmo o que não foi criado e todavia existe…” Esta frase só se compreende, tendo em vista a teoria augustiniana da criação. Para o Santo Doutor, as criaturas foram tiradas do nada, num só momento. “Qui vivit in aeternum creavit omnia simul” ─ Sagrada Escritura. Algumas apareceram logo na sua forma defintiva e perfeita, como o firmamento, os astros, a alma do homem, os anjos. Note-se que S. Agostinho perfilhava o ‘hiperurânio’ de Platão. Outras surgiram na terra, sob uma forma incompleta, mas dotadas de virtudes intrínsecas evolutivas ─ ‘rationes seminales’. Assim se originaram da matéria bruta, por evolução, os animais e até o corpo do primeiro homem.

……………………. (8): Vid. ‘Confissões’ L. XI, c. 4.

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No seu tempo, dizia S. Agostinho, apenas se verificava esta lei nos animais inferiores, como nas rãs, lagartixas, etc., que eram produzidas pela terra, na qual já se encontravam os gérmens desses mesmos seres. Por conseguinte, a frase parcialmente transcrita deve entenderse: “Ainda mesmo o que não foi criado, na sua forma definitiva e perfeita e todavia, por processo evolutivo das razões seminais, obteve a existência, nada tem em si que antes não existisse…”. Exporta e interpretada a doutrina augustiniana sobre a evolução, seja-nos permitido formular a

Tese Nº 3: S. Agostinho não foi transformista, no genuino sentido da palavra. Rigorosamente, a palavra transformismo, na sua acepção corrente e geral, significa a evolução ancestral ou a filogenia das espécies. Ora o que S. Agostinho admitiu e defendeu não passa de uma evolução individual, uma ontogénese ou ontogenia dos viventes, excluindo, assim, toda e qualquer transformação, entre duas ou mais espécies diferentes. Logo o Doutor da Igreja não foi verdadeiramente transformista. ─ Corroborando a nossa afirmação, ouçamos a sábia referência ao assunto do autorizado professor de “Questões Biológicas e Antropológicas”, da Universidade Pontifícia de Roma, Pe Marcozzi, S.J., (9): “Na realidade, porém, S. Agostinho não foi, nem evolucionista, nem pròpriamente fixista; mas teve, de facto, uma ideia toda sua, pessoal, originalíssima. Porquanto, admitiu, baseando-se no Génesis, que Deus não tinha criado os animais, no estado adulto, mas numa forma embrionária. Os seres sairiam da natureza, como de qualquer coisa de potencial, de virtual, de uma força oculta, em suma, das chamadas ‘razões seminais’. “Estas não teriam capacidade de formar o organismo completo, passando pelos estádios das espécies inferiores (em que consiste essencialmente a evolução), mas, única e exclusivamente, através da forma embrionária do desenvolvimento individual. “Em resumo, para usar de uma expressão moderna, S. Agostinho admitiu uma ontogénese e não uma filogénese do vivente”. No fim de contas, as ‘razões seminais’ provam mais o fixismo que o evolucionismo. O grande psicólogo italiano Gemelli, a respeito da evolução em S. Agostinho, conclui por lhe negar a evolução poligenética, concedendo-lhe apenas a ontogenética. Por fim, interpretar as ditas razões seminais até aos gérmens cromossómicos, como fa-

………………… (9) Cfr. ‘La vita e l’uomo’; Milão ─ 1946, p.140.

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zem alguns autores, é erro assás grosseiro e lamentável. Por último, como a Evolução e a Criação não se excluem em absoluto, forçando bastante a nota, podemos afirmar que o Doutor da Graça admitiu não um monofiletismo, mas o mais extenso e universal polefiletismo.

Artigo II A ESPÉCIE e os seus AVATARES Para que aparecesse uma noção objectiva da transformação das espécies, foi preciso primeiro que se constituísse, basilarmente, a noção de espécie. Isto vai ser trabalho dos séculos XVII e XVIII. Numerosos naturalistas vão, alfim, começar pelo princípio, descrevendo os animais e plantas, com a suficiente precisão, e tentando classificações detalhadas. Pouco a pouco, vão-se abandonando os arranjos puramente empíricos, fundamentados na utilidade ou na situação geográfica, para elaborar grupos verdadeiramente naturais. Simultaneamente, vai-se desembaraçando a Ciência das descrições fantásticas e dos factos maravilhosos. Um fixismo de bom quilate, acarretando somente solidez à noção de espécie, condiciona a aparição do transformismo autêntico. Na sua ‘História plantarum’, dada ao prelo em 1686 e cuja leitura é um deleite para todo o naturalista que conhece um pouco de latim, o grande botânico John Ray aborda a questão da espécie, com um verdadeiro espírito transformista. E encontra o seu critério principal na filiação, efectivamente constatada. Afirma também a especificidade hereditária. Em contrapartida, admite variações que levam consigo caracteres secundárias, facto que apelida de degeneração. Na mesma época, Robert Hooke sustenta, como Alberto Magno, que as variedades das espécies provêm da influência do clima e da alimentação. E Leibniz, na sua ‘Protogée’, descrevendo os diferentes fósseis das espécies actuais, imagina que “nas grandes mudanças que o globo atravessa, um grande número de espécies animais foram transformadas”. Pouco tempo após, o botânico francês Marchant, depois de algumas experiências, com a planta Mercurialis foliis capillaceis, referidas nas suas ‘Observations sur la nature des plantes’ (Mém. Acad. royale des sciences, 1719), conclui: “Haveria então motivo, para supor que a Omnipotência Divina, tendo uma vez criado indivíduos de plantas para modelo de cada género, feitos de todas as estruturas e caracteres ima-gináveis, adequados à produção de seres semelhantes, e que estes modelos ou chefes de género, ao perpetuar-se, teriam produzido variedades, entre as quais, as que perma-neceram constantes e permanentes, constituíram espécies que, por sucessões de tempo, deram outras produções diferentes que multiplicaram a Botânica tanto, em certos géneros, que, hoje, são verificáveis, nalguns géneros de plantas, até cem, cento e cinquenta, duzentas espécies distintas e constantes…”. Marchant admirou-se tanto da multiplicação das espécies, de que resta tanto a descobrir, que sugeriu uma redução da Botânica aos chefes de géneros, abandonando as espécies para evitar confusão. Lineu, nos seus primeiros escritos (Systema Naturae ─ 1735; Fundamenta botanica ─ 1740), afirma a fixidez absoluta das espécies, admitindo embora uma certa variabilidade, sob a

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influência de causas exteriores. Todavia, estas variações não são suficientemente constantes: “Varietates levissimas non curat botanicus”, escreverá ele na sua ‘Philosophia botanica’. As espécies novas, que lhe apareciam com certa constância, atribui-as a hibridações hipotéticas. Como Marchant, supõe que Deus criou no princípio só uma espécie por género; e as espécies não variaram espontaneamente, mas multiplicaram-se por hibridação (Amornitates Academicae ─ 1749). Lineu, tanto pelo feitio desenvolto, com que trata as variedades, como pela sua teoria da hibridação, foi atacado energicamente pelo botânico francês Adanson que, embora venha a opinar finalmente pela fixidez das espécies, acreditou, então, em modificações e julgou necessário rever, com cuidado, todas as variedades.

Artigo III A Geração Espontânea As ideias sobre a geração espontânea têm, naturalmente, um nexo estreito com a eclosão do transformismo, principalmente porque tocam o mesmo problema da aparição e desenvolvimento da vida. A crença nas gerações espontâneas, pelo menos de pequenos animais, como vermes, insectos e ratos, a partir de matérias orgânicas mais ou menos alteradas, é geral na Antiguidade e na meia Idade. Esta crença diminuiu muito na Renascensa, para desaparecer discretamente nos séculos XVII e XVIII. Ambrósio Paré e Francisco Bacon e, ainda no séc. XVII, Van Helmont, Harvey, Kircher, Thomas Browne, etc., acreditaram, todavia, nela; estes dois últimos imaginavam que a substância, que forma os seres vivos, é de natureza especial, orgânica, que se dissemina depois da morte, sem perder as suas propriedades; por isso, pode, a cada instante, reassumir a vida, constituindo novos seres; ─ A mesma tese sustentará Buffon. Alguns, porém, reagiram de rumpante. É o caso de Redi, em 1688, que descobre experiências para provar que as moscas não podem nascer na carne convenientemente protegida; Malpighi e o seu aluno Vallisneri que defendem que as larvas, que se desen-volvem nas galhas dos vegetais, provêm de ovos que aí foram postos; o grande entomologista Swammerdam que partilha das mesmas ideias. Já no fim do século XVII, Leeuwenhoek, que acaba de descobrir, com o microscópio, os infusórios, conclui também que eles não poderão vir senão de infusórios pre-existentes. Por certo que a demonstração será escassa de rigor; porém, o séc. XVIII, no seu conjunto, será totalmente anti-espontaneista. Com o progresso das ex-perimentações, os espontaneistas foram-se reduzindo; mas a questão voltará a campear, com a descoberta das bactérias. Veremos que Lamarck admitia ainda gerações espontâneas. Mas, para o ‘fundador do transformismo’, esta noção terá um sentido todo outro. Todos os espontaneistas, até mesmo os heterogenistas, sobre os quais Pasteur sustentará renhida peleja, imaginam que, se um ser vivo pode nascer espontaneamente, é pelo menos a partir de uma matéria orgânica preliminar. Ora, aqui, há a ideia, algumas vezes explicitamente formulada, de que a matéria viva é de natureza diversa da matéria mineral. Para Lamarck, ao contrário, não há senão uma única matéria. O vivente nasce do mineral. Darwin combaterá Lamarck, por este ter admitido gerações espontâneas actuais; mas não saberá explicar-nos como não é possível, hoje, uma coisa que o foi ‘certamente’, num passado recuado.

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Artigo IV Os Fósseis e a História da Terra Não sendo as modificações dos seres vivos, para a maior parte, senão insensíveis, uma das condições essenciais da evolução é a dimensão do tempo. Uma outra concomitante é a noção de espécies desaparecidas, podendo preencher as lacunas das séries actuais e tendo todo o reconhecimento da verdadeira natureza dos fósseis. Buffon fixa ao Globo uma idade de 74.000 anos. Ideias sobre os fósseis e sobre as mudanças da Terra há a notar desde a mais alta antiguidade. Pitágoras, Xenófanes e Heródoto explicam a presença de conchas e mariscos, em diversos lugares, mesmo nos mais elevados, por uma antiga extensão do mar. Aristóteles, Teofrasto, e, depois, Eratóstenes emitem ideias análogas, que Estrabão desenvolverá, invocando os abaixa-mentos e levantamentos das terras e notando as erupções submarinas. Depois deste, Plínio acolherá, sobre a origem dos fósseis, as fábulas mais ridículas. Plutarco e Ter-tuliano serão, durante muito tempo, os últimos a registar ideias razoáveis. O esforço da ciência grega, neste como em todos os outros campos, estende-se com a dominação dos Romanos. Somente, no século XII, S. Alberto Magno redescobre, nos Gregos, a natureza dos fósseis e reintegra, com perspicácia, os processos da fossilização. No século XIV, Alberto de Saxe reintroduz a ideia de movimentos verticais da crusta terrestre. No século XVI, Leonard da Vinci declara que a hipótese dos mariscos, trazidos pelo Dilúvio, é uma tolice. Os séculos XVII e XVIII pouquíssima vantagem trarão ao progresso, embora as colecções e catálogos de fósseis se multipliquem. Scilla e sobretudo Sténon têm uma ideia clara dos depósitos marinhos e da sua estratificação. Em pleno século XVIII, a ideia do Dilúvio é ainda nociva, mas não por longo tempo. Voltaire não conseguirá impor a crença que as montanhas de conchas são restos abandonados, após as suas refeições, pelos antigos viajantes. Buffon, por sua vez, perscreverá a concepção duma edificação da crusta terrestre pelos depósitos marinhos.

Artigo V Reprodução e Desenvolvimento Hoje em dia, as teorias transformistas parecem-nos intimamente ligadas aos conhecimentos sobre o mecanismo da hereditariedade e da reprodução. Este liame foi, ao princípio, muito laxo e só se foi precisando pouco a pouco, até que, finalmente, a evolução e a reprodução acharam indissolubilidade em Maupertuis. A ideia geral da evolução (independentemente das suas causas) foi e continua uma ideia geral que se impõe pela consideração da natureza organizada no seu conjunto. Ela não exige, efectivamente, senão o reconhecimento seguro de três ordens de factos: 1º) ─ todo o ser, pelo menos assás elevado em organização, provém doutro semelhante, embora se admita, realmente, uma certa variabilidade; 2º) ─ a idade da terra, já passada, é bastante longa para que a variabilidade produza grandes efeitos; 3º) ─ há, entre os seres, inclusivamente nos fósseis, profundas analogias que permitem uma classificação lógica e suspeitante dos antepassados.

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A respeito da preponderância dos sexos, na geração, só os etnógrafos nos podem dizer algo de acertado. Povos matriarcais indicam-nos que o feto não nasce senão da mãe, não atribuindo ao pai senão uma função secundária. Povos patriarcais, como o gre-go, apontam-nos que é o pai que procria; a mulher é somente o terreno alimentício, no qual germina o grão. Todavia, Pitágoras, Parménides, Empédocles, Hipócrates e, mais tarde, Gallieno atribuiram aos dois sexos a mesma importância. O mesmo pensaram Leonard de Vinci, Ambrósio Paré, Francisco Bacon e, finalmente, Descartes que favorece a mistura das duas sementes fluidas, como o fizeram Maupertuis e Buffon. Ao mesmo tempo, uma outra questão se põe: ─ Se os elementos do embrião derivam do pai ou da mãe, como se faz o desenvolvimento? Aristóteles constata que os embriões aumentam, ajuntando-se continuamente partes novas. Este conspecto, fundido na teoria da ‘epigénese’, não triunfará definitivamente senão no século XIX. Desde a Idade-Média, Averróis, seguido de Alberto Magno, prefere a ideia da préformação, segundo a qual, o embrião, desde o seu estado inicial, contém já todas as partes do indivíduo adulto, em miniatura, e não faz, seguidamente, senão desenvolvê-las. A chamada teoria do ‘ovismo’ veio ainda misturar-se, para a maior parte dos cientistas, com a do ‘préformacionismo’. Mais tarde, uma nova teoria aparece, o ‘animal-culismo’, com pretensões a substituir o ‘ovismo’. Degladiando-se ferozmente, estas teo-rias de genética chegaram, muitas vezes, a mesclar-se no fundo. Finalmente, alcançam vitória o ‘ovismo’ e o ‘pré-formacionismo’. No fim do século XVIII, o alemão Blumenbach, um dos fundadores, com Cu-vier, da Anatomia comparada e da Etnologia, o inglês Erasmo Darwin, os franceses Buffon e Lamarck serão partilhantes da epigénese, desprezando o papel do ovo e dos espermatozóides, que Maupertuis reduz a uma função de agitadores e Buffon à condição de infusórios, nascidos da geração espontânea. O dogma da pré-formação é, evidentemente, contrário à ideia da evolução da espécie; é, pois, entre os epigenistas, que se recrutam os fundadores do transformismo.

Ideias no Ar Enquanto os naturalistas de profissão discutem pormenores, vai nascendo já, no espírito dum matemático e dum filósofo, Maupertuis e Diderot, ambos biologistas apaixonados, a grande ideia da evolução. J.B. Robinet, no seu livro ‘De la Nature’ (1761, 1763), explana a mais interessante das ideias: a duma unidade fundamental da natureza viva e duma gradação de todos os seres, que “procedem uns dos outros, duma maneira íntima e necessária”. Charles Bonnet, nas suas ‘Considérations sur les êtres organizés’ (1762), insiste na difi-culdade de estabelecer distinções bem marcadas, entre as espécies, entre os géneros, mesmo entre as classes; como a Robinet, a continuidade da natureza viva parece-lhe, na ‘cadeia dos seres’, uma lei universal. Mas é-nos óbvio passar agora aos verdadeiros precursores do transformismo.

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Sub-Capítulo II

Transformismo

Artigo I

Abertura do Debate Transformista Maupertuis: ─ Enquanto especialistas célebres discutiam os limites do género, das espécies e das variedades, e se perguntavam ainda em que medida é variável a espécie, eis-nos em 1751, diante da ideia transformista, expressa em toda a sua amplitude. É a um matemático, naturalista enamorado, Pedro Luís Moreau de Maupertuis (1698-1759), que cabe esta glória, se bem que o seu nome seja, por vezes, muito esquecido, nesta matéria. Chamado, por Frederico II, à presidência da Academia de Berlim, Maupertuis interessava-se por todas as ciências, particularmente pela hereditariedade. Na sua ‘Vénus physique’, o matemático analisa detalhadamente as opiniões dos naturalistas do tempo. Estendese muito é sobre a natureza da fecundação, que nunca chegou a divisar bem. Rejeita o embotamento dos gérmens, o ovismo e o animalculismo e opina pela mistura das duas sementes. Na obra citada, o autor envereda claramente pela via do transformismo: tem por inegáveis as variações fortuitas, mas não exclui influências exteriores; ─ esboça o caminho com o atavismo, pelo qual, as variações, com que aparecem os filhos, buscam a sua origem em antepassados desconhecidos; com as mutações registando ‘a selecção’, pelo menos, explicitamente, a artificial; por outro lado, Maupertuis parece invocar também a selecção natural. Perfilha ainda a adaptação como elemento de aquisição de caracteres novos. Eis a sua hipótese mais limpidamente expressa: “Embora eu suponha que a raiz de todas as variações se encontra nos líquidos seminais, não excluo, todavia, a influência que podem ter o clima e os alimentos. Parece que o calor da zona tórrida seja mais propício a desenvolver as partes que conservam a pele negra, que as que a conservam branca: e não sei até onde pode ir esta influência do clima e dos alimentos, ao fim de um bom número de séculos”. Entretanto, estala a grande ideia do transformismo integral. É ainda Maupertuis que explica a diversidade infinita de animais que vemos hoje, pelas produções fortuitas de reduzido número de seres, nas quais, as partes elementares teriam mudado a ordem que conservavam os pais e mães e, deste modo, cada grau de ‘erro…’ daria uma espécie nova. Que lhe faltou, então, para ser o fundador do transformismo? ─ Segurança dogmática, temperamento combativo, tenacidade a convencer; numa palavra, oferecer o martírio pela sua ideia. Todavia, isto não impede que ele possua o primeiro lugar na História do Transformismo. Diderot: ─ Desde 1754, Dinis Diderot apressa os passos do transformismo recémnascido. Pretende combater, fingidamente, Maupertuis, mostrando-lhe que a sua teoria conduz ao panteísmo e ao materialismo, consequências de quilate assás terrível. O fito com que o fazia, porém, não era outro que tirar essas mesmas consequências, que ele chamara terríveis. A sua atitude principal é unificar a matéria; identificar a matéria morta ou mineral à viva, já que esta

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“apenas se qualifica daquela, pela organização e espontaneidade real ou aparente de movimento”. Maupertuis e Diderot são, realmente, mais materialistas que Buffon, como iremos ver. Nos seus ‘Éléments de Physiologie’, o ‘filósofo’ foca, sobretudo, a ideia da eliminação dos seres inaptos, ─ verdadeiro vaticínio do lamarckismo: “a organização determina as funções e as necessidades; a falta de exercício contínuo atrofia os órgãos”. A maior parte das ideias, sobre que combaterão os primeiros evolucionistas, bebem-se de Maupertuis e Diderot: unidade do mundo vivo, inclusive o homem, atavismo, variações fortuitas ou sob a influência do meio, do uso ou não uso, hereditariedade dos caracteres adquiridos, enfim, eliminação dos inaptos, mas nenhuma ideia da autêntica selecção natural, provocado pela concorrência. Buffon: ─ Tem-se discutido muito se Buffon foi, realmente, um precursor do transformismo. Edmond Perrier, Alfred Giard, R. Furon e outros não o duvidam sequer. Nós, porém, dizemos, com Jean Rostand, que Buffon somente sustentou um transformismo limitado. O seu evolucionismo é mais tímido que o de Maupertuis; contudo, preparou muitos espíritos, para perceberem a variabilidade das espécies, e fez triunfar noções, como a evolução natural do Globo e da sua superfície, expansão e contracção do mar, formação dos terrenos por sedimentação, mudanças de clima, verdadeira natureza dos fósseis, etc.. Na sua grande obra ‘Histoire Naturelle’, ele expõe a sua primeira posição ─ um fixismo ferrenho, fundamentando-o nas diferenças ligeiras, existentes em alguns ani-mais, como entre o cavalo e o burro, e, na verdade, que todos os animais participaram igualmente da graça da criação e não foram “projectados pela Natureza e produzidos pelo tempo”. No entanto, o seu fixismo vai-se relaxando e Buffon adere a um transformismo parcial. Mostra que todas as diferenças, verificadas nos homens, mais acentuadas nos outros animais, não são senão superficiais e encontram a sua razão de ser, na influência do clima. Talvez momentaneamente… mas Buffon foi bem mais transformista que Lineu, que não considerou senão a hibridação, como fonte e origem de novas espécies. Na sua ‘Histoire de la réproduction’, o naturalista apropria-se inteiramente das “partes” de Maupertuis e apelida-as de “moléculas orgânicas”. Vê, na natureza, duas qualidades de matéria essencialmente diferentes: a matéria mineral e as moléculas orgânicas de que são constituídos todos os seres vivos. Quaisquer que elas sejam, estas moléculas têm tendência a juntar-se continuamente, para formar seres vivos, e é assim que nascem constantemente seres inferiores, por geração espontânea. Com efeito, ele admite que as ditas moléculas orgânicas estão “sempre activas, trabalhando para remexer a matéria putrificada”. Os seres superiores formam-se, por associação espontânea, dos inferiores. Posta a hipótese duma morte universal dos seres, nem, com isso, as moléculas orgânicas deixariam de sobreviver. ─ Era a geração espontânea universal! Todavia, do seu transformismo limitado, Buffon não guardou mais que a ideia duma influência directa do clima e da alimentação, sobre os caracteres secundários. Já no outono da vida, a sua posição modificou-se novamente: foi o retorno ao fixismo estrito. A razão apresentada era o resfriamento da Terra que contribuía para diminuir o número das moléculas orgânicas. Astros de segunda grandeza, há-os também, por volta de 1.800: Emmanuel Kant, segundo o qual, é impossível conceber a produção dos seres vivos, fora dum ‘princípio teleológico’, isto é, uma intenção que a ela tenha presidido. Embora um tal princípio não se oponha ao transformismo, vemos que ‘o solitário de Koenisberg’ renunciou definitivamente à hipótese; o grande poeta W. Goethe considerou-a igualmente como impossível de verificar-se; Erasmo Darwin, avô do célebre Carlos Darwin, protege a epigénese e uma selecção natural ─ sexual e justifica filosófica-mente a filiação dos seres, por um princípio de determinismo integral. Lacépède patrocina que a espécie pode entender-se pelas causas internas e pelas causas externas e projecta uma escala de doze graus, através dos quais se pode realizar uma

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transformação completa da espécie; no entanto, entrevê já, também, a selecção artificial e profetiza a evolução progressiva e regressiva; todavia, não ousa ver, na Paleontologia, uma confirmação formal da evolução. J.C. Delamétherie insinuava que o Homem é um macaco modificado pelos costumes. Treviranus ensina que o ser vivo pode provir da matéria amorfa ou da modificação de uma forma já existente, por fecundação. O’Ken pensa que a vida nasceu de uma substância única primitiva, semi-fluida e coloidal, que se produziu no mar, sob a dependência da matéria inorgânica. Desde o nascimento do transformismo, vemos despontar duas correntes: ─ dum lado, a tendência que admite transformações úteis ou indiferentes, quer espontâneas (Maupertuis), quer provenientes do meio (Lacépède e Geoffroi de Saint-Hilaire), denominada Empedócleadarwiniana; doutro, Erasmo Darwin, Treviranus, que só vêem transformações directamente adaptativas. A segunda deixará pegadas inolvidáveis na época, sobretudo com o ingente esforço de João Baptista de Lamarck.

Artigo II

Lamarck (1744-1829) Naturalista e, sobretudo, botânico francês de garra, não parecendo, todavia, fadado para tal, Lamarck foi e é considerado justamente o ‘pai do transformismo’. A sua obra mais importante e mais conhecida é ‘La Phylosophie zoologique’, que data de 1.809. Antes de mais, importa frisar que Lamarckismo, Darwinismo e evolucionismo de modo nenhum se confundem, como muito boa gente, por vezes, pensa. O trans-formismo afirma que as espécies vivas se transformam umas nas outras, podendo uma espécie proceder doutra, como um indivíduo doutro, ─ já o sabemos. Ora as duas teorias clássicas não são o transformismo, mas o modo de explicação do mesmo; pois, se a afirmação transformista é comum a todas as espécies de transformismo, a diferença entre elas há-de consistir, necessariamente, no modo diverso e particular de entender o mecanismo da transformação. Doutrina assás ampla, embora clara porque vaga, o lamarckismo, conveniente se torna reduzi-lo aqui aos seus pontos fundamentais: a acção do meio ambiente é a causa principal das variações e transformações das espécies: esta influência pode ser fisio-genética (que se exerce directamente) e organogenética (que se exerce indirectamente, sobre a adaptação a um regímen de vida); a função cria o órgão, o uso desenvolve-o; e a hereditariedade transmite os caracteres adquiridos. A noção de espécie é relativa: “uma colecção de indivíduos, cujas diferenças não se tornaram ainda hereditárias”; gradação e degradação regulares do quadro da vida; o princípio “le besoin crée l’organe”, já enun-ciado por Diderot é explanado em duas leis: ─ 1ª ─ “Em todo o animal, que ainda não atingiu o termo dos seus desenvolvimentos, o emprego mais frequente e perseverante de um órgão qualquer fortifica pouco a pouco, desenvolve e aumenta-o e dá-lhe uma potência, proporcionada à duração deste emprego; ao contrário, a falta de uso constante atrofia-o insensivelmente, deteriora-o e acaba por fazê-lo desaparecer”; 2ª ─ “Tudo o que a natureza faz adquirir ou perder aos indivíduos, por influência das circunstâncias, e, por conseguinte, pela influência do uso ou desuso constantes, ela mesma o conserva, por geração, aos novos indivíduos” (é, afinal, a hereditariedade dos caracteres

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adquiridos); “as circunstâncias influem directamente sobre a forma e organização dos animais”, tanto nos seres não-apáticos, como nos apáticos, desprovidos de ‘sentiment intérieur’; a vida sai da matéria: ─ unidade fundamental da matéria mineral e viva; porque a vida evolui, primariamente, pelas suas tendências próprias e só, secundariamente, pelas variações das circunstâncias, dá-se uma evolução progressiva espontânea; há duas espécies de faculdades: as constantes e as alteráveis, proposição que parece resolver o paradoxo mais notável do seu sistema, ‘o órgão que se cria pelo seu uso’. Embora não admita a selecção natural de Darwin, que se traduzirá na ‘luta pela existência’, Lamarck proferiu algumas ideias, que conduziam, naturalmente, à selecção pelo homem (diversificação pelo isolamento). Na sua visão de lince, o Homem não é mais que um macaco aperfeiçoado. Em conclusão, a diferença primordial, entre os dois maiores arautos do transformismo, é esta: “Lamarck recorre a factores internos ao organismo e finalísticos, para explicar a evolução; Darwin, ao invés, recorre, especialmente, a factores externos e casuais: a selecção natural e a luta pela existência”(10).

Artigo III

Entre Lamarck e Darwin Teoria celular e embriológica Com efeito, se nós não tivéssemos nenhum documento, acerca dos seres vivos desaparecidos, dificilmente a Evolução adquiriria nomeada na Ciência positiva. Mas surge, em tempo oportuno, a Paleontologia estratigráfica, na primeira metade do século XIX, cujos mentores principais foram, então, Cuvier e d’Orbigny. Para salvar o fixismo, Cuvier imagina cataclismos, que, periodicamente, teriam destruído as espécies vivas, em grandes regiões, e migrações doutras espécies, oriundas de outras porções do Globo, que preencheriam os espaços vazios. Lamarck tinha criado prosélitos. Não obstante os seus sequazes atravessarem uma pequena crise, devido à enorme autoridade do grande mestre e abalizado professor de Anatomia, Jorge Cuvier, aparece em liça Etiènne Geoffroy Saint-Hilaire, irmão espi-ritual daquele que, no elogio fúnebre, exaltará como “l’homme de génie”, “le Linné français”! O seu filho Isidoro atalhou imediatamente à afirmação de Cuvier, ripostando-lhe que os seus ‘factos positivos’ tanto seriam de prova ao fixismo, como ao transformismo; era preciso reconhecer que a Paleontologia oferecia, igualmente, armas aos dois parti-dos. Lyell entra em campo com a sua teoria da ‘continuidade geológica’ ─ “natura non facit saltus” ─ e com a das ‘causas actuais’.

……………………… (10): Cfr. Vitório Marcozzi, S.J.: ‘La vita e l’uomo’; Milão ─ 1946; p.142.

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Étiènne Geoffroy Saint-Hilaire não se contentou apenas com lançar flores sobre a tumba de Lamarck. Ele foi, realmente, um dos melhores pregoeiros do transformismo nascente. Contra Cuvier, para quem os diferentes tipos zoológicos eram irredutíveis, porque fixos, ele defendeu admiravelmente a unidade do plano de organização de todo o reino animal, e, particularmente, na sua ‘Memoire sur les Makis’, o princípio da unidade de composição orgânica, do qual tirou todas as consequências filosóficas; desde 1.800, ao princípio da unidade de composição, ajunta o da oscilação dos órgãos, segundo o qual, o desenvolvimento excessivo duma parte pode impedir o crescimento duma parte vizinha: assim explica os órgãos rudimentares. As diferenças entre as espécies são o resultado da desigualdade de desenvolvimento das partes do organismo. Completando o seu transformismo integral, Saint-Helaire invoca a influência directa do meio, produtora de variações imediatas. Discípulo de Lamarck, não aceita todas as suas ideias: não é a função que cria os órgãos, mas o órgão que determina a função; num meio ambiente constante, as espécies não têm razão de modificar-se; admitiu ainda as transformações bruscas e divisou, provavelmente, o erro de Lamarck ao dispor as for-mas animais numa série linear. Nesta primeira metade do século XIX, outros nomes se nos apresentam, mas de segunda ordem: W. Herbert, J.C. Prichard, Omalius d’Halloy, Burdack, Bory, W.C. Wells, etc., que não teriam lugar num simples resumo. A teoria celular atinge grande incremento, com Spallanzani, Robert Hooke, Sprengel, o introdutor, em Botânica, da palavra célula, O’Ken, Dutrochet, Schleiden, um dos criadores da citologia, Wirchow (‘omnis cellula e cellula’), Strasburger (‘omnis nucleus e nucleo’); atingirá, porém, o apogeu, com Weismann, no terceiro quartel do século XIX. Dá-se, neste tempo, também, o aparecimento da embriologia, onde é forçoso evidenciar o facto mais importante, as chamadas leis de Baer, expostas desenvolvidamente na sua ‘Histoire du développement des animaux’: “1ª ─ Ao longo do desenvolvimento, a partir do ovo, a aparição dos caracteres gerais precede a dos especiais; 2ª ─ a ordem da aparição dos caracteres vai do mais geral ao menos geral e os caracteres especiais desenvolvem-se em último; 3ª ─ durante o desenvolvimento, a forma de dado animal diferencia-se, cada vez mais, da dos outros animais; 4ª ─ as novas fases de desenvolvimento dum animal assemelham-se não aos estados adultos dos outros animais mais baixos na escala, mas aos estados novos destes animais”. As duas primeiras leis enunciam que um embrião passa sucessivamente, pelos caracteres gerais do seu reino, do seu ramo, da sua classe, da sua ordem, da sua família, do seu género e, enfim, da sua espécie. As duas últimas sugerem que o reino animal, longe de constituir uma série linear, uma escala de seres única, é antes uma árvore, ramificada em todas as direcções e sentidos.

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Artigo IV

Darwin (1809-1882) Mas, é já tempo de tratarmos da segunda teoria clássica do transformismo, ─ o Darwinismo, cujo corifeu é o naturalista inglês Carlos Darwin. Enquanto Lamarck procede por deduções lógicas, mas algum tanto prematuras, e reduz o seu trabalho a bosquejos brilhantes mas superficiais, este, mais metódico e meticuloso, medita por muito tempo no silêncio, acumulando documentos. A sua obra magistral ‘On the origin of species by means of natural selection’, fruto de observações aturadas de muitos anos, que vira a luz da publicidade em 1859, precisamente meio século depois da ‘Phylosophie zoologique’ do ‘fundador do transformismo’, teve o condão de dar, ao evolucionismo, a base científica de que ainda carecia, e logrou uma repercussão tal, a ponto de influenciar o mundo culto, fora do âmbito das Ciências naturais, no pensamento filosófico moderno. Verdadeira enciclopédia de ricos documentos acumulados, o seu livro obteve um êxito incalculável. A introdução “da variação dos animais e das plantas, sob a acção da domesticação” resume admiravelmente as duas ideias que Darwin defenderá: o que ele chama “a descendência com modificações” (transformismo), por oposição às “creações separadas” (fixismo), e o seu processo essencial, a selecção natural; ao mesmo tempo, as duas ordens de argumentos principais que desenvolverá abundantemente: a repartição geográfica das espécies vivas e fósseis e o exemplo da selecção das espécies domésticas pelo homem.

A causa da selecção natural dos mais aptos é a luta pela existência ─ ‘struggle for life’ ─ que resulta, por sua vez, da rápida multiplicação dos seres. Na sua engenhosa concepção da selecção natural, influíram grandemente os trabalhos de Malthus sobre as populações. A teoria do ilustre economista havia alcançado, realmente, desde o começo do século, uma notável ressonância; com efeito, enunciava que os homens tendiam a multiplicar-se em progressão

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geométrica, ao passo que a sua subsistência somente au-mentava em progressão aritmética; e, daí, uma eliminação inelutável de indivíduos, pela miséria, pela guerra, etc.. Darwin acredita que o mecanismo da selecção natural é mais complexo que o da selecção artificial, visto que o homem não age, geralmente, senão sobre um carácter, e a natureza age sobre todos e, para melhor, dispõe do tempo. Foi o primeiro a definir, com clareza, a noção de equilíbrio entre as espécies, na natureza, e a mostrar a complexidade das suas dependências recíprocas. Não nega a influência do meio e dos costumes, proclamada por Lamarck, mas regista, dum modo especial, as influências predominantes da hereditariedade e das interacções entre as espécies. A escassez das formas de transição, explica-a ele pelo princípio da divergência dos caracteres; sobre a natureza e a amplitude das variações, hesitou bastante. Tinha para si que todas as diferenças individuais dão, imediatamente, lugar à selecção e podem inscrever-se na hereditariedade. Não ignorou as modificações súbitas ou variações brus-cas. Determinando-se as causas das variações, ele encontra sérias dificuldades e, embora Gagnebin venha a evidenciar o seu ‘finalismo indirecto’ (1931), ele opta clara-mente pelo determinismo e pela selecção natural como seu agente… “já que o homem não tem nenhum poder, para alterar as condições absolutas da vida”; usa ainda, explicitamente, do termo ‘variações espontâneas’. Distingue também as variações definidas das indefinidas ou acidentais. Finalmente, a aquisição de novos órgãos, o maior enigma da evolução, se insolúvel ficou no lamarckismo, insolúvel permanece também em Dar-win. Se ajuntou ao lamarckismo a selecção natural, Darwin conservou-se, todavia, ‘o mais lamarckiano dos darwinistas’! Em conclusão, o seu mérito consistiu não numa pretensa explicação cabal do transformismo, explicação reputada, hoje, pelo menos como insuficiente e conhecida, portanto, como teoria darwinista, mas sim no grande repositório, que nos dá, de provas irrefutáveis do credo da “descendência com modificações”. Mas, as duas ‘cabeças’ do transformismo não podiam passar despercebidas nos espíritos. E surgem, automaticamente, dois filhos primogénitos: o Neo-lamarckismo do Lamarckismo e o Neo-darwinismo do Darwinismo. Ao primeiro, aderiram muitos naturalistas, depois da demonstração transformista de Darwin; os seus principais fautores foram, na Alemanha, R. Semon e O. Hertwig e, na América, Cope. O segundo partilha unicamente da selecção natural, deificada, como causa exclusiva da transformação das espécies; pretendendo a ortodoxia do fundador, eles desviam-se do mestre, que atribuía também importância à influência do meio. O seleccionismo exclusivo era já perfilhado por Walace, sobre quem, quando chegara isoladamente às mesmas conclusões, Darwin se revelou modelo de fina cortesia e camaradagem científica, mandando publicar juntas as duas descobertas; porém, o verdadeiro corifeu desta escola foi o alemão Weismann, que distinguia, em todo e qual-quer organismo, o ‘soma’ perecível e o ‘plasma germinativo’ imperecível.

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Artigo V

As Teorias da Hereditariedade de Darwin a Weismann Pregoeiros incansáveis, vulgarizadores e continuadores entusiastas da obra de Darwin, foram, entre outros, na Alemanha, L. Bűchner, C. Vogt, Ernesto Haeckel e Weisman, e, na Inglaterra, Huxley e Herbert Spencer. A primeira metade do século XIX afadigou-se por lançar, sob a imaginação, os fundamentos da Anatomia geral, da Fisiologia e da Teoria celular. Entretanto, a Ciência dá o passo decisivo, com a descoberta do microscópio, e os sábios proclamarão, realmente, o ‘hipotheses non fingo’! Spencer é, principalmente, como Stuart Mill, afamado turificador(?) do positivismo inglês, que pode considerar-se como um rebento viçoso do empirismo reinante. A par dos conceitos vigentes de ‘positivo’ e de ‘facto’, ele sobrepuja e releva o de ‘evolução’. Já em embrião, na teoria ou doutrina darwiniana, é com ele que se realiza, efectivamente, a universalização do transformismo. “O princípio evolucionista ─ comenta Franco Amério(11) ─ é formulado como uma passagem do homogéneo ao heterogéneo (diferenciação); do simples ao composto (concentração); do desordenado ao ordenado (determinação)”. O filósofo inglês baptizou, felizmente, a selecção natural de Darwin, com o nome de ‘sobrevivência do mais apto’; ensinou que uma mudança das condições de vida estimula fortemente a variabilidade em geral. Para ele, quanto mais a unidade elementar ─ ‘as unidades fisiológicas’ ─ é complexa, tanto mais o indivíduo tem uma organização complexa; e, como a complexidade é causa de instabilidade, daí a frequência das mudanças. Haeckel, ateu e comunista, recorreu à teoria de Darwin, para fundamentar, cientificamente, a sua concepção anti-religiosa ou arreligiosa da vida. Aderente a um monismo materialista, debalde encontrou, nas suas pesquisas, a famigerada ‘monera’ primitiva, postulado necessário daquele. Inspirando-se em Baer e Műller, enuncia a sua famosa ‘lei biogenética’: “a ontogénese recapitula a filogénese”. Repetindo a mesma ideia, dirá depois Huxley: “o indivíduo sobe pela sua árvore genealógica”, isto é, atravessa as formas de todos os seus antepassados. A evolução de Haeckel é monofilética; admite um único antepassado primitivo ─ a ‘monera’ primi-tiva. Na mesma época, Erlsberg emite uma teoria da evolução polifilética. Para os três transformistas mencionados, todas as partículas constituintes do indivíduo são quase idênticas, e cada uma delas contém, em potência, o indivíduo com todos os seus caracteres. Pelo contrário, a Pangénese de Darwin defende que só as células reprodutoras são susceptíveis de acumular em si as gémulas, provenientes de todas as células.

……………………….. (11): ‘História da Filosofia’; tomo II, 2ª edição, Coimbra ─ 1952; p.334.

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De W. Roux, é conhecida, sobretudo, a luta das partes, pela qual, todos os elementos do ser vivo sustentam, entre si, uma luta constante, que conduz a uma selecção natural, entre as partes do ser em formação; no fim de contas, ele nada resolve dos problemas da hereditariedade. Naegali, com a sua teoria do ‘idioplasma’, é o precursor de Weisman. O protoplasma inicial diferencia-se em dois plasmas, o nutritivo e propriamente o idioplasma que, sendo idêntico em todas as células do indivíduo, está organizado em filamentos contínuos, duma célula à outra. Ao contrário de Haeckel, Naegeli e Erlsberg admitiram uma origem polifilética dos seres vivos. Hugo de De Vries, de que já falámos no mutacionismo, fez uma adaptação da Pangénese de Darwin (1889), substituindo o nome de ‘gemmules’ pelo de ‘pangénes’; estes, bipartindo-se, explicam as variações individuais e a evolução. Aparece alfim, em cena, o extraordinário biologista Augusto Weisman, com os seus plasmas ancestrais, a teoria dos determinantes, substituídos por ‘génes’, na Genética moderna, a indução paralela e a selecção germinal. Resumamos, pois, as ideias definitivas de Weisman, no que respeita à evolução: 1º ─ nenhuma tendência natural e espontânea pode modificar o plasma germi-nativo, num sentido determinado; 2º ─ acção determinada do meio, sobre o plasma germinativo, mas alguma do ponto de vista adaptativo; acentuação de algumas destas modificações, pela selecção germinal; eliminação das variações desfavoráveis, pela selecção natural; definitivamente, acentuação automática e natural das variações adaptativas, tanto pela selecção natural como pela germinal; 3º ─ outra causa de variações e a mistura dos plasmas germinativos ancestrais, pela reprodução sexuada, e a eliminação progressiva de alguns deles, pela redução cromática, sob o controlo da selecção natural; 4º ─ indução paralela, pela mesma causa exterior, do idioplasma de um grupo de células somáticas e do plasma germinativo, dando a ilusão da hereditariedade de caracteres adquiridos. Eduardo Cope, melhor apelidado de ultra-lamarckista que de neo-lamarquiano, introduziu consciência e memória, em toda a matéria viva; e Gastrow enunciou que toda a reacção do organismo se torna mais fácil pela repetição (hábito). Estas duas teorias opõe-se resolutamente à ideia de Weisman, que o ‘soma’ não pode agir sobre o ‘gérmen’. Revela-se também, nesta altura, muito claramente, o conceito de espontaneidade da evolução, sobremodo em Naegele.

Artigo VI Do neo-fixismo à Genética e ao Mutacionismo A instabilidade profunda das espécies era o argumento essencial dos grandes fundadores do transformismo. Neste ponto, estão de acordo Darwin e Lamarck: a espécie, como todos os outros quadros de classificação não existe fixa, na natureza, mas constitui um momento da evolução. Se os próprios intermediários não se nos oferecem, actualmente, é porque se

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transformaram (Lamarck), ou porque foram eliminados pela selecção natural (Darwin). Como variam, então, as espécies? As variações bruscas, que Darwin já citava com o nome de ‘sports’, elevadas a grande amplitude em Saint-Helaire e Mivart, depuseram em favor do ‘milagre’, caíram no ridículo e comprometeram, certamente, o triunfo do transformismo. Ao contrário, somente a noção de espécie em via de mudança contínua e insensível, quer directamente, induzida pelo meio, para os lamarckianos; quer por intermédio da selecção natural, para os darwinistas, ─ só ela fazia, de facto, apologia franca do transformismo. Alexis Jordan, fixista, por assim dizer, extremista, persuadiu-se que todas as fo-mas vivas são hoje absolutamente tais como foram criadas outrora; nem sequer admite a novidade das espécies, por hibridação, porque, diz ele, os híbridos são estéreis; com um critério mais limitado que o de Lineu, introduz as ‘espécies elementares’ ou ‘espécies jordanianas’; as pequenas diferenças individuais, as únicas que professa, têm, por cau-sa, condições diferentes de vida; estabelece que o critério, usado na identificação da espécie, deve residir não na natureza e amplitude das diferenças, mas na constância dos caracteres, quaisquer que eles sejam. No fim de contas, Jordan, ultra-fixista, serviu, efectivamente, o transformismo. Entretanto, eis que, no céu límpido da Biologia, surge uma estrela de primeira grandeza; é o monge-agostinho austríaco Gregório Mendel, que viveu nos meados do século XIX. Com as suas memoráveis experiências, sobre hibridação ou mestiçagem, efectuadas durante nove anos sucessivos (1857-1866), no jardim do seu mosteiro, e após a divulgação realizada à volta de 1.900, pelos sábios botânicos Correns, Tschermark e De Vries, o padroeiro insigne do Mutacionismo, ─ Mendel foi considerado, verdadeiramente, o pai da Genética moderna, desse ramo da Biologia que se ocupa do mecanismo da hereditariedade, isto é, da transmissão dos caracteres. Em vez de estudar em conjunto, como faziam os antigos biologistas, o modo de transmissão de vários caracteres, o ilustre religioso principiou por cruzar, entre si, variedades de plantas que diferiam, por um único carácter ou pequeno número deles. Estabeleceu, assim, as tão conhecidas leis da hibridação (cruzamento de progenitores que se distinguem por caracteres mutantes, não flutuantes apenas) ou leis de Mendel, as quais obtiveram tanta difusão e importância, a ponto de formar sistema ─ o mendelismo. Muito esqueleticamente resumida, a doutrina de Gregório Mendel compreende três leis: A) ─ Casos de mono-hibridismo: 1ª ou lei da uniformidade dos mestiços da primeira geração: “Quando se cruzam indivíduos de linhas puras, relativamente a um par de caracteres, a descendência é uniforme, no que respeita a esses caracteres”; 2ª ou lei da separação ou disjunção dos caracteres: “Na segunda geração, separam-se os caracteres dos progenitores, e forma-se 1/4 de indivíduos da raça paterna, ¼ da raça materna, e ½ de híbridos semelhantes aos híbridos da primeira geração”. B) ─ Casos de di- ou poli-hibridismo: 3ª ou lei da disjunção independente dos caracteres: “Os caracteres mendelianos são independentes uns dos outros, e combinam-se livremente de todos os modos possíveis, manifestando-se os recessivos, quando não estão combinados com os anta-gónicos correspondentes”. ─ Pela mesma altura, proferiu, separadamente, ideias análogas o botânico francês Carlos Naudin. No último quartel do século XIX, F. Galton, seguido por K. Pearson, procurou precisar as leis da ‘variação flutuante’, para elucidar os processos da hereditariedade e os efeitos da selecção natural.

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Com o dealbar do século XX, aparece uma nova ciência, a Biometria, cujo fundador foi o estatístico belga Quételet. Depois deste, Johannsen serve-se da biometria para estabelecer a distinção fundamental, entre as ‘variedades e as linhas puras’ e conclui, contra Darwin, que a selecção é importante sobre as linhas puras. ─ Não transmissão das variações individuais devidas ao meio, fixidez das raças puras, denunciando toda a selecção, inverosimilhança duma selecção natural, que age sobre variações insensíveis, que restava para explicar a Evolução? As variações bruscas, duma certa amplitude, dando perfeitamente lugar à selecção natural. Surge, então, o mutacionismo, a terceira grande teoria que procura explicar, cientificamente, o mecanis-mo da transformação das espécies, para a qual pende, crescentemente, a maioria dos biologistas. Foram seus precursores Geoffroy Saint-Hilaire, Mivart e Naudin que refere: “… a períodos de imobilidade aparente ou real, sucedem outros de rápidas transformações, durante os quais, o que não era antes senão excepcional e anormal, passa a um estado de coisas regular. E, depois, não esqueçamos que o tempo é, para nós, a sucessão dos fenó-menos e, quer estes nos pareçam suceder com lentidão, quer nos pareçam precipitar-se, o resultado é o mesmo para a doutrina da evolução”. Esta teoria caracteriza-se, sobretudo, por ter deslocado a questão para o campo positivo e experimental, em virtude dos grandes estudos sobre mutações. Quem, pela primeira vez, a formulou foi o botânico holandês Hugo De Vries, na sua notável obra ‘Die Mutationstheorie’ (1901-1903). Nela fixa as suas sete leis da mutabilidade: 1ª ─ As novas espécies elementares aparecem subitamente, sem intermediários; 2ª ─ as novas formas aparecem ao lado do tronco principal e desenvolvem-se com ele; 3ª ─ as novas espécies elementares mostram, imediatamente, uma constância absoluta; 4ª ─ algumas das novas raças são, evidentemente, espécies elementares, mas outras devem considerar-se como variedades regressivas; 5ª ─ as mesmas espécies novas aparecem num grande número de indivíduos; 6ª ─ não há relação alguma entre as mutações e as flutuações; 7ª ─ as mutações fazem-se em quase todas as direcções: podem ser úteis, indiferentes ou prejudiciais; só a selecção natural faz a escolha. A causa da mutação é ainda, em grande parte, desconhecida: uns, os genetistas puros, invocam causas internas; outros a acção do meio; e ainda uns terceiros, com Cuénot, factores físico-químicos do meio externo. T.H. Morgan, partidário célebre desta escola, é o construtor afanoso da Genética moderna, que tem progredido assustadoramente, até aos nossos dias.

Artigo VII A Paleontologia Transformista Mas, se as mutações, como pretende a escola mutacionista rígida, não são adaptativas, porque fortuitas e desordenadas, como se explicam os factos evidentíssimos de orientação definida, a Ortogénese, numa palavra? Os mutacionistas mitigados, principalmente paleontologistas, procuram a resposta, numa nova interpretação do termo ‘mutação’. É que, a par das mutações isoladas e bruscas, dá-

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se outra categoria de mutações ‘seriadas e ortogenéticas’, de que sàbiamente falam Waagen e Neumayr. No entanto, Juyénot, mutacionista convicto, não se mostrou ainda contente e satisfeito com a explicação, dizendo que “apenas nos ajuda a compreender o aparecimento de espécies elementares ou resultantes da alteração dos génes, não, porém, a formação de tipos orgânicos novos, cuja origem se deve encontrar nas modificações profundas da estrutura e funcionamento do protoplasma, de que não fazemos ainda a mínima ideia”(12). A partir de 1859, no meio das violentas controvérsias que suscitou o livro de Darwin, numerosos jovens paleontologistas se devotam, de alma e coração, ao transformismo, que lhes vai dar novo objectivo aos seus trabalhos: a reconstituição da árvore genealógica dos seres vivos; a tal ponto que, no fim do século, podia afirmar-se que toda a Paleontologia era transformista.

…………………… (12): Cfr.: E. Guyénot; ‘Le mécanisme de l’évolution et l’expérience’, p.58; in L’évolution en Biologie’, ─ Fondation ‘Pour la Science’, Paris ─ 1929.

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Somente no segundo quartel do século XX, a Paleontologia se despojará da bagagem lamarckiana e se integrará na Genética neo-darwinista. O francês Alberto Gandry e o americano Eduardo Drinker Cope foram os primeiros a enunciar leis gerais da evolução, fundadas nas constatações paleontológicas. Gandry preocupou-se sobrema-neira em encontrar os encadeamentos, através dos grupos mais amplos (as ‘grandes masses’ de Lamarck); todavia afadigou-se igualmente a estabelecer os encadeamentos mais particulares. Como Naegeli e Rosa, pronuncia-se pelo polifiletismo. Distinguindo as ‘formas generalizadas’ das ‘formas especializadas’, Cope é conhecido principalmente pela sua lei da ‘não-especialização’: só as formas generalizadas (‘sintéticas’ em L. Agassiz) são capazes de originar novidades estruturais. É nesta época que aparecem, no terreno da Paleontologia transformista, as leis da ortogénese; os paleontólogos introduzem os termos ‘evolução progressiva’ e ‘evolu-ção regressiva’, que sofrem várias interpretações, depois de Cope e De Vries; perfilham a noção de especialização ─ uma adaptação às condições de vida particulares ─, já fornecida por Cope, que se traduz na já citada lei da não-especialização; Camilo Arambourg demonstra que é mais objectivo falar de evolução especializadora, que de evo-lução progressiva ou regressiva. Edgar Quinet enuncia a segunda ‘lei fundamental da Paleontologia’: “A Natureza não volta atrás; não refaz o que destruiu; não regressa ao molde que dissolveu. No mundo infinito de combinações que o futuro encerra, não vereis duas vezes a mesma humanidade, a mesma fauna, a mesma flora”; esta é conhecida pelo nome de ‘lei da irreversibilidade da evolução regressiva’. A lei da aumentação de estatura, posta em evidência por Cope, parece sofrer excepções, pois, como admite Dépéret, não é aplicável às espécies que pouco ou nada evoluíram. A ortogénese encontra alguns desmentidos nas ‘hipertelias’ ou ‘alometria’ dos órgãos, em função da estatura, à qual Juliano Huxley deu expressão matemática. Em suma, convergência e evoluções ou ortogéneses paralelas e, consequente-mente, generalizando-as, a noção de polifiletismo; o nome de grau, criado por Bather, para as formas convergentes, que representam seres chegados ao mesmo estádio de evolução, por vias diferentes e, por vezes, em tempos desiguais, e que revelam velocidades de evolução dissemelhantes, e que, depois, foi estendido a todos os escalões da classificação; os caracteres estáticos e evolutivos de Douvillé e Boussac; as ‘explosões de formas’ e as ‘radiações adaptativas’; ausência das formas de passagem; e envelhecimento ou rejuvenescimento do mundo vivo ─ tudo isto foi objecto de estudo dos pale-ontólogos do primeiro e segundo quarteis do século XX.

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Artigo VIII As Teorias gerais perante a Ciência Moderna

Depois de Weisman, o principal objecto de discordância, entre os transformistas, continuou a ser a hereditariedade dos caracteres adquiridos. O extraordinário corifeu do neodarwinismo, com os seus partidários, negava a possibilidade duma inscrição das variações do ‘soma’ no ‘gérmen’. As observações e experiências modernas, porém, vêm desdizê-lo. A Ciência começa por distinguir mutações, isto é, modificações adquiridas pelo abastecimento genético e, por isso, facilmente hereditárias, se interessaram às células, dando nascimento a células germinais, e somações (palavra criada por Plate ─ 1920) que são modificações sofridas pelo corpo, sob as influências do meio, sem que afectem os cromossomas. Le Dantec (1902) sustenta que uma mutilação não é, propriamente falando, um carácter adquirido. A. Pictet (1905) e outros demonstraram que as modificações devidas ao meio, sobretudo ao clima, e à alimentação, apesar de duráveis, não interessam à verdadeira hereditariedade, isto é, ao genótipo. Brown ─ Séquard, Max Sommer e alguns mais tentaram desmentir a heredi-tariedade patológica, no sentido estrito da transmissão por intermédio dos gâmetas; pelo contrário, é admitida pela maioria a hereditariedade psicológica ou seja das qualidades ou defeitos adquiridos pela educação (Spencer já falava da importância da selecção natural, sobre as famílias dos músicos). Os anti-lamarckianos modernos rejeitam a hereditariedade dos caracteres adquiridos, para os protistas, admitida por Weisman. J.T. Cunningham dá à luz a sua ‘teoria hormonal da hereditariedade das modificações somá-ticas’. Depois de Weisman e De Vries, o neodarwinismo não guarda de Darwin senão a selecção natural e, acrescentando-lhe o mutacionismo, confundiu-se, praticamente, com a Genética transformista. Apesar de críticas e reservas numerosas, os geneticianos admitem, no seu conjunto, que a evolução teve, por única fonte, as mutações, isto é, as modificações fortuitas do aparelho cromossómico (modificações dos ‘génes’, inversões, translocações, multiplicação dos

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cromossomas, etc.) e que a escolha é feita pela selecção natural, a qual elimina as mutações que apresentam um defeito, conhecido ou desconhecido, e conserva as que introduzem uma melhor adaptação. O Neo-darwinismo mutacionista professa a Genética estatística, onde sobres-saem alguns paleontologistas americanos de valor, particularmente G.G. Simpson, com a sua ‘teoria sintética’, para reconciliar o mutacionismo com a paleontologia; o ‘leader’ da escola paleontológica americana admitiu que a evolução se faz por mutações, mas de débil amplitude, e, por isso, numerosas; foi ainda partidário da orto-selecção. Contra Matthew (1914), que falava duma velocidade constante da evolução, opôs-se O. Abel (1929), com a concepção duma evolução em ‘escalões’, correspondendo cada escalão a um novo meio ─ evolução lenta na estabilidade do meio e rápida na passagem de meio. O Mutacionismo intransigente chegou a paradoxos, como o da selecção criadora e o da criação de génes novos! As críticas que lhe foram dirigidas podem, pois, resumir-se: as mutações, tais como se constatam, não explicam a evolução e as próprias mutações, tais como se concebem na evolução normal, não são constatadas nos factos aduais. Analizando, agora, em conspecto panorâmico, as três grandes teorias evolucionísticas, oportuno nos é dizer que o darwinismo e o mutacionismo são, rigorosamente, positivistas, deterministas, mecanicistas; o lamarckismo, pela expressão ‘pouvoir de la vie’, deixa entrever uma evolução progressiva biológico-finalística. Todavia, o mais provável é que Lamarck não tenha descortinado tal concepção. A par de teorias positivistas, a ologénese, a apogénese, a alelogénese, a pré-adaptação e as ultra-mutações, que surgiram após o mutacionismo neodarwinista, uma corrente de vitalismo e finalismo apoderou-se de alguns biologistas célebres, como L. Cuénot, P. Vignon, H. Rouviére e Bergson, ‘o filósofo da intuição’. G. H. Lewes emite a chamada teoria da ‘Emergência’, segundo a qual, a combinação de entidades de uma certa ordem realiza uma entidade de ordem superior, cujas propriedades são inteiramente novas. Outros, como Lotka, Brunhes, Henderson e Blum, utilizando o segundo princípio da Termodinâmica, já generalizado a todo o Universo pela Física estatística moderna, tentam explicar a evolução irreversível dos seres vivos, por um aumento de Entropia.

Artigo IX

Teorias Diversas Em nossos dias, os principais negadores do transformismo (que o rejeitam em bloco ou lhe fazem graves reservas) são, sobretudo, três: Luis Vialleton não nega toda a transformação das espécies; porquanto admite as séries ortogenéticas, somente, porém, até aos géneros e famílias; os traços fundamentais de organização (ordem, classe…) não podem transformar-se e o facto de as ordens aparecerem, inicialmente, diferenciadas, nos arquivos geológicos, não é senão a expressão paleontológica desta verdade. Em suma, o cientista professa uma evolução parcial adaptativa ou especializadora, não a evolução ‘criadora’, de órgãos ou dispositivos novos. Para ele, pois, o transformismo geral é uma ilusão. Vialleton diz que a evolução é um facto, no sentido em que os grandes tipos de organização apareceram sucessivamente e se vão alternando, numa ordem ideal e lógica.

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Paul Lemoine, um dos sábios redactores da ‘Encyclopédie française’ (1937), excepcionalmente, tende a negar a evolução, nas suas conclusões gerais. Os seus argumentos negativos aproximam-se muito dos de Vialleton; as conclusões positivas, porém, são muito diferentes. A sua doutrina nada tem de metafísica, nem sequer fala de criações; para ele, a vida não é mais que um aspecto, particularmente complexo, dos fenómenos físico-químicos; com efeito, ela sai da matéria, pois não se pode provar a impossibilidade de geração espontânea. “As classificações, refere Lemoine, não reflec-tem evoluções, mas famílias de constituições químicas vizinhas”. Maurice Vernet admite que cada espécie é caracterizada por um dado funda-mental, ‘a sensibilidade orgânica’ particular que governa o seu desenvolvimento e as suas reacções ao meio. Em resumo, rejeita o determinismo mecanicista e aceita a realidade duma certa ‘finalidade orgânica’. Em conclusão, da magra história que tentámos expor, podemos dizer que nenhuma das soluções, até hoje apresentadas, do mecanismo da transformação das espécies é totalmente satisfatória. No entanto, das nove escolas transformistas: (lamarckiana, darwiniana, neolamarckista, neo-darwinista, mutacionista, das pré-adaptações de Cuénot, tetracinética de Osbon, da adaptação fisiológica e da ologénese de Rosa), a que parece, cada vez mais, reunir o sufrágio dos biologistas é o mutacionismo. O certo é que o facto da evolução, na frase de Caullery, se vai impondo, cada vez mais, no espírito dos biolo-gistas. Num último panorama, procuremos sintetizar a situação tal como se nos mostra hoje: 1º ─ Vitalismo, finalidade, anti-acaso, etc. As soluções metafísicas são legíti-mas e a Ciência não pode fazer mais que concordar, a todo o custo; 2º ─ hereditariedade dos caracteres adquiridos. Parece que não há nenhuma prova decisiva, nem ‘pró’ nem ‘contra’. A reversibilidade duma acção química não é ‘a priori’ inverosímil; 3º ─ mutações. A observação não fornece senão mutações de muito grande amplitude; a probabilidade do seu valor adaptativo é muito precária; 4º ─ Selecção natural. Se as mais pequenas mutações são reais, as que realizam um progresso, por pequeno que seja, devem dar lugar à selecção; no conjunto, as críticas contra a selecção não nos parecem razoavelmente fundamentadas; 5º ─ Em troca, as grandes mudanças de estrutura permanecem inexplicadas, assim como a alta coordenação dos dispositivos, que deve ser realizada da primeira vez ou muito rapidamente. Parece ainda cedo para indagar as causas principais da grande evolução. É preciso, em primeiro lugar, conhecer bem os mecanismos do desenvolvimento, a natureza dos génes e a sua acção, o determinismo das suas mutações. Talvez então saibamos se a evolução é conduzida em direcções privilegiadas, se se pode falar de ‘selecção das tendências’, o que não parece ‘a priori’ um absurdo. Saibamos esperar os progressos próximos da Embriologia, da Genética, da Citologia e da Bioquímica.

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SECÇÃO III

Origem da Vida e Origem do Homem Com a Questão da origem das espécies, dois outros problemas surgem altamente fundamentais: um, porque é basilar ─ a origem da vida; outro, porque sumamente importante ─ a origem do Homem. Trataremos de ambos, muito sumariamente, nos dois capítulos seguintes.

CAPÍTULO I

A Origem da Vida “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus…”(1). Deus, cuja eternidade, porque acto puro, não se pode predicar de nenhum dos outros entes, vivia uma vida ‘ad intra’, em apoteose esplêndida de luz e graça; numa vida íntima de que só pode disfrutar a Trindade. Mas Deus era Bondade em acto puro; tendia, por isso, a difundirse necessariamente: ‘Bonum diffusivum sui’. Eis que, ‘a certa altura’, por misericórdia infinita, rompe a Sua Vida ‘ad intra’, faz a criatura e passa a viver ‘ad extra’, socorrendo-a, na sua fugaz existência, pelo Seu concurso e divina Providência. Sublime artífice! Feliz obra! Cria o Universo e o reino dos inanimados; e só depois os seres vivos!!!

A vida, que S. Tomás define admiravelmente ‘in motu imanenti’, nem sempre existiu, por conseguinte, sobre a Terra. Na verdade, os geólogos, arquitectando, nas suas linhas gerais, a história do nosso planeta, têm concordado que, na era azóica, não havia traços alguns de vida. Quer aceitemos a ‘nebulosa de Laplace’, quer outra teoria, para explicar a origem da Terra, conclui Acqua, temos necessariamente de admitir que a crosta terrestre foi algum tempo incandescente e que este estado era incompatível com qualquer forma de vida. Em suma, a vida não pôde existir sempre com e sobre a Terra; mas apareceu numa certa e determinada época,

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segundo alguns sábios, um bilião de anos depois da criação do mundo; quinhentos mil ou um milhão de anos após, teria sido criado o Homem. Põe-se assim o problema: Donde vem a vida? Não tratamos da origem das espécies ou da vida nas espécies, mas estrita e exclusivamente da vida, isto é, do primeiro indivíduo com vida: ─ Não é questão de filogénese com vida, mas de ontogénese com vida. Ao problema da Biogénese, tão imenso e complexo, duas soluções se mostram claramente distintas: a criação, directa ou indirecta; e a geração espontânea. A primeira, também conhecida por homogenia, não se integra exclusivamente no credo fixista, pois, em última análise, todos os evolucionistas não-materialistas e ateus a admitem (é gratuito e supérfluo fazer distinção entre criação directa e indirecta).

………………… (1) Cfr.: S. João, I, 1-14.

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A geração espontânea, denominada, também geração equívoca ou pseudo-geração pelos homens da Idade-média, heterogenia e abiogénese, ou seja nascimento dum vivente a partir do não-vivente, é professada somente pelos evolucionistas materialistas e ateus. Esta questão da origem da vida não é moderna nem recente; ela remonta à mais alta antiguidade. Com efeito, vemos passagens comentadoras da biogénese nas Metamorfoses de Ovídio, nas Geórgicas de Virgílio; porém, o primeiro biologista autêntico foi Aristóteles, que cuidava estar o mundo cheio de almas e vidas e conter em si os gérmens dos seres. No começo da Idade Moderna, François Redi (1626-1691) é definitivo: podemos afirmar que o princípio ‘omne vivum ex vivo’, depois anunciado expressamente por seu discípulo Vallisnieri, se viola, se o cadáver dum animal produzisse seres vivos? Será que a terra, que produziu os seres vivos por ordem do Criador, já não os possa produzir? Depois de Needham e Spallanzani, surge Pasteur, qual astro fulgurante que os ofusca a todos. A sua obra teve uma repercussão incalculável no século XIX, contra os materialistas, e o seu princípio ‘todo o vivente provém doutro vivente’ tem permanecido, em todas as experiências realizadas (não nos referimos às possíveis), até à actualidade, sempre de pé, como lampadário tenazmente aceso no meio das ondas tumultuantes de investigações, pretensamente destruidoras, dos ‘sem-Deus’. Esquematizemos, agora, em poucas palavras, as respostas ao problema. A vida apareceu em dado momento na Terra; três hipóteses se põem acerca da sua origem: a) sementeiras de gérmens, vindos de outros mundos; b) formação da vida na própria terra: por acaso, que Teófilo Gauthier define como ‘o pseudónimo de Deus, quando não quer assinar’; por geração espontânea, que apenas é, se assim podemos dizer, uma razão negativa e que o ilustre Doutor Carlos Richet, da Academia de Medicina de Paris, recusa e condena por um tríplice embargo: bactereológico, químico e celular; ou ainda por criação. Hodiernamente, a geração espontânea, ou seja, a teoria que faz provir o ser vivo não de germes preexistentes, mas das reacções físico-químicas da matéria, que atribui, em suma, à matéria, potencialidades ou virtualidades semelhantes às dos germens vitais que ela tem desorganizadas, mas que organiza na passagem, ─ perdeu quase totalmente o seu valor; até os próprios naturalistas que professam o materialismo, como Vacherot e Wirchow a têm rejeitado como incoerente e ilógica. Derrotados os materialistas da primeira hora que defendiam a geração espon-tânea relativamente aos seres dotados de organismo perfeito e complexo, outros apare-ceram mais requisitados, atribuindo-a somente aos elementos primitivos e universais de todos os organismos: passou Haeckel com as suas ‘moneras’, Huxley com o ‘bathybius’, o ‘eozoon canadense’, e o pedestal de Pasteur resistiu incólume ao turbilhão e permaneceu sempre erecto e altaneiro. “Mas, será verdade que a evolução postule a heterogenia? ─ Para os defensores da evolução integral e absoluta, sim. Todavia, se nenhuma máquina, por mais primitiva que seja, pode nascer de si mesma, como o pode fazer, igualmente, por geração espontânea, o mais simples organismo primitivo, com a sua maravilhosa faculdade de desenvolvimento contínuo e progressivo? Só o insensato pode admitir semelhante lenda, aliás há muito abandonada e exautorada pela Ciência; só um louco pode sustentar que os organismos primitivos se formaram por si mesmos e foram, depois, a origem de todos os homens, de todos os animais e de todas as plantas”(2). “Basta mostrar, ainda que perfunctoriamente, a complexidade do protoplasma e da matéria viva, para garantir que, do composto químico ao ser vivo, há um fosso intransponível e

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um abismo de morte e que, portanto, qualquer tentativa, tendente a produzir artificialmente a vida, é antecipadamente condenada a falir”(3).

Para melhor relevar pontos capitais, escrevamos a

TESE Nº 4 A hipótese criacionista não é anticientífica, nem é exigida por um acto de Fé; a vida desenvolve-se nos seus três graus, por intervenção de Deus.

I Parte: ─ A hipótese criacionista não é anticientífica, nem é exigida por um acto de fé: “A fé é um acto de adesão da inteligência a uma verdade que de si foge à nossa compreensão, mas que aceitamos, em virtude da autoridade de Quem o propôs. A fé, portanto, é possível somente quando a intrínseca verdade da coisa revelada foge à nossa razão. Caso contrário, não se pode falar de fé, mas de ciência. Ora a ciência pode ser experimental e filosófica. Evidentemente que a dita hipótese não entra no âmbito da ciência experimental, mas entra no da ciência filosófica. Uma vez provada a impossibilidade da passagem do não-vivente ao vivente, já que todo o efeito deve ter uma causa proporcionada e essa causa não é a força física e química da matéria, será forçoso identificá-la num princípio superior, que determina e dirige os elementos físico-químicos para um finalismo que é próprio do ser vivo”(4).

……………………… (2) ─ ‘Deus, o Homem e o Universo’, Porto ─ 1955; tradução da 3ª edição francesa, publicada sob a direcção de Bivort de la Saudée, por A. Veloso, S.J., ─ p.143. (3) Vd.: in ibidem, p.146.

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Realmente, nunca deve haver desacordo entre a Filosofia e a Ciência; reconhecida a impotência da segunda em determinado assunto, temos de recorrer à primeira e sujeitarmo-nos ao seu domínio suave, porque racional e lógico. É o que, efectivamente, fez o Dr. Carlos Richet, acima citado, na sua notável obra de ‘Metabiologia’ ─ ‘problemas metafísicos nos caminhos da Biologia’ ─ onde esclarece sobremaneira a origem dos seres vivos e a sobrevivência da alma humana; versa ainda, com soberba empol-gância, no capítulo intitulado ‘Para além da Biologia’, os limites do transformismo em Botânica e Zoologia; conclui, finalmente, por uma evolução não absoluta e universal, porque é absurda, no presente estado das coisas, a geração espontânea. “Visto que as hipóteses e os sistemas, refere o supradito autor, mais tarde ou mais cedo, entram na consciência e na vida; e atendendo a que as teorias, embora incapazes de responder a todas as exigências da consciência e da vida, condicionam, ao nível dos fundamentos, a validade de tudo o que poderá ser dito e pretenderá ter valor de ideia, ─ a actividade filosófica é, em última análise, necessária e indispensável”(5). II Parte: ─ A vida desenvolveu-se nos seus três graus, por intervenção de Deus: A vida principiou nos diversos graus, ou pela evolução do grau inferior no superior, ou por intervenção de Deus; a disjunção é completa. Ora não se desenvolveu pela evolução do grau inferior no superior, caso contrário seriam desmentidos o princípio de razão suficiente e os testamentos científicos. Logo só pode admitir-se a intervenção de Deus na origem da vida e para os três graus. E, na verdade, a teoria criacionista é a única que não é contrária à razão nem à experiência, e, por isso, não é anticientífica, como já vimos. ─ Segundo o célebre biologista Jules Carlos(6), encaremos ainda, muito resumidamente, o problema do ponto de vista filosófico. Duas atitudes filosóficas o abordaram: o materialismo e o espiritualismo. O fosso, entre a matéria inerte e a matéria orgânica, foi ultrapassado, porque, antes de tudo, não era coisa difícil, e, para que tudo se passe bem, basta o acaso favorável: ─ dizem os primeiros; os segundos, por seu turno, pensam que o fosso é muito grande para ser transposto e que é, normalmente, intransponível, mas que um Espírito orientou a matéria para a vida e, portanto, é graças a ele que a passagem foi possível.

……………….. (4): Cfr.: Vittorio Marcozzi, S.J.; ‘La vita e l’uomo’, Milão ─ 1946, pp. 127, 128. (5): Vid. Brotéria, vol. LX; Fevereiro de 1955: in Agostinho Veloso ─ ‘Metafísica e Experimentalismo’. (6): Vid.: ‘Les origines de la Vie’; nº 446 da colecção ‘Que sais-je?’, Paris ─ 1954; capít. IV, p.65…

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O Materialismo pode ver-se de dois aspectos: o mecanicístico e o dialéctico. Os mecanicistas consideram a distância entre a matéria e a vida de difícil ultrapassagem e invocam, como causa, um feliz acaso, um certo ‘milagre’; os segundos têm-na como de fácil ultrapassagem, desde que se coloque sob o ponto de vista dialéctico; o pregoeiro desta escola foi, dum modo especial, Fr. Engels, na sua ‘Dialéctica da Natureza’ (1880). O Espiritualismo, por sua vez, abre-se em duas correntes diversas: numa, o espírito intervém e transpõe o fosso pela sua acção imanente ─ é a explicação pela imanência; noutra, o espírito, que devemos procurar fora e acima do vivente, justifica a passagem pela sua acção transcendente ─ é a explicação pela transcendência. A pri-meira insiste sobre a continuidade, a segunda sobre a novidade. Em suma, “do ponto de vista filosófico, existe, no decurso da biogénese, um grande número de posições que reduzimos a quatro: duas materialistas e duas espiritualistas. Os filósofos que não querem admitir Deus adoptarão, forçosamente, uma das duas primeiras; os que, porém, admitem a Existência de Deus acabam por escolher uma das duas últimas. “Do ponto de vista científico, o campo fica completamente livre e tanto o crente como o descrente procuram, com o mesmo ardor, a série das acções e reacções que precederam a aparição da vida. Mas, enquanto os crentes reprovam os materialistas de admitirem um ‘milagre’ gratuito ou de solucionarem a dificuldade com uma dialéctica indulgente, estes censuram aqueles de indagarem causas tão longínquas e de fazerem surgir Deus, nos primeiros horizontes da Vida”(7)!

……………………. (7): Cfr.: in ibidem, p.83.

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Capítulo II

A Origem do Homem

O Homem, o ‘Rei da criação’, essa excelsa cúpula do maravilhoso e sublime edifício que os seres vivos formam, não existiu sempre, como já observámos, à face da Terra. “Deus aeternus; Vita diurna; Homo hesternus!”, lemos nós no livro recente ‘Deus, o Homem e o Universo’(1). Deus é eterno, sem princípio nem fim; a Vida é diurna, ou seja, muito antiga; o Homem é de ontem, isto é, desde o período glaciar. “Formavit igitur Dominus Deus hominem de limo terrae, et inspiravit in faciem ejus spiraculum vitae et factus est homo in animam viventem” ─ diz a Sagrada Escritura(2), a respeito da origem do homem. Portanto, intervenção directa e imediata de Deus, não simples concurso natural da Providência na formação do Homem, quanto à alma ‘ex nihilo’ e quanto ao corpo ‘ex limo terrae’. Mas qual o sentido deste ‘ex limo terrae’? ─ Haverá lugar para admitirmos a evolução, relativamente ao corpo? Como interpretar a Bíblia? Será que a Igreja tenha ensinado sempre a criação, sem transigir, em símbolos e concílios, mesmo na origem do corpo do Homem? Ouçamos a sua voz de mestra. A Carta da Comissão Bíblica ao cardeal Suhard, de 16 de Janeiro de 1948, con-sidera como verdades fundamentais da Religião Católica, as seguintes: 1º ─ criação de todas as coisas por Deus, no princípio do tempo; 2º ─ criação particular do homem; 3º ─ formação da primeira mulher, proveniente do primeiro homem; 4º ─ unidade da espécie humana.

……………………… (1) ─ Tradução da 3ª edição francesa publicada sob a direcção de Bivort de la Saudée, por A. Veloso, S.J.; ─ Porto ─ 1955, p.163. (2) In ‘Genesis’, II; 6,7.

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─ A decisão de 1909 da mesma Comissão Bíblica decretou que, sobre estes pontos, se devia manter o sentido literal dos capítulos I a III do Génesis. No entanto, não quere isto dizer que não haja neles metáforas, cuja interpretação razoável ou necessária exclui o sentido literal = (possibilidade da evolução). Os animais, de que proveio o primeiro homem, foram só causas instrumentais, que não agiriam pela virtualidade de pais criados, mas pela virtude de Deus ─ causa principal. “Permanecendo nas suas esferas próprias, não pode haver desacordo entre o teólogo e o físico ─ diz também S. Agostinho. Devemos, pois, provar que tudo o que se pode verdadeiramente demonstrar como verdadeiro, na natureza física, não está em oposição com as nossas Santas Escrituras, e que tudo o que nas suas obras, dizem ser contrário às Escrituras ou seja à fé católica ─ devemos nós ou provar tão perfeitamente quanto possível que é rotundamente falso, ou pelo menos crer que o é”(3). Em 1870, o concílio do Vaticano proclamou solenemente a impossibilidade de desacordo entre a razão humana e a fé. “Finalmente é bom reflectir que, segundo o que disse Pio XII na encíclica ‘Divino Afflante Spiritu’, poucos são os textos da Sagrada Escritura, acerca dos quais a Igreja deu um juízo oficial e infalível. Logo, à margem deste juízo, há lugar para uma prudente e inteligente liberdade de opiniões e de in-vestigações, sem, contudo, deixar o caminho traçado pelo ministério da Igreja, nem a antecipada submissão ao seu juízo definitivo”(4). Esquematizemos agora o problema simples da origem do Homem. A Filosofia define Homem como ‘animal racional’, composto de alma e corpo. Pois bem; sendo assim, temos a distinguir, no ‘fieri’ do homem, três partes ou fases, se assim quisermos: o corpo, a alma e o composto humano, ou seja, a união de ambos. Deste modo, é óbvio considerar três coisas, por separado: a origem da alma; a origem do corpo; e a origem do composto humano e quando começou aquela união. 1º Origem da alma: ─ A alma, já o sabemos, é imortal; não, porém, eterna, porque é contingente, não existiu sempre e podia deixar de existir. Uma vez, pois, que é lícito indagar qual a origem da alma, apresentam-se à per-gunta quatro respostas principais: a) o evolucionismo de Darwin e Tertuliano, os quais ensinaram que o homem evoluia dos brutos, quanto ao corpo e quanto à alma; b) o emanatismo de Pitágoras, dos estóicos e dos panteístas, que julgavam ser a alma partícula de divindade, desprendida da substância divina; c) o generacionismo ou traduzianismo que afirma proceder a alma, dos pais, por via de geração corporal ou espiritual;

………………………..

(3) ─ Cfr. ‘De Genese’, ad litt. 1, 21,41. (4) ─ In ‘Deus, o Homem e o Universo’, p.291.

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d) e finalmente o criacionismo de S. Tomás e dos Doutores cristãos, que diz ser a alma imediatamente criado por Deus, no instante em que começa a reger o corpo (como diz realmente S. Tomás, ‘é mais a alma que contém o corpo que o corpo a alma’). A única opinião verdadeira é, evidentemente, a última. Os materialistas nem sequer põe a questão. A respeito do tempo da origem da alma: a) Pitágoras e Platão defendem que as almas foram criadas por Deus, no princípio do mundo, e colocadas nos astros e, seguidamente, desterradas, como pena das suas culpas, para este mundo, e presas nos corpos humanos, donde sairão para os dos brutos, se obrarem mal; b) Leibniz sustenta que as almas, criadas por Deus no princípio do mundo, foram incluídas em certos corpúsculos orgânicos, nos quais se desenvolvem para constituir o homem; c): α) uns dizem que ela é criada por Deus, no mesmo princípio da geração, quando o gérmen é fecundado, ou, pelo menos, quando o feto começa a viver; β) outros proferem que a alma não é criada por Deus e unida ao corpo senão no fim da geração, quando o organismo é já perfeito. S. Tomás é partidário desta segunda opinião. A pri-meira, porém, não deixa de ter a seu favor o sufrágio de muitos filósofos e teólogos. 2º ─ Origem do corpo: ─ Para os evolucionistas materialistas, o corpo do primeiro homem é fruto exclusivamente da evolução; para os católicos, ao invés, é também fruto da evolução, mas duma evolução finalística e, para muitos ainda, é retocado directamente por Deus. “A derivação do corpo humano, em linha directa, dos Antropóides viventes (gibon, orangotango, chimpanzé e gorila), refere Marcozzi(5), é quase universalmente rejeitada: A diferença morfológica entre o símio antropormórfico vivente e os Homens, mesmo extintos (inclusive o Pitecantropo), são realmente notáveis e não permitem pensar numa passagem directa”. Todavia, radicalmente, temos alguns argumentos que fazem ilação pela descen-dência do Homem do macaco: os elos intermediários entre o homem e o animal; o argumento da Embriologia ou da ontogénese como recapitulação da filogénese; o argumento dos órgãos rudimentares, que para alguns tem pouco valor; e a lei da generalização da evolução: com efeito, escreve Lyell, se a lei do desenvolvimento da vida é a evolução, nós não podemos subtrair o homem à universalidade desta lei. 3º ─ Origem do Composto humano Este problema pode formular-se assim: ─ Quando é infundida, no corpo, a alma

……………….. (5) ─ Vid. ‘La vita e l’uomo’; Milão ─ 1946; pp.371 e 372.

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racional, isto é, em que momento se dá a união física da alma com o corpo? Esta pergunta é, certamente, a mais difícil e menos definitiva. No entanto, algumas hipóteses têm surgido, a pretender solucioná-la: ─ a) S. Tomás diz que, na formação primitiva do homem, a vida passa por três fases: fase da vida unicamente vegetativa, cujo princípio formal é a alma vegetativa. Isto acontece, enquanto a matéria é informe, enquanto não passa de mero embrião que se vai desenvolvendo no feto; fase da vida sensitiva, quando o organismo já se encontra num grau superior de perfeição. Continuando a desenvolver-se e atingindo uma certa compleição, acaba a alma sensitiva e é infundida a intelectual; b) Outros imaginam que a alma intelectiva é infundida logo, no primeiro instante da geração, no seio da mãe. Assim a alma humana desenvolveria, gradualmente, a sua tríplice actividade. Se a alma intelectiva não realizava, inicialmente, operações sensitivas e intelectuais, não era porque fosse imperfeita, mas porque o organismo, em que actuava, era inapto; c) O senso comum não considera o feto, dotado simplesmente de vida vegetativa, como homem, e vê nele somente uma alma de que procedem operações vegetativas e sensitivas; d) Outros, com o nosso ilustre professor de Filosofia Dr. António Alves de Campos, admitem que, vindo a alma racional aperfeiçoar o ente com respeito às operações intelectuais, sensitivas e vegetativas, todavia o embrião, embora já participasse deste grau último de vida, não o tinha de princípio próprio, mas participava da vida vegetativa da alma humana da mãe. A mais coerente das respostas aventadas parece-nos ser a última, ainda que não com grande força de verdade (e por isso mesmo hipótese). Como vemos, este problema, para os filósofos cristãos e para muitos outros, confunde-se com o do ‘quando da criação da alma, porque, já o diz S. Tomás, Deus cria a alma, infundindo-a; e infunde-a, criando-a.

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SECÇÃO IV ARGUMENTOS DO EVOLUCIONISMO

Para completar a primeira parte deste modesto trabalho, parece-nos acertado apresentar, ainda que sumariamente, os mais conhecidos argumentos do Evolucionismo. Estes são tão numerosos como as disciplinas biológicas. Todavia podemos agrupar os principais em: argumentos da Sistemática e da Morfologia, da Paleontologia, da Embriologia, e da Anatomia(1). 1º ─ Argumentos da Sistemática e da Morfologia: ─ A Sistemática, ou Ciência da classificação dos organismos, patenteia-nos os seres diferenciando-se uns dos outros suavemente, sem grupos bruscamente distintos; as categorias sistemáticas são, a partir da menos para a mais extensiva,: espécie, género, família, ordem, classe, tipo, reino. É oportuno darmos apontamento da definição de espécie, por sinal

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afortunada, de Dobzhansky: “espécie é o estádio do processo evolutivo, no qual, um grupo de indivíduos, que até aí se cruzavam entre si ou o podiam fazer, se cinde em dois ou mais grupos, fisiologicamente incapazes de se reproduzirem uns com os outros. Tal ordenamento, obediente ao critério das semelhanças anatómicas e fisiológicas, dá a impressão de uma verdadeira árvore genealógica, que representa a sucessiva evolução e subdivisão dos grupos. A Morfologia, por seu lado, revela, em vários grupos de animais, a existência de órgãos que, conservando substancialmente a mesma conformação anatómica, explicam funções diferentes. Estes órgãos costumam chamar-se homólogos, e, segundo os evolu-cionistas, representarão uma prova da derivação genética de todas as formas animais com órgãos homólogos, de um tipo comum inicial. 2º ─ Argumentos da Paleontologia: ─ A primeira dedução, que a Paleontologia e a Geologia fazem, é que os organismos vivos não aparecem contemporaneamente, mas a pouco e pouco, e, nas suas li-

…………………… (1) ─ Nota: ─ Na exposição destes argumentos, seguimos o celebérrimo biologista-evo-lucionista Vittório Marcozzi, S.J., no seu compêndio ‘Evoluzione o Creazione?’; Milão ─ 1948; cap. 2º.

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nhas gerais, primeiro os inferiores, depois os superiores e, por fim, o Homem, como a flor em cima do pedúnculo. Assim, o estudo da Paleontologia faz-nos ver que os animais e vegetais não apa-receram simultaneamente, sobre a Terra, mas foram-se sucedendo pela ordem dos menos aos mais complexos. Os fósseis provam que existiram, outrora, inúmeras formas vivas, hoje extintas. Até mesmo a aparição de elos intermediários, que hoje faltam em alguns grupos, encontra uma coerência perfeita na Teoria da Evolução, e dificuldade de explicação fora dela. 3º ─ Argumentos da Embriologia: ─ A Embriologia, cujo criador foi C.E. von Baer (1792-1876), apresenta-nos, com clarividência, a chamada ‘lei biogenética fundamental’ de Ernesto Haeckel, que se traduz nesta frase: “a ontogénese, desenvolvimento do indivíduo, é a recapitulação da filogénese, desenvolvimento da espécie”. O anatómico Serres, mais prudente, projectiva, em 1842, a ‘lei do paralelismo’, quando dizia: “a organogenia humana (desenvolvimento embrionário) é uma anatomia comparada transitória, como, por sua vez, a anatomia comparada é o estado fixo e per-manente da organogenia do homem”. Os ‘casos de atavismo’ ─ caracteres anormais e monstruosos, que aparecem de tempos a tempos, no Homem ou no animal, e que têm analogia com a disposição normal dos animais inferiores ─ pelejam também pelo evolucionismo; e os ‘órgãos rudimentares’, em última análise, depõe, igualmente, a favor da evolução. Vem ainda em apoio da doutrina transformista o parasitismo e a biogeografia. 4º ─ Argumentos da Anatomia: ─ O estudo da Anatomia comparada, por mais que os partidários da fixidez o neguem, demonstra sempre uma semelhança entre os vários órgãos dos diferentes animais e que, por isso, em certo sentido, a sua estruturação obedeceu a um plano fundamental comum. ─ Que realmente se dá a evolução nos seres vivos ─ é patentíssimo. Até onde chega ─ é caso mais difícil de determinar exactamente.

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II PARTE

FIXISMO

Falámos já, talvez profusamente demais para um trabalho de ‘meio-folgo’, como é uma tese, sobre o Evolucionismo. É, portanto, lógico, versarmos, ainda que sinteticamente, pois já nos alongámos demasiado, o seu sistema rival: o FIXISMO.

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SECÇÃO I

NOÇÃO, DOUTRINAS, DIVISÃO Não obstante algumas hipóteses isoladas, emitidas por filósofos da Antiguidade e da Renascensa e, sobretudo, pelos esforços de zoologistas como Buffon e Larmarck, a crença na fixidez das espécies dominou a biologia, duma forma quase exclusiva, até à Época Moderna. Que razões apoiariam o facto? ─ Certamente a voz prudente da Igreja, as experiências erráticas de alguns naturalistas e os pretendidos argumentos filosóficos. “Ó glória de mandar! Ó vã cobiça “Desta vaidade a que chamamos fama!”: ─ querermos impor, a toda a força, mesmo contra a evidência da generalidade dos factos, as nossas opiniões aos outros!... Tal foi e tem sido a atitude de muitos fixistas obstinados, que de sábios só têm o nome, a ser assim! Não reconhecem que se é mais sábio, sabendo pouco mas sendo ho-nesto e sincero, que sabendo muito mas sendo egoísta e maníaco!!! Os próprios cientistas, nas suas observações apetecidamente fixistas, ─ tenho a convicção firme de que, bem no fundo do seu espírito, eles se sentiam muitas vezes desmentidos, e os mais leais reconheciam que a sua visão das coisas era muito parcial e limitada. Os argumentos filosóficos que se ofereciam e ainda hoje algumas pessoas apresentam, em defesa do fixismo, mais não são que ‘fieiras de baba da mesma lesma’. Essas provas, embora com fundamentos?, que afinal não deixam de ser ludibriosos, não passam de meros jogos de raciocínios apriorísticos e, muitas vezes, até eivadas de falácias e arteirices de toda a forma. Mas vejamos, sem demora, o que se entende por tal sistema. O Fixismo ou Criacionismo total celebra a fixidez, como característica essencial das espécies; considera, pois, a espécie, como um grupo natural imutável, perfeitamente definido e delimitado; assim, as espécies são distintas e em número determinado e mantem-se sempre imutáveis e fixas, através das gerações. A razão disto é que todas elas foram criadas por Deus como agora existem; ou, pelo menos, são provenientes de gérmens criados directamente por Ele, em número igual às espécies que germinaram, logo que acharam condicionalismo favorável. Desta maneira, as espécies são absolutamente incapazes de produzir outra por evolução. São adeptos ferrenhos desta teoria muitos apologistas e naturalistas como Cuvier, De Quatrefages, Flourens e Vialleton. Estes (o último é mais indulgente) ensinam que a espécie se perpetua sem mudanças profundas que nem sequer se transmitem; a espécie existe hoje tal como existiu sempre, e cada uma procede de um acto especial do Criador. Esta ideia foi belamente traduzida na célebre expressão de Lineu: “Species tot sunt diversae, quod diversas formas ab initio creavit infinitum Ens”. A espécie é, portanto, para os partidários desta doutrina, uma entidade nítidamente definida, que teria permanecido invariável e absolutamente fixa no desenrolar dos tempos e gerações. Deste modo, o supra dito cientista, no seu ‘Sistema naturae’, fala convencido da

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simplicidade do papel dos naturalistas, uma vez que fez guerra de extermínio à relação existente entre as inumeráveis espécies. Assim, querendo ordenar a diversidade dos seres, os fixistas, em vez de uma árvore genealógica, construirão, apenas, comodamente um catálogo! “Natura non facit saltus”, profere o zoologista fixista--revolucionário Cuvier. Enquanto o fixismo grava na sua bandeira “Descontinuidade da natureza viva” e a desfralda altivamente, o Evolucionismo, sempre persistente e franco nas suas investigações, sela, a letras de ouro, o seu ‘testamento’ com a ‘continuidade da natureza viva”. Como não há oposição absoluta entre uma teoria e outra, o Fixismo pode tornar duas facções principais: fixismo total e fixismo parcial. O primeiro é incompatível com qualquer forma de evolucionismo; o segundo, porém, já pode coexistir com o trans-formismo mais ou menos mitigado, com a evolução finalística; unicamente não o pode fazer com o evolucionismo absoluto ou materialista ou ferozmente ateu.

SECÇÃO II

ARGUMENTOS DO FIXISMO?... Quais são os argumentos mais conhecidos que os adeptos da fixidez costumam apresentar, para demonstrar a sua tese? Qual a sua validade? ─ Eis duas perguntas simples, mas de capital importância. Na verdade, os fixistas começam por afirmar que a teoria evolucionista não tem qualquer fundamento científico, tanto no passado como no presente. Os paleontólogos, dizem eles, não encontraram formas de transição, porque estas não existem; e, muitas vezes, prosseguem ainda, tiveram de reconhecer que, nas camadas geológicas e nos sedimentos, aparecem bruscamente espécies novas. Dizem também que, presentemente, nem a anatomia nem a biologia nos dão argumentos sólidos em favor do transformismo. E, a coroar estes, apresentam-nos os ‘argumentos filosóficos…’. As provas, que nos dão os partidários da imutabilidade da espécie, ao fim e ao cabo resultam vãs e debalde pretenderão provar, pois é bem patente que são o fruto pre-maturo dum exame superficial das coisas. O próprio argumento da infecundidade entre as espécies, para que eles apelam em último recurso, nada garante a seu favor. Com efeito, como se explica que duas espécies diferentes (por exemplo, um cavalo e uma jumenta) se cruzem para dar uma terceira distinta daquelas (macho), e, uma vez que a última seja infecunda, as duas pri-meiras se continuam sempre a unir para fornecer a terceira? Os seus argumentos, em última instância, só lhes evidenciam a sua ingenuidade, a sua leviandade e superficialidade, a sua curteza de vistas; numa palavra, que a sua ciência é muito ‘comezinha’, muito ‘terra-a-terra’! Os argumentos filosóficos, em princípio, como já vimos, não colhem abertamente nem por um nem por outro. É, pois, forçoso recorrer aos factos; e…, diz a mais elementar filosofia, contra factos não há argumentos.

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SECÇÃO III

FIXISMO = a Solução da Igreja?

Não interessa tanto, escreve Bergounioux, saber até que ponto chega e como está resolvida a questão do Evolucionismo. O que urge, sumamente, é que as almas não se transviem e percam a fé, devido sobretudo às admoestações dum fixismo fanático, o que, infelizmente, ainda hoje sucede. Saibam comunicar aos homens, ávidos de Ciência e Religião, que não compro-metem a Igreja e a crença católica, admitindo o evolucionismo. Interessa, portanto, que o transformismo não seja sinónimo de veneno e cicuta da fé ou crença dos católicos e cristãos. Quanto ao Evolucionismo como teoria científica e à sua admissão como verdade, exprime-se ainda o autor, temos a considerar quatro classes de pessoas: a) para os cientistas especializados, é o evolucionismo e não outra coisa; b) para os cientistas médios, é provável; não repugna absolutamente nada; c) para os homens ‘filotradicionalistas’, isto é, amigos fanáticos das tradições, cautela… ‘propter traditionem’; d) para os católicos ignorantes na ciência, é sinónimo de negação da fé. ─ Por isso, a Santa Igreja, qual mãe carinhosa, sempre vigilante e zelosa pelo bem espiritual dos seus filhos ─ a felicidade eterna que o seu divino Fundador lhe prometeu ─, afim de os não deixar perder ao sabor da sua ignorância, lança-lhes a tábua de salvação e ensina-lhes encarecidamente o fixismo, e, assim, para muitos, o naufrágio, que seria inevitável doutra forma, não se dará, e a brisa soprará branda e fagueira no mesmo sentido.

……………………….. (1): Cfr.: ‘Progrés ou Régrèssion?’, de F.M. Bergounioux; Livraria ‘Didier’; Paris ─ 1947; p.13.

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“Todavia, por outro lado, podemos perguntar com Bergounioux(1), porque é que certos meios espiritualistas, suficientemente instruídos na crítica, permanecem tão soberbamente hostis à própria ideia da evolução. ─ Será porque, há um século, as ideias transformistas sobre o desenvolvimento da vida e a sucessão dos seres parecia ser um corolário do dogma materialista? Será em virtude de uma longa tradição de pensamento, que tem percorrido infantilmente o mundo, numa sorte de actualismo estático e sem progresso? ─ Seja de que forma for. São, sem dúvida, atitudes de preguiça intelectual, das quais seremos réus, se nos deixarmos arrastar pela onda. ─ ‘Il faut vivre avec son temps’ ”.

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III PARTE

EVOLUCIONISMO ou FIXISMO?

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Este é o dilema geral e definitivo, que tem preocupado sábios e cientistas perspicazes, num mesmo esforço aturado de estudos entusiasmados e constantes, e que importa discernir em primeira plana. Evolucionismo ou Fixismo? Do exposto no decurso da Tese, podemos já concluir clara e logicamente pelo Evolucionismo ou Transformismo.

SECÇÃO I

EVOLUÇÃO ou FIXISMO? TESE nº 5 É, real e verdadeiramente, admissível o evolucionismo, no sentido mais extensivo: ─ Mas não poderá o evolucionismo abonar também em seu favor provas filosóficas? ─ Oh! certamente, como vamos verificar. Entretanto, não resistimos à tentação de transcrever o que, a este propósito, diz o sábio professor Pe Manuel Póvoa dos Reis(1), comentando Vittório Marcozzi. “Ora, não estando provada a existência de diferenças substanciais, entre os vários grupos de seres vivos do mesmo reino, permanece a possibilidade de se terem originado por evolução. A possibilidade do evolucionismo teista não fica, por conseguinte, excluída para aqueles grupos, nos quais não pode provar-se a existência de diferenças substanciais. ─ “Em seguida, o autor discute também a possibilidade da evolução entre os grupos substancialmente diversos, perante a doutrina tomista: ─ “Vejamos, agora, se a evolução teísta é possível no caso de, entre tais grupos, existirem realmente diferenças substanciais, e também entre os grupos, em que tais diferenças substanciais estão realmente provadas, como entre os viventes não-sensíveis e os viventes sensíveis, e entre os viventes inferiores ao homem e o Homem. ─ “O autor admite, neste caso, uma ‘força ou potencialidade’, acrescentada à

……………….. (1) ─ In ‘O Evolucionismo perante a Religião’; Coimbra ─ 1950; pp.8,9,10.

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natureza dos organismos, que não deverá considerar-se preternatural, no sentido teológico, mas ‘conatural’, enquanto acompanharia e completaria a natureza, sendo a cau-sa do aparecimento das novas formas necessárias à harmonia e ao equilíbrio do reino vivente; e conclui: ─ “Portanto, tais formas de evolução parecem conformes também com o pensamento tomista”. O autor corrobora ainda as suas palavras, alegando o ‘Imprimatur’ que a Autoridade Eclesiástica houve por bem conceder ao livro de Marcozzi e que a sua doutrina, portanto, de modo nenhum é heterodoxa. Até mesmo para a primeira produção de alguns seres, concordam os dois cientistas que “S. Tomás admitia a possibilidade duma acção ‘somente mediata’ de Deus e o ‘efeito de forças activas’, infundidas na matéria pelo Criador, quando diz:” “Certos seres preexistiram na obra dos seis dias, não só materialmente, mas também de um modo causal…”. Segundo o conhecido princípio de Teologia e Filosofia, ‘Deus age pelas causas segundas’, há mesmo conveniência em se admitir a evolução teísta. Sabemos já que o evolucionismo materialístico-mecanicístico é impossível teóri-ca e praticamente. Pelo contrário, o evolucionismo teístico, já parcial, já mesmo inte-gral, é filosoficamente admissível. “O motivo por que parece filosoficamente impossível o evolucionismo teístico, escreve o grande Marcozzi(2), é a repugnância da passagem de uma espécie a outra, donde se deduz a necessidade da intervenção imediata da Causa primeira para a produção de todas as espécies. E, realmente, se a passagem de uma espécie a outra é impossível e, por outro lado, as espécies aparecem, deve recorrer-se, pelo princípio de causalidade, à intervenção imediata do Criador, para explicar o seu aparecimento. Mas os filósofos costumam distinguir claramente a espécie sistemática da espécie natural”, cujas noções já vimos atrás. Verificamos assim que os factos da evolução se apoiam, basilarmente, pelo menos, em razões filosóficas ‘negativas’, antes de efectuarem as suas averiguações expe-rimentais. Posta a questão neste ponto, a Filosofia conclui, dentro dos seus autênticos limites, pela possibilidade de qualquer forma de evolucionismo teístico, e mesmo pela possibilidade da geração espontânea ou pela feitura do homem em laboratório. Com efeito, que mais revela a existência e o poder criador de Deus que uma geração espontânea?

………………… (2) ─ Cfr.: ‘La vita e l’uomo’; Milão ─ 1946; p.163.

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Razão tinha o ilustre professor Pe Póvoa dos Reis, no trabalho já citado, para es clarecer que a Evolução não se opõe directamente à Criação, mas que a última explica e completa a primeira. Não é, pois, com espírito revolucionário e totalmente apriorístico, mas com a alma aberta e franca, porém sempre criteriosa, às conclusões e averiguações de filósofos e cientistas, que ousamos dar o nosso parecer sobre a evolução, que, afinal, é o da maioria dos sábios actuais, numa ligeira e esquemática árvore genealógica:

N.B.: Observações: As vidas vegetativa e sensitiva e os seus respectivos princípios são, como sabemos, materiais e admitem a evolução; mas, já o sabemos também, a vida intelectiva e o seu princípio correspondente, a alma humana, são espirituais. Ora o espírito e a matéria opõem-se radical e absolutamente. Ou a matéria deixa de ser matéria e Deus deixa de ser Deus; ou o espírito deixa de ser espírito e Deus deixa de ser Deus. Portanto, uma passagem directa e imediata da matéria para o espírito equivaleria à fusão e união dos contrários e o indestrutível princípio de contradição ruiria pela base; em suma, essa transformação da matéria em espírito, o que igualaria as duas naturezas ou pelo menos as tornava compatíveis, comprometeria a Essência do próprio Autor da Vida.

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A Mobilidade postula o Criador!: ─ Para longe, pois, esse evolucionismo materialista, incongruente e ilógico, e… ‘aracional’! O movimento sincrónico da Terra, em torno de si mesma e em volta do Sol! O giro matemático e ordenado dos astros! O relógio que afinal é o mundo com a adaptação perfeita das suas partes e a coordenação de movimentos a reflectirem infalivelmente o trabalho de um agente pensador que dispôs tudo para realizar um fim definido e previsto! O firmamento, os céus, a vida, a força colossal do átomo! As belezas e maravilhas da Criação, quem as não conhece e apalpa?! E, porque contingentes, todas têm movimento. Dir-se-ia que o Divino Arquitecto as engalanou com este dote, de que a Sua Na-tureza não disfrutava. O rodopio constante dos homens, que tão bem se assemelham aos alcatruzes de uma nora, que vão aparecendo e subindo regorgitantes de água e de vida e, depois, se vão esvaziando, até mergulharem novamente na água donde saíram! E, enquanto uns sobem, os outros vão descendo!... Imaginar-se-ia que Deus está no centro, estático, sentado em riquíssimo cadeiral, a assistir e a reger as mudanças que as Suas criaturas executam, na periferia. Que mani-festações mais evidentes queremos indagar do Criador omnipotente???!!! Bem dizia o salmista: “Coeli enarrant gloriam Dei, et opera, manuum suarum anuntiat firmamentum”! Ó Senhor, quão estulto e louco é o ímpio que não crê em Vós! Tem olhos e não vê; ouvidos e não ouve; olfacto e não cheira; língua e não gosta; tacto e não palpa!!! Se é que temos razão, digamos todos à uma que o movimento proclama e exige necessariamente um motor imóvel, um Acto puro. Deste modo, a Ciência e a Fé abraçar-se-ão enternecidamente, como irmãs intimamente amigas e, ao som apoteótico da trompeta, cantarão, em harmonia suave e melodiosa, as grandezas de Deus.

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SECÇÃO II

A Evolução e a Doutrina Católica Depois de termos já tocado suficientemente a questão do Evolucionismo teo-finalístico perante a Filosofia, é conveniente e oportuno, embora tenhamos dito alguma coisa sobre o assunto, versar o tema ‘O Evolucionismo perante a Doutrina Católica’. “Não há necessidade, diz o Pe célebre Vittório Marcozzi, S.J.(1), de expor o que afirma a Doutrina Católica sobre o evolucionismo ateu; vejamos, pois, o que reza sobre o teístico. É ele, de facto, conciliável com a narração bíblica da criação?” O autor vai respondendo à pergunta, esclarecendo alguns pontos. Embora o texto sagrado nos faça transparecer o temperamento, o carácter e o estilo do autor, (melhor diremos do escritor, porque o verdadeiro e original autor é o Espírito Santo), como outro livro qualquer, todavia é absolutamente certo que não contém erros; é inspiração de Deus, a ‘Summa Veritas’, que não pode enganar-Se nem enganar-nos. O objecto primário da narração bíblica, isto é, o fim do Espírito Santo ao inspirar, foi, sem dúvida, ensinar-nos tudo o que é útil à nossa salvação ou sejam as verdades de ordem religiosa. Deste modo, são excluídas do fim primário as ciências profanas e as intenções do autor em transmitir à posteridade qualquer conhecimento científico. Mas o que diz o Génesis, sobre a origem dos viventes? Acerca da evolução ou criação dos viventes inferiores ao homem, o Livro Sagrado nada observa. Nem os seis dias da Criação se podem entender na nomenclatura moderna. O escritor, exprimindo as coisas divinas, à maneira humana, nunca podia ser exacto, mesmo que o pretendesse ser e a ciência o ajudasse. Acuradamente, escreve o glorioso Santo de Hipona que “nem sequer devemos atender, na decifração das coisas, à ordem do tempo, mas antes à da natureza e da doutrina”. O termo ‘espécie’ não é tomado, no texto Sagrado, na concepção em que o tem actualmente a nomenclatura científica. O autor sagrado, com a expressão ‘fecit Deus

………………………….. (1) In ‘ Evoluzione o Creazione?’; Milão ─ 1948; pp.224-238.

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bestias terrae juxta species suas’, simplesmente quis significar que todos os seres viventes se referiam a Deus, sem excepção alguma. Ora isto mesmo é defendido claramente pelo teofinalismo evolucionista. Quanto ao Homem, para a alma, a Bíblia fala expressamente de uma criação imediata; para o corpo, diz que Deus se serviu ‘de limo terrae’ (criação mediata, portanto, perfeitamente compatível, como já vimos, com o evolucionismo). Por outro, a produção do corpo do homem não foi criação propriamente dita, ‘ex nihilo sui et subjecti’. Por conseguinte, não queda destruída a hipótese da evolução, para explicar a origem do corpo humano, uma vez que se admite ainda uma intervenção imediata de Deus, na formação do corpo do primeiro homem. Assim, diríamos que este foi plasmado por Deus, não ‘immediatione suppositi’, mas ‘immediatione virtutis’. “Portanto, o livro da Revelação, de si, não basta para resolver o problema da origem do corpo humano. É necessário, pois, recorrermos ao livro da Natureza”(2). Ao fim e ao cabo, é óbvio concluirmos por um ‘acordo essencial’ entre a narração bíblica e as averiguações da Ciência. E, podemos acrescentar, até mesmo que, um dia, porventura, se viesse a fazer o homem em laboratório, nem mesmo com isso a nossa fé sofreria, contanto que se admitisse, para a alma, a criação imediata e directa de Deus. O que, porém, mais interessa ao homem, não é o corpo que se há-de desfazer em pó, mas a alma imortal, por cuja espiritualidade se assemelha a Deus; essa e só essa é que importa absolutamente ao seu fim eterno! ─ Por conseguinte, não se pinte mais o evolucionismo com as tintas negras e tétricas da heterodoxia, da revolução e do erro ─ paladinos vitoriosos de Satanás. Que a selva densa de trevas deixe penetrar as clareiras formosas de Luz benigna e aspirar os seus eflúvios criadores. “Le lent cheminement des êtres, leurs inconscientes recherches, le psychisme qui se dégage de tout vivant aussi humble soitil, marquent les étapes de la route qui, jalonnée d’échecs et de victimes, aboutira au triomphe de l’Esprit, à son incarnation, à sa prise de possession de la terre. Ce jourlá, la créature pourra lever son front vers la lumière: rivée à son obscure recherche, elle sentira fluer, au fond de son coeur, un sang généraux qui la poussera à dépasser les résultats de son humble labeur quotidien; par de là les effets, elle discernera les causes et, à travers les mille bruits vains et caducs, qui frapperont son oreille, elle percevra enfin le mystérieux appel de l’Amour Créateur”(3)!!!

……………………………. (2) ─ Marcozzi, op.cit., passim. (3) ─ Cfr.: Bergounioux: ‘Progrés ou Régression?’; Didier; Paris ─ 1947; p.17.

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EPÍLOGO

EVOLUCIONISMO E CATOLICISMO O Juízo católico sobre o Evolucionismo(1)

1º ─ Outrora quiz-se opor ao Evolucionismo a narrativa da criação, contida nos primeiros capítulos do Génesis. Mas, um estudo mais inteligente da Bíblia fez reconhecer que os textos sagrados não falavam cientificamente. O seu valor é de outra ordem, mais profunda. De modo nenhum eles obrigam a acreditar na criação individual de todas as espécies vegetais e animais, directa e imediatamente por Deus; pelo contrário, deixam a solução do problema aos cuidados dos sábios. Sobre este ponto que está hoje fora de discussão, não há necessidade de insistir. 2º ─ Depois das experiências de Pasteur e no estado presente dos nossos conhecimentos, deve dizer-se que todo o ser vivo procede de outro ser vivo; jamais se viu a vida sair da não-vida. Segue-se porventura daí que, nas origens em condições diferentes de pressão, temperatura, afinidades, etc., a vida não podia surgir duma matéria inanimada? Eviden-temente que não. Nós apenas devemos reconhecer que, actualmente, a ciência ignora como a vida apareceu sobre a Terra. Apoiando-nos, porém, nos conhecimentos presentes, nós inclinamo-nos a pensar que não houve evolução natural do não-vivente para o vivente; porque entre uma célula viva, por mais elementar que se suponha, e o substracto mineral, há um hiato imenso. Todavia, isto é um juízo científico, não um juízo teológico. A Teologia não proíbe que, nos laboratórios, se multipliquem as experiências, na esperança de produzir o protoplasma vivo. Se, contudo, um dia, a isso se chegar, não haverá de concluir senão que existem, na natureza inanimada, virtualidades mais complexas ainda que as que estudam a Química e a Cristalografia; que, definitivamente, o que nós chamamos matéria inerte não é realmente o que a aparência indica, e que, por conseguinte, a vida está nela já agachada em potência.

………………………. (1) ─ In ‘Catholicisme’ ─ (enciclopédia): vd. artigo ‘Évolutionisme de Bergounioux’.

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3º ─ Tem-se condenado, frequentemente, o evolucionismo, e muitas pessoas o fazem ainda ─ por trazer uma explicação materialista da vida. Erro grosseiro e de palmatória! Sem dúvida, os neo-darwinistas e grande parte dos neo-lamarckianos actuais são meca-nicistas. Mas trata-se de uma opinião filosófica, totalmente independente do facto da evolução. Nós, porém, devemos simplesmente constatar que há evolucionistas, em boa parte, materialistas e monistas, e outros, em boa parte também, criacionistas. Na realidade, o Evolucionismo é uma doutrina científica, não uma filosofia; ele deixa, efectivamente, intacta a questão de saber se o mundo pôde existir e pode subsistir hoje sem um Deus Criador. O dogma cristão da criação não está fundado sobre o facto que as espécies vegetais e animais teriam começado a existir independentemente umas das outras; tem a sua base no facto que todos os seres do mundo são contingentes, isto é, propriamente impensáveis sem a existência de um Ser necessário; ─ é o eterno princípio metafísico da razão de ser, no qual se fundem todos os restantes princípios e, em suma, toda a Metafísica. Na perspectiva do fixismo, a criação tornava o aspecto de numerosas inter-venções sucessivas; porque a aparição de cada forma vegetal e animal suporta um acto criador distinto. Na perspectiva do evolucionismo, a criação toma o aspecto de uma intervenção sem hiatos, como um acto único que se desenvolve e manifesta pouco a pouco. Este se-gundo conspecto não dará uma ideia mais grandiosa ainda da omnipotência divina? A perspectiva do Evolucionismo patenteia claramente a qualidade divina que Mgr. Bouyssonie chamava a ‘discreção de Deus’, a qual faz com que Deus, na Sua acção, aja quase sempre sem tropeços, ‘com ordem e medida’, sem recorrer continua-mente a milagres e a processos extraordinários. Desta maneira, a Sua causalidade trans-cendente só nos parece mais admirável. 4º ─ Na concepção evolucionista, de modo nenhum parece que Deus esteja ausente, por um instante que seja, da Sua obra; muito pelo contrário; Ele evidencia-Se-nos a dirigi-la constantemente para o seu termo que é o Homem e para a tomada de posse da matéria pelo espírito. Atendendo ao jogo das causas segundas, a aventura biológica devia realizar-se sem interrupções e sem termo próximo; havia tantas razões para que não subsistissem os primeiros viventes! Por isso, a evolução prosseguiu sem fadiga. Se existe o acaso nesta série de resultados, é razoável deslumbrarmo-nos com o número incalculável de cir-cunstâncias favoráveis necessárias a este harmonioso desenvolvimento. Há mais ainda: os genetistas mostraram-nos que as pequenas espécies (as únicas que têm um significado válido) são notavelmente estáveis e que, pouco a pouco, pelo jogo da mecânica cromossómica, perdem a sua plasticidade, ao ponto de morrerem; seria preciso, por conseguinte, que, para cada etapa, interviesse um anti-acaso, um ‘trapaceiro’ que liberte energias mesmo desconhecidas. A própria impressão duma ‘protecção activa’ da vida ─ duma ‘Providência’, co-mo dizem os cristãos ─ deduz-se do estudo das mutações. A maior parte delas são pere-cíveis; é, pois, unicamente ‘por acaso’ que, através de milénios, as que podiam vingar e ser úteis se conservaram, adicionaram, ordenaram para perfilar um novo tipo anatómico e dar à luz novos ‘filo-entes’? Como escapar, finalmente, à constatação de que a evolução é orientada, segue um plano? Uma finalidade bem alta, ao invés, se conclui do seu estudo.

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Sem dúvida que, dizer isto, é referir-se à interpretação filosófica; mas parece-nos que a realidade científica, longe de tornar impossível a passagem, exige-a. 5º ─ Finalmente, tomamos do R.P. Teilhard de Chardin, uma última nota que será a nossa conclusão: “O Cristianismo está essencialmente baseado nesta dupla crença ─ o homem é um objecto especialmente atormentado pelo poder divino através da criação, e Cristo é o termo sobrenatural, mas fisicamente assinalado à consumação da Humanidade. Pode desejar-se um panorama experimental das coisas mais de acordo com os dogmas da unidade, que aquele onde descobrimos seres vivos, não justapostos artificialmente uns aos outros, numa visão contestável de unidade e de conjunto; mas ligados uns aos ou-tros, a título de condições físicas, na realidade de um mesmo esforço para o ‘mais--ser’?”!!!

CONCLUSÕES I = Nunca a evolução poderá substituir, absoluta e radicalmente, a Criação. II = Na Questão da Origem do Homem, a Filosofia espiritualista e cristã deve defender apenas intransigentemente a espiritualidade e origem divina da alma humana. III = Limites normais do transformismo, enquadrado na ortodoxia católica: Geração Espontânea e o aparecimento da vida, no 3º grau, por evolução. IV = É absurdo o evolucionismo materialista e está em aberta contradição com os factos. V = O evolucionismo Teístico polifilético, que perfilhamos, é admissível no campo dos princípios e no dos factos.

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A ─ Consultada: ─ = Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira; ─ Editorial ─ Enciclopédia Limitada, Lisboa ─ Rio de Janeiro. = Agostinho Veloso: Fanatismo transformista; in Brotéria, Janeiro de 1955, pp.15-31. = Gordon Childe: O Homem faz-se a si próprio; colecção ‘A marcha da humanidade’; Edições Cosmos; Lisboa 1943. = F.M. Bergounioux: Évolutionisme; in Catholicisme hier, aujourd’hui, demain; enciclopédia em sete volumes, Paris. = Les Théories de l’Évolution, origines et Histoire du transformisme et des idées qui s’y rattachent, de Paul Ostoya; Payot, Paris ─ 1951. = Confissões de S. Agostinho; tradução do original latino por J. Oliveira Santos, S.J., e Ambrósio de Pina, S.J.; 4ª edição, Porto ─ 1952. = Apontamentos de Filosofia manuscritos ─ 7º ano, coligidos pelo autor. = Compêndio de Biologia; 2ª edição; Porto ─ 1952; de Américo Pires de Lima e Augusto Soeiro. = Lições de Ciências Geológicas, para o 3º ciclo dos Liceus; Porto ─ 1950; de Carrington da Costa. = História da Filosofia; 2ª edição, I e II vol.; Coimbra ─ 1952; de Franco Amério (tradução de Almeida Trindade. = Cursus Philosophiae ─ vol. II; de Carolo Boyer. = Elementos de Filosofia: 2ª edição; vol. I; Coimbra ─ 1894; de Tiago Sinibaldi. = Revista Portuguesa de Filosofia ─ Janeiro-Março de 1954 ─ Braga. = Revista Portuguesa de Filosofia ─ Julho-Setembro de 1946 ─ Braga. = Lumen: Setembro-Outubro de 1954 ─ Lisboa. = Ecclesia: nº 466; Junho de 1950 ─ Madrid. = Ecclesia: nº 461; Maio de 1950 ─ Madrid. = O Evolucionismo perante a Religião: Coimbra ─ 1950; de Manuel Póvoa dos Reis. = Vittorio Marcozzi, S.J.: La vita e l’uomo; Milão ─ 1946; e Evoluzione o Creazione?; Milão ─ 1948. = As Bases da Zoologia: colecção científica; Porto ─ 1943; de António Machado. = Jules Carles: Les origines de la Vie; colecção ‘Que sais-je?’; Paris ─ 1954. = Frédéric Marie Bergounioux: Progrés ou Régression?; Didier; Paris ─ 1947. = Dictionaire Apologétique de la Foi Catholique; 4º edição; Paris ─ 1911. = Dicionário Apologético da Fé Católica; 3ª edição; Porto ─ 1901; de A. D’Alès. = Manual de Apologética; 2ª edição; Porto ─ 1950; de H. Boulenger. = La Vie et l’Évolution des Espèces; 6ª edição; Paris ─ 1902; de Alberto Farges.

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B ─ Não-consultada, mas que podemos indicar com possíveis vantagens: = L. Cuénot & A. Tétry: L’évolution biologique; Paris ─ 1951; 592 pp. = Piero Leonardi: L’Évolutione dei viventi; Bréscia, Morceliana, 1952. = Henry de Dorlodot: Le Darwinisme, au point de vue de l’Orthodoxie Catholique; Bruxelas e Paris, Vromont ─ 1921. = Rev. J.A. Brien: Evolution and Religion; New York, Century Cª, 1932; 242 pp. = E. Cuyénot: L’origine des espèces; Paris, Presses Universitaires, collection ‘Que sais-jé?’, 1944; 128 pp. = J. Rostand: L’Évolution des espèces, Hachette ─ 1934. = Jules Carles: Le transformisme; collection ‘Que sais-je?’, 1952. = A. Veloso: Sentido Espiritualista dos fundadores do transformismo; ─ in Brotéria, 43 (1946), pp.170-180.

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BALANÇO CRÍTICO E REACTUALIZAÇÃO CRÍTICO-CULTURAL EM 2014

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ANTOLOGIA DE TEXTOS (extraídos da Obra de George Gaylord SIMPSON: ‘The Meaning of Evolution’, trad. para italiano por Bruna del Bianco, e editada pela Bompiani, Milano/1954, com o título ‘Il Significato dell’Evoluzione’. Trata-se de uma Obra concebida e estruturada em torno do que na década de ’50 do séc. XX dava pelo nome de ‘Teoria Sintética’.

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Três Notas Preliminares A) A nossa Obra ‘EVOLUCIONISMO ou FIXISMO?’ havia sido apresentada ao júri, no 8º Ano/terminal do Curso de Filosofia, no Seminário Maior de Coimbra, em Maio de 1955. Tinha o seu Autor 19 anos. Foi avaliada pelo Prof. de Filosofia, Dr. António Alves de Campos, e pelo Prof. Pe Póvoa dos Reis (prof. de Biologia e Ciências Naturais e orientador da Tese), em 20 de Junho de 1955, na categoria de excelente e excepcional. B) Em Outubro de 1955, o Autor foi escolhido pelo Arcebispado de Coimbra para seguir rumo à Univ. Gregoriana, em Roma, para frequentar o curso da Licenciatura em Teologia. No período das férias do Natal de 1956, o Autor resolveu solicitar uma avaliação crítica da Obra ao Prof. da Gregoriana, Vitorio Marcozzi (especialista em ciências da Evolução e Antropogénese). Em 24 de Janeiro de 1957, recebeu telefonema do referido Prof. para lhe comunicar o seu veredicto final: tratava-se de uma Obra de grande amplitude cultural, que merecia ser dada a público e editada por uma grande Editora; só considerava conveniente a sua ‘actualização’ com as referências à obra de G.G. Simpson, e à sua ‘Teoria Sintética da Evolução’, que a Bompiani havia editado em 1954. Até à Páscoa de 1957, lemos atentamente a Obra de Simpson, e sublinhámos perícopas e textos mais longos. A selecção de textos, que hoje aqui vos apresentamos, ainda constitui o trabalho e a preocupação que então tivémos. C) Com efeito, a ‘teoria sintética’ (como nós acabámos por constatar, no seguimento da leitura atenta da obra de Simpson), já nós estávamos, de algum modo, a praticá-la in actu exercito (não in actu signato); na verdade, ao exigirmos, na nossa obra de há quase seis décadas, uma interpretação global crítica do Processo de Evolução da Vida, ou seja, a necessária articulação e união das duas vertentes ou dimensões, actuando uma sobre a outra, pela positiva ou pela negativa, (expressas nas duas correntes conhecidas das Ciências, a do Darwinismo e a do Lamarckismo), por um lado, da ‘struggle for life’ individual, e por outro, do ‘milieu’/meio ambiente (dimensão ecoló-gica), nós já estávamos a aplicar a gramática, in actu exercito, da ‘Teoria Sintética’. Atribuíamos, assim, razão (científica) e legitimidade (axiológica), tanto à vertente 'verti-cal' (Genética, ADN, Código genético, que, desde a década de ’50 do séc. XX, têm vindo a ser estudados e aplicados na medicina forense e na investigação da história dos povos e das populações humanas), como à vertente ‘horizontal’ dos meios-ambientes mais

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adequados para o desenvolvimento e a evolução dos seres vivos, em geral. Procurando desfazer mitos e crenças erradas que, pelo menos, desde há ca. de dois séculos, têm alimentado polémicas ferozes entre ‘criacionistas’ e ‘fixistas’, dum la-do, e do outro, evolucionistas (então, em Portugal, os corifeus do Fixismo eram os jesuítas da Rev. ‘Brotéria’… não esquecer que, ainda hoje/2014, mais de metade das populações dos USA, se confessa ‘criacionista/fixista’) a razoável amplitude cultural/ /crítica do nosso Trabalho de 1955 procurava dar resposta a toda uma Floresta de Problemas e Enganos, que, mesmo nos tempos hodiernos, ainda não foram adequadamente resolvidos e aplacados. Não esquecer, neste painel, que os próprios cientistas, na Cultura Ocidental, continuam a sua ‘cegada fideísta’, valorizando o chamado ‘Bosão de Higgs’ como o espaldar último da confirmação do Deus extrínseco e transcendente, criador de todo o Universo, no horizonte da mitologia bíblica!... Foi, justamente, nesse horizonte criticista, que o C.E.H.C., fundado e erguido a partir dos inícios da década de ’90 do séc. XX, sempre se empenhou, em termos estruturais, ao estudar criticamente o Processo Evolutivo do Psico-Sócio-Ânthropos, em proclamar 4 Teoremas, que são Princípios fundamentais a ter em conta: A) A espécie humana plena e completa reside no paradigma antropogenésico do ‘Homo Sapiens// //Sapiens’, ─ não no do ‘Homo Sapiens tout court’. B) Este ─ como a História demonstrou, desde há cinco milénios e meio, i.e., desde os primórdios do Processo das Civilizações ─ não foi capaz de atingir o patamar que entrosasse hominização e humanização, ou seja, a edificação da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. C) O paradigma do ‘Homo Sapiens tout court’, mantendo separados por abismos (metafísicos…) a Liberdade e o Poder, limitou-se a praticar a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. D) Em conclusão, o que se verificou, ao longo da PsicoSócio-História, foi que o Processo Civilizatório entrou em contradição frontal com a biológica/natural Evolução da Psico-Sócio-Antropogénese. Curiosamente, e porventura sem o saber com tal amplitude, foi precisamente este processo abortivo que Simpson quis prevenir e evitar, no núcleo duro da sua Teoria Sintética, ao propor e asseverar: a Evolução biológica/antropogenésica prossegue o seu caminho ascendente, mesmo quando a Sócio-História deu, definitivamente, entrada nos processos das culturas e das civilizações. O que certamente Simpson nunca esperaria era a triste sorte de o Processo Civilizatório ter entravado e entupido a psico-sócio-antropogénese dos Humanos e da Humanidade. Como veio a ocorrer!...

* Selecção de textos, a partir da obra em referência de G.G. Simpson:

─ Logo no Prólogo (op. cit., p.14), o Autor esclarece o seu horizonte cultural/crítico global do seguinte modo: “O fulcro dos problemas em torno dos quais este estudo se desenvolve é a escolha entre o materialismo e o vitalismo; omitir esta vertente seria o mesmo que representar o Hamlet sem a personagem do Príncipe da Dinamarca”. Como, porém, continua válido, na ‘Filosofia Perene’, o axioma ‘Veritas filia temporis’, também o Autor continua vítima da religião (sem qualquer outra advertência), ─ o que não pode ser hoje o caso, em Tempos de Pós-Modernidade positiva e crítica, como nós a balizamos e definimos no C.E.H.C..

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Escreveu ele (pp.12-13): “Contudo, eu con-sidero hoje evidente, sem necessidade de discussões ulteriores, que a evolução e a vera religião são compatíveis entre si. É até suficientemente claro que a ciência, por si só, não pode atingir todas as verdades, desvendar todos os mistérios, ou exaurir todos os valores, e que há ainda, em nós, muito lugar e necessidade de verdadeira religião”. Ora, hoje em dia, diríamos que a invocação da Religião é um discurso contro-verso e um tema híbrido, visto que ela, não sendo já constituída como parte integrante da Filosofia elementar, foi homologada nos espaços imperialistas das Religiões Institucionalizadas, onde os crentes/fiéis funcionam segundo o catecismo do Rebanho hu-mano. Eis por que nós temos dito, com frequência, que K. Marx se enganou ao proclamar a religião como ‘ópio do povo’. O vero ‘ópio do povo’ é a Religião Institucionalizada, que, recorrendo habitualmente à linguagem metafísica ou mitológica, se constitui como baluarte de todos os Poderes Estabelecidos, bloqueando, absolutamente, a constituição de um vero e autêntico Projecto de Democracia, o único regime político de Seres Humanos autónomos, dotados de Liberdade e Consciência crítica e reflexiva. A intuição e o programa do livro em causa foram cuidadosamente concebidos e estruturados pelo Autor, quando assevera, interrogando (no Prólogo, p.16): “Que aconteceu no curso da Evolução da Vida? Como se produziu tudo isto? Que significado tem tudo isto em relação à natureza do homem, dos seus valores e regras morais e do seu possível destino?” O Livro foi escandido e estruturado em três partes distintas, a saber: Primeira Parte: O Curso da Evolução (pp.19 e ss.); Segunda Parte: A Interpretação da Evolução (pp.161 e ss.); Terceira Parte: Evolução, Humanidade e Ética (pp.355 e ss.). Sobre a organização conceptual da Obra, o Autor é claro e taxativo, logo no Prólogo (p.16): As 3 partes estão ordenadas, como se impõe: “As três questões são progressivas e não independentes. A resposta à segunda requere uma resposta precedente à primeira. A terceira, a mais importante, depende das respostas dadas à primeira e à segunda”. Metodologicamente e em termos epistémicos/axiológicos, não se poderia esperar melhor caminho. ─ G.G.S. não se cansa de insistir na tese seguinte, ao longo do seu livro (p.426): “Temos também necessidade de reconhecer a importância suprema do conhecimento da evolução orgânica e social. A esse conhecimento devemos quase tudo quanto sabemos sobre o nosso lugar no Universo, e ele mesmo deverá guiar-nos, se tivermos de controlar a evolução futura do género humano”. Em suma, o Trabalho sério e exaustivo de investigação sobre a Problemática da Evolução da Vida e dos Humanos e seu lugar no cosmos, do Prof. norte-americano, beneficiou abundantemente, do ponto de vista científico, do vasto material recolhido no Museu americano de História natural, que lhe permitiu uma nova e profunda inter-pretação da Natureza e dos Humanos, cerzindo, desta sorte, uma verdadeira e autêntica História global da Vida; ao mesmo tempo, em virtude de uma boa e adequada Formação humana e crítica do Autor, o Processo da Evolução da Vida pôde resultar bem conseguido, nos quadrantes da Ética e da Axiologia. Tornou-se, em resumo, uma obra verda-deiramente paradigmática. No Epílogo/Sumário do final do Livro, escreve, salomonicamente, o Autor (op. cit., p.427): “A nossa foi, por conseguinte, uma longa viagem através das estradas do tempo, justamente até ao ponto em que nos encontramos, onde o género humano aguarda, ao mesmo tempo, com pressentimento e com esperança, perante as névoas do futuro. Acompanhámos um bilião de anos da história da vida; examinámos alguns dos processos, através dos quais, a vida veio a mudar e a desenvolver-se; e chegámos, finalmente, à consideração de nós próprios ─ a única forma de vida que sabe deter uma história ─, de nós próprios animais pensantes, responsáveis e éticos”.

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Há predicados essenciais, que podem caracterizar, desde logo, um Autor e uma Obra. Entre eles, está, sem dúvida, o ‘amor veritatis’, que leva o investigador a assumir, por inteiro, a sua responsabilidade mediante escolhas racionais e fundamentadas, não cedendo a confianças incondicionadas. De resto, um dos postulados adoptados pelo Autor é, precisamente, o de que não se tem eticamente o direito de julgar, sem dispor de bases para um juízo (cf. ibi, p.429). O princípio do contraditório deve ter o seu lugar, em todos os procedimentos científicos, e nas Sociedades humanas, em geral. ─ A propósito do problema central/nuclear do Processo da Evolução, a saber, se ele está marcado de princípios universais e naturais, de índole materialística, ou se, a partir dos inícios da Vida, ele ficou chancelado por princípios peculiares, de ordem vitalística, implicando, no seu transcurso, um plano, ─ o Autor limita-se a asseverar que não há uma direcção marcada. E, sabiamente, resolve a quaestio, como segue (op. cit., pp.432-433): “O que, pelo contrário, nos sugerem as provas é que a força, que deter-mina a orientação na evolução, não é, nem interna nem externa aos organismos interessados; mas é, antes, esta interacção dos factores externos e internos, que produz a adaptação ao género de vida e ao ambiente”. “Ainda que muitos detalhes não tenham sido ainda elaborados, é já bastante evidente que todos os fenómenos objectivos da história da vida podem ser explicados por meio de factores puramente materialísticos. Estes são facilmente explicáveis, na base da reprodução diferenciada nas populações (o factor principal segundo a moderna concepção da selecção natural) e da interacção, principalmente casual, dos nossos processos de hereditariedade. As teorias finalistas e vitalistas, não só não conseguem explicá-los, como se acham nitidamente em contraste com eles” (idem, ibi, pp.433-434). ─ G.G.S. admite, assim, que o homem não foi projectado, no Processo da Evolução. “É todavia errado dizer que ele é, tão só, um acidente, ou nada mais que um animal [entre os Primatas]. Entre todas as infinitas formas de matéria e de vida sobre a Terra, ou, pelo que sabemos, no universo, o homem é único. Ele representa a forma mais alta da organização da matéria e da energia, que alguma vez tenha aparecido. […]. “Faz parte desta sua condição única o facto de que no homem tenha início uma nova evolução, que supera e domina largamente a velha evolução, que, apesar de tudo, perdura sempre nele. Esta nova forma de evolução opera na estrutura social, assim como a velha opera na estrutura da população que se reproduz; e essa funda-se no saber, na herança do conhecimento, do mesmo modo que a velha se funda na hereditariedade física. A possibilidade de tal evolução surgiu da inteligência do homem e da relativa flexibilidade de correspondência. As suas reacções dependem, bastante menos das dos outros organismos, dos factores físicos herdados, e muito mais do saber e da percepção das situações imediatas e novas. “Esta flexibilidade acarreta consigo o poder e a necessidade de uma escolha contínua entre diferentes modos de agir. O homem faz projectos e tem escopos. Projecto, escopo, fim, todos eles ausentes, até agora, da evolução, são introduzidos com a chegada do homem, e são inerentes à nova evolução, que é limitada ao homem” (Op. cit., pp.435-436). É justamente esta condição psico-sócio-antropológica, que permite articular, sem hesitações, como fazendo parte da ‘nova evolução’, as duas vertentes da organização societária. O Autor é claro e insofismável, ao asseverar (op. cit., p.401): “O aparente contraste entre a socialização e a individualização, na realidade, não existe; e a ideia de uma escolha entre as duas não apresenta verdadeiras alternativas. A individualização é um meio de socialização e a socialização oferece maiores oportunidades para a individualização. ─ Até parece que o Autor já intuía o que J.K. Galbraith veio a demonstrar nos anos ’60 do séc. XX: Os regimes ditos

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comunistas do séc. XX não constituíram ne-nhuma Alternativa ao Sistema capitalista, uma vez que não passaram de uma simples variante deste: capitalismo monopolista de Estado. No horizonte da nova evolução, o Autor soube discernir e articular, meticulosamente, a socialização (boa) e a individualização, excluindo, por sistema, a chamada ‘fé cega’, que é contraditória com o plano da articulação das duas primeiras. G.G.S. exprime-se como segue (ibi. pp.438-439): “A responsabilidade e a ética do conhecimento têm muitos corolários éticos, entre os quais o de que a fé cega (devemos sublinhar os dois adjectivos: ‘cega’ e ‘irracional’) é moralmente um embuste. Em relação com a alta individualização ─ um outro carácter/diagnóstico humano ─ as éticas que daí derivam incluem a bondade do mantenimento de tal individualização e a promoção da integri-dade e dignidade do indivíduo. A socialização, processo humano necessário, pode ser boa ou má. Quando é eticamente boa, ela é fundada (e por sua vez produla) na máxima possibilidade total para uma individualização eticamente boa”. K. Marx também já sabia que é justamente na área da comunidade que a individuação social se processa e aprofunda. Na mesma perspectiva, o nosso Autor não receia afirmar e defender (ibi, p.439): “Mais: a variabilidade e a flexibilidade dos indivíduos são, em si mesmas, desideráveis, tanto do ponto de vista da ética como do da evolução, seja ela biológica ou social”. G.G.S. não deixou de esboçar pontos cruciais, em que via de regra ninguém pensa, ao escrever o parágrafo seguinte, atinente particularmente à chamada evolução (ou involução?!...) social (ibi, p.439): “Para além dos argumentos desta pesquisa, há mistérios ainda mais profundos, não desvendados pela paleontologia nem por qualquer outra ciência. Os confins do que pode ser conseguido pela percepção e pela razão são respeitados. O estado actual [ o Autor escrevia na década de ’50 do séc. XX… Que diria ele, hoje?...] de caos da humanidade não é causado, como sustentam alguns zelotas, pela falta de fé, mas por uma fé demasiado irracional e pelas fés demasiado contrastantes dentro destes confins, onde tal fé não deveria ter lugar. Somente o conhecimento huma-no responsável poderá reduzir à ordem o caos actual”. Duas observações a respeito desta perícopa central: A) A pouco e pouco, o exercício atento e pertinaz da Racionalidade leva o próprio Autor à admissão, implícita, da superação das Religiões Institucionalizadas, como a ‘fons et origo’ de todos os males morais advindos às Sociedades humanas. B) Parece resultar igualmente óbvio que o Autor converge, substantivamente, com a mundividência do C.E.H.C. e a Cultura que ele propõe e proclama: a da Liberdade Responsável primacial e primordial. Enquanto, de facto, não se cumprir a gramática humanizadora do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, há-de prosseguir a Cultura da PotestasDominação d’abord, ao serviço do esquizofrenado ‘Homo Sapiens tout court’. ─ O pressuposto que, na sua Obra, G.G.S. mantém sempre presente e incontornável: o Fenómeno unitário da Vida, que leva, inclusive, à admissão de inteligência (em maior ou menor grau) em todos os animais. Exprimiu-se como segue (op. cit., p.103): “Não tentarei definir a inteligência ou discutir com quem nega pensamento e consciência a todos os animais, com excepção do homem. Parece-me sensato, e também científico, admitir que a habilidade de aprender, o mudar de atitude de acordo com a situação e outros elementos controláveis do comportamento animal reflectem os seus graus de inteligência, e permitem-nos, embora de modo grosseiro, comparar esses graus entre si”. Torna-se, assim, patente, não só a unidade da Vida, mas igualmente do processo da sua Evolução. Escreve G.G.S.: “A primeira grande lição que aprendemos da evolução foi a da unidade da vida. Uma das grandes conquistas éticas do primeiro cristianismo e de algumas outras religiões foi o reconhecimento, no plano dos princípios, da fraternidade dos homens. Enquanto rebatia algumas outras conclusões dos teólogos cristãos e não cristãos, a confirmação da verdade da evolução estabeleceu esta doutrina como facto científico. Tal confirmação

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conduziu, ulteriormente, a uma conclusão de nível mais elevado, refutada por muitos teólogos cristãos (muito embora ela constitua mais uma intensificação do que uma negação dos fundamentos da filosofia cristã), e foi entrevista, ainda que imperfeitamente, por algumas outras religiões. Não só os homens são irmãos, mas todas as coisas existentes confraternizam mesmo no sentido real, material, que todas emergiram da mesma fonte e se desenvolveram no enredo divergente de um mesmo processo” (op. cit., p.355). Eis por que a unidade da Vida postula o próprio ordenamento adequado e a imbricação das diferentes ciências subdivididas: “A subdivisão geral das ciências em físicas, biológicas e sociais corresponde a três níveis de organização de matéria e energia, e não só a níveis diversos, mas também a tipos de organização completamente diferentes. As três ordens vão aumentando fortemente de complexidade, e cada uma inclui os graus mais baixos. “A organização vital é mais intrincada do que a organização física, e acrescenta-se, não se substitui, à organização física, que é também plenamente implicada na organização vital. A organização social conserva e acumula as complicações de ambas, e a essas acrescenta as suas próprias complexidades ainda maiores” (idem, ibi, p.395). O processus acumulativo das complexidades, na Evolução, é atingido, supremamente, no patamar do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ (como nós dizemos no C.E.H.C.), na Evolução da Humanidade, com o advento (primacial, definitivo) da Ética. G.G.S. invocou (aí, no início da Terceira Parte: p.353) um parágrafo de R.R. Williams (de ‘Natural Science and Social Problems’), que diz o seguinte: “De todo o nosso estudo da ciência, deveremos, nós todos, ter extraído, não só o saber, mas também uma certa sabedoria sobre o valor das coisas, que possamos aplicar nas relações humanas. É evidente que tal sabedoria deveria chegar-nos, sobretudo, de uma consideração dos processos da evolução, uma vez que foi por meio de tais processos, de acordo com o que pressupõem todos os cientistas, que o homem desenvolveu as suas forças actuais". ─ Em torno da estruturação da chamada ‘Teoria Sintética’. No frontispício da Segunda Parte, G.G.S. transcreveu (ibi, p.159) um passo importante de J. Arthur Thomson (na sua primeira conferência ‘Terry’, Concerning Evolution), sobre a problemática da Interpretação da Evolução. Diz o seguinte: “Ficar satisfeito com a resposta dada pela religião ─ sempre pronta a fornecer uma almofada fofa aos preguiçosos ─ significa deixar irresolvido o problema científico, e não há maior culpa do que esta. Resultaria numa venda da própria primogenitura, não por um prato de comida, é verdade, mas pela tranquilidade. Por isso, o homem é leal consigo próprio, quando insiste em questionar-se: de que modo este maravilhoso edifício da Natureza animada conseguiu ser como é?”. Ora, é justamente nesta órbita crítica (não religiosa nem fideísta), que G.G.S. pode escrever o que segue (op. cit., p.350): “Não há necessidade, nem qualquer escusa para sustentar uma intervenção não material, na origem da vida, na emergência do homem, ou em toda e qualquer outra parte da longa história do cosmos material. Mais: a origem deste cosmos e os princípios causais da sua história permanecem inexplicados e inacessíveis à ciência. Aqui, permanece escondida a Causa Primeira, procurada pela teologia e pela filosofia. A Causa Primeira não nos é conhecida; e temo que ela jamais será conhecida a algum homem vivente. Podemos ─ caso queiramos ─ adorá-la ao nosso modo, mas não, certamente, compreendê-la”. Dir-se-ia que estamos, aqui, no horizonte filosófico-crítico dos Gnósticos judeo-cristãos primevos, que, no lugar do Deus criador do cosmos, preferiam ver, sarcas-ticamente, o ‘Demiurgo’, que está nas origens de coisas boas e más!... O próprio Jesus/o nazorêu preferiu dirigir-se a um Pai (universal para todos os Humanos). Não esquecer, aqui, que tudo quanto as

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gramáticas teológicas possam dizer da Divindade, ─ é sempre um Homem que o diz ou revela!... Sobre o significado e as implicações do que o próprio Autor chamou (correctamente) ‘a nova evolução’ (cf. ibi, p.417): “A invenção, por parte do homem, da nova evolução, fundada na herança do saber e elaborada em estruturas sociais, não eliminou nele a velha evolução orgânica. A nova evolução continua a agir em colaboração com a velha, e a depender em grande parte dela. A direcção do curso de uma influirá, inevitavelmente, no da outra, e a evolução poderá ser mais eficaz se as duas direcções forem coordenadas. Isto implica um possível (muito embora não necessário, segundo creio) conflito. A direcção da evolução social, sempre que esta haja adoptado uma, segue necessariamente algum princípio ético, assumido como norma. Uma tal direcção torna-se mais difícil, e com menores resultados, se os princípios éticos seguidos, como os discutidos no capítulo precedente, sustentam que é mal impor a arregimentação ou a não necessária constrição dos indivíduos”. Sobre o embuste das ideologias autoritárias, no comando das Sociedades, o Autor é muito claro (ibi, pp.405-406): “A ideologia autoritária é um engano. O fundamento da autoridade em bases fixas, sem um controlo constante e uma revisão periódica, implica inevitavelmente uma tentativa de delegar em outros a não delegável responsabilidade e de subtrair-se à responsabilidade pelas consequentes acções de quem é delegado. Esta é uma negação, eticamente errada, da responsabilidade pessoal ínsita na própria natureza do homem. Tal sistema conduz, inevitavelmente, ao desfrutamento de todos por parte do chefe autoritário e ao desenvolvimento de uma hierarquia, onde cada grupo mais alto desfruta dos que estão na móde-baixo. Este é um desenvolvi-mento moralmente errado de alguns indivíduos, que não convivem com outros, mas a expensas dos outros”. ─ Em suma, o Autor está a fazer pontaria para a Interioridade do Psico-SócioÂnthropos, para o Princípio primeiro da Autonomia individual-pessoal, da Consciência livre e responsável (na linha dos Gnósticos!...). “É responsabilidade de cada indivíduo escolher aquelas direcções que ele assume como justas para a evolução social e para a evolução biológica. Com o aumento do conhecimento e a sua difusão, dever-se-ia obter uma unanimidade suficiente nestes pontos, de modo que o efectivo movimento evolutivo ocorra através de acções voluntárias individuais” (idem, ibi, pp.417-418). A verdadeira Alternativa societária, a vera Revolução… só por esse caminho se podem concretizar. A emergência do Homem, no Processo da Evolução da Vida, não foi insignificante nem inevitável. “O homem surgiu realmente, no encalço de uma sequência tremendamente longa de eventos, em que se conjugaram acaso e orientação. Não foi somente o acaso que favoreceu o seu aparecimento, e não teria podido, por si só, produzir um resultado semelhante, mas o acaso também contribuiu. A orientação não se manifestou sempre na direcção do homem, e não conduziu em linha directa ao homem, mas tomou em parte essa direcção. O resultado constitui, realmente, a organização de matéria mais altamente dotada, que alguma vez tenha aparecido na Terra, e por certo não temos boas razões para acreditar que, no universo, haja algumas mais altas. Assumir como insignificante um tal resultado seria indigno de um ser dotado de tão altas qua-lidades, entre as quais há um sentido dos valores” (idem, ibi, p.369). O Homem é o único animal ético, par excellence. E, para o C.E.H.C., é-o duplamente: a) no concernente à epistéme adequada à sua nova condição de ‘Sapiens// //Sapiens’; b) no que tange as escolhas concretas, a axiologia e os valores à escala da Humanidade e à escala do Cosmos inteiro. Foi dito solenemente pelo nosso Autor (ibi, p.391): “O significado que nós estamos indagando na evolução, é o seu significado para nós, para o homem. As éticas da evolução devem ser éticas humanas. Uma das múltiplas qualidades exclusivas do homem, novo tipo de animal, é que ele é o único animal ético. A necessidade de uma ética e a satisfação de tal

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necessidade são, também elas, produtos da evolução, mas foram produzidas somente no homem”. Toda esta gramática crítica global da Evolução tem sido ignorada ou desprezada, ao longo do Processo histórico das Civilizações, nos últimos cinco milénios e meio, onde predominou o patriarcalismo/machismo, a divisão esquizofrenada entre os dois mundos (em resultado do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo; e, cumulativamente, imperou a conhecida condição do ‘Homo Sapiens tout court’. ─ Sobre os bens e os males do Darwinismo (hegemónico). G.G.S. deu-se, igualmente, conta deste conjunto paradoxal de predicados, decorrentes da Teoria/doutrina darwiniana. Como nós, já, aliás, o pressentíamos no nosso Trabalho originário, na medida, precisamente, em que, para um Teoria/doutrina completa da Evolução, nós exigíamos, em resumo, a boa e adequada articulação das duas correntes: lamarckismo e darwinismo. Escreveu o nosso Autor (op. cit., pp.279-280): “A selecção natural, tal como foi entendida no tempo de Darwin, acentua a ‘luta pela existência’ e ‘a sobrevivência dos mais aptos’. Estes conceitos tiveram repercussões éticas, ideológicas e políticas, que foram, e continuam a ser, em alguns casos, desgraçadas, para não dizer mais. Os próprios estudiosos modernos da evolução nem sempre têm sabido corrigir completamente os malentendidos produzidos por tais slogans. Deveria, finalmente, resultar como evidente que o processo não se funda na ‘existência’ ou na ‘sobrevivência’; não de certeza, quando ele é aplicado aos indivíduos, e nem sequer em via intensiva ou explicativa, quando ele é aplicado às populações ou às espécies. Essa funda-se na reprodução diferenciada, que é coisa inteiramente diferente. Esse não favorece nitidamente ‘os mais aptos’, a menos que não se queira contornar o obstáculo definindo como ‘mais aptos’ os que detêm progénie mais numerosa. De facto, favorece realmente aqueles que têm prole mais numerosa, ou seja, em geral os melhor adaptados às condições em que se encontram, ou os mais hábeis em colher a oportunidade ou a necessidade de adaptar-se a outras condições existentes: o que pode ou não pode querer dizer que são os ‘mais aptos’, segundo o significado atribuído a esta palavra. Para dizer mais: a correlação entre aqueles que têm maior progénie, e são portanto realmente favoritos pela selecção natural, e os melhor adaptados, ou mais aptos a mudar-se, não é nem perfeita nem invariável; é tão só aproximativa e habitual”. Os quatro factores principais, que, segundo Darwin, intervêm no processo da Evolução (e ordenados segundo o seu grau de importância): a) a selecção natural; b) os efeitos hereditários de uso e desuso; c) a acção directa, operada sobre o organismo, por parte das condições externas; d) e ‘variações que, a nós, na nossa ignorância, parecem surgir espontaneamente’. A selecção natural, na época de Darwin, fora entendida com tal predominância, que compendiava toda a inteira teoria de Darwin, e a própria adaptação era explicada mediante a selecção natural, como ainda hoje acontece. (Cf. idem, ibi, p.337). Darwin foi um dos maiores génios da história, e está colocado entre os grandes heróis do progresso intelectual do homem. Ele merece um tal posto, antes de tudo porque estabeleceu definitivamente que a evolução era uma realidade, não uma especulação ou uma hipótese possível para a pesquisa científica. O seu segundo grande mérito foi a correcta identificação de um elemento fundamental no surgimento da adaptação: a selecção natural. Contudo, deve observar-se que o conceito moderno de selecção natural foi consideravelmente ampliado e revisto, e já não é exactamente o de Darwin. Este reconheceu o facto de que a selecção natural operava por meio da reprodução diferenciada, mas não identificou estes dois fenómenos como um só. Na teoria moderna a selecção natural é a reprodução diferenciada, mais a complexa

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intervenção, em tal reprodução, da herança, da variação genética, e de todos os outros factores que têm in-fluência na selecção e determinam os seus resultados. No sistema de Darwin, a selecção natural era a eliminação, a morte do não apto e a sobrevivência do apto na luta pela existência, um processo (este) que faz parte da selecção natural, mas que não constitui essencialmente tal selecção, e não é a sua parte mais importante.” (Idem, op. cit., pp.337-338). Na verdade, C. Darwin (1809-1882: o génio que acabou por edificar a Evolução da Vida, em termos científicos, na modernidade ocidental) foi, em toda a sua obra, mais sensato e perspicaz, e amigo da perspectiva holística, muito mais do que se imagina. Quanto ao Darwinismo, que foi posteriormente proclamado e divulgado, com fortes e pesados estigmas ideológicos, ele veio a padecer dos mesmos parcialismos e extremismos que a moderna metodologia mecanicista de René Descartes. Como temos expli-cado e desenvolvido em vários livros do C.E.H.C., a Modernidade Ocidental foi cau-terizada e viciada e auto-destruída, desde logo, pelas cartilhas do Monismo Epistémico e do que nós chamamos a religião laica do Objectivo-Objectualismo. A Cultura ocidental, assim construída e arquitectada e posta a funcionar, não podia senão dar livre curso e alimentar a sempiterna Cultura/Civilização (imperialista) do Poder-Domi-nação d’abord. ─ Evolução e Progresso. Progresso é a mais complexa, hipócrita e mistificadora noção, que o Processo civilizatório inventou!... Muito particularmente, o séc. XX começou a proceder ao balanço crítico dessa noção. A respeito da problemática do Progresso, se o Processo da Evolução da Vida tem algo a revelar e a ensinar, é que há muitas e quase infinitas direcções/orientações, susceptíveis de serem assumidas. O que, porém, é preciso saber e ter presente, uma vez atingido o patamar do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, é que a Espécie Homo não se tornou o ‘Master’ do Universo. Há dados (objectivos) naturais e equi-líbrios cósmicos a respeitar e a ter em consideração. A perspectiva do nosso Autor sobre a matéria em causa já é suficientemente clara e firme para fazer caminho. Ei-la (ibi, p.329): “Para concluir, a evolução não é acompanhada invariavelmente pelo progresso, nem o progresso parece ser a sua característica essencial. O progresso verificou-se na evolução, mas não constitui a sua essência. À parte a tendência geral da vida a expandir-se, tendência de resto inconstante, não se pode afirmar em nenhum sentido que a evolução é progresso. No âmbito da história evolutiva da vida, não existiu um único tipo, mas muitos tipos diferentes de progresso. Cada um deles não se manifesta numa linha isolada, ou também numa linha central, que se venha ramificando ao longo do curso da evolução, mas separadamente, em muitas linhas diferentes. Estes fenómenos aparecem plenamente conformes à teoria materialística da evolução, prospectivada no cap. precedente (e, de facto, eles podem ser explicados facilmente por meio de tal teoria). Certamente que eles não estão em concordância com a existência de um princípio superior de perfeição, com o conceito de um fim na evolução ou com o controlo da evolução por parte de factores autónomos, de um princípio vital comum a todas as formas de vida”.

* ● Sob o signo do livro desassombrado e contundente de Rupert Sheldrake: ‘THE SCIENCE DELUSION’ (Coronet, London, 2013), que bem pode constituir o Em-blema da nova Idade (em que já nos encontramos desde a Queda do Muro de Berlim em 1989 e o colapso da U.R.S.S., em 1991), que nós temos anunciado e proclamado, no C.E.H.C., com a

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expressão completa cunhada como segue: Pós-Modernidade positiva e crítica. O subtítulo, que é o objectivo central do Livro, é deveras significativo: ‘Free-ing the Spirit of Enquiry’. Contra toda a sorte de catecismos religiosos ou de dogmáticas ‘científicas’, que só continuam a alimentar a sempiterna Cultura da Potestas-Dominação d’abord. Desta obra, encontram-se dois justos e certeiros elogios na contra-capa, que merecem ser transcritos: “Rupert Sheldrake shows how materialism has gradually hardened into a kind of anti-Christian principle, claiming authority to dictate theories and to veto inquiries on topics that don’t suit it, such as unorthodox medicine, let alone religion. His insistence on the need to attend to possible wider ways of thinking is surely right”. (Mary Midgley, The Guardian). “Certainly we need to accept the limitations of much current dogma and keep our minds as open as we reasonably can. Sheldrake may help us do so through this well-written, challenging and always interesting book” (Financial Times). Com efeito, os graves e estruturais problemas do Processo da Evolução da Vida e do Universo, bem como os problemas de todas as áreas científicas, em geral, só poderão ser bem entendidos e adequadamente resolvidos, no novo horizonte da Pós-Moderndade positiva e crítica, ─ metodológica e epistemicamente liberto daquelas ideologias destiladas (e sempre presentes…) pela Cultura do Poder-Dominação d’a-bord: Desde logo, a partir da Introdução (pp.6 e ss.), sobre os dez dogmas da ciência moderna, pode perfeitamente dar-se conta da orientação criticista do Livro. “A ciência contemporânea encontra-se baseada na reivindicação de que toda a realidade é material ou física. Não há realidade a não ser a realidade material. A consciência é um sub-produto da actividade física do cérebro. A matéria é inconsciente. A evolução é sem objectivo. Deus existe tão só como uma ideia nas mentes humanas, e, daí, nas cabeças humanas. “Estas fés são poderosas, não porque muitos cientistas pensam nelas criticamen-te, mas precisamente porque não o fazem. Os factos da ciência são bastante reais: como são reais as técnicas que os cientistas usam, e as tecnologias nelas baseadas. Mas o sis-tema de fé, que governa o pensamento científico convencional, é um acto de fé, fundado numa ideologia do séc. XIX. “Este livro é pró-ciência. Eu desejo que as ciências sejam menos dogmáticas e mais científicas. Acredito que as ciências serão regeneradas, quando forem libertas dos dogmas que as constringem” (idem, ibi, pp.6-7). O credo científico é resumido e elencado por R.S., como segue (ibi, pp.7-8): “Aqui estão as dez fés nucleares, que muitos cientistas tomam como indiscutíveis. “1. Tudo é essencialmente mecânico. Os cães, por exemplo, são mecanismos complexos, em vez de organismos vivos com objectivos que lhes são próprios. Até os povos são máquinas, ‘robôs amontoados’, no fraseado vívido de Richard Dawkins, com cérebros que são como computadores geneticamente programados. 2. Toda a matéria é inconsciente. Não há nenhuma vida interior ou subjectividade ou ponto de vista. A própria consciência humana é uma ilusão, produzida pelas actividades materiais dos cérebros. 3. A soma total de matéria e energia é sempre a mesma (com excepção para o Big Bang, quando toda a matéria e energia do universo apareceu). 4. As leis da natureza são fixas. Elas são as mesmas hoje como eram no princípio, e elas permanecerão as mesmas para sempre. 5. A Natureza é sem finalidade, e a Evolução não tem objectivo ou direcção. 6. Toda a herança biológica é material, carreada no material genético, ADN, e em outras estruturas materiais.

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7. As mentes estão dentro das cabeças e não são outra coisa senão as actividades dos cérebros. Quando se olha para uma árvore, a imagem da árvore que se está vendo não está ‘aí fora’, onde parece estar, mas dentro do (teu) cérebro. 8. As memórias estão armazenadas como traços materiais nos cérebros e desa-parecem com a morte. 9. Fenómenos inexplicados como a telepatia são ilusórios. 10. A medicina mecanicística é a única espécie que realmente funciona”. Como chegou a Ciência moderna a uma situação tão calamitosa? Na sua base estrutural, ela nasceu e cresceu numa Sociedade comandada e estigmatizada pela Cultura da PotestasDominação d’abord. Nos seus expoentes instrumentais, ela foi bali-zada pelo Monismo epistemológico (ancorado nas ciências físico-naturais); e guiada e instrumentalizada pela religião laica do Objectivo-Objectualismo. Os dez dogmas/crenças (errados e fúteis) da ciência moderna (abastardada…) entraram em cristalização senescente acelerada, quando, na 2ª metade do séc. XX, levaram a Ciência (nuclearmente libertadora) a metamorfosear-se, primeiro, em Tecnociência, depois, em Tecnociência d’Aparelho. Foi o preço a pagar ao Objectivo-Objectualismo e ao Monismo epistémico: Tudo em benefício e vantagem de uma Socie-dade rigidamente hierarquizada, assistida pela Cultura do Poder-Condomínio. Quem se deu conta das práticas do ‘Bezerro de Ouro’ (Ex. 32, 1-6), das estafadas ilusões da Objectividade? (Cf. op. cit., pp.291-317)?!... A salubridade mental e dos próprios cientistas teria, muito simplesmente, imposto a gramática (oriunda dos Gnósticos judeo-cristãos primevos) da Dualidade Epistémica, ─ a única gramática decente e apropriada para as ciências praticadas pelos Humanos. De resto, a recuperação das ciências positivas e experimentais (que foram o Projecto grandioso de F. Bacon, na aurora dos Tempos Modernos) só virá a acontecer, um dia, mediante a instauração, sem tibiezas, da Dualidade Espistémica (= há uma epistéme para as ciências físico-natu-rais, e outra epistéme para as ciências psicosociais e/ou humanas). Na história das ciências modernas, depois da cartilha inicial e generalizada do Determinismo, o Indeterminismo da Física Quântica veio a assomar, na 1ª metade do séc. XX… mas sem força suficiente para se impor como mudança de eixo ou de paradigmas, na prática das ciências. Por isso mesmo, se tornou forçoso colocar a problemática da Dualidade Epistémica. O vezo tradicional do Determinismo, nas ciências, tem funcionado com tal peso (e inércia…), que nem se admitia espaço ou capacidade (psíquica) para a afirmação da ‘vontade livre’. Tanto nas sociedades como nas práticas científicas. Assim, mesmo com a descoberta do Indeterminismo infra-atómico, em 1927 (cf. op. cit., p.18, pp.24-25), não houve força nem coragem para impor a mudança de paradigma, e abrir caminho à Dualidade Epistémica. O que prevalecia, hegemonicamente, na organização das Sociedades, era a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Ora. é preciso e urgente libertar, tanto as sociedades como as práticas científicas: libertá-las do mecanicismo materialista e das dogmáticas religiosas/institucionalizadas (algumas delas com pretensões de ‘ciên-cia’…). Eis por que se impõe um combate sem tréguas, rumo a um Humanismo (crí-tico), secular e laico, que seja capaz de despertar e libertar o vero e autêntico Espírito de Investigação, em todos os Humanos. O Livro de R.S. configura-se para além das fronteiras conhecidas: essencial e decisivo é mesmo libertar o espírito de Enquiry/Investigação, sem dogmas, barreiras ou preconceitos prévios; mas, igualmente, sem a tendência mórbida, expressa no impulso irresistível de

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converter todo o saber científico em tecnociência ou tecnocracia. É preciso continuar a acreditar no Futuro libertador das Ciências (praticadas com honestidade e seriedade).

LICHT, LICHT, MEHR LICHT!... Assim se exprimiu Johann Wolfgang von Goethe (1749-1823), na sua hora derradeira. Iluminação e sem mais Esclarecimento. Quem, nascido de boa gente e bem formado, não gostará de aperfeiçoar e aprofundar o Conhecimento, uma vez que é pelo Conhecimento e pelo Saber que nos salvamos positivamente?!... Essa fora a Grande Lição dos Gnósticos judeocristãos primevos, com os quais convergem as Mensagens incontornáveis de SÓCRATES e de JESUS. Romper a cadeia da Língua/Linguagem estereotipada corrente, e pelas palavras e através do Verbo activo e vivo penetrar nas profundezas insondáveis do Espírito/Pneuma/Ruah!... É o que buscam Seres humanos honestos e sérios, no companheirismo da existência e convívio com os outros Humanos. Aurélio Agostinho foi o primeiro grande Filósofo cristão, ─ disse-o Hannah Arendt. Mas não é por ser o filósofo da História cristã das Sociedades, na sua obra monumental ‘De Civitate Dei’. Para nós, ele foi-o, por ter sido capaz de escrever o Livro ‘Confissões’, onde foi um vero e autêntico ‘free thinker’: ele estilhaçou todas as prisões e casulos da Metafísica e abordou uma noção de Deus, que está para além de todos os Cristianismos paulinos: o ‘intimior intimo meo’. Esta é, de facto, a mais aprimorada noção jesuância, que podemos dar de Deus. É, de facto, neste horizonte, que, no esquema triádico que é a Consciência do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, podemos identificar o Deus/Pai jesuânico com a função de testemunha. (Os outros dois factores da Consciência são: sujeito cognoscente e objecto conhecido). Na ordem da Natureza, a palavra primacial e primordial tem o nome de metamorfose: é ela que, oficial e estruturalmente, nos abre as janelas do Grande Edifício para a captação da realidade da Evolução natural. Na ordem da Cultura, a palavra primacial e primordial é Evolução: Evolução social, que não pode deixar de funcionar na rede da Linguagem, construída originariamente a partir de metáforas (como ensinou Jacques Derrida). Em contraste com as categorias filosóficas (fundamentais) do Ocidente (Natureza//Cultura), era mais acertado e fecundo o binómio do filósofo indiano Jiddu Krishnamurti (1895-1986): Dados (da Natura e da Cultura…)//Símbolos (meios usados na linguagem e na comunicação e entre Humanos). Neste horizonte crítico, não há lugar para a invenção e adição de ‘próteses metafísicas’. E, antes, ou no fim do caminho, só nos aparece um Axioma, na sua máxima evidência: ‘without self-knowledge, what you think is not true’ (Idem, in ‘The FIRST and LAST FREEDOM’, Rider, London, etc., 2013, p.XV). O problema central/nuclear é ainda melhor revelado, quando Aldous Huxley (no Foreword ao Livro citado de J.K.: pp.XVI-XVII) evoca o painel estruturador do Discurso do próprio Autor: atente-se na conclusão, que escrevemos em itálico): “Nós fomos configurados, em última análise, como membros de alguma organização que acredita e pratica ─ os Comunistas ou os Cristãos, os Muçulmanos, os Hindus, os Budistas, os Freudianos. Em consequência disso, ‘Você responde ao desafio que é sempre novo, de acordo com um velho padrão; e, por essa razão, a sua resposta não tem validade correspondente, novidade, frescura. Se Você responde como um Católico ou um Comunista, Você está respondendo ─ não é? ─

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segundo um pensamento padro-nizado. Por conseguinte, a sua resposta não tem significado. E, de resto, não foram o Hindú, o Muçulmano, o Budista, o Cristão que vieram a criar o problema? Como a nova religião é a adoração do Estado, assim a velha religião foi a adoração de uma ideia’. Se Você responde a um desafio de acordo com o velho condicionamento, a sua resposta não o capacitará para entender o novo desafio”. A reflexão supra (de K. e H.) encerra toda uma cascata de postulados, que é mister pôr de manifesto: A) é preciso ultrapassar todas as religiões institucionalizadas… B) Elas têm constituído a fortaleza que tem impedido o acesso aos Seres Humanos/Indivíduos-Pessoas enquanto tais. C) Elas têm bloqueado a Identidade Indi-vidual-Pessoal: o acesso ao centro dos centros dos Seres Humanos: o seu mundo in-terior e a sua Consciência. D) Só daí, pode brotar uma vera e autêntica Experiência (‘saber de experiência feito’!...), capaz de alimentar e orientar a vida. E) Assim se dá conta de que a vera Alternativa societária não vai resultar de uma opção dentro do dilema fechado da ‘velha religião’ e da ‘nova religião’. F) A vera e autêntica Sociedade Humana (Alternativa) tem de resultar da Interioridade dos Seres Humanos, da sua Consciência identitária e das respectivas Experiências. Como nos ensinaram os Gnósticos judeo-cristãos primevos… que nunca puseram o problema da Criação do Cosmos, por parte de uma Divindade!... Sarcasticamente, ao criador chamavam-lhe ‘o Demiurgo’. Nunca esquecer que a noção de criação do Universo, por Deus, só aparece, logicamente, numa Cultura de Ideologia metafísica, a destilar uma Divindade extrinsecista e transcendente, numa mundividência humana que só conhece a parelha Sujeito//Objecto e de onde foi completamente banida a realidade da Consciência. Sem evocar, propriamente, as fontes (que são Sócrates e Jesus), há dois momentos importantes e substantivos a assinalar essa orientação, na História bimilenar da Cultura/Civilização do Ocidente: o primeiro é a ‘notio Dei’, identificada com o ‘intimior intimo meo’ de Aurélio Agostinho. O segundo pode ver-se configurado nos móbeis e na orientação da Reforma Protestante (sécs. XV e XVI), no seio da Cristandade Ocidental. Essa reivindicação do que foi chamado ‘o livre exame’ da Sagrada Escritura constituiu o nó górdio de toda a problemática. A relação dos Indivíduos com Deus deveria processar-se em esquema directo, ─ não por vias indirectas de representantes delegados. Nunca poderemos esquecer que Deus (ou as Divindades… uranianas) foram sempre construções ideológico-culturais das Sociedades humanas e sua organização: precisamente na órbita do que, no CEHC, temos designado por Cultura do Poder-Dominação d’abord. Nos quatro milénios anteriores a 3.500 a.E.c., nos tempos da GILANIA, as divindades eram femininas e pagãs, matriciais e fecundas. Elas eram do povo comum (mulheres e homens), e não se lhes impunham ditatorialmente. Uma vez perdida a Sabedoria primordial da Igualdade entre Homem e Mulher, a Divindade extrínseca e transcendente, que emergiu, tornou-se um Factum híbrido e controverso. Estas duas características têm duas razões óbvias explicativas: a) essa Divindade ‘actuava’ como Entidade exterior e transcendente que metia medo e castigava; b) ao mesmo tempo, para os Humanos mais dotados e instruídos, ela constituía o Ersatz da Identidade e da Interioridade, próprias de cada ser humano. Nesta óptica, os modernos/contemporâneos existencialismos ou socialismos ateus erraram o alvo… porque, em última instância, deixaram sem defesas nem protecção os indivíduos humanos, atirados ao dilema compressor de J.K., configurado na ‘velha religião’ ou na ‘nova religião do Estado’!... Não havia saída; e os humanos, em vez de humanizar-se, só se desumanizavam. Eis por que, perante os diferentes materialismos ateístas, a própria notio Dei encerra uma vertente positiva, que é de preservar e manter, em função da humanização crescente.

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“A essência do Homem é não ter essência, a não ser aquela que nos é dada na relação com a transcendência. […] Um dos maiores enigmas da humanidade, talvez indecifrável para sempre, é que só existe esta Terra. Isso é de uma vertigem absoluta, e não há solução para esta angústia de estarmos sós no mundo”. (Ed. Lourenço, em entrevista, in ‘Exp.’/Rev., 13.6.2014, p.14). ─ De que transcendência se trata? É a Quaestio fulcral a pôr. As tradições religiosas logo responderiam todas: ‘a dos homens que são filhos de Deus’. Aí mesmo, está o equívoco… De que Deus se trata?! Ora, a única ‘Phylosophia Perennis’ válida é a que procede dos estudos e da investigação científica sobre o bio-psico-sócio-ânthropos, e que foi capaz de tomar consciência disso. Ed. Lourenço situa-se de algum modo neste horizonte, ao declarar (ibi, p.16): “Nunca imaginei que aquela revolução de padres na Pérsia tivesse algum sucesso. Mas tem. Nem foi preciso mandar as tropas, foi a primeira revolução com cassettes. Porque há a coerência interna dada por uma religião, que é vivida e pela qual eles se matam. É uma cultura organicamente crente. E a Europa não tem resposta para isso. A crise da Europa não é uma crise superficial, é uma crise profunda. É que a civilização e a cultura à qual nós pertencemos é crítica desde a sua origem. Este é o continente onde foi inventada uma forma de pensar o mundo e de nos pensarmos a nós próprios, que é laica na sua essência, e que se chama filosofia: discutir o nosso conhecimento em relação a tudo, a começar pela composição do universo. É uma civilização em que tudo é debate. Até Deus é discutível. Nas outras civilizações, Deus é a resposta. Para nós, Deus é a questão. Essa é a grande diferença”. A problemática estruturadora do Psico-Sócio-Ânthropos é sempre a mesma, à luz da Filosofia Perene: uma Questão de mais e melhor Conhecimento. Assim, quando as pessoas estão oprimidas e não se libertam… é porque, em última instância, não foram, ainda, capazes de compreender a sua importância e situação no mundo. Diz o filósofo francês Jacques Rancière (em entrev. in ‘Exp./Atual’, 13.6.2014, p.42): “… percebi que o problema não era saber o que faltava, o problema era como fazer aquela gente, supostamente inferior, dar um salto, afirmar plenas capacidades como seres humanos, e não apenas a sua revolta como indivíduos dominados e explorados. Aí, essa ideia da capacidade que cada um tem de se emancipar, mas também a convicção de que não são inferiores, é algo que me guiou no domínio do pensamento da área política, da literatura e da arte”.

DIREITOS HUMANOS: a ‘coroa de glória’ da Cultura/Civilização Ocidental?!... Seria bom que o Ocidente ─ que, desde há milénios, se tem por Vanguarda das Civilizações e, nos últimos cinco séculos, à escala mundial ─ se deixasse de tantos embustes e hipocrisias, de tantas inverdades e mentiras, e recuperasse a coragem e a capacidade de discorrer e discutir, com as outras culturas e civilizações, em pé-de-igualdade. De facto, direitos e justiça enquadrados e comandados pela sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord, constituem, em última instância, mentira e falsidade. Encontram-se, afinal, agrilhoados dentro do odre (real e mitológico) do primado do Poder sobre o Saber. Que fez o Ocidente, nos Tempos Modernos, no encalço dos Descobrimentos transoceânicos de Quinhentos e Seiscentos?!... Conquistou território e colonizou povos!...

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Transformou a Economia (política), cada vez mais alargada (através do Co-mércio internacional) no carro de assalto, para toda a espécie de Conquista e Dominação. Atribuiu, em termos absolutos, a hegemonia e o primado inquestionável à Economia (capitalista…), em vez de o atribuir à Cultura e às culturas dos Povos. Com desdém e sátira, quanto baste, Aristóteles já designava isso como Khrematística, pro-dução de ‘coisas’ para consumir e destruir. Não Oikonomia, para viver! À escala do Mundo (depois das abolições formais da Escravatura, na 2ª metade do séc. XIX), a Escravatura prossegue no séc. XXI. No Níger, por exemplo (uma ex-colónia francesa, agora um país nominalmente industrializado). (Cf. ‘Exp./Rev.’, 13.6.2014, pp.21-36). Com 16 milhões de habitantes e 2/3 de território desértico, entalado entre a Líbia e a Argélia a norte, a Nigéria e o Benim a sul, o Chade a leste e o Mali e Burkina Faso a oeste. Pois este é, ainda, um país de práticas correntes da escravatura. É uma prática ancestral, considerada ilegal desde 1960. Para a maioria desses escravos, ter um dono durante toda a vida, como acontecera com seus pais e avós, é um sistema normal, uma vez que não conhecem outra realidade. Que mostra este estado de coisas?... A hipocrisia e a obscenidade de todo o Processo culturalcivilizatório, comandado pelo Ocidente!... Na ‘Tôrah’ dos antigos Hebreus (no Deuteronómio, cap. 15), a lei sabática estabelecia que os escravos podiam (se o quisessem) libertar-se dos seus amos, ao fim de 7 anos. Se ficassem, mudavam também de condição. Em suma, não havia escravatura ‘ad vitam’. Na democracia Ateniense de Péricles, por contraste, a escravatura era ‘ad vitam’; e a sociedade encontrava-se organizada e a funcionar com o apoio de um terço da população escrava!... É caso para pressupor que a vertente positiva da Ideologia (religiosa) do Iahwismo funcionou na antiga Sociedade hebraica, em contraste com Zeus e os deuses pagãos da Grécia clássica. Outros contrastes, que podem e devem ser assinalados. Por exemplo, o mundo islâmico e as suas culturas fortemente uniformizadas estão longe de respeitar e consi-derar como universal a Carta dos Direitos Humanos de 1948, que avaliam como um produto cultural, imposto ao Mundo pelo Ocidente. Por isso, em dois momentos his-tóricos, os islâmicos ergueram e proclamaram a chamada Declaração Islâmica dos Direitos Humanos. Escreveu Alexandre del Valle (in ‘A Islamização da Europa’, o fim da União Europeia ou a substituição da Europa pela Eurábia, Civilização Editora, Porto, 2009, p.307): “Cientes de que, quer a Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR) da ONU (1948), quer a Declaração dos Direitos Humanos do Conselho da Europa (1949), estão em flagrante contradição com os próprios fundamentos do islão ortodoxo, os estados muçulmanos membros das Nações Unidas começaram por proclamar em Paris, em 1981, por instigação da Arábia Saudita, do Paquistão e de Marrocos, uma Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos, que subordina os direitos do homem aos direitos de Alá e elimina todas as liberdades, que contrariam a sharia e o fiqh. Num segundo momento, em 1990, os ministros dos negócios estrangeiros dos países muçul-manos membros da OCI adoptaram no Cairo, por ocasião da XIX Sessão dessa Organização, uma nova Declaração Islâmica dos Direitos Humanos (IDHR) no Islão, cujo preâmbulo e cujos 25 artigos subordinam de forma ainda mais expressa os direitos humanos à sharia, o que constitui uma negação em bloco do princípio filosófico-jurídico de autonomia das leis e dos direitos humanos relativamente ao domínio religioso, bem como a própria liberdade de consciência”. Como e por quê houve, historicamente, contrastes tão dilacerantes e confrontos tão violentos e brutais?!... Tendo em conta que a proclamação dos Direitos Humanos (desde a Declaração dos Direitos do Homem de 1791, no processus da Rev. Francesa) constituía, historicamente, no Ocidente, o produto de uma mundividência crítica secular e laica!...

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1º ─ A institucionalizada hegemonia absoluta do Economicismo (capitalista) sobre a Cultura (substantiva) dos Povos. 2º ─ Aquela mundividência crítica construiu a sua base de apoio numa ilumi-nista Ideologia Metafísica, que se configurava para além das mundividências ideológicas das próprias Cristandades ocidentais. 3º ─ Essa iluminista Ideologia Metafísica constituiu-se como um surrogato rival das religiões institucionalizadas, a funcionar sensivelmente segundo os mesmos cânones destas. 4º ─ A partir daí, a religião laica do Objectivo-Objectualismo (ancorada no Monismo epistémico, baseado nas ciências físico-naturais), enaltecendo a ‘Ciência’ em todos os azimutes (mais precisamente, a Tecnociência), teve o desplante de se constituir como ‘uma religião de substituição’. 5º ─ Neste contexto e em tal horizonte, o Ocidente não teve a astúcia nem a coragem de romper o cerco da Cultura do Poder-Condomínio, e aceder, definitiva-mente, à Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. ‘Tout se tient’!... Colóquio Internacional, em Coimbra (10-12.7.2014: polarizado no Teatro Académico de Gil Vicente), sob o Tema ‘Epistemologias do Sul: Aprendizagens Globais Sul-Sul, Sul-Norte, Norte-Sul’ e a problemática, hodiernamente devastada, dos direitos humanos. O C.E.S. e seu Director, Prof. Boaventura de Sousa Santos, pretendem (sem rupturas ideológicas…) pôr de manifesto O que o Sul pode ensinar à Europa (cf. ‘JL’, 9-22.7.2014, p.3). O que se pretende ─ anuncia o Prof. ─ é recolher ‘as lições que os países extra-europeus, ou o ‘Sul Global’ podem dar ao Norte, num momento em que a Europa encolhe e esse Sul se expande cada vez mais’ (ibidem). Duas grandes temáticas preenchem o programa: ‘Direitos humanos e outras gramáticas da dignidade humana’; ‘Democratizar a democracia’. Diz B.S.S., com acerto: “Os direitos humanos, na sua forma convencional, foram uma invenção europeia, que hoje encontrase posta em causa dentro da própria Europa e no mundo em geral, com o avanço do capitalismo global e do neoliberalismo. No entanto, é fora da Europa que en-contramos mais resistências a essa degradação” (ibidem). Em destaque, estão ainda duas outras sessões plenárias: Uma sobre ‘Constitucionalismo transformador, interculturalidade e reforma do Estado’, com a preocupação de pôr em evidência o modo como esses países do Sul global têm procedido a reformas do Estado, precisamente no sentido de ‘ampliar a democracia e os direitos’, em vez de os reduzir, ‘como tem acontecido na Europa’ (ibidem). A segunda sessão está polarizada no tema: ‘Outras economias’, e segundo o investigador, concerne ‘as economias não capitalistas, que têm uma grande vitalidade e são parte significativa do PIB de alguns destes países; a economia solidária; as economias camponesas, etc.’ (ibidem). Sem proceder, previamente, a uma Crítica Sistémica e a uma Desconstrução crítica do Sistema capitalista, tal como o conhecemos hoje nas suas modalidades mais selvagens e escravizantes, nós e o CEHC temos sérias desconfianças da eficácia destes Colóquios Internacionais. Baralha-se e as mesmas cartas são dadas de novo!... Já outro interesse críticocultural ─ mais firme e sério ─ tem, por exemplo, o livro /padrão de B.S.S., titulado: ‘Se Deus fosse um Activista dos Direitos Humanos’ (Almedina, Coimbra, 2013). Muito embora se configure, segundo a visão crítica do CEHC, no horizonte da Revolução Cultural/efectiva a empreender, tão só à escala dos 180o + 90o, não à escala dos 360o da circunferência, como se impõe. Não é esse, seguramente, o horizonte crítico do cineasta admirável e intelectual revolucionário, António Pedro Vasconcelos, no seu livro (recentemente editado na Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2014) ‘O Futuro da Ficção’, uma obra crítico-analítica,

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concebida a partir do universo da Ficção. A respeito desta obra, escreveu, com intuição de Lince, Valter Hugo Mãe (in ‘JL’ cit., p.34): “A História explica que os ciclos depressivos, que podem durar séculos, são invariavelmente interrompidos por tragédias bíblicas, que acabam por favorecer o reaparecimento de um novo empenhamento. Para a entrada num tempo de melhor colheita, parece ser inevitável que desçamos drasticamente até ao fundo do poço. “Eu não sei se a História tem condições para operar hoje como operou até agora. [Pela nossa parte, diríamos que a Rota Temporis mudou de eixo!...] Porque a História nunca lidou com a condição integradora da virtualidade nos nossos dias. A virtualidade, sendo usada pelo cidadão comum para um alarido sobretudo inconsequente, acaba por funcionar como modo de vigia e constituição de expectativas sem precedentes. Quer isto dizer que o povo nunca teve voz como tem agora. Uma voz intuitiva e instável, mas assídua e, em casos, exasperante. Acredito que a História precise de cabimentar, nas suas versões e inversões, a reclamação que estão todos os cidadãos a fazer no sentido de deixarem de ser apenas números, apenas sondagens e sentidos de voto. Com maior ou menor razão, os nossos dias conceberam uma apetência para a integração da quase totalidade dos indivíduos nas conversas de destino comum”. Onde se engana V.H.M. é quando começa a delirar nas conclusões dos nossos tempos, que ele pretende extrair: (Até me evocou a delirante e deletéria perspectiva jurídica de Carl Schmitt, o seu positivismo jurídico absolutizado…): “Dito de outra maneira, parece que todas as situações, dependendo do ponto de vista, podem ser justificadas, ou seja, podem ser desculpadas. Num mundo em que se joga com a informação como o nosso, o certo ou o errado acaba por ser uma questão de pura argumentação e apoio no filão de realidade relativa que nos interessa”. Não, de modo algum… o eclectismo nunca foi o caminho para a verdade. Sem discernimento crítico, sem a busca, na base, de dados comuns e objectivos, nunca poderá haver uma vera personalização dos Indivíduos. Poderíamos dizer, em termos geométrico-antropológicos, que a mudança de eixo da História se há-de operar sobre dois parâmetros essenciais e estruturadores, criando espaço/tempo para a emergência de uma Nova Humanidade: A) Personalização (e tomada de consciência crítica) dos Indivíduos. B) A metodologia nietzscheana do ‘eterno retorno’ da História (uma espécie de ‘i-oi-ó’ dependente de uma qualquer Ideologia metafísica/dualista…) dará lugar a uma caminhada real e aberta da História Humana, polarizada, essencialmente, na vera e autêntica Humanização da Espécie, in infinitum. ─ O que não acontecerá sem a vera ‘ecologização’ do Cosmos, a começar pela Terra, o Planeta humano, par excellence!...

Estratégia em vez de Metafísica! Uma vez que a Metafísica é, por definição, ideológica, há, de facto, uma afinidade de ‘irmãos gémeos’ entre a Metafísica (tradicional) e a Mitologia (clássica ou outras…). Jacques Derrida estava no caminho certo, ao erguer todo o seu programa de Desconstrução da Metafísica. Porque afirmamos que toda a Metafísica é ideológica?! Porque ela depende e é oriunda da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. A Cultura, que sempre conduziu, sócio-historicamente, os indivíduos humanos, nas suas sociedades ditas organizadas (i.e., postas em ordem…), ─ a grande maioria à servidão e à escravatura, e uma pequena

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minoria à condição de Chefes despóticos, com suposto direito efectivo de vida ou morte sobre os restantes. O essencial/nuclear das ‘três religiões do Livro’ (a começar pelo Hebraismo clássico) reduz-se à díade original-originante seguinte: (na língua hebraica do A.T.): hêsed//émet = Aliança//Verdade. Eis por que a Aliança de Iahwéh com o seu Povo anda articulada com as Promessas do 1º ao 2º; eis por que essas promessas, na sua semântica primordial, o que pretendem significar é a fidelidade de Iahwéh para com o seu Povo. Trata-se, portanto, de uma Relação biunívoca entre as duas partes. Aliança e Verdade são, igualmente, noções estruturais, que aparecem no N.T.. Não se pode esquecer, por ex., que a Verdade constitui o Tema central do Evangelho de João (o 4º ev. canónico): Jesus veio para dar testemunho da Verdade (Jo. 18,37). De facto, ‘Deum nemo vidit umquam: unigenitus Filius, qui est in sinu Patris, ipse enarravit’ (Jo. 1, 18). Deus nunca ninguém o viu. [E tudo o que sabemos de Deus é sempre um homem que o diz ou revela.] Foi o Filho unigénito, que está no seio do Pai, que deu início à vera narrativa societária divina, ─ Ele que, na Terra, foi conhecido apenas pelo seu pai adoptivo, José, esposo de Maria sua mãe. De resto, na Tradição judaica, as pessoas eram e ainda são identificadas pela linha matrilinear prevalecente. Como é sabido, as noções centrais/nucleares de Aliança e Comportamentos verdadeiros, entre as duas partes, foram logo estilhaçadas e desapareceram, quando as três religiões ‘do Livro’ se institucionalizaram, historicamente. Logo tentaram revestir-se das carapaças das metafísicas/mitologias/ideologias!... É mister advertir que, nos quatro milénios da GILANIA (7.500-3.500 a.E.c.), enquanto H. e M. viviam em regime de vera igualdade social, e os Deuses uranianos ainda não haviam feito a sua aparição, nem sequer era preciso falar de Alianças, uma vez que a Verdade se praticava, nas relações humanas, de modo espontâneo e natural. Já na era patriarcalista/machista, que acompanhou, posteriormente, o Processo de emergência das Civilizações, os vestígios remotos da Gilania podem, ainda, encontrar-se, esporadicamente, nas chamadas religiões pagãs, de índole matriarcal/gilânica, tais como as que podemos descortinar na Grécia clássica ou na época da República Ro-mana. Seria bom que nos habituássemos à nova Gramática do Humanismo Crítico: A vertente positiva das Religiões institucionalizadas de ‘O Livro’ serviu para nos ensinar uma Pedagogia singular e concreta, a saber: Tudo é, básica e supremamente, estratégico, ─ daí a necessidade, absoluta, do Discernimento crítico dos Indivíduos-Pessoas. A metafísica vale tanto como os mitemas da mitologia. Eis por que a básica e suprema Regra d’ouro continua a ser a seguinte: ‘Não faças aos outros aquilo que não gostarias que não te fizessem’ (fórmula negativa). ‘Faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem’ (fórmula positiva). Pressuposto de base: Não há Deus… uma Divindade extrínseca e transcendente, criadora do Uni-verso!... Isso é metafísica/mitologia falaciosa, ─ como já ensinavam os Gnósticos judeocristãos primevos da Escola de Alexandria (no Egipto). Não te esqueças de que os Escritores pagãos clássicos (nas raízes da Cultura Ocidental) estavam no caminho certo, ao proclamarem o axioma conhecido: ‘Veritas filia Temporis’!... O que esses Escritores pagãos clássicos nos legaram, através do axioma, foi a recordação/tradição (Erinerung) da vetusta e primeva Cultura Gilânica (7.500-3.500 a.E.c.). Nesse horizonte, o hebreo-cristianismo constituiu a pedagogia da Humanidade, que nos alcandorou ao Deus de Aurélio Agostinho: o ‘intimior intimo meo’; na mais esplendorosa linha da gramática do ‘Sapiens//Sapiens’. Percebe-se, assim, por que é legítimo falar de uma ‘Phylosophia Perennis’, baseada na Bio-Sócio-Antropologia, que é uma espécie de materialismo sem o ser; emergiu, evolucionariamente, a partir do patamar físico, depois, biológico e psicológico, para, na

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humanização da Espécie, se embrenhar no IMAGINÁRIO humano, tornando os Indivíduos humanos Pessoas cada vez mais adultas. Nesta galáxia, nunca nos cansaremos de evocar a Tríade definidora, na com-posição dos Humanos: A) Soma (corpo/matéria), B) Psychè (alma, espírito), e C) Imaginação. As culturas orientais das Cristandades, que mantiveram, ao longo de dois milénios, essa composição triádica dos Humanos, estavam no caminho certo da Evolução. A Cultura Ocidental Romana das Cristandades e das suas Sociedades mais laicizadas/secularizadas deixou-se cristalizar no Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo e no subsequente dualismo mecanicístico cartesiano da Modernidade ocidental. É, na verdade, nessa Tríade, que reside a Consciência (como fons et origo omnium rerum), bem como a Ideia (presente) de Deus como testemunha; desta sorte, é aí que reside o princípio (e o vero motor) de todas as subversões da Ordem Estabelecida e das Revoluções em demanda da vera Utopia/Ucronia.

SOBRE A ODISSEIA DO LIVRO EM QUESTÃO (Apontamentos de História e Balanço Crítico da Obra)

● No encalço da 2ª conversa (depois da entrega do livro para avaliação crítica, no período do Natal de 1956), havida no período da Páscoa de 1957, com o Prof. (especialista na matéria) Vittorio Marcozi (na Univ. Gregoriana de Roma, que eu frequentava, no Curso de Teologia), tratei de adquirir logo o referenciado Livro de G.G. Simpson, cujo interesse e novidade fulcrais eram, em termos comprovadamente científicos, o que ficou conhecido, na altura, como Teoria Sintética. E com justeza e justiça semânticas, ─ seja acrescentado, após a leitura atenta da Obra. Lemos o Livro com algum afecto e sofreguidão muita… atendendo ao facto de que V.M. lhe fizera tal encómio, como se disso dependesse a publicação imediata do nosso Livro, que ele mesmo achava necessária e urgente. Sublinhámos e assinalámos vários passos e parágrafos mais importantes, como já era nosso hábito, ─ um hábito pessoal, próprio das leituras activas e críticas. A confirmar o que dizemos, seja aqui declarado que foi ainda a nossa Leitura da Obra de S., em 1956, que nos serviu de base selectiva, para a elaboração da (precedente) Antologia de Textos de G.G.S. sobre a ‘Teoria Sintética’ (levado a efeito, em 2014). Ora, esta mesma ‘T.S.’, lá bem no fundo, já estava (embrionariamente embora) bem presente na nossa percepção crítica do Processo da Evolução, ao elaborarmos o nosso Trabalho inicial, ou seja: a necessidade de juntar e articular, para uma percepção crítica adequada do

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Fenómeno Global da Evolução, a perspectiva de Lamarck sobre o milieu (o ‘oikos’…) enquadrador e integrador dos seres no seu processus evolucionário, e a perspectiva de Darwin, polarizada (objectivo-objectualmente) na selecção natural, mediante a ‘struggle for life’, ─ o que, posteriormente, numa Cultura como a Ocidental, estigmatizada pelo Monismo Epistémico e pelo Objectivo-Objectualismo (ancorados nas ciências físico-naturais), conduziu à formação das áreas científicas autónomas, que dão pelo nome de Genética e Códigos genéticos dos seres vivos e das populações. Sempre com a incorporação dessa inércia perversora da queda nos pendores hierárquico-racistas (raças superiores e inferiores, etc., mesmo no patamar evolutivo da Hu-manidade…). De resto, convém não perder de vista que as duas noções: fixidez e evolução articulam-se, reciprocamente, no Processo geral da Evolução. Uma questão (mais recente…) correlata com a Problemática da Evolução é a nova ciência da Astrobiologia que, em vez de ajudar a resolver a Problemática central da Evolução, só tem vindo a complicar a situação. Aquela não aceita (honesta e cientificamente) o Dilema de saber e verificar se os micro-organismos espontaneamente emergentes na Terra a partir da matéria pré-existente, ou se as ‘sementes’ da vida na Terra (como bactérias, micróbios, biovermes, microrganismos de tipos vários procederam de seres ou elementos de seres oriundos de outros astros (estrelas, ou planetas, ou cometas…). Estas posições da Astrobiologia ainda prestam tributo à Divindade transcendente e extrínseca, criadora do Universo, e à cartilha objectivo-objectualista da Teologia da criação. A propósito desta Temática (e na vertente dos que embandeiram em arco com a Astrobiologia), veja-se (in ‘National Geographic’, Julho de 2014, pp.26-44) o artigo ‘The Hunt for LIFE BEYOND EARTH: One of the Oldest Questions may be answered in our Lifetimes. Are We Alone?’. Com efeito, os pressupostos da solução pela hipótese da Astrobiologia ainda apostam: a) no Dualismo metafísico-antológico de Platão e Paulo; b) num darwinismo mecanicista; c) na sempiterna Ideia metafísica de uma Divindade extrínseca e transcendente, criadora do universo; d) na fixidez incontornável das espécies (pelo menos de modo implícito…), o que resulta, muito sim-plesmente, no contrário do conceito de Evolução biológica. O cientista Frank Drake (hoje com 84 anos) ‘is still looking for extraterrestrial signals ─ a discovery that would trump everything else’ (ibi, pp.43-45). Sobre a sensação/percepção do Autor, ao reler, na correcção das provas do computador (na cuidadosa digitalização da Lil), a obra original manuscrita (de Maio de 1955: tinha o Autor 18 anos). Três tópicos se lhe apresentaram ao espírito: A) Estava ‘inocente’ e era um ‘bom devoto’ da I.C.R. e suas Autoridades na Diocese de Coimbra (fora o Arcebispo D. Ernesto, na gíria, o ABCDE, que o mandara estudar para Roma, logo no final do Curso de Filosofia, com 18 anos). O mais velho de 5 irmãos nascera numa família católica praticante: tinha um tio paterno que era pároco zeloso, e um tio materno, que, no fim do Curso do Seminário, abandonara a vida sacerdotal, fizera duas Licenciaturas na Univ. de Coimbra, casou e seguiu a profissão de Advogado, primeiro, e depois, professor liceal. B) Estava, pois, plenamente integrado na mundividência e nas doutrinas teológicas da I.C.R., C) No entanto, dentro desse ‘Hortus conclusus’, verificara, nesta leitura recente da Obra em causa, que nunca abdicara de pensar e discutir por cabeça própria, segundo a Racionalidade Humana de que podia dispor. Aprendera, aliás, (desde os 16 anos), a função e a missão do ‘free thinker’: foi, de facto, neste espírito, que percorreu o triénio do Curso de Filosofia, no Seminário Maior de Coimbra; e discutia as Teses dos manuais com os Professores, sempre que isso se lhe impunha, uma vez que nunca concordou, em princípio, com esse estatuto da Filosofia ‘ancilla Theologiae’, como era sistemicamente matraqueado pelas doutrinas eclesiásticas de Roma.

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Eis por que, nesses primeiros textos escritos de vulto, nunca aparece, claramente, uma Metafísica (ideológica) de suporte, em suma uma dogmática organizada, para sustentar, expressamente, as teologias católica e cristã. Por isso mesmo, não lhe foi difícil privilegiar o ‘1º filósofo cristão’ (como lhe veio a chamar a filósofa Hannah Arendt), Aurélio Agostinho, enquanto primeiro patrocinador cristão das doutrinas evolucionistas. Certamente, na obra em causa, foi seguidor (nos pressupostos implicitados) do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo… mas a sua afecção pelo ‘livre pensa-mento’ conduziu-o, mais tarde, evolutivamente, a posicionar-se na órbita da mundi-vidência de B. de Espinosa. (Cf. ‘Caminho Novo com ESPINOSA e REIS’, Edicon, São Paulo, 2008). A grande diferença entre as duas perspectivas referenciadas consiste no seguinte: eliminar, no nosso Imaginário filosófico-ideológico, as funções de criação e de criador, atribuídas a uma (suposta…) Divindade transcendente e extrínseca ao Universo. Como nos ensinaram, criticamente, os Gnósticos judeo-cristãos primevos. Assim se chega à mundividência espinosista do ‘Deus sive Natura’. As mudanças decisivas, nas abcissas e coordenadas do seu Pensamento, deram-se no Seminário Maior de Coimbra, de 1961-1966, durante o período em que foi, aí, Prof. de História da Filosofia e História da Civilização. Tudo partiu desta Ideia originante: o Pensamento dos fundadores das Religiões tinha o mesmo direito a ser integrado na História (geral) das Ideias e dos Sistemas que o Pensamento dos filósofos. Foi, nesta óptica, que nós começámos a integrar, na mesma Área cultural, as duas Figuras centrais da Cultura/Civilização ocidental: Sócrates e Jesus (acerca dos quais escrevemos um Livro, com esse título, edit. em São Paulo/2001 e Aveiro/2006). Para as Lições (pessoais/profissionais) de História da Filosofia, preparámos 8 dossiers de Apontamentos, dactilografados, (do tamanho de pp. de livro ‘in octavo’), que eram previamente distribuídas (depois de ciclostiladas) pelos alunos. Projectava-se publicar essa obra em dois volumes; mas houve material que se perdeu com os empréstimos. A propósito da orientação ideológica/epistémica dessas Lições, fomos por duas vezes chamados ao Arcebispo, sob a acusação anónima de heterodoxia, por parte de alguns alunos. Entretanto, o Arcebispo respeitava-nos… Até parecia acreditar mais na honestidade do Prof. do que nas denúncias dos alunos!... Fora ele mesmo que se responsabilizara pela minha ordenação sacerdotal, perante dilemas formulados à puridade, a partir do Colégio Português em Roma, em cartas canónicas promissórias (que o candidato fez questão de enviar ao Arcebispo, no seguimento da carta do Reitor do Colégio, para que o Arcebispo tivesse informação fidedigna de duas fontes). No ano lectivo de 1963/64, fomos convidado pelo Conselho de Profs. do Seminário, para proferir a ‘Lectio Sapientiae’ de abertura solene do Ano Lectivo (no Salão Nobre de S. Tomás d’Aquino). Escolhemos o Tema da ‘Economia do Dom’, na órbita da obra homónima de Marcel Mauss. (Obra que, não havendo Editora com coragem para a publicar na altura, foi recuperada e complementada, criticamente, numa edição lançada pela Edicon, São Paulo, em 2012). Na Sociedade civil e nas Academias de Coimbra, essa ‘Lectio Sapientiae’ (escutada atentamente por mais de 500 individua-lidades, uma vez que o Salão de S. Tomás d’Aquino estava superlotado) valeu ao Autor a reputação, difundida, de ‘padre comunista’, que o Bispo, inadvertidamente, albergava no Seminário. Em 1955, saiu a público, pela Moraes Editores, o livro ‘O Cristão no Mundo de Hoje’; em 1968, na mesma Editora, ‘Para uma Moral Nova da Regulação da Natalidade’, no horizonte da Renovação trazida pelo Concílio Vaticano II (1962-1965). Em Outubro de 1969, na mesma Editora (e na colecção ‘Linha de Risco’), saiu a público o que se poderá considerar o primeiro Manifesto do Autor: ‘Igreja sem Cristianismo ou Cristianismo sem Igreja?!’. Nenhum dos nossos livros teve o ‘Imprimatur’ da Autoridade (canónica) eclesiástica (a ‘censura’ da I.C.R.).

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Para os dois primeiros, o Autor ainda fez o requerimento ao Ordinarius Loci. Para o terceiro, o Autor entendeu que não deveria ‘molestar’ mais o Arcebispo. Num dos oito dias seguintes ao aparecimento do 3º livro editado, nas Livrarias de Coimbra, o meu colega no Liceu D. João III, Prof. Leitão de Figueiredo (metodólogo de Inglês) veio ter comigo, na Sala dos Professores, para me dizer duas coisas: a) Parabéns efusivos pela magnífica obra publicada; b) e o lembrete satírico que vai encer-rado no adágio popular que diz assim: ‘Com o teu amo não jogues as peras!...’ Na verdade, a I.C.R. (a Igreja Eclesiástica) nunca abandonou, ao longo de dois milénios, a Cultura do Poder-Dominação d’abord. Um tal perfil de funcionamento e actuação não teve o seu início, apenas, quando começou o processo de ‘Constantinização’ da Igreja, depois da vitória junto à Ponte Milvius (312) e através do Edicto de Milão (313). Com efeito, essa maneira de estar e ser no Mundo já procede directamente dos textos de Paulo (o auto-intitulado ‘Apóstolo’), os quais constituem o guião central do N.T.. Desi-gnadamente: “Non plus sapere quam oportet sapere, sed sapere ad sobrietatem” (Rom. 12, 3). Não se deve saber mais do que é necessário, mas tão só o que é suficiente… para poder viver!... Primado absoluto do Poder sobre o Saber ─ é a bandeira. Sete anos serviu Jacob em casa de seu tio Labão. Durante um período igual, serviu o Pe Manuel Reis a diocese de Coimbra, sempre com lealdade e honestidade, mas sem servidões e nunca abdicando do seu carácter e pensamento próprio. Nos inícios de 1970, encontrava-se surdamente afastado de todas as actividades eclesiásticas, que lhe haviam sido atribuídas. Sem um ‘rescriptum’, que balizasse os dois tempos de vida diferenciados. A partir dos fins da ‘Guerra Fria’ (Queda do Muro de Berlim/1989 e Colapso da U.R.S.S./1991) démos início (eu e a Lil, minha Esposa norte-americana) a um novo ciclo cultural/crítico, que, a nosso ver, seria necessário institucionalizar, em toda a Civilização Ocidental e, de ricochete, à escala do Mundo: surgira o que nós designámos, nas nossas Obras, a chamada Era Pós-Moderna positiva e crítica. Precisamente, para não enganarmos nem nos deixarmos enganar no emaranhado reinante dos Pós-Modernismos de várias cataduras. Foi, então, fundado o C.E.H.C.: Centro de Estudos do Humanismo Crítico, que, a partir de 2007, começou a ser adoptado, como matriz de criação e inovação culturais, por mais de uma dezena de Grupos espalhados pelo Mundo, e a irradiar a partir de São Paulo, através da Rev. Electrónica Noética: «noética@uol.com.br». *

● A nossa Obra de 1955: ‘EVOLUCIONISMO OU FIXISMO?’ foi a ‘semente’ ou a porta do Templo da Humanidade, para a edificação (nos inícios da década de 1990) do C.E.H.C.. Avaliar, criticamente, hoje, essa Obra, resulta num EPITALÂMIO CRITICISTA. A obra foi escrita no terminus (uma espécie de tese de bacharelato) dos 3 anos de Filosofia (e Ciências), ─ curso que, nos Seminários Maiores Diocesanos, constituía a 1ª parte do curriculum, seguida da 2ª parte (4 anos de Teologia), em função da ordinatio sacerdotalis. Vigorava, no quadro eclesiástico, a percepção da Filosofia como ‘Ancilla Theologiae’. Mas não era, tradicionalmente, só aí. I. Kant não foi advertido e objurgado pelo imperador Frederico Guilherme II, no encalço da publicação da sua obra ‘A Religião dentro dos Limites da simples Razão’?... É óbvio que o sentido do título da Obra consistia, precisamente, em reivindicar, para as áreas da Filosofia, a condição séria da Autonomia. Isto não agradava aos Poderes Estabelecidos, fossem eles sagrados ou profanos. O Autor havia nascido e fora educado numa

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família de católicos praticantes, o mais velho de 5 irmãos; nunca recusou os seus deveres morais de primogénito. É claro que a obra em causa foi, mais implícita do que expressamente, marcada e enquadrada na (universalizada…) mundividência do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. Mais: até se admitiu e funcionou, aí, com algum pendor apologético, como é fácil constatar. De resto ─ como é sabido ─ não há ideias sem sentimentos; o discurso (simplesmente narrativo que seja…) não é isento e neutro, ─ como muitas vezes se atroa e proclama!... Não obstante tudo isso, mediante uma boa leitura atenta e crítica, dá-se conta, facilmente, de que o espírito de acribia e justiça, no julgamento (nas actividades discursivas, em função do Juízo e das Teses estabelecidas), conduz, incontornavelmente, às duas saídas possíveis, em termos críticos, na História da Cultura e da Filosofia no Ocidente: A) O ‘Deus sive Natura’ de Baruch de Espinosa (uma vez feita a ‘epoché’ absoluta da ‘criação fabriqueira’); o nosso livro ‘Espinosa e Reis’ seguiu este caminho. B) A teologia de Aurélio Agostinho, nas suas ‘Confissões’, onde ‘o 1º filósofo cristão’ admitiu e afirmou a noção de Deus identificada com o ‘intimior intimo meo’ (= a Consciência do ser humano individualpessoal, em última instância). Essa noção agostiniana procede, directamente, da tradição filosófica e cultural dos Gnósticos judeo-cristãos primevos, os quais, perante a pretensão ideológica do ‘Deus creator omnium’, por parte da ortodoxia (identificada com a Potestas d’abord), preferiram (justamente…) designá-lo como ‘Demiurgo’. Seleccionámos essas duas saídas críticas possíveis ─ é óbvio ─ para além das concepções e posições tradicionais, que deixaram de ter sentido e coerência culturais, nos tempos da Pós-Modernidade positiva e crítica, como nós a designámos por causa das confusões em giro. Afinal, as surpresas modernas, em contraste com a Antiguidade, são poucas ou nenhumas, no concernente ao hemisfério das ciências psicosociais e/ou humanas. Aqueles, a quem chamamos (e se auto-referiam também como tais) Gnósticos judeo-cristãos primevos (formados na Escola Superior de Alexandria, no Egipto) são, efectivamente, os primeiros agnósticos ou ateus modernos. Eles já haviam assimilado toda a semântica forte, que é carreada pelo conhecido axioma moderno: ‘Tudo quanto dizemos de Deus…é sempre um Homem que o diz ou proclama’!... Nunca será demais encadear, com este discurso criticista, o paradoxo sobre a importância axiológica e o decisivo carácter epistémico da Noção de Deus, ao longo da História Cultural/Civilizacional da Humanidade. Nos quatro milénios, ao longo dos quais perdurou a GILANIA (7.500-3.500 a.E.c.), as divindades eram, ordinariamente, femininas: pagãs e referenciadas localmente; tinham funções matriciais e de fecundidade, no desfrutamento da Vida. Depois, com os inícios do Processo da Civilização, na Mesopotâmia e no Egipto, foram introduzidas (no Imaginário humano) as chamadas Divindades uranianas, primacialmente masculinas e patriarcais. O que nós (no C.E.H.C.) chamamos Cultura do Poder-Dominação d’abord teve a sua génese e formação primordial, nas actuações do 1º Processo Civilizatório, que a História da Humanidade regista, construído na base do Patriarcado institu-cionalizado, através de uma Dominação própria e específica, que não existia antes. (Nos estudos atinentes a esta área crítica, o C.E.H.C. adoptou dois Livros importantes e decisivos: ─ Riane Eisler: ‘O Cálice e a Espada’, Via Optima, Porto, 2003, 2ª ed.); ─ Max Weber: ‘La Domination’, La Découverte, Paris, 2013). Foi nesse horizonte (uraniano/celeste) que vieram a constituir-se as super-conhecidas três Religiões de ‘O Livro’: Hebraismo, Cristianismo e Islamismo (a mais patriarcalista das três é a que chegou em último lugar… o que também pode assinalar que a rota do patriarcado e do imperialismo continua a progredir, contra o vero e autêntico Regime Democrático, o único digno da Espécie Sapiens//Sapiens). Oximoricamente, a noção da Divindade (no Masculino)

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tornou-se um conceito híbrido: Umas vezes e em dadas situações, Deus é invocado/evocado para proteger e trazer a paz e a coesão social da Nação ou do Estado. Outras vezes e em outras situações, a noção era brandida como bandeira de combate, como arma ideológica contra os ‘infiéis’ ou adversários da religião dos primeiros crentes em causa. Emergiu, assim, o que foi chamado e divulgado, ao longo da História, como ‘guerra santa’!... Todas as 3 religiões assinaladas tiveram, e têm ainda, as suas ‘guerras santas’. Convocar as populações para ‘guerras santas’ são obscenidades e absurdos semelhantes aos do círculo quadrado… Na esteira de Agostinho e dos filósofos árabes da Idade Média, Tomás d’Aquino ainda discutiu a questão da ‘guerra justa’, para a justificar e tornar legítima em dadas situações concretas. Não esquecer: o que prevalece, nos bastidores, em toda esta problemática da Guerra e da Paz, é a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Ou seja: em última instância é preciso saber em nome de que programa se está a evocar/invocar Deus… e em que Deus se confia!... Eis por que, em todas estas pendências, é preciso advertir as consciências (individuaispessoais) no sentido de escolher bem. Deus/sim ou Deus/não é dilema que deixou de ter significado e consistência. Banir, muito simplesmente, Deus e a Religião, como fizeram, por exemplo, os movimentos políticos cunhados de comunismo constituiu, em todos os azimutes, o desastre social completo!... Como é de ver, a Teoria do Rebanho humano multiplicou-se e potenciou-se infinitamente. Foi o desespero… e a via da desumanização mais selvagem.

● Quando o criticamente visto e consciencializado (há 58 anos), através do sedimentado no subconsciente e no inconsciente, passou à dinâmica da Vida efectiva!... Em 20 de Junho de 2014, encaminhado por velhos Colegas e Amigos de Roma, que me viram em situação crísica de saúde (os velhos problemas de coluna), fui à consulta a um especialista em ortopedia, em Agualva/Cacém, acompanhado pelo nosso capitão d’equipa de ‘As Tertúlias de Guimarães’ do CEHC, Fernando M. Fernandes. Depois de explicar, sumariamente, ao meu Médico, Dr. João José D. Alves da Cunha, as razões e os fundamentos do núcleo da nossa Mensagem, no CEHC, ou seja, juntar e articular as duas maiores Figuras da Humanidade, que a História sempre havia considerado como distantes e separadas, ─ a personalidade que estava à minha frente escutou-me com atenção, estacou durante uns segundos, para me dizer olhos nos olhos: Meu caro, isso é mesmo uma Solução de Génio!!! Ele havia intuído e percebido tudo, até ao fim. É pela intuição que o sonho começa: o sonho que comanda a vida! A redescoberta da Obra de G. G. Simpson, em 2014, (depois de a ter lido atentamente e assinalado as passagens mais significativas, no primeiro trimestre de 1956, no Colégio Português em Roma), constituiu, para nós, um facto surpreendente e deslumbrante, uma vez que essa Obra constituiu a âncora e a abóbada do nosso Edifício, construído, expressa e resolutamente, a partir dos inícios da década de 1990: o CEHC: Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Sua missão e preocupações fundamentais: recuperar as perspectivas e os horizontes das Ciências da Vida, polarizadas na Espécie HOMO consumada, que é a do Homo Sapiens//Sapiens, em superação e oposição ao ‘Homo Sapiens tout court’. Tudo isso postulava uma nova Gramática (psico-sócio-antropológica) a funcionar: ─ Dualismo Epistemológico; ─ contra os Dualismos metafísico-ontológicos de Platão e Paulo; ─ contra toda a sorte de mecanicismos; ─ contra a religião laica do Objectivo-Objectualismo. E, globalmente, em demanda da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, contra a tradicional Cultura do Poder-Condomínio, ─ que é ainda, desgraçadamente, aquela onde sobrevivemos.

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Dir-se-ia, em linguagem freudiana, que o subconsciente (e o inconsciente…) não parou de trabalhar nem perdeu a capacidade de assimilação do aprendido, ao longo de 58 anos!... Implicadamente, no seu Projecto/Programa, estava a construção da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial, contra as doutrinas ideológicas tradicionais da Cultura do Poder-Dominação d’abord. Em termos metodológicos, esta é uma Observação importante, que nos permitiu entender, vitalmente, todo o vasto e prenhe significado da ‘Teoria Sintética’ de G.G.S., na problemática, nuclear e global, da Evolução da Vida e, muito especialmente, no concernente ao processus de formação do Psico-Sócio-Ânthropos: por outras palavras, o que nos interessa mesmo saber é o modus operandi do Psico-Sócio-Ânthropos. Ora, é aqui mesmo que a Teoria/Doutrina de G.G.S. estabelece um binómio de princípios activos: A) A Evolução biogenésica é um facto indesmentível e incontornável, que o contraditório, comparado com outras espécies biológicas, aprovou, sem disfarces, antes mesmo do momento da rotura, desencadeado pelo advento do Processo Civilizatório, há 5 milénios e meio. B) Mesmo após a entrada em cena do Processo Civilizatório e Cultural, a Evolução do Homo Sapiens prosseguiu no plano biogenésico, rumo aos padrões superiores do Homo Sapiens//Sapiens. Esta é uma advertência (científica) importantíssima, na medida em que é esquecida e ignorada por quase todos. Em termos das Sociedades institucionalizadas, por todos os governos dos Estados e por todas as políticas dominantes. Nessa óptica, o que é importante e decisivo é que os enquadramentos e condicionamentos, desencadeados pela Civilização/Cultura, não entravem aquele movimento ascensional. A importância decisiva do Pensamento Sintético pode resumir-se como segue: é um tipo de pensamento de ordem estratégica; todo o pensamento, à luz da Lei da Vida, tido e havido como metafísico, é falso e embusteiro, próprio e destilado pela Cultura do PoderCondomínio. Ora, todos os Seres Humanos, qua tais, têm direito ao Pensamento Estratégico (= Vital!), precisamente enquanto seres autónomos, dotados de Consciência reflexiva e crítica. Ao mesmo tempo, têm direito (pela negativa) a não serem endrominados e feitos reféns, no seu imaginário, com catecismos metafísicos, sejam eles quais forem!...

UM DUPLO TESTEMUNHO DA EVOLUÇÃO Este Livro (incluindo e articulando, expressamente, as duas partes: a de 1955 e a de 2014) pode muito bem funcionar como um Duplo Testemunho do Processo da Evolução: A) O Fenómeno/Realidade da Evolução no patamar da Natureza. B) A Realidade da Evolução no patamar da Cultura. No 1º patamar, predomina o biológico; no 2º patamar, o cultural. Quando se sabe estarem em cena Actores (dotados de Cons-ciência reflexiva e crítica), os dois patamares vêem-se reforçados, ao mesmo tempo, nas suas semelhanças e nas suas diferenças. Não esquecer que, em ambos os patamares, há sempre ganhos e perdas, quando observados à lupa, em termos singularizados. Mas o que é a Vida senão esta odisseia?!...

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Autor de muitos livros (pequenos, grandes, artigos, cartões de Aniversário…), peças de teatro como ‘O Auto do Presépio’ e peças de música (designadamente, recomposição da cantata ‘Catarina’ de José Afonso, para 6 vozes diferentes, espirituais negros a 6 vozes para o CELUC; uma missa ‘Tu es sacerdos’ a 3 partes iguais, para o Coro masculino do Orfeão do Seminário Maior de Coimbra, de que era Director Artístico, missa que foi estreada, aquando da ordenação episcopal de D. Eurico Dias Nogueira, na Sé Nova de Coimbra). Dir-se-ia que o Autor já perdeu a conta de todas as suas obras produzidas, até ao presente. Mas um bom técnico/bibliotecário da S.M.S., o Luís Fernandes, está (há já ca. de 2 anos) a proceder a um Inventário meticuloso (ordenado para computador), atendendo às 2 vertentes da Biblioteca (passiva e activa). As ajudas da Esposa, Lil, têm sido enormes, nos trabalhos de computador: já digitalizando e preparando, para impressão em papel, trabalhos originais manuscritos, já passando trabalhos dactilografados ou manuscritos, para edições electrónicas na Web, ou simplesmente para não se perderem. A Evolução, no plano da Cultura, constitui a realidade mais frequente e normal no universo dos Seres Humanos, quer enquanto actores individuais, quer enquanto agentes/actores colectivos. Enquanto ‘free thinker’, como pensador autónomo, que sempre preservou a sua Identidade individual-pessoal, o Autor pode considerar-se um Testemunho vivo de uma Evolução cultural, que nunca parou. ‘Evolucionismo ou Fixismo?’ (uma espécie de tese final de bacharelato em Filosofia), escrita em 1955 (tinha o Autor 18 anos) constituiu uma iniciativa, que muito surpreendeu os seus próprios Professores. O Dr. Alves de Campos, director do Curso de Filosofia, considerouse incompetente para avaliar o trabalho. Tornou-se imperativo recorrer, para o efeito (e para a própria elaboração da tese) ao Pe Póvoa dos Reis (natu-ralista exímio, zoólogo, botânico, mineralogista; foi ele que organizou o Museu natural do S.M.C.). Desta sorte, foi ele que me orientou e ajudou a balizar o trabalho. O veredicto final do Prof. Póvoa foi do seguinte quilate: É um estudo excelente, onde o Autor se havia superado a si próprio, porquanto tudo fora realizado em tempo normal de aulas. No ano lectivo seguinte, o A.B.C.D.E. mandou o Autor para Roma, para a Univ. Gregoriana, cursar Teologia. Foi, assim, que, pelo Natal de 1955, surgiu a oportunidade de solicitar uma apreciação crítica da obra ao Prof. Vittorio Marcozi (especialista em ciências da Evolução, Biologia, Paleontologia). Cerca de três meses depois, chamou-me ao seu estúdio para me dizer: Você tem aqui um livro excelente, que merece e precisa ser dado à estampa. Convém, tão só, actualizá-lo, fazendo referência ao mais impor-tante e recente livro saído a público sobre a matéria. Tratava-se do Prof. norte-americano, G.G. Simpson (Univ. de Yale). O título em inglês ‘The Meaning of Evolution’. Havia, em italiano, uma edição da Bompiani (1954), com o título: ‘Il Significato della Evoluzione’ (que o próprio V.M. me havia recomendado). A minha condição de ‘free thinker’ levava-me, de algum modo, a tornar-me mensageiro do Iluminismo oitocentista/novecentista. Ma non troppo!... Era já minha convicção pessoal, na juventude, que a Modernidade ocidental e a sereia do Progresso constituíam um Facto societário híbrido, e tanto mais discutível e condenável quanto assumia, com frequência, a reivindicação de totalidade. O Progresso Tecnológico, enquanto fenómeno a assumir, humanamente, no sentido da libertação e da melhoria da vida, como se poderia esperar, pelo simples facto de ter sido enjaulado no odre do Sistema capitalista, tornou-se uma miragem evanescente, cauterizada pelos efeitos psico-sociais de ordem negativa. Quantas vezes, os economistas têm feito juras e programado políticas económicas, tendentes a eliminar o desemprego, a pobreza e a miséria, e nada acontece de positivo… Sabendo-se que não é, propriamente, à escala do Planeta, por falta de recursos (existentes) e de meios alimentares. É

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sempre, em última instância, a problemática da má e injusta Distribuição societária da Riqueza (disponível). ‘Evolucionismo ou Fixismo?’ ─ Esta Tese (tal como foi concebida e elaborada, na década de 1950) tinha, então, destinatários bem definidos: as Cristandades do Velho e do Novo Mundo, do Ocidente e do Oriente. Perante a simples Ideia da Evolução da Vida (e hoje, do Cosmos), as filosofias ideológicas e as teologias, alavancadas na Divindade transcendente e extrínseca e, por definição, criadora do Universo, constituíam obstáculos sérios… Muitos cristãos e católicos, ao longo dos sécs. XVIII-XX, respaldavam-se em veras ‘objecções de consciência’, para não caírem nas tentações da heterodoxia!... Ainda hoje, mais de metade da população norte-americana se confessa e proclama fiel ao criacionismo bíblico, contra tudo o que eles consideram ‘as mistificações da evolução’. A índole filosófico/científica do trabalho, se era então bem justificada, hodiernamente, para o Novo Mundo e as religiões ‘New Age’, continua a ter a sua plena justificação e a produzir o seu impacto de esclarecimento e argumentação.

Em jeito de Confissões do Autor ‘Veritas filia temporis’. Como tinham razão os filósofos clássicos/pagãos (gregos e romanos), ao erguerem este parergo/bandeira como seu sábio refrão. Porventura, o mais sábio de todos. É nesse horizonte, que emerge (com toda a justeza) a gramática da Hermenêutica a focar e a guiar, no caminho, para a descoberta da Verdade (possível) na História. A Evolução constitui um Dado irrecusável, tanto na Natureza como na Cultura. Em escalas, porém, distintas e diferenciadas, como é óbvio e per se patet. Depois de F. Nietzsche, não foi só Deus que morreu… foi, igualmente, a Metafísica, a casa onde ele tinha a sua residência, para a Cultura Ocidental. Andou bem, por conseguinte, o filósofo francês (de origem argelina) Jacques Derrida, ao erguer e executar, com coragem e determinação, o seu programa da Desconstrução da Metafísica (tradicional). Se a palavra ainda pode ter algum sentido e seria justo recuperá-la, no terreno científico-empírico, isso só poderá ocorrer, hoje, no horizonte da preservação do que ainda resta da ‘Phylosophia Perennis’, e sob a condição de esta se apoiar nas raízes dos significados e sentidos das noções da Biogénese e da Antropogénese. É a isto que, no C.E.H.C., chamamos o Psico-Sócio-Ânthropos integral. O que faz falta para os Seres humanos se libertarem?! As capacidades do ser humano para se libertar (pela arte, literatura, política, revolução…) são, nas circunstâncias de cada um, sempre limitadas e finitas… Enquanto eles não assumirem a consciência reflexiva e crítica da sua Identidade individual-pessoal. O filósofo francês ‘da Subversão’, Jacques Rancière, em entrevista ao ‘Exp.’/ /Atual (13.6.2014, p.42), desabafa como segue: “Acredito que as pessoas eram oprimidas, porque não eram capazes de compreender a sua situação no mundo. Importava que aprendessem a compreender as leis do mundo para que se revoltassem, para que tivessem armas para o seu

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combate. Muito cedo, depois de pesquisar imenso nos arquivos dos trabalhadores em França no séc. XIX, da sua correspondência, dos jornais…, percebi que o problema não era saber o que faltava, o problema era como fazer aquela gente supostamente inferior dar um salto, afirmar plenas capacidades como seres humanos, e não apenas a sua revolta como indivíduos dominados e explorados. Aí, essa ideia da capacidade que cada um tem de se emancipar, mas também a convicção de que não são inferiores, é algo que me guiou no domínio do pensamento da área política, da literatura e da arte”. O que faz falta, na avaliação crítica de Rancière, é a presença, nos indivíduos-pessoas, da consciência identitária reflexiva e crítica (própria do ‘Sapiens//Sapiens’): essa consciência tem dois olhares: na vertente dos Sujeitos (avaliando criticamente a sua circunstância) e na vertente dos objectos, dando conta da exploração/opressão e alimentando o justo espírito da revolta que, para ser eficaz, tem de ser colectiva, ou, pelo menos, envolver muitos. É por isso que a tudo as populações se resignam e habituam, quando são forçadas a sobreviver, dualisticamente, sob o camartelo da Cultura do Poder-Condomínio!... É bom e necessário tomar consciência crítica destes condicionamentos; de contrário, não se mudam as Sociedades nem a História. E esta continuará a girar nos eixos do ‘eterno retorno’ nietzscheano. Rancière e tantos outros filósofos e políticos ‘da subversão’ fariam bem em ir ao ‘You Tube’, para escutar, deslumbrados, o Poema filmado magnífico e completo criticamente, ‘The Banker’. O Autor (que promoveu o Poema filmado) Craig-James Moncour; o Poema (em termos de atitudes e ademanes, quase religiosos/pontificais) é magnificamente declamado pelo artista Mike Daviot, fazendo de banqueiro!... Vejam, que vale bem a pena. É claro que, para entrar em tais horizontes críticos (que são os do CEHC), é necessário estar penetrado por uma Noção holística da História, capaz de assumir e articular, a um só tempo, os grandes Movimentos da Psico-Sócio-História e as pequenas mudanças correlacionadas com as diferentes circunstâncias de cada Indivíduo-Pessoa. Ora isto mesmo só pode ser ensinado pelo Hilemorfismo aristotélico; nunca pelo Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. Nem o Marxismo (de Marx e Engels) chegou lá!... Era da GILANIA: (7.500 a 3.500 a.E.c.): praticava-se a Igualdade e a Liberdade entre os dois Sexos. Presidiam à História as Divindades femininas, pagãs, da Fecundidade. A descendência era identificada segundo a gramática matrilinear. Entrada e odisseia na Era das Civilizações: (3.500 a.E.c. até ao presente): as Liberdades dos indivíduos foram bloqueadas, com a chegada dos Deuses uranianos e o patriarcado. As desigualdades sociais entre os dois Sexos tornaram-se hegemónicas; as rígidas e substantivas hierarquias societárias foram estabelecidas ad aeternum. A paz nas Sociedades começou a ser garantida pela Força (machista), através das Guerras, que se tor-naram acontecimentos históricos periódicos. A descendência (e a primogenitura) era efectuada segundo a cartilha patrilinear. Ora, durante a Era das Civilizações (até aos nossos dias), foram estabelecidas as chamadas religiões institucionalizadas monoteístas (fortes ou fracas), com uma dupla função: A) assegurar o Pacto social da ‘ordem pacífica’ nas Sociedades humanas; B) manter e preservar os princípios da Hierarquia (necessariamente objectivo-objectualistas e, por isso, contrários à gramática da vera e autêntica Paz.). Assim, não poderão ser desprezados alguns princípios positivos das religiões institucionalizadas. O que não pode, entretanto, ignorar-se é que elas não lutam pela Paz hegemónica, a todo preço. Quantas vezes elas alimentaram os projectos da própria ‘guerra santa’, em nome das suas divindades?!... A Razão desse comportamento reside na axiomática seguinte: elas não adoptaram como padrão da Espécie Humana o ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Por isso, as suas posições e propostas foram sempre, em resumo, mais negativas do que positivas. Mas… até certo ponto é mister reconhecer-lhes alguns efeitos pedagógicos e propedêuticos, na

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Era das Civilizações, quando a cartilha cor-rente, que embandeirou em arco, foi a do hobbesiano ‘bellum omnium contra omnes’!... Mudando de escala e de eixo, tem aqui lugar (até para a compreensão da evolução dos Estados-nações médios e pequenos na Arena mundial), um texto de J. Pacheco Pereira (publicado in ‘Público’ de 5.2.2014), em torno do tema: a Direita [portuguesa] deixou de ser patriótica para ser internacionalista, na versão europeísta. A propósito das metamorfoses do actual PSD (na origem, o PPD de Sá Carneiro), um dos dois Partidos do ‘arco da governação’. As ligações (confessadas ou não…) do PSD à Maçonaria já não incomodam. “Mesmo a componente anticomunista do PSD foi-se alterando na actual direcção para uma componente antissocialista, mais do que anticomunista. A ideologia confusa e híbrida, que caracteriza os actuais dirigentes do PSD, tem sido descrita como ‘liberal’ ou ‘neoliberal’. Tenho-me manifestado contra esta classificação que dá demasiada dignidade ideológica a uma mescla de ideias e posições que nada têm de liberal. Se quiser-mos fazer a distinção sem sentido entre ‘liberalismo económico’ e liberalista político, rapidamente compreenderíamos que o ‘liberalismo económico’, a que se chama correntemente ‘neoliberalismo’, não é liberalismo. O liberalismo, com o seu amor pela liberdade, a sua valorização do indivíduo, a percepção da relação entre a propriedade e a liberdade, a pulsão pela privacidade e pelo direito de cada um definir os objectivos da sua vida, tem muito pouco a ver com a redução do homem ao ‘homo oeconomicus’, a ditadura estatal do fisco, a burocratização de toda a actividade social, para aumentar o controlo do Estado, o desrespeito pelo primado da lei, o encosto aos mais fortes e culpa-bilização dos mais fracos. “Neste contexto, a apologia do ‘empreendedorismo’, de uma ‘economia’ onde se fala obsessivamente de empresas e nunca se nomeia os trabalhadores, esta recusa da consolidação de direitos sociais e do melhorismo como objectivo de uma política do bem comum, precisa de um antissocialismo como alvo, até para exorcizar as origens do próprio PSD. O antissocialismo é por isso, hoje, mais corrente nos círculos do Poder, porque ajuda a criar um polo antinómico, no qual se inclui a ideia de estado social, de investimento público como panaceia económica, do ‘despesismo do estado’, e de qualquer ideia de intervencionismo estatal nos negócios, mais do que nas empresas. “Ficamos agora com o ‘pró’ que fazia parte da identidade colectiva do PSD (e não só): o sentimento patriótico do ‘mais português dos partidos portugueses’. É exactamente aqui, que existe por parte do actual poder no PSD, um curso que é objectivamente antipatriótico e que assenta em dois processos interligados: a desvalorização das Forças Armadas, tratadas como fardo orçamental, que seria vantajoso alijar caso hou-vesse oportunidade, e a transmissão de soberania nacional para o estrangeiro, a retirada do Poder do Parlamento português para definir os orçamentos nacionais, a desvalori-zação das eleições e da escolha entre diferentes opções, com a ditadura da ‘inevitabilidade’ imposta por credores e Bruxelas, a subordinação do Governo e Parlamento nacionais a uma governação europeia definida pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, assente em ‘directivas comunitárias’, a defesa da caducidade da Constituição (e do Poder do Tribunal Constitucional) face à legislação constitucional ‘não escrita’ do direito comunitário, etc. etc..”

* ● A Psico-Sócio-História sempre embrulhada e iludida… ao longo de dois milénios!... É preciso designar o sujeito gramatical da frase nas 3 dimensões, até porque ela tem sido percepcionada e operada na uniforme Dimensão fisicalista, de acordo com o Monismo

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Epistémico, a religião do Objectivo-Objectualismo e a Cultura do Poder-Condomínio. A emergência da Idade Moderna (ocidental), nos sécs. XV-XVIII, ficou estigmatizada, na sua índole estruturalmente contraditória, pela incontornável recuperação das Religiões institucionalizadas. Até parece que a Modernidade ocidental pouco ou nada havia aprendido com as ‘guerras religiosas’, que, durante os sécs. XVI e XVII, vieram a ter lugar, no encalço dos conflitos suscitados pela Reforma Protestante, apoiada por alguns príncipes alemães, e combatida pelo Sacro Império Católico Romano-Germânico e pelas doutrinas da ContraReforma. Quem não se lembra da Guerra dos Trinta Anos, que opôs católicos e protestantes, desde 1618 a 1648 (a paz obtida pelo Tratado de Vestefália!...), e que teve como 1ª arena de batalha a Boémia?!... Dum lado, a União Evangélica, constituída por protestantes e apoiada pela França, mais tarde pelos reis protestantes da Inglaterra e da Suécia, do outro, a Santa Liga dos católicos, comandada por Maximiliano da Baviera, com o apoio de Espanha. Não se esqueça que a Congregação religiosa dos Jesuítas (de Inácio de Loyola) se constituiu como o ‘braço armado’ religioso (no Velho e no Novo Mundo) do Império Católico Romano e o espaldar doutrinal da Contra-Reforma católica. A conclusão atribulada de todo este processo histórico bélico/ocidental pode configurar-se como segue: “Em 1635, a maioria dos príncipes protestantes assinaram a paz com o imperador, mas ainda neste mesmo ano a França interveio no conflito, conseguindo alguns êxitos, já que influenciou o imperador a assinar a paz em 1648, naquilo que ficou designado como o Tratado de Vestefália, e que teve como resultado a estabilização das relações entre católicos e protestantes, para além da afirmação da França como grande potência europeia e da fragmentação do império alemão em es-tados” (Nova Enciclopédia Portuguesa, Ediclube, 1991/Vol. 12). Em suma, a Luta entre ‘Confissões religiosas cristãs’ não teve o condão histórico para ensinar a Lectio dupla: se estava certa a reivindicação (protestante) do ‘livre exame’ das Escrituras e da Autonomia das Consciências individuais-pessoais (a), continuava a ser errada a praxis sócio-política, que tudo subordinava ao catecismo cultural da Potestas-Dominação d’abord (b). De resto, a recuperação das Religiões institucionalizadas, ao longo das Idades Moderna e Contemporânea ocidentais, continuou a constituir um facto histórico consumado e societariamente indiscutível. Leiam-se os textos e as doutrinas de Thomas Hobbes, de John Locke, de Stuart Mill; os textos e as doutrinas dos Iluministas franceses do séc. XVIII (com alguma ligeira excepção para Voltaire). O primado do Poder, atribuído (politicamente) aos Estados nacionais, se trouxe consigo a emergência do Fe-nómeno societário, que dá pelo nome de secularização/laicização das Sociedades, não resolveu, nem a problemática (estrutural) do Poder, nem a questão das religiões institucionalizadas, qua tais. Os problemas e as dificuldades foram atirados para o alçapão. É neste horizonte que a longa Viagem de Vasco da Gama, desde a costa ocidental da Europa até às Índias, em 1498 (10 meses de viagem perigosa e dura…) pode configurar-se, no Processo histórico, como ‘a última cruzada’ do Ocidente. Tudo e sempre sob a cartilha do cruzadismo cristão/paulino. Havia, no Cristianismo paulino (que é, na percentagem maior, o do N.T.) dogmas e ortodoxia (uniformista) a mais. O dogma da Trindade cristã é o caso crucial!... A Racionalidade humana estava numa situação de ‘minus habens’. Foi, por tudo isto, que a partir do séc. IV, o Arianismo e as correntes doutrinais semi-arianas começaram a fazer caminho no Egipto e no Médio-Oriente; e foi nesse caldo de cultura criticista, contextualizado, que, no séc. VI/VII, surgiu o Islão, como correcção ao Cristianismo tradicional: o Islamismo constituiu, des-de então, a 3ª religião de ‘O Livro’.

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Assim, desde o séc. VIII da E.c., e durante os quatro sécs. seguintes, o Islão expandiuse, num ritmo vertiginoso, a partir de Meca e Medina, sobre quase todo o Mundo conhecido de então, ─ sem dúvida com uma energia superior à das Cristandades ocidentais. No séc. XV, os muçulmanos eram, ainda, os grandes senhores dos mares e do comércio marítimo entre o Oriente e o Ocidente. Não esquecer que foi o movimento conquistador dos Otomanos que, em 1453, pôs termo ao Império Romano do Oriente, com a sua capital em Constantinopla, que deveio, a partir de então, Istambul ou Bizâncio. ‘The Last Crusade’ (The Epic Voyages of Vasco da Gama), de Nigel Cliff, (Atlantic Books, London, 2012), ─ essa ‘Última Cruzada’ (que o foi, de facto, segundo ‘Os Lusíadas’ de Luís de Camões: ‘dilatar a fé e o império’) deveria ter posto fim, historicamente, à era comandada pelo paradigma antropológico do ‘Homo Sapiens tout court’ e aberto o caminho à nova era do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Um tal programa psico-sócio-antropológico exigia, contudo, que as Religiões institucionalizadas, enquanto tais, começassem a ser postas em causa, para se poder, no novo espaço-tempo criado, reconstruir o Mundo na Paz e na Justiça. Os cristãos do Gama, porém, levavam nas suas mentes dois objectivos principais: a) virar o eixo do comércio mundial dos árabes para os cristãos; b) e conquistar a ‘Terra Santa’, Jerusalem, ─ acontecimento que se achava semanticamente envolto com a conquista do Jardim do Eden e o início da 2ª Vinda, o último Julgamento do Mundo (cf. op. cit. de N.C., p.2). Tudo se podia resumir em duas fórmulas: cristãos everywhere e especiarias. Entretanto, pouco ou nada do esperado aconteceu, a não ser a Viragem (mecanicística…) da Ordo Mundi, sempre e tudo bem enquadrado na cartilha da Cultura do Poder-Dominação d’abord. E nesse horizonte, o Processo dos Descobrimentos trans-oceânicos tornou-se uma epopeia de conquista e dominação e pilhagem dos povos autóctones; e as religiões institucionalizadas não alteraram os seus eixos de funcionamento, em favor dos novos usos (reclamados pelo núcleo duro da Reforma luterana) da ‘Recta Ratio agibilium’. A Era moderna começa, assim, com a conquista e a dominação do Novo Mundo, por parte dos cristãos paulinos/cruzadistas do Gama; dos cristãos de Cristóvão Colombo (1492) e dos cristãos de Pedro Álvares Cabral (1500). Predominava, até então, (e continuou…), em nome da ‘vera fides’, o combate aos infiéis (cf. ibi, pp.1-7). As religiões institucionalizadas acabaram por ser, essencial e estruturalmente, inimigas figadais umas das outras. O sonho e a bandeira do Ecumenismo ainda vinham muito longe, no futuro: quanto ao sonho, tão somente na década de 1930; no concernente à bandeira (muito menos do que um movimento efectivo e real), só na 2ª metade do séc. XX, na peugada do Concílio ecuménico ‘Vaticano II’ (1962-65). Entretanto ─ do lado positivo ─ tinha lugar, em 1516, nos alvores da Modernidade, o ‘1º casamento’ das Artes e das Ciências do Renascimento iconizado na dupla Francisco I, rei de França, e o italiano de Florença, Leonardo Da Vinci (que veio a morrer três anos após o encontro dos dois). Este deixou encantado e maravilhado o rei de França, que, aos 24 anos, foi coroado Chefe do Sacro Império Romano, evocando, de algum modo, o Império de Carlos Magno, no séc. VIII/IX, com a sua capital em Aix-La-Chapelle (= Aachen), e lembrando o florescimento artístico e cultural do passado, sob a batuta de Mestre Alcuino (vid. ibi, pp.407…). A rainha Isabel de Inglaterra e o sultão de Marrocos trocavam cartas de bom e saudável entendimento, cartas de amizade e aliança, argumentando que o Islão e o Protestantismo eram irmãos gémeos, em última instância, porque, em vez dos ídolos e imagens, eles acreditavam na força do ‘Livro’ (vd. ibi, p.410). Decisiva, em termos globais, para o comércio internacional e o conhecimento mútuo das diferentes culturas nacionais, foi, desde os inícios do séc. XVII, a doutrina jurídica (e jurisprudencial) do holandês Hugo Grotius, a chamada doutrina do ‘Mare Liberum’ (cf. ibi, pp.414…). Assim se impunha, com uma adequada cartilha de Regras, a harmonia e a

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convivência pacífica entre os Estados, e se evitava e impedia a pirataria fácil dos mais fortes contra os mais fracos. As guerras entre as diferentes religiões institucionalizadas, muito especialmente polarizadas no Médio Oriente, tudo isso continuava, porque, afinal, a odisseia da Civilização não havia sido capaz de romper com as catenárias das religiões institucionalizadas (cf. ibi, p.419). Cristãos, muçulmanos e judeus… como haviam eles de entender-se, se, cada grupo detinha, no seu imaginário, o mundo inteiro, com exclusão dos outros?!... O projecto e o programa de Vasco da Gama consistiram exactamente nisso: ‘a Last Crusade, a holy war to end all holy wars – was always a crazy dream’ (ibi, p.421).

● E, entretanto, que é a Verdade?!... É o resultado de um caminho percorrido em comum: nos dois planos, o dos Indivíduos e o dos Povos. É, tão-só, pelas práticas do Diálogo (socrático) e da Justiça (jesuânica) que ela pode florescer. A Verdade não se impõe através de dogmas, dou-trinas e sistemas, dados como indiscutíveis e suscitando apenas a adesão individual pela fé. O famigerado conflito entre Razão e Fé redunda numa falácia e numa falsidade/ /armadilha, porque tudo isso decorre de uma cartilha comum, expressa ou tacitamente admitida: a Cultura do Poder-Condomínio. De facto, esse conflito (aparente…) não existe, porque se trata de categorias mentais configuradas em planos diferentes. ‘Intellectus quaerens fidem’ // ‘Fides quaerens intellectus’. Este binómio doutrinal dos filósofos e teólogos medievais (Anselmo, Boaventura, Alberto Magno, Tomás d’Aquino, Duns Escoto, etc….), ─ ele mesmo, muito embora se constitua na bandeira do Sentido da Verdade a procurar e a balizar, afigura-se como embusteiro, na medida em que propõe e promove dois campos distintos de Verdade, que se apresentam aos Sujeitos humanos individuais-pessoais. E, aqui, claro, não é da Dualidade Epistémica (que o CEHC propõe no universo das Ciências) que se trata, configurada no universo dos Objectos do Conhecimento. Do que se trata, afinal, é de posturas ou atitudes atinentes aos Sujeitos (activos) do Conhecimento, que, abusivamente, são tomadas e assumidas como objectos distintos do Conhecimento dos Sujeitos humanos, que racio-cinam e pensam. Por mais voltas que dêmos, impõe-se-nos, hoje, em termos primaciais e absolutos, a recuperação omnímoda dos métodos e dos caminhos do Diálogo socrático e da Justiça jesuânica. Os Indivíduos-Pessoas humanos constituídos em-pé-de-igualdade, uns diante dos outros!... Basta de farsas e dissimulações, hipocrisias e falsidades, mentiras convertidas em verdades e vice-versa; vícios convertidos em virtudes e virtudes convertidas em vícios. É esta axiomática que se encontra na base do moderno Sistema capitalista (Adam Smith dixit). E, neste mesmo horizonte, a sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Tout se tient! É por isso que escrevemos livros ajaezados com títulos que satisfaçam as exigências hodiernas, as mais fundamentais exigências psico-sócio-antropológicas: Ex. g.: ‘Em busca de Outra Civilização’; ‘Em busca de Outra Humanidade’. Tal como Jesus nos ensinou, também Jiddu Krishnamurti nos apontou para o mesmo Caminho: sobre a natureza da verdade e o caminho a seguir para ser livre!... Precisamente nesse livro precioso, titulado ‘The First and Last Freedom’ (Rider, Lon-don, etc., 2013). Assim, se é verdade que a Verdade nos liberta (como é sublinhado e proclamado no 4º evangelho canónico), um tal processus só poderá ocorrer a partir de questões radicais de alta envergadura e amplo alcance, tais como a dor, o medo, o sexo, o significado da vida e a própria transformação (conversio) de uma pessoa. Eis por que, em 1ª ou última instância, a Verdade pura e a Liberdade perfeita não poderão jorrar nem proceder de alguém que nos diga, de fora (ab extra), como devemos agir e actuar, ou aquilo em que é mister acreditar. Seríamos, em tal circunstância, má-

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quinas ou palhaços!... A Verdade pura e a Liberdade perfeita só acontecerão, se formos, efectivamente, capazes de nos entendermos a nós mesmos. Em suma, sem auto-conhecimento, não há base para o pensar, e o que se pensa não é verdadeiro (vd. ibi, p.XV, no prefácio de Aldous Huxley); é ‘tamquam cymbalum tiniens’!... O problema nuclear sobre o modo como surge o entendimento é explanado por J.K., logo no cap. I, na Introdução: não há entendimento sem comunicação do eu com o outro, entre o eu e o outro, ─ comunicação que, na sua base e objectivos, é comunhão real (ibi, p.1, p.5; pp. 6-7). “Therefore true revolution can take place only when you, the individual, becomes aware in your relationship to another” (p.10). Esse Caminho, afinal, (proposto por J.K.), não é outro senão o que já havia sido avançado e desenvolvido (por ditos e factos a selar as mensagens) por Sócrates, o do Diálogo interpessoal (para a simples elaboração do Conceito e para a própria formatação dos conceitos filosóficos e científicos, enquanto instrumentos da vera Ciência). Na outra face da mesma medalha, Jeoshua, ‘o nazoreu’, ensinou-nos a Relação Humana Justa, a que é dotada de Justiça (equitativa) e harmonizada segundo as Regras do Amor. No cap. 29 do livro citado, sobre a verdade e a mentira, J.K., ao esmiuçar as diferentes modalidades de mentira, não pode deixar de pressupor que a mentira redunda sempre numa auto-contradição: “Que é uma mentira? Uma contradição, não é?, uma auto-contradição. Uma pessoa pode contradizer-se consciente ou inconscientemente; pode, igualmente, actuar deliberadamente ou de modo inconsciente; a contradição pode ser, ainda, muito subtil ou óbvia. Quando a clivagem na contradição é muito grande, então, também, a própria pessoa torna-se desequilibrada, ou percepciona a clivagem e trata de a corrigir” (p.293). Ao tratar da verdade e da mentira (no ‘Sermão da Montanha’), Jesus tem dois tipos de preocupações fundamentais idênticos aos de J.K.: a) por um lado promover a identidade e nãocontradição dos Sujeitos individuais-pessoais: não enganarem os outros nem se enganarem a si próprios; b) por outro lado, respeitar e reverenciar a linguagem/comunicação, como meio essencial dado aos Humanos para se entenderem e unirem. “Que a tua palavra seja: Sim? Sim. Não? Não. O que vem a mais é do Maligno que procede” (Mt. 5, 37). Desta sorte, toda a espécie de demagogia só carreia consigo malquerença e desunião; só alimenta o Poder d’abord e as hierarquias estúpidas!...

● Das Mentiras correntes em Economia política. Não foi já o patriarca fundador do moderno Sistema capitalista (Adam Smith, in ‘The Wealth of Nations…’, cap. 3º) que estabeleceu a axiomática vulgarmente conhecida: Os vícios privados convertem-se em virtudes públicas, e as virtudes privadas em vícios públicos?!... Foi, na verdade, assim, que se gerou, contemporaneamente, a epidemia universal do Economicismo, que já Aristóteles (‘O Filósofo’, por antono-másia) havia combatido e condenado, sob a designação de ‘Khrematística’. A atmosfera ideológica hodierna continua a mesma: Tudo sob o signo da Cul-tura (ideológica/demagógica) da Potestas-Dominação d’abord. A mundividência do Pe António Vieira está em plena sintonia e convergência com a do C.E.H.C.. Escrito há 400 anos, o seu ‘Sermão do Bom Ladrão’ é de uma actualidade espantosa. Aí se dá conta dos mecanismos mecanicísticos da Grande Geringonça universal: “Não são ladrões apenas os que roubam as malas, as bolsas e outros pertences. Os ladrões que mais merecem este título são aqueles a quem os poderosos encomendam os exércitos e as legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais, pela manha ou pela força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões rou-bam um homem, estes roubam cidades, reinos e repúblicas; os outros furtam

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correndo riscos, estes furtam sem temor nem perigo. Os outros, se furtam, são enforcados; mas estes furtam e enforcam”. ─ Que melhor caracterização se poderia conjuntar da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord?! Mas as mentiras correntes, no universo da Economia política, (que é, nesta fase actual do Neoliberalismo capitalista global, o centro incontornável das atenções e das preocupações, tanto no plano dos indivíduos como no plano dos mercados e do Governo das Sociedades), começaram muito antes (a montante) no Edifício complexo do Psico-Sócio-Ânthropos: precisamente no modo como as Sociedades humanas organizadas têm convivido com as religiões institucionalizadas. Ora, nesse horizonte, há paradoxos, ilusões e mentiras, que têm sido escamoteados e ainda não foram resolvidos nem superados. Um exemplo dos mais surpreendentes e trágicos: Nos últimos 5 sécs., o Mundo ocidental (e de carambola, o Resto do Mundo… como gostam de dizer os americanos do Norte!...) tornou-se (como é recitado) cada vez mais moderno; entretanto, sobremaneira no último meio século, as correntes ideológicas e as doutrinas do Ateísmo recuaram significativamente, tornando evidente que o mundo não avançou em laicismo e secularismo. John Micklethwait e Adrian Wooldridge escreveram um livro interessante, com o título: ‘GOD is BACK’, e em subtítulo: ‘How the Global Rise of Faith is Changing the World’ (Penguin Books, London, etc., 2010). Ora, afirmar que o movimento das fés religiosas e as próprias religiões institucionalizadas avançam, e proclamar (com presumível bom senso) que o Deus que estava nas traseiras está de volta em qualquer das Modalidades tradicionais… é curto e psitacista. Os próprios autores são vítimas de paradoxos e contradições, que não resolveram. Logo na Introdução, na secção ‘A Batalha pela Modernidade’, estabeleceram a Tese, que parecia corresponder a uma análise crítica realista e abrir caminho para as boas e justas soluções. Eis (p.9): “Desde os inícios do Iluminismo, tem havido sempre um cisma, no Pensamento ocidental, em torno do relacionamento entre a religião e a modernidade. Os europeus, em geral, assumiram que a modernidade havia de marginalizar a religião; os americanos, na sua maioria, assumiram que as duas coisas podiam prosperar juntas”. Recordase, aí, que a posição dos ‘Founding Fathers’, ao admitir a tese da separação das Igrejas face ao Estado, ia no sentido de favorecer mais as primeiras do que o segundo. E lembra-se, igualmente, a posição de Edmund Burke que advertia: enquanto na Europa, a ‘religião’ se tornou sinónimo de guerra ou opressão, na América ela deveio fonte de liberdade. Na Conclusão Urbi et Orbi (pp. 354-355), os Autores explicam mais amplamente a sua Tese central: “Este livro pretendeu salientar que as teorias da secularização estão erradas ao reclamar que modernidade e religião são incompatíveis. A religião tem-se esforçado sempre, no mais moderno país do mundo (e na sua cidade mais cosmopolita). Agora, vê-se também prosperando o mesmo caminho em muitas regiões do mundo em vias de modernização, desde a Ásia ao Médio Oriente. As grandes forças da modernidade ─ tecnologia e democracia, escolha e liberdade ─ estão, todas, fortalecendo a religião, em vez de a enfraquecer. “Dêem ao povo a liberdade para controlar as suas vidas e, para o melhor ou para o pior, eles escolhem, com frequência, dar à religião mais poder. Dêem ao povo religioso tecnologia moderna, e eles frequentemente a usarão para comunicar a Palavra de Deus a grupos de crentes cada vez maiores”. Os Autores pressupõem que o Mundo caminha, claramente, na direcção dos U.S.A., em detrimento da direcção histórica da Europa (ibi, p.355). Entretanto, no que tange aos problemas e conflitos (reconhecidos…) entre a modernidade secularizada e as religiões, eles acharam por bem adicionar três ‘caveats’: a) há muitas posições e orientações religiosas (com os islâmicos no topo), que estão combatendo o liberalismo capitalista; b) o triunfo do modelo

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Americano não significa que as alternativas estejam, definitivamente, excluídas; c) o acompanhamento natural da modernidade não é a religiosidade, mas, antes, o pluralismo. Este é o ‘caveat’ mais importante (cf. ibi, pp. 355-357). Os Autores não conhecem, nem os caminhos nem os métodos para pôr fim às guerras, a começar pelas religiosas (pp.357 e ss.). E esta é uma matéria que não pode ser ignorada: ao longo da trágica história da Humanidade (particularmente na Era da formação e contraposição das civilizações), a violência, a opressão (uniformista) e a guerra foram o tributo pago às Sociedades humanas pelas religiões institucionalizadas. A própria Cultura do Ocidente, no que toca ao Pluralismo e à Autonomia das Consciências dos Indivíduos-Pessoas, está ferida de morte até à medula, precisamente por causa da sua incontornável Dogmática uniformista e cruzadista, vis-à-vis dos outros povos e civilizações. De algum modo, no último § do livro (p.373), os Autores começam a levantar o véu da ‘conspersio’ monstruosa que a Civilização criou: “Os secularistas precisam de reconhecer que o inimigo que ‘tudo envenena’ não é a religião, mas a união da religião e do poder, ─ e os crentes precisam de reconhecer que a religião floresce melhor lá onde opera num mundo de livre escolha; ─ esse mesmo, como uma vez o valente livre pensador Benjamin Franklin o pôs a claro: ‘Quando a religião é boa, eu entendo que ela se aguentará por si mesma; e quando ela não se aguenta por si mesma, e Deus não se interessa em mantê-la, de tal modo que os professores são obrigados a clamar por ajuda ao poder civil, ─ isto é um sinal… O que eu apreendo é que se trata de coisa má’ ” Em resumo, o horizonte (crítico) de investigação dos Autores é limitado e precário: estão muito longe de ter em conta o Psico-Sócio-Ânthropos holístico; e, por conseguinte, ficam confinados à sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Os indivíduos continuam a ser considerados e tratados, societariamente, como um ‘Rebanho humano’ conduzido por Pastores. Ora, no horizonte crítico de uma Cultura veramente Alternativa, tudo deveria ser avaliado a partir dos Princípios da Autonomia (primacial e primordial) dos Indivíduos-Pessoas e do respeito pelas suas Consciências reflexivas e críticas. Só eles poderão dar origem à verdadeiramente Alternativa Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Por isso, continua a ser um engano dizer e argumentar: God is Back!... Na linha do ‘intimior intimo meo’ de A. Agostinho, Deus tem a sua residência privilegiada nas consciências dos IndivíduosPessoas humanas. Os Autores nunca falam das religiões institucionalizadas, qua tais. Dir-se-á que é um fenómeno que desconhecem… e, todavia, a realidade é mesmo essa, não a do discurso da religião ‘in abstracto’. Por isso, também, eles terão dificuldade em perceber bem as advertências críticas de Karl Marx sobre a Religião, quando proclamou que ‘a Religião é o ópio do povo’. ─ Claro que é mesmo: mas há que acrescentar, em nome da verdade holística: as Religiões Institucionalizadas! Demandar incansavelmente e sem tréguas, a Verdade (contra as Mentiras correntes…) é tarefa de heróis, conscientes e vivos. As Mentiras, hipocrisias e prepotências, que hoje verificamos no universo do Economicismo, têm, afinal, a sua génese e primeira formatação no horizonte das Religiões institucionalizadas. Tudo decorre, sempre, na órbita do Homo Sapiens tout court, metafísicoontologicamente dualista. Antes de 2008, era o reino do Crédito fácil e da Especulação financeira no Imobiliário, ─ o que trouxe, consigo, na meia dúzia de anos posteriores, a forte agitação na Bolsa e na Banca, e as crises das Dívidas soberanas nos Estados, que precisaram de programas de assistência financeira, para não entrarem em bancarrota. O Crash de Wall Street e

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o disparar das dívidas (individuais, grupais, estatais) in infinitum acarretaram consigo um tsunami de ‘Great Depression’ económica, e afligiu e infectou, duradouramente, o Mundo inteiro. ─ Quando serão aprendidas as verdadeiras Lições da História, que interessam?!... Quem nos ajuda? ─ Perguntam os povos em depressão e sem dinheiro, e os trabalhadores e suas famílias desempregados!... Não vai ser, por certo, a Alemanha, com a sua ideologia doentia de ‘Die Schulde’, a lembrar-lhes, continuamente, que a dívida (dos outros) é um vício (cf. Federico Rampini: ‘Banqueiros: Histórias do Novo Banditismo Global’, Editorial Presença, Queluz de Baixo, 2014, pp.32 e ss.). “Concedendo facilmente crédito a todos, Wall Street tinha inventado um atalho financeiro para resolver um gigantesco problema social: a dilatação patológica das desigualdades, o empobrecimento dos trabalhadores e da classe média, o colapso da capaci-dade de poupança das famílias, a dificuldade de acesso à primeira habitação” (ibi, p.32). Na base: os Estados mais ricos e poderosos (no Sistema Cap. de Comércio Internacional) têm o hábito de viver acima das suas possibilidades; e os Estados mais pobres e fracos, sistemicamente abaixo das suas possibilidades reais. Como pressupôs a Srª A. Merkel (no seu catecismo estrábico), os Mercados (de capitais) têm o condão de auto-regular-se!... Desta sorte, “a austeridade e o neoliberalismo afundam-se de braço dado” (F.R., op. cit., p.35). “A austeridade é tão nefasta quanto a arcaica prisão por dívidas: sangra o devedor para lhe dar uma lição, mas torna-lhe ainda mais árdua a tarefa da devolução da dívida. Já para não falar do seu renascimento económico” (idem, ibi, p.36). ─ É tão diferente a Lição que nos é dada no Deuteronómio, cap. 15, onde poderíamos aprender as boas soluções para todas as crises financeiras, e não só. Em 1929, a Great Depression, nos U.S.A., foi superada e resolvida com o New Deal de Roosevelt. Hoje, nem se quer o Sistema Bancário é devidamente regulado e balizado, para superar uma Crise, que não é de dimensão menor que a de 1929-32. Aí, parece que tudo continua, substancialmente na mesma. “Os grandes bandidos do nosso tempo são os banqueiros. A crise, que teve o seu início em 2007, no sector financeiro americano, atingiu posteriormente uma dimensão sistémica em 2008, até contagiar a economia real em todo o Ocidente, teve como causa os comportamentos perversos dos banqueiros” (idem, ibi, p.20). Depois, como vivemos em sistema capitalista de estrita observância, os ganhos ficam com os sortudos e os usurários; e o que é socializado a partir dos contribuintes e do Erário público são precisamente as perdas. É, assim, que os próprios Estados in-tervêm para salvar os bancos em situação de falência… “e fizeram-no ao ponto de o encargo das operações de salvação esmagarem as finanças públicas, e, deste modo, passa-se do risco de incumprimento bancário para o risco (bem mais grave) de incum-primento de todos os Estados soberanos. Segue-se a imposição de políticas de austeridade ferocíssimas a quase todos os países membros da Zona Euro” (idem, ibi, p.21). A maioria dos banqueiros, que defraudaram a Sociedade, nem sequer foi submetida a julgamento; outros ficaram nos seus postos; e os restantes, por força da idade, ficaram com pensões douradas. Onde pára o Pensamento económico forte e democrático dos anos ’30 do séc. XX, erguido por John Maynard Keynes, o maior economista do séc. XX (como K. Marx fora no séc. XIX), e que serviu ─ no após IIª G.M. ─ de base de sustentação do Plano Marshall? É que a sustentabilidade, baseada no equilíbrio perfeito avalizado por grelhas mecanicísticas, não passa de uma ilusão! Por isso, se começa a falar de soluções baseadas na resiliência dos humanos, enquanto seres vivos. Desta sorte, “muito mais realista será ‘aprender a gerir um mundo em constante desequilíbrio’. Um número crescente de cientistas, pensadores sociais, activistas da sociedade civil e filantropos interessam-se pela ideia de resiliência, para ajudar os mais

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vulneráveis a sobreviverem e até mesmo a prosperarem perante perturbações imprevisíveis” (idem, ibi, p.164). Não se pode esquecer que foi a Ideologia do Neoliberalismo capitalista global dos últimos 25 anos, que desencadeou toda esta situação trágica em que nos encontramos. O estilhaçamento da classe média coincidiu com o afundamento da Economia política, que virou puro Economicismo, comandado superiormente por uma Finança substantivada, uma espécie de efígie de Cresos ou do arcaico ‘Boi Apis’. O nosso jornalista italiano, ilustrado e clarividente, conclui, pois, com toda a razão (op. cit., p.97): “a classe média está realmente a fundar-se, também nos países mais ricos do planeta. E esta tendência de longo prazo coincide exactamente com a financeirização crescente da nossa economia, em todo o mundo ocidental”. ─ Financeirização da Economia e afundamento da classe média constituem, contemporaneamente, as duas faces da mesma moeda. À puridade, é preciso proclamar com o mesmo jornalista e o papa Francisco (op. cit., p.116): “Às vezes sonho com o pêndulo da História a não oscilar sempre na mesma direcção, e que se possa começar uma evolução no sentido contrário, quando ouço o papa Francisco: ‘Se o dinheiro se torna o centro da nossa vida e nos agarra, perdemos a nossa identidade como seres humanos’ (29 de Setembro de 2013). E ainda, mais uma vez o mesmo papa, no dia da visita de Angela Merkel: ‘Se os bancos falirem é uma tragédia. Se as famílias estão mal, se não têm nada para comer, não se faz nada. Esta é a nossa crise de hoje’ ”. Nas origens desta Crise (desde 2007/8 até ao presente), estão os banqueiros e a Banca: o sistema bancário desregulado, e a especulação financeira, sem limites. Decididamente, o Dinheiro não é uma Mercadoria… uma mercadoria como outra qualquer!... É o meio de troca societário por excelência, que tem o condão, na sua chaveta, de envolver todas as restantes mercadorias (que o são de facto). Por isso mesmo, o Dinheiro (com os seus predicados específicos) não pode ser convertido numa outra mercadoria. Assim sendo, a 1ª lei geral de um Sistema bancário (nacional) consistirá em distinguir e não confundir Bancos de Investimento e Bancos de recolha das poupanças dos trabalhadores e dos povos. F. Roosevelt, no seu tempo, conhecia bem essa lei. (Cf. op. cit., p.45, pp.58-59). Nos tempos da Monarquia (absoluta) diziase que o Dinheiro era a chancela do rei; nos tempos da República e da Democracia, dir-se-á que ele é a chancela da Coesão social. ─ O filósofo George Santayana clamava, com indignação justificada: ‘Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo’!... Não é difícil chegar à percepção exacta dos dois efeitos geminados da financeirização da Economia, nesta fase (em que sobrevivemos…) do Neoliberalismo capitalista global: a) agravamento drástico das desigualdades sociais e b) abrandamento (e recuo…) do crescimento económico (cf. idem, ibi, pp.26-27). A regra que aí se aplica é simples: quanto mais se avoluma a financeirização, menos dinheiro é realmente investido na Economia real. Esta é uma lei implacável da Economia política. Esses dois efeitos geminados agigantam-se, quando se misturam e confundem os dois campos separados de F. Roosevelt: os Bancos de Investimento e os Bancos de pou-panças. A lei Glass-Steagall de 1933, aprovada por despacho de F. Roosevelt, foi abro-gada em 1999, com a aprovação de Clinton, já na fase da bebedeira liberal. A lei Glass Steagall, com efeito, “vetava aos bancos que fazem a captação de depósitos dos aforradores de os poder usar em investimentos especulativos ou para adquirir participações accionistas. Era uma divisão saudável dos riscos que foi destruída pelos tiros do pensamento único neoliberal” (idem, ibi, p.45). F. Rampini caracteriza bem e de modo sumário o capitalismo norte-americano (a que nós damos o nome de ‘capitalismo das Corporations par excellence’), em contraste com o europeu, no parágrafo seguinte (op. cit., pp.30-31): “A ‘destruição criativa’ do capitalismo americano, a vitalidade graças à qual as maiores empresas do mundo não existiam nem sequer há quarenta anos (veja-se a Apple ou a Microsoft), é possível porque não são grupos de

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interesses instalados que fossilizam e esclerosam a estrutura accionista. O capitalismo americano vai à caça dos projectos industriais, não dos amigos a proteger. Os maiores investidores, aqueles que determinam os fluxos de compras de acções a longo prazo, são instituições anónimas, como os fundos de pensões. Ninguém sabe quem são os maiores accionistas da Exxon ou da General Electric, da Coca-Cola ou da IBM, e a ninguém interessa verdadeiramente os nomes próprios e apelidos destes investidores: são gigantes, sem rosto, que se movimentam com base na lógica de mercado e não grupos de poder”. Mas os grandes perigos deste tipo de capitalismo consistem em perder, na linha do seu horizonte, tudo o que são leis naturais e gramática comum/racional da vida humana, no seu quotidiano. Um exemplo-padrão: o GMT de 1998 (o projecto do Grande Mercado transatlântico) tinha por finalidade privilegiar (no mercado universal) o direito das multinacionais em realizar lucros. E procurava obter os seus resultados mediante o AMI (Acordo Multilateral sobre o Investimento). Só nos domínios do sector alimentar, ficariam as portas abertas para os híbridos de toda a sorte, os transgénicos, os produtos geneticamente modificados,etc.. (Cf. ‘Manière de Voir’, nº 136, Ag.-Set. 2014, pp.15-17: Comment l’AMI fut mis en pièces, por Christian de Brie). Tem, entretanto, grande alcance estratégico conhecer os critérios, na base dos quais se distinguem as Sociedades prósperas e progressivas, em contraste com as que se encontram em declínio e decadência. “Dois estudiosos da história económica, Daron Acemoglu e James Robinson, num ensaio recente, Why Nations Fail: the origins of power, prosperity and poverty [‘Por que falham as Nações’], esclarecem o critério que distingue os países que têm sucesso, em comparação com aqueles que regrediram. Os primeiros são governados por instituições ‘inclusivas’, são sociedades abertas, com mo-bilidade a partir de baixo e uma renovação contínua das elites. O declínio atinge as ‘sociedades de extracção de minério’: aquelas onde uma minoria ‘extrai’ riqueza do resto da população, fundamentalmente para seu próprio benefício e em favor do seu domínio. A transição de uma para outra fórmula é uma receita segura para a decadência” (idem, ibi, p.52). Pode, agora, perguntar-se, se é possível estabelecer diferenças entre os bons e os maus banqueiros, no contexto em que a ‘Machina Mundi’ funciona. A resposta certa é-nos dada por F. Rampani (op. cit., p.65): “A distinção entre banqueiros bons (governadores ou presidentes dos bancos centrais) e banqueiros maus (os banqueiros que nos recusam a hipoteca, especulam com derivados e ajudam o Tronchetti) é muito simplista. Para começar, entre as duas funções existem portas giratórias, como se costuma dizer na América. O sistema das revolving doors descreve a rotação frequente dos cargos entre o sector público e o privado. Tem vantagens porque, assim, se encaixam nas altas esferas do Estado pessoas que têm uma carreira profissional não exclusivamente burocrática. Todavia, existem algumas contraindicações, uma vez que os servidores do Estado podem ter tendência para servir também os seus ex ou futuros empregadores privados”. ─ Como dizia e argumentava Il Principe di Lamapedusa (autor de ‘Il Gatto Pardo’): Procede-se, de vez em quando, a algumas mudanças, para que tudo possa ficar, substancialmente, na mesma! Claro, dentro da sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Essas mudanças até servem para fingir alternâncias e, por vezes, dissimular Alternativas. Como sucedeu, v.g., durante ca. de 70 anos, na U.R.S.S.: edificaram, aí, o que ‘urbi et orbi’ foi vulgarmente chamado de Socialismo. Afinal, o mo-delo não passou de ‘capitalismo monopolista de Estado’ (J.K. Galbraith dixit, nos anos ’60 do séc. XX). O vero e autêntico Socialismo só se edifica, a partir dos Sujeitos humanos Livres e Responsáveis, agindo e actuando, sempre, activamente. Pressupor que se trata, apenas, de tomar

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(revolucionariamente ou não) o Poder de Estado foi a eterna Ilusão historicista, que ainda hoje nos impede de gerar e promover pluralismo societário e estilhaçar o tradicional uniformismo social-societário. Por sua vez, a redistribuição justa da riqueza, dando atenção às lutas contra as desigualdades sociais, nunca foi, propriamente, uma preocupação (séria…) do Sistema capitalista, mesmo nas suas variantes social-democratas. “O movimento ‘Occupy Wall Street’ conseguiu demonstrar que a questão da desigualdade não está superada: sondagens de várias cores políticas têm revelado que slogans contra ‘os 1%’ são populares e até transversais. A batalha contra o aumento do fosso entre os mais ricos e os mais pobres não recolhe apenas o esmagador consenso entre os eleitores democratas, mas também entre uma parte substancial dos independentes e do eleitorado republicano” (idem, ibi, p.152). O Estado social, por ex., nos países escandinavos é bem diferente do capitalismo puro e duro dos U.S.A.: “lá, a diferença média entre o ordenado de um administrador e de um empregado da mesma empresa é de seis para um, e não de seiscentos para um como nos Estados Unidos. No entanto, funciona, as pessoas aceitam-no, não é um igualitarismo comunista o facto de o gestor poder receber seis vezes mais do que o operário. E as economias dos países escandinavos são competitivas” (idem, ibi, p.156). Se viermos a sair desta Grande Depressão (de 2007/8 até ao presente) para uma situação onde os Estados-nações são mais fracos (contrariamente ao que se passou com a ‘Great Depression’ de 1929-32), ─ isso virá a pôr, necessariamente, em relevo um facto histórico a considerar no futuro: o pendor e a inércia societários vão no sentido da construção do Império, à escala mundial: com o acento tónico na Economia e não na Política. Isso afastará para as calendas gregas a recuperação do modelo clássico do ‘Estado Social’ (que vigorou no período dos chamados ‘Trinta gloriosos’ da 2ª metade do séc. XX). Altos e baixos: é o panorama, que se divisa em frente. Segundo o Autor de ‘Cisne Negro’ (D. Quixote, Lisboa, 2011), o matemático libanês Nassim Taleb (actualmente prof. em Oxford e no Politécnico da Univ. de Nova Iorque, ─ evocado por F.R., op. cit., pp.74-75 ─, não é só “o ecossistema bancário que está a encher-se de bancos gigantescos, é um sistema incestuoso e burocrático: se cair um, caem todos em cascata”; mas também o facto, surpreendentemente patético, de que o mundo se encontra, presentemente, em piores condições do que em 2008: a política monetária continua errada, porque “aumenta artificialmente o PIB, torna os ricos ainda mais ricos, ao mesmo tempo que não melhorou as condições da maioria dos cidadãos. Os grandes actores da finança hoje arriscam ainda menos o seu dinheiro, não põem em jogo a própria pele”. E, por estupidez ou ignorância, parece continuarem, todos, a dar crédito ao teorema da auto-regulação dos mercados. Em 19 de outubro de 2013, Barack Obama nomeou, para presidente da Reserva Federal, Janet Yellen (uma mulher formada em Yale, na Escola de James Tobin), uma mulher da ‘contra-cultura’, que havia denunciado, antecipadamente, a bolha especulativa das hipotecas subprime, e da qual se espera uma estratégia nova, decisiva e eficaz. Como J. Tobin, J. Yellen é neokeynesiana, defensora do papel decisivo da intervenção pública para a saída da recessão; não acredita na auto-regulação dos mercados. Sobre J. Yellen escreve F. Rampini (op. cit., p.81): “Foi professora na Univ. de Berkeley, o polo californiano do pensamento progressista. O New York Times descreve-a como ‘um membro daquela contracultura que começou a atacar a eficiência dos mercados’. Até a sua vida privada tem a marca desta escolha ideológica: o seu marido, George Akerlofe, também ele um Prémio Nobel (e definido por Lord Meghnad Desai da London School of Economics como ‘um inconformista, a pessoa que mais se aproxima de Woody Allen’), conquistou a fama ao desmontar a teoria liberal sobre a autorregulação dos mercados com um ensaio cujo título é inequívoco: ‘The Market for Lemons’ (‘O Mercado dos Produtos Inacabados’)”.

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Resumindo e concluindo: convém polarizar as nossas atenções e preocupações em 4 postulados/princípios, que se poderão configurar como segue: A) A Política não é tudo; mas tudo é, básica ou supremamente, político. B) O sistema bancário está ao serviço da real Economia Política, de contrário, é a queda no economicismo e na khre-matística (já condenada por Aristóteles). C) No sistema bancário, há (em nome do princípio: ‘salus populi →suprema lex’!) dois campos distintos e inconfundíveis: o dos bancos de recolha das poupanças dos trabalhadores e das populações e o dos bancos de investimento. D) Os mercados nunca se auto-regularam nem nunca se hão-de autorregular. Acreditar na chamada ‘Democracia dos Mercados de capitais’ (como tem, repetidas vezes, proclamado e defendido a Chanceler alemã, Angela Merkel) constitui uma Ilusão e uma Insânia, de consequências trágicas. O nome ajustado que a tal tramóia se deve dar é a figura geométrica irreal do ‘círculo quadrado’.

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● Para mudar o Mundo, para obter veras e autênticas Alternativas de or-ganização das Sociedades humanas, é absolutamente necessário e indispensável constituir e institucionalizar veras Culturas Substantivas (à escala individual-pessoal e à escala nacional), respaldadas e sustentadas por Sistemas Educativos nacionais dignos do nome. Isso, porém, não se faz sem mudar os eixos e a direcção da Carruagem humana. É preciso recuperar o Psico-Sócio-Ânthropos integral e holístico, próprio do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ e da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Se as Sociedades humanas prosseguirem adoptando a cartilha do ‘Homo Sapiens tout court’, não terão outra sorte senão continuar a sempiterna e desgraçada Cultura do Poder-Condomínio. ‘The World is flat’ (escreveu, há uma dezena de anos, um escritor norte-americiano, em título de livro). O Mundo está chato e esvaziado como os pneus do carro acidentado: o Mundo gira sobre rodas furadas!... Há mais de duas décadas, o filósofo italiano, Gianni Vattimo, punha de manifesto e profligava o chamado ‘pensiero debole’. Dir-se-ia que o império das mercadorias e do co-mércio internacional globalizado dissipou as esferas do Pensamento e das Vontades livres e responsáveis. Quando tudo rola sobre as esferas mecanicísticas da Exterio-ridade (postergando absolutamente as realidades da Consciência individual-pessoal e da Experiência como mestra de vida), não são de esperar outros resultados. O estendal de destroços, que temos pela frente, com os próprios sistemas bancários arruinados (à semelhança do que enojara o Anjo do Apocalipse de Walter Benjamin), constituem a produção directa do Neoliberalismo capitalista global. Entretanto, que se passa nos horizontes da União Europeia? Procura-se pôr em marcha a última machadada no modelo do clássico ‘Estado social’ europeu: trata-se, com uma intenção sinistra e perversa, mediante programa oculto, de privatizar a pró-pria Segurança Social (pública), além de outros serviços públicos. É este cavalo de Tróia contra a Segurança Social, que os governos ultra-liberais da Europa, ao serviço do Bilderberg’s Group, estão a desencadear, desde Dezembro de 2011. Com efeito, o que o Bilderberg’s Group pretende é reduzir a estilhaços o ‘modelo social europeu’, convertendo a U.E. (com a ajuda da aprovação, no Parlamento Europeu, do regime de contratos públicos para estas áreas) num espaço económico e político inteiramente comandado pelos mercados financeiros e por um ultraliberalismo suicidário. O seu plano é o de amordaçar e privatizar (reduzindo tudo ao

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catecismo da concorrência lucrativa) as três grandes áreas do clássico ‘modelo social europeu’: Educação, Saúde e Segurança Social. Seriam submetidos às regras da concorrência e dos mercados os seguintes serviços públicos: “─ Serviços de saúde e serviços sociais; ─ Serviços administrativos nas áreas da educação, da saúde e da cultura; ─ Serviços relacionados com a segurança social obrigatória; ─ Serviços relacionados com as prestações sociais. “Entre estes, avulta a intenção expressa de privatizar a segurança social pública, a par dos serviços de saúde e outros serviços sociais assegurados pelo Estado”. (E-mail de 20.6.2014, enviado pelo Amigo Prof. F. Capela Miguel, p.3). O processus de transição é efectuado de modo soft e camuflado… Assim, os contratos para tais serviços sociais são regidos pelo esquema da con-tratação pública para serviços sociais, i.e., pelo regime de concurso público; a tal ponto que é estabelecida a regra de que os Estados membros “devem instituir procedimentos adequados para a adjudicação dos contratos abrangidos pelo presente capítulo, assegurando o pleno respeito dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos operadores económicos…” (ibi, p.4). O vezo e a inércia do Lucro egoísta/capitalista como Regra universal constitui o Norte de todas essas directivas e planos de enquadramento jurídico. “Afinal, a lógica ultraliberal de que o melhor dos mundos será quando, da água à saúde, da educação à segurança social, tudo e toda a nossa vida estiver controlada pela lógica dos mercados e do lucro. Ou seja, pela lei do mais forte. Que é também coveira da democracia. E o Estado contemporâneo abdicar, como tarefa central, da sua função redistributiva e de redução da desigualdade social e regressar à vocação residualmente assistencialista do Estado liberal do séc. XIX” (ibi, p.5). O texto em pauta refere, ainda, a justa e acertada posição crítica do deputado socialista belga, no P.E., Marc Tarabella, a propósito da sinistra ‘Directiva Bolkestein’ (Bilderberg’s member), que pretendia a integração da segurança social pública nos mecanismos concorrenciais do sector privado. A sua denúncia é lapidar (ibidem): “privatizar a segurança social é destruir os mecanismos de solidariedade colectiva nos nossos países. É também deixar campo livre às lógicas de capitalização em vez da solidariedade entre gerações, entre cidadãos sãos e cidadãos doentes…”. A conclusão do texto em pauta presta atenção ─ e muito bem ─ tanto à corda como aos nós da corda (ibi, pp.5-6): “É preciso defender a Segurança Social (e a Saúde e a Educação públicas) como uma prerrogativa do Estado e um sector não sujeito às regras dos Tratados relativas ao mercado interno e da concorrência. Para não termos, um dia destes, os nossos governantes e os seus comentadores de serviço, com a falsa candura de quem nos toma por parvos, a explicarem que vão entregar a segurança social pública aos bancos e companhias de seguros, porque se limitam a cumprir uma decisão incontornável da União Europeia, como já estão a fazer na saúde e na educação. Decisão pela qual, evidentemente, diriam não ser responsáveis. Como é próprio dos caniches dos credores. E acrescentando sempre, dogma da sua fé neoliberal, que nada melhor do que a concorrência e a privatização para baixar os custos e proteger os ‘consumidores’, aquilo em que querem converter os cidadãos. Como se vê nos combustíveis, nas comunicações ou na electricidade. Tudo boa gente. “É preciso levantar a voz e a resistência social e política à escala europeia contra este projecto, antes que seja tarde demais. Em defesa da Segurança Social pública e do Estado Social. Garante de democracia e de menos desigualdade social”.

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Parvulus error in principio, magnus in fine!... A. Smith estabeleceu a axiomática: na Teia societária, os vícios privados convertem-se em virtudes públicas, e as virtudes privadas convertem-se em vícios públicos: na base, pressuposta, da universali-zação dos Egoísmos. Desta sorte, as Sociedades (ditas humanas…) são organizadas e postas a funcionar segundo um catecismo (patético!...) de Perversidade universalizada. Já não há Cidadãos nem Democracia… O que há são consumidores, na Grande ‘Machina Mundi’. O que impera, everywhere, é a religião laica do Objectivo-Objectualismo, alavancada na santa Ideologia do Monismo Epistémico. E como a Espécie humana é, em termos culturais, um Himalaia de ‘Ses’ encadeados uns nos outros, os caminhos tanto se podem fazer no sentido e na direcção do Bem ou no sentido e direcção do Mal. Postular e concluir que tudo depende daquele que iniciou o Caminho ou do Grupo que esteve na origem do processo ou da Autoridade que se constituiu em Poder… é falar mal e errado!... Porque, no fim de contas, todos os Indivíduos-Pessoas da Espécie Sapiens//Sapiens podem reclamar os mesmos Direitos!... E assim se anularam, pelo menos em princípio, todos os ‘Rebanhos humanos’, todos os padrões gregaristas da organização e funcionamento das Sociedades humanas. Não se pode esquecer que é aí mesmo, nessa tópica, que se encontra a fonte da clássica axiomática da ‘Liberté, Égalité, Prosperité, a tríade da Burguesia revolucionária; não se pode esquecer, igualmente, que o Proletariado emancipado universalizou a tríade, substituindo o terceiro elemento da tríade (burguesa) pelo substantivo adequado: ‘Fraternité’, ─ adequado, na medida em que a gramática da inclusão (de todos) suplantou a cartilha da tradicional exclusão (de muitos, não apenas de alguns…).

● Os dois ‘pais fundadores’ (Jean Monnet e Robert Schuman) da C.E.E., fundada pela assinatura conjunta, dos primeiros seis países, do Tratado de Roma, em 1957, (que mais tarde veio a evoluir para a U.E., hoje com 28 países-membros), ─ no final das suas vidas reconheciam que, se houvessem de começar tudo, de novo, começariam, justamente, pela Cultura: pelas diferentes culturas nacionais e pela promoção do Diálogo aberto e crítico de umas culturas com as outras. É que essa é, de facto, a gramática incontornável do Psico-Sócio-Ânthropos integral e holística, a gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Começar com a Adesão activa, livre e responsável, dos Indivíduos-Pessoas/ /Cidadãos, e não pela geometria dos mercados e das mercadorias… Esta segunda solução é a da Teoria do ‘Rebanho humano’, configurada e estabelecida pela sempiterna Cultura do PoderDominação d’abord. Ela não conhece outro catecismo senão o da religião laica do ObjectivoObjectualismo, que logo vai desaguar no Economicismo e na pura Khrematística. Esta economia é absolutamente incapaz de cumprir o princípio do ‘pleno emprego’, ainda que o proclame, demagogicamente, com frequência; é in-capaz de atribuir, responsavelmente, ao Estado (nacional) a função (principal) da Re-distribuição equitativa da Riqueza; é incapaz de distinguir e separar, em dois planos diferenciados, a economia concernente à sobrevivência dos Sujeitos (dimensão socialista), e a economia polarizada nos objectos e nas mercadorias, aberta às inovações e ao progresso. Eis por que, para sairmos com sucesso desta obscura e sinistra Encruzilhada histórica, precisamos de edificar, quanto antes, uma CULTURA SUBSTANTIVA, ─ culturas nacionais substantivas, por definição, transversais a todas as áreas e sectores da Sociedade, e não dependente das ocilações e variações anuais do Orçamento Geral do Estado (OGE). A entrevista de António Gomes de Pinho (ex-administrador da Fundação de Serralves e, entre outras funções, secretário de Estado da Cultura no Governo da Aliança Democrática) pode servir-nos de agenda propedêutica, para a problemática que está em causa (entrevista dada ao ‘Expresso’/Atual, 19.7.2014, pp.42-44).

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Alexandra Carita e o entrevistado houveram por bem inserir, à cabeça, o título adequado: Cultura Transversal. E logo no frontispício enunciaram a Tese: “Entender a cultura como uma política estrutural e estruturante, capaz de polarizar todas as outras políticas, a começar pela económica, é o passo decisivo, que o país ainda não soube dar, para crescer a todos os níveis” (ibi, p.42). A.G.P. está certo, quando assevera: “O mundo da cultura e o mundo da economia não devem nem têm de ser contrapostos”. Afinal, quem os contrapõe, por definição, é o próprio Sistema capitalista, com a sua bandeira do fanatismo do Lucro. O Sistema nem sequer ‘autoriza’ que um fabiano qualquer se lembre de trabalhar ‘pro bono’!... O entrevistado começou por falar ─ e bem ─ “de um conjunto de factores de natureza imaterial, mas que determinam e condicionam muitas vezes o comportamento das pessoas. É por isso que duas sociedades com o mesmo modelo institucional, até com o mesmo nível de desenvolvimento, podem ter escolhas completamente diferentes, de acordo com as respectivas culturas. Portanto, a ideia de oposição entre estes dois mundos, cultura e economia, é uma ideia que está ultrapassada e que não é operativa” (ibi, p.43). A.G.P. acerta no alvo, quando faz propostas para a sociedade portuguesa, ao mesmo tempo que procede a uma avaliação crítica global: “Uma reflexão sobre o carácter nuclear da cultura num processo de saída da crise, de desenvolvimento. Nós não atravessamos só uma crise económica, atravessamos uma crise mais global, se calhar, uma crise de civilização, uma crise de modelo económico… Vivíamos num paradigma, e esse paradigma mudou” (ibidem). Ora, nas situações históricas de mudança de paradigma, é, aí mesmo, que a Cultura substantiva (e estruturadora) como bússola, tem de cumprir os seus dois papéis (o das situações normais e o das situações anormais…): Aí a cultura tem “um papel nuclear, estrutural e estruturante das outras políticas. A cultura tem de ser vista nessa perspectiva, que é uma perspectiva nuclear, porque está no centro, transversal, porque deve contaminar todas as outras políticas, e transgeracional, na medida em que os seus efeitos não se esgotam no curto espaço, e estruturante, porque se prolongam no médio e longo prazos” (idem, ibidem). A Cultura deve ser a atmosfera que se respira… ela está em toda a parte. Ela envolve e molda os sistemas educativos (nacionais). “O papel da criação cultural no enriquecimento do factor humano e do complemento da formação escolar e profissional é fundamental para a mudança do paradigma de desenvolvimento. Criaria cidadãos mais críticos, mais livres, e por isso um sustentáculo da própria democracia, mais exigentes, mais responsáveis, mais participativos… Mas, ao mesmo tempo, criaria cidadãos mais preparados para a inserção no mundo moderno da economia e empresarial” (idem, ibidem). Na órbita da Cultura substantiva, é, sem dúvida, mais importante e decisivo, no Órganon da Governação, haver um vero e autêntico Conselho das artes e das ciências e da cultura, capaz de balizar caminhos e estabelecer orientações certas e ade-quadas, do que propriamente um Ministério da Cultura, concebido e institucionalizado nos moldes tradicionais (sempre estigmatizados pela hegemonia absoluta do económico/ /economicista). É da mesma opinião o Autor citado (ibi, p.44): “Não vejo grande necessidade de um Ministério da Cultura. Vejo necessidade de uma espécie de Conselho das artes e da cultura, onde participem uma série de pessoas, que garanta uma grande representação e um grande consenso em matéria cultural”.

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PAINEL / Bússola de Orientação ─ A dupla: Deus e o Ateísmo: sentido dos Contrastes e Confrontos; ─ Poder e Liberdade: Deus está do lado da 2ª. Ao folhearmos as pp. da rev. ‘The Good Book Guide’, nº de Julho/Agosto de 2014, deixámos cair o nosso olhar na recensão que, aí, é feita do livro ‘ATHEISTS/The Origin of the Species’, de Nick Spencer, Bloombury Continuum, London, 2014 (cf. ibi, p.36). É um daqueles autores que não se deixa cegar pelo catecismo do Objectivo-Objectualismo. Dá conta da árvore e, ao mesmo tempo, da floresta. Pode ler-se, aí, esta avaliação crítica assizada: “Temos tendência a pensar os ateístas nos seus hábitos característicos de oposição à religião, por via de regra, ao Cristianismo, mas ─ como é salientado neste livro ─ o ateísmo emerge, usualmente, como resposta ao autoritarismo, por parte do Estado, por ex., a Rússia no séc. XIX, ou a França, antes e durante a Revolução. A história do ateísmo é melhor vista e apreciada, não como um conjunto diferente de respostas às questões sobre quem criou o universo ou se Deus existe, mas, outrossim, como uma série de movimentos que se constituíram em oposição ao totalitarismo”. Desta sorte, “o que é, todavia, claro, é que, muito mais certamente, nem Deus morreu nem o Ateísmo. Estão, ambos, aí, para ficar”. Quanto ao Poder (que é sempre um só, em última instância, como tem ensinado e aprendido o C.E.H.C.), há um livro recente (uma estrela na noite escura da PotestasDominação d’abord), de Moisés Naím (doutorado pelo MIT e com uma carreira muito diversificada), que dá pelo título: ‘O Fim do Poder?’ (Gradiva, Lisboa, 2014). Na capa, inscreveu-se a bandeira da obra (412 pp.): “Dos campos de batalha às administrações, aos Estados e às Igrejas. Porque ter poder já não é o que era”. Na introdução, deixou-se a tese central explanada: “Este é um livro sobre (…) como o poder ─ a capacidade de mandar outros fazerem ou pararem de fazer alguma coisa ─ está a sofrer uma transformação histórica capaz de mudar o mundo. O poder está a dispersar-se, e os grandes agentes, há muito estabelecidos, são cada vez mais desafiados por outros mais novos e mais pequenos. Além disso, os que detêm poder enfrentam cada vez mais limitações nas formas como podem utilizá-lo”. Em suma, as mensagens do C.E.H.C., configuradas expressamente, desde os inícios do que nós chamámos a Pós-modernidade positiva e crítica (1989/91), estão, pelo menos parcialmente, a ser percepcionadas e a cumprir-se, historicamente. Por linhas enviesadas e cruzadas, à tâtonnements. No atinente ao primeiro parergo do Painel (supra: Deus e Ateísmo), as dúvidas e os paradoxos são reduzidos, porque se constituem na órbita da concepção clássica/tradicional da Divindade (extrínseca e transcendente ao Universo criado). Já não se passa o mesmo com a problemática do 2º parergo do Painel: Poder e Liberdade. De que lado está, aqui, a Divindade?!... Na concepção tradicional (que foi ratificada em Paulo: Rom. 13, 1: ‘Non est potestas nisi a Deo’!...), os Poderes constituídos eram tidos e havidos como procedentes, inelutavelmente, de Deus. Por isso, a mundividência ideológica tradicionalista só conhecia a doutrina, que nos ensina que Deus está do lado do Poder-Dominação d’abord.

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Entretanto, também, aqui, há caminhos novos que estão a ser abertos, por vezes, nas frentes culturais mais insuspeitáveis. É o caso do livro, que nós saudámos vivamente, de Boaventura de Sousa Santos (presidente do C.E.S. de Coimbra), que dá pelo título muito significativo: ‘Se Deus fosse um Activista dos Direitos Humanos’ (Ed. Almedina, Coimbra, 2013). Na contracapa, o Autor salienta e resume as teses centrais da obra: “Neste livro, centro-me nos desafios aos direitos humanos, quando confrontados com os movimentos que reivindicam a presença da religião na esfera pública. Estes movimentos, crescentemente globalizados, e as teologias políticas que os sustentam, constituem uma gramática de defesa da dignidade humana, que rivaliza com a que subjaz aos direitos humanos e muitas vezes a contradiz. As concepções e práticas convencionais ou hegemónicas dos direitos humanos não são capazes de enfrentar esses desafios, nem sequer imaginam que seja necessário fazê-lo. Como procuro demonstrar ao longo deste livro, só uma concepção contra-hegemónica dos direitos humanos pode estar à altura destes desafios”. A concepção contra-hegemónica dos Direitos Humanos é, entre muitas outras Teses psico-sócio-antropológicas, uma das mensagens essenciais que o C.E.H.C. tem estrenuamente proclamado e difundido everywhere. Isso, de resto, decorria da nossa Chave Hermenêutica do Psico-Sócio-Ânthropos: o confronto e a superação da tradi-cional Cultura do PoderDominação d’abord pela Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial; o confronto e a superação do ‘Homo Sapiens tout court’ pelo ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Na órbita do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, Deus está, incontor-navelmente, do lado da Liberdade Humana Responsável (não do lado da Potestas d’abord). De que modo e por que via? Enquanto o ‘intimior intimo meo’ de Aurélio Agostinho; e actuando como testemunha, na tríade da Consciência humana: Sujeito/ /Objecto/Testemunha. Mais: os Direitos Humanos não podem ser concebidos nem postos em acção, segundo qualquer cartilha hegemónica. Eis, pois, que aquilo de que a Humanidade está carecendo é de Outra Sociedade (como Alternativa vera e holística). É preciso e urgente recuperar esses dois fenómenos/dimensões da Vida Humana, qua tal: a Consciência Individual-Pessoal e a Experiência pessoal, com o seu ‘saber de experiência feito’! Estas são exigências do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ e sua gramática de vida e funcionamento. Isto mesmo é corroborado pela afirmação do dramaturgo e político checo Vaclav Havel: “a nossa consciência tem de se colocar a par da nossa razão, sob pena de estarmos perdidos”; e pelo mestre em Sistemas educativos, Roberto Carneiro, ao estabelecer a tese: “Nenhuma sociedade do conhecimento sobreviverá, se à sua natural an-coragem nos alicerces da ciência e da tecnologia não juntar a força das convicções inte-riores e o abrigo seguro no cais da consciência partilhada”. (Cf. ‘JL’/Ed., 23.75.8, 2014, p.3). Liberdade Responsável e Autonomia, à escala dos cidadãos e à escala das instituições (a começar pelas Escolas do Sistema educativo nacional). Os impasses, as contradições e as desgraças societárias, na História nacional lusa, têm a sua origem psico-sociológica naquele Facto simples dos primórdios, que nos pariu como Estado, antes de termos nascido como Nação. Não se passou isso, v.g., com a França. O que daí resultou (qual sacramento ‘que imprime carácter’, como ensina o catecismo cristão/católico) foi o padrão de ‘um Estado abafador’, que tolhe e corta toda a iniciativa pessoal; e o padrão de ‘uma Nação heterónoma e superiormente comandada’. Nessa óptica, “o diktat do Estado, que tudo comanda e que sistematicamente reforça o seu poder pela uniformidade, é o supremo entrave à autonomia e à liberdade dos actores: ‘o círculo de ferro que nos tem estrangulado’, nem mais nem menos” (João Santos, in ‘JL’/Ed. cit., p.4). O Projecto da Regionalização do País foi rejeitado em referendo (em 2004). Nós havíamos escrito, anos antes, um livro em sua defesa (que foi muito apreciado no Brasil pelo

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escritor e conferencista João Barcellos e os Grupos que trabalhavam com ele, a partir de São Paulo). Tinha por título: ‘Regionalização! O que não foi dito…’ (Editora Estante, Aveiro, 1998). A Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986, foi, ao longo do séc. XX, o único Documento político-pedagógico, sério e de tomo, a balizar e a orientar o Sistema nacional de Educação e Ensino. Actualmente, está em frangalhos e sem crédito que o sustente, por parte dos sucessivos governos do ‘arco da governação’!... O governo actual pretende, por artifícios mágicos, operar alguma descentralização/desconcentração (eles nem sabem que as duas operações são qualitativamente diferenciadas), mediante o que chama a municipalização, não apenas de serviços adminis-trativos, concernentes às Escolas e ao Sistema educativo, mas, igualmente, de programas lectivos para algumas disciplinas. Em suma, o que está em curso é mais uma machadada mestra no Sistema público de Educação e Ensino, desestruturando-o em nome e a favor dos interesses particulares e do Sector privado de Ensino (cf. art. de João Santos, ibidem). ─ Como pode um país assim lutar, seriamente, por Autonomia e Liberdade Responsável, para os Cidadãos e as Instituições?!... Como pode abandonar a sua triste condição de ‘Rebanho’, conduzido e comandado por pastores?!...

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EPITALÂMIO Duas Teses incontornáveis de Mikhail Bakunine: ─ “Só sou verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me rodeiam, homens e mulheres, são igualmente livres. A liberdade de outrem, longe de ser um limite ou a negação da minha liberdade, é, pelo contrário, a sua condição necessária e a sua confirmação”. (In ‘Deus e o Estado’, Assírio & Alvim, Lisboa, 1976, p.21). ─ “Que se não penalizem os metafísicos e os idealistas religiosos, filósofos, políticos ou poetas: a ideia de Deus implica a abdicação da razão humana e da justiça humana; é a negação mais decisiva da liberdade humana e leva necessariamente à escravidão dos homens, tanto em teoria como na prática” (ibi, p.96). ─ M.B. refere-se, aqui, à noção tradicional de Deus, transcendente e extrínseco e criador do Universo. Está certo, nesse horizonte. O que pode surpreender é ele desculpar os ideólogos metafísicos ou religiosos (do que nós chamamos a Cultura da Potestas d’abord), por-quanto, para o CEHC, eles são cúmplices com os Poderes Estabelecidos.

● Uma Tese de Hakim Bey (seu vero nome: Peter Lamborn Wilson, o escritor americano, anarquista e sufista, que inventou, em 1991, o conceito de ‘zona autónoma temporária’ (temperayr autonomous zone: TAZ): ‘On ne peut se battre pour ce qu’on ignore’. ─ Por que os Seres humanos são dotados de consciência reflexiva e crítica: Indivíduos-Pessoas pertencentes à Espécie ‘Sapiens//Sapiens’. “Nós, que vivemos no presente, será que estaremos condenados a nunca viver a autonomia, a nunca estar, por um instante, numa parcela de terra que tenha por única lei a liberdade? Deveremos nós contentar-nos, apenas, com a nostalgia do passado ou do futuro? Teremos nós que esperar que o mundo inteiro seja liberto do jugo político, para que um só de entre nós possa reivindicar o conhecimento da Liberdade? A lógica e o sentimento condenam essa suposição. A razão quer que a gente não possa bater-se pelo que se ignora; e o coração revolta-se perante um universo cruel, ao ponto de fazer pesar tais injustiças sobre a nossa única geração. Dizer: ‘Eu não serei livre enquanto todos os humanos (ou todas as criaturas sensíveis) não forem livres’ conduz-nos a deixar-nos aterrados, numa sorte de nirvana estuporado, a abdicar da nossa humanidade, a definir-nos como perdedores”. (Idem, in ‘TAZ’, Zone autonome temporaire’, Éditions de l’Eclat, Paris, 1997).

● N.B.: M.B. e H.B. continuam estigmatizados pelo Dualismo metafísico-onto-lógico de Platão e Paulo. E, ao mesmo tempo, pela Cultura do Poder-Dominação d’abord. Eis por que as imprecações e os impropérios justos

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de H.B., entre as gerações do passado e as do futuro, com a polarização de todo o peso e responsabilidade na geração do presente, não conseguem, de facto, ser consequentes!...

Para nós, com efeito, não há, não pode haver, outro Deus senão o ‘intimior intimo meo’ de Aurélio Agostinho, ─ essa Divindade, que está no horizonte da Liberdade Responsável, como espaldar da cadeira/cátedra das Consciências (humanas) Individuais-Pessoais. A escolha do Novo Horizonte constitui, hoje, um imperativo categórico kantiano. E as mensagens do C.E.H.C. são cada vez mais actuais e decisivas, justamente porque têm em conta, e na sua base de edificação, o Psico-Sócio-Ânthropos holístico. Relembrando e desenvolvendo as posições científicas de G.G. Simpson: A Humanidade e suas Sociedades do tipo ‘Sapiens//Sapiens’ estão, ainda, por descobrir e edificar, no Presente e no Futuro. Porque o Processo Civilizatório, iniciado há 5 milénios e meio, no Egipto e no Médio Oriente, com base nas Divindades uranianas, no Patriarcado/Machismo, e na Cultura do Poder-Condomínio, ao estabelecer o tipo-chave da Espécie humana no ‘Sapiens tout court’, impediu, destruiu e destroçou todas as possibilidades de Evolução (a um só tempo cultural e biológica) holística, nos horizontes (bem-vindos) do aprofundamento do Psico-Sócio-Ânthropos, completo e holístico.

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APÊNDICE

● Duas Questões essenciais, estruturais/estruturantes (em termos epistémicometodológicos), que são imperativo categórico do CEHC: A) Afinal, Que Deus nos pode verdadeiramente salvar?!... A nossa Resposta: Apenas O que reside, na Consciência bem formada dos Seres Humanos, no mundo da sua Interioridade: Ele é, aí, a testemunha, o 3º pilar da Consciência, para além do Sujeito cognoscente e do Objecto conhecido. Não esquecer, entretanto, que tudo quanto dizemos ou nos é ensinado acerca da Divindade, é sempre um Ser humano que o diz ou ensina!... B) As religiões (instituídas societariamente) do tipo ‘New Age’ ─ pergunta-se à puridade ─ superaram elas a organização e a estrutura das religiões tradicionais institucionalizadas?! A nossa Resposta é clara e incontornável: Redondamente NÃO!... Continuam a incensar a Cultura (sempiterna) da Potestas-Dominação d’abord.

● Quadro histórico do Horizonte cultural/civilizacional (desde há ca. de cinco milénios e meio): 1. ─ A Espécie Humana foi atraiçoada, estrutural e estrategicamente, em termos biopsico-antropológicos: o paradigma (evolucionário) do ‘Homo Sapiens//Sapiens’ foi substituído pelos padrões civilizatórios do ‘Homo Sapiens tout court’. Por isso, o que prevaleceu, ao longo de todos esses milénios, foi, inexoravelmente, a Cultura do Poder-Dominação d’abord, em lugar da Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. 2. ─ Todas as Divindades, transcendentes e extrínsecas, concebidas e assumidas como criadoras do caos/cosmos e do Mundo, por parte das Religiões institucionalizadas (em 1º lugar, as três de ‘O Livro’), destróiem e aniquilam as Sociedades humanas qua tais, bem como os Regimes Democráticos, que as modernas Constituições nacionais ergueram e estabeleceram. Assim, os Regimes Democráticos (os únicos dignos da Espécie Humana) não podem ser expandidos e aprofundados; eles estão condenados, a médio e a longo prazo. 3. ─ Enquanto essas Divindades permanecerem, nas mundividências societárias dos Humanos, os Indivíduos-Pessoas/Cidadãos serão tratados e arregimentados como cabeças de gado num Rebanho (não se trata de metáforas…), conduzido e orientado por Pastores, i.e., os detentores dos Poderes Estabelecidos (sagrados ou profanos). 4. ─ Em tal horizonte, os humanos não passarão da condição de ‘animais superiores’ (= primatas), dotados de livre arbítrio, ou seja, da lei do pêndulo (de Foucault). Eles não são, nem nunca serão, Indivíduos-Pessoas Livres e Responsáveis e Cidadãos de parte inteira. 5. ─ Jean-Paul Sartre (1905-1980) e outros existencialistas ateus do seu tempo estavam no caminho certo ao concluir (em termos de filosofia crítica) da seguinte forma: ou Deus não existe (esse mesmo de que se falou acima…) e o Homem é Livre; ou Deus existe e o Homem Livre é impossível.

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● Um encontro inesperado: 9 de Agosto de 2014, 9 horas: na nossa residência na Urbaniz. do Salgueiral, Guimarães. A pedido da Lil, eu tinha ido levar a comida aos gatos da garagem (aberta), que aí acorrem diariamente. Inesperadamente, dou com os olhos num par de ‘missionários’ (dos seus 50 anos), que logo adivinhei serem das ‘Testemunhas de Jeová’. A pergunta sobre a sua pertença associativa só foi feita no fim dos 5 minutos de con-versa/Discussão. A minha suspeita foi oralmente confirmada. Começaram por entregar-me 1 folheto e 1 opúsculo de propaganda. Com o fo-lheto na mão, perguntaram-me onde, a meu ver, se deveriam encontrar as respostas mais importantes da vida: se na ciência, na filosofia ou na Bíblia. Em resposta, fiz-lhes uma advertência epistémico-metodológica prévia: o mais importante e decisivo era: cada Indivíduo-Pessoa assegurar e defender, estrategicamente, a independência e a autonomia mentais/culturais. Esta caução é constituída pelo próprio imperativo categórico de uma Filosofia crítica. É forçoso antecipar esta prope-dêutica, visto que a adesão a qualquer uma das 3 áreas, assim genericamente formuladas, é sempre falaciosa e enganadora. Hoje, a ciência está transformada em Tecnociência e Tecnociência-de-Aparelho. A maior parte dos filósofos continua vítima das ideologias (políticas ou económicas) oficiais. E os teólogos ou pontífices das Religiões continuam, eles mesmos, a ignorar o ‘livre exame’ das Escrituras, instaurado por Lutero e pela Reforma Protestante. Despediram-se, ripostando apenas que eu era um académico muito ilustrado, e que, apesar de não concordarem de imediato, iriam pensar a sério no meu Discurso. Tomei a reacção como positiva e de bom augúrio: de facto, só podemos sair do molde hierárquico-dogmático, quando o nosso pensamento (instado pela Consciência) é capaz de se alcandorar à percepção das duas vertentes do Conhecimento: a do Sujeito e a do Objecto: só desse modo ele atinge o que o CEHC designa por grau crítico.

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SOBRE A RETOMA (EDULCORADA) DA CULTURA DO PODER-DOMINAÇÃO D’ABORD, POR PARTE DAS DOUTRINAS FIXISTAS/CRIACIONISTAS DE ALGUMAS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS TIPO ‘NEW AGE’.

● Sobre o Opúsculo: ‘A ORIGEM DA VIDA: Cinco Perguntas que merecem Resposta’ (32 pp.). No sumário (p.2), são identificadas as cinco Perguntas, como segue: 1. Como a vida começou? 2. Existem formas de vida realmente simples? 3. De onde vieram as instruções? 4. Será que toda a vida tem um ancestral em comum? 5. Faz sentido acreditar na Bíblia?

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Como se pode dar conta pela semântica implicitada no elenco, há, desde logo, um pressuposto e uma orientação hermenêuticos: quanto à 1ª, a argumentação a favor do Fixismo e do Criacionismo; no atinente à 2ª, uma retórica argumentativa a favor da crença primacial no que diz, institucionalmente, a Bíblia. Na substância, nada de novo, em confronto com a Cultura do Passado. O que, de resto, é até facultado, v.g., na história da Paleontologia e dos Fósseis, quer na vertente biológica, quer na da Antropogénese, pelos conhecidos ‘elos perdidos’ (lost links), registados na história (geral) da Evolução do Fenómeno Vida. Quando não há uma Filosofia crítica de fundo (como aconteceu no caso dos Gnósticos judeo-cristãos primevos e, paradigmaticamente, na concepção do ‘Deus sive Natura’ de Espinosa, que articulou, como ninguém, a vertente do Sujeito e a vertente do Objecto no Processo do Conhecimento), ─ todo o discurso e linguagem utilizados se convertem numa logomaquia entre horácios e coriáceos, ou gregos e troianos. Na ficha técnica do Opúsculo (p.2), não se faz menção de qualquer personalidade autoral ou Entidade responsável. Figuram, apenas, estas duas indicações: ‘© 2010 WATCHTOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY OF PENNSYLVANIA/Todos os direitos reservados; Editoras: WATCHTOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY OF NEW YORK, INC., Brooklyn, New York, U.S.A.. Edição de 2010. A referência às ‘Testemunhas de Jeová, aparece, tão só, duas vezes e em pé de página (pp.30-31). Há vários autores, mencionados na Bibliografia final, com créditos científicos reconheci-dos, mas que são interpretados de modo enviesado. Apesar das preocupações de índole científica, todo o Discurso do Opúsculo se processa numa órbita apologética: tudo em nome da Bíblia e sua defesa (primacial e primordial): primado hegemónico de um Documento considerado revelado por Deus e sagrado (de acordo, aliás, com as Tradições religiosas cristãs e católicas). Não obstante, tem-se a desfaçatez de asseverar ad hominem (sempre na base ─ como é referido ─ de que ‘a evolução não passa de uma simples teoria’ (p.3), o seguinte (ibidem): “Esta brochura não foi elaborada para apoiar grupos religiosos, que desejam que a doutrina da criação seja ensinada nas escolas. Seu objectivo é examinar o que dizem aqueles que ensinam que a vida surgiu de forma espontânea, e afirmam que o relato bíblico da criação é um mito". A exigência, agora, é processada no plano hermenêutico/científico (desafiando as pautas científicas), não no plano didáctico-societário (como sucedia, antes). ─ Em suma, dá-se a impressão de mudar de eixo (epistemológico…), para, no fundo, continuar a dar as mesmas cartas (depois de baralhadas…), tal como ainda ocorria na 1ª metade do séc. XX. Todo o Discurso do Opúsculo é pautado pelo manual do Objectivo-Objectualismo, ─ o qual, como tem abundantemente demonstrado o CEHC, tem produzido malfeitorias tais, nas áreas das Ciências, em geral, que as transformaram no que nós chamamos ‘a religião laica do Objectivo-Objectualismo’, o qual, por seu turno, engen-drou a ‘Tecnociência’ e a ‘Tecnociência-de-Aparelho’, sobremaneira na época posterior à IIª Guerra Mundial, até ao presente. Tudo, afinal, é pensado e enquadrado na órbita dos Objectos e do mais obsceno Objectivo-Objectualismo (cf. p.4). O horizonte apologético é explorado a partir, v.g., da noção científica de célula procariótica (p.9). É repetido o que, tradicionalmente, se estabelecia, como dogma, na Cultura/Civilização do Ocidente: ‘omne vivum ex vivo’: ‘a vida não pode surgir da matéria inanimada’ (p.7). O Universo e o Mundo da Vida… oximoricamente, tudo é encarado e percebido como uma grande ‘Fábrica’ (pp. 11 e ss.). Em vez do Ancestral em comum, o Discurso do Opúsculo prefere a ideia do Pro-jectista (Criador) (p.26), para assegurar muitas das características comuns aos seres vivos. De maneira absolutamente contraditória, a Linguagam e o Discurso do Opúsculo servem-se da cartilha do Objectivo-Objectualismo, precisamente para configurar e formatar a ideia (fisicalista) de um Deus criador, ─ o princípio da imagem/cópia no Espelho (humano), que

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não passaria de um ‘Super-objecto’ robótico (portanto inanimado). De resto, à boa maneira das ‘prosopopeias’ da Metafísica tradicional, já falecida, com o último golpe de misericórdia accionado pela doutrina da ‘Desconstrução’ derridaísta. Na verdade, quando se avançam dislates do tipo: ‘a evolução não passa de uma simples teoria’ (ibi, p.3), ou se fazem perguntas em circuito fechado como esta: ‘a vida foi criada ou é produto da evolução?’ (ibidem), ─ das duas uma: ou não se abandonou a apologética religiosa ou se está de ‘má fé’!... Mas o mais grave e fundamental é que não se saiu do odre da religião laica do Objectivo-Objectualismo. Não se acertou com o vero e autêntico Método de Estudo e Trabalho: o que é capaz de articular e entrosar o Sujeito cognoscente e o Objecto conhecido (como fizeram, entre outros, de modo paradigmático, Bento de Espinosa e Teilhard de Chardin). A 2ª pergunta do Opúsculo (em questão) é puramente retórica: ‘Existem formas de vida realmente simples?’ (ibi, pp.8-12)!… A formulação é feita, precisamente para induzir e impor, logicamente, uma resposta negativa. Para defender a doutrina (bíblica) do Deus projectista e criador (transcendente e extrínseco), fixistas/criacionistas têm todo o interesse em rejeitar todas as formas de vida realmente simples: ‘De minimis non curat praetor’ (diz o axioma administrativo da Latinidade Romana); tudo é concebido e operado de cima para baixo, não de baixo para cima (como aconteceria num Regime de Democracia autêntica). Ora, é claro que existe vida nos seus estádios fundadores mais elementares. Por exemplo: nas células (a matériaprima da vida), nos enzimas, nas proteínas, nas bactérias, nos próprios vírus, nos micróbios, nos unicelulares, nos protozoários, ─ tudo isso, antes de entrarmos no reino dos metazoários, ou vida complexa. Na verdade, toda a linguagem/discurso do Opúsculo é arquitectada na órbita dos Objectos objectivo-objectuais, precisamente para formatar a ideia metafísica de uma Divindade criadora, que não passa de uma mistagógica imagem/cópia dos humanos, no seu Espelho narcísico!... Leia-se o § seguinte (ibi, pp.14/15): “Um livro de ciências diz que esse eficiente sistema de acondicionamento é ‘uma extraordinária façanha de engenharia’. A ideia de que não houve nenhum engenheiro por trás dessa façanha lhe parece razoável? Se esse museu possuísse uma enorme loja com milhões de itens à venda, dispostos de tal forma que qualquer item pudesse ser facilmente localizado, concluiria que ninguém organizou o lugar? É claro que não. E, comparado ao que a célula faz, organizar essa loja seria algo muito simples.” Em suma, os fixistas e os criacionistas, por não conhecerem a vera e autêntica Metodologia (crítica e salutar), acabam por afundar-se em antropologismos objectivoobjectualistas e em contradições insanáveis. A saga desta gente é, deveras, patética. “O que eu não posso criar, eu não compreendo”, ─ deixou exarado Richard Feynman (in ‘No Ordinary Genius ─ The Illustrated Richard Feynman’/1994). Conhecemos algumas das obras deste cientista que merecem respeito. Mas incorrer num erro de paralaxe desta envergadura… é ceder à insensatez e à imbecilidade. É reforçar a ideia e o programa das malfeitorias da tecnociência, que, a pouco e pouco, está destruindo e anulando a própria Ciência, convertendo-a em tecnociência e tecnociência-de-aparelho (com a Natureza/ /Mãe, assumida, apenas, como ‘matéria prima’). Tirando partido de R.F., lê-se, no Opúsculo em pauta (p.21): “O famoso cientista Richard Feynman escreveu uma pequena frase num quadro-negro pouco antes da sua morte: ‘O que eu não posso criar, eu não compreendo’. Sua sincera humildade é incomum, e o que ele disse é um facto no caso do DNA. Os cientistas são incapazes de criar o DNA com todo o seu sistema de replicação e transcrição, e não conseguem compreendê-lo plenamente. Mesmo assim, alguns têm certeza de que tudo isso surgiu por acaso. Será que as evidências que consideramos realmente apoiam essa conclusão?”.

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Como se pode dar conta, toda a Tonalidade do livrinho em pauta é apologética, embora, desta vez, fundado nas ‘evidências’ de alguma ciência (mais ou menos estigmatizada pelas ‘dogmáticas religiosas’). Afinal, o que eles consideram a humildade de R.F. pode ser assumido como uma super-arrogância, que, na sua destinação, acaba por destruir a Ciência e abrir caminho à Tecnociência e à Tecnociência-de-Aparelho. As contradições dessa mundividência são estruturais!... O saber foi identificado com o saber-fazer: o homem ocupou o lugar da Super-Divindade tradicional, ou seja: o SuperObjecto, convertido num robôt omnipotente. Aliás, na Teoria/Doutrina dos fixistas/criacionistas, o que avulta, no cimo da escalada da construção prosopopeica, é uma Divindade como Super-Objecto, onde crentes e cientistas fazem (por imitação…) o seu habitáculo como agentes todo-poderosos!... Os enganos e as Ilusões trágicas conduzem-nos, todos, a ignorar o que deveriam conhecer, a saber: estabelecer a Igualdade e a Fraternidade e a Liberdade Responsável à escala de todos os seus semelhantes, todos os Indivíduos-Pessoas/ /Cidadãos, vivos, que partilham a vida na Terra e que, antes de tudo, deverão ser consi-derados como Sujeitos (e não como Objectos). De qualquer forma, os fixistas/criacionistas contemporâneos tudo fazem para dar como falsa e sem fundamento o que chamam ‘Teoria da Evolução’ (que, hoje, em termos científicocríticos, é muito mais que uma Teoria/Doutrina…), ─ muito especialmente, quando se adentram na família dos primatas e do género dos hominídeos, para passarem à espécie ‘Homo Sapiens’. Aproveitam as lacunas (os ‘elos perdidos’ ou ‘lost links’) do Processo global da Evolução biológica. Eles não abandonaram a sua ideia principal: a defesa positiva e directa do Fixismo e do Criacionismo das espécies, ─ muito embora pretendam revesti-la de um certo invólucro ‘científico’. Os sofismas são patentes: “O termo ‘hominídeo’ é usado para descrever a espécie que, segundo os pes-quisadores evolucionistas, deu origem à família humana e às espécies pré-históricas semelhantes a humanos”. (Op. cit., p.27). Como é diferente a Weltanschauung (está nos antípodas, em termos culturais/ /críticos) dos cientistas honestos e críticos do Processo da Evolução da Vida. Por ex., a obra titulada ‘CONSILIENCE’ (The Unity of Knowledge) do biólogo norte-americano célebre Edward O. Wilson (Little, Brown and Company/UK, London, 1998). O Autor foi Prof. universitário e curador em Entomologia do Museu de Zoologia Comparada em Harvard; é, sem sombra de dúvida, um dos maiores cientistas e pensadores da 2ª metade do séc. XX. Tom Wolfe disse de E.O.W. que ele era um novo Darwin, no sentido preciso de suplantar os desvios e os erros do Darwinismo vulgata. Na verdade, ao estudar este Livro, damos conta de que o Autor segue as novas Metodologias holísticas e críticas, que ultrapassaram todos os reducionismos (tradicionais). De resto, a palavra polarizadora de todo este Livro (no título), CONSILIENCE, significa ‘o encadeamento das explanações causais através de todas as disciplinas científicas [e culturais!]’ (vd. ibi, pp.6-12 e passim). Semanticamente, o vocábulo está correlacionado com o termo Resilience, que exprime, a um só tempo, a capacidade de resistência do organismo vivo ao exterior e a tentativa de rejuvenescimento. Como poderíamos traduzir e caracterizar o horizonte científico-cultural da Consilience? ─ A Convergência e a Harmonia de todos os Saberes, de todas as Ciências e suas respectivas áreas (que a Modernidade ocidental separou, com efeitos terríveis e danosos, que su-peraram, de longe, os positivos e fecundos). Eis por que a boa e adequada Metodologia científica de E.O.W. parte de baixo para cima, e não de cima para baixo, repudia os reducionismos; e torna-se, ipso facto, amiga do ideário (psico-sócioantropológico) da Liberdade Responsável e da Igualdade social dos Seres humanos em Sociedade (segun-do o que nos foi legado e ensinado pelo Socratismo e pelo Jesuanismo).

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Como se edifica a Cultura da Liberdade, em vez da Cultura do Poder? A partir da Indução, em vez da Dedução? Claro, na base, mediante o primigénio Diálogo socrático (maiêutico), e através de um Processo de Educação, polarizado na díade indivisível Ensino/Aprendizagem e Aprendizagem/Ensino. Não podemos esquecer que os Iluministas dos sécs. XVII/XVIII procuraram manter sempre indissociáveis (na Investigação e nas Estruturas sociais) as Ciências (positivas e experimentais) e as Humanidades. Estas não eram esquecidas, como veio a acontecer, na 2ª metade do séc. XIX, por efeitos do mau encaminhamento da Revolução Industrial. Escreve E.O.W. (op. cit., pp.6-7): “Consilience é a chave para a unificação. Eu prefiro esta palavra a ‘coerência’, visto que a sua raridade preservou a sua precisão, lá onde coerência tem vários significados possíveis e só um deles é consilience. William Whewell, na sua síntese de 1840, The Philosophy of the Inductive Sciences, foi o primeiro a falar de consilience, literalmente um ‘jumping together’ do conhecimento, mediante a articulação de factos e teoria baseada em factos, através das disciplinas, com vista a criar uma infra-estrutura comum de explicação. Disse ele: ‘A Consilience of Inductions takes place when an Induction, obtained from one class of facts, coincides with an Induction, obtained from another different class. This Consilience is a test of the truth of the Theory in which it occurs’”. Desta sorte, a construção (arquitectónica) científico-cultural de E.O.W. aproxima-se muito da nossa Arquitectura, no CEHC, repartida (como já o mostrámos há uma dezena de anos…) em 4 ângulos rectos da Circunferência (90o x 4 = 360o). O Esquema do nosso Autor é como segue (ibi, p.7):

environmental policy

ethics

social science

biology

Atentemos no que escreve o nosso Autor sobre a problemática e as consequências do Reducionismo, introduzido metodologicamente, pela Modernidade ocidental, nas práticas científicas: Se foi importante e decisiva essa metodologia, numa 1ª fase, ela tornou-se disruptiva e deletéria, numa 2ª fase (que é a da Idade Contemporânea). Dois parágrafos significativos de E.O.W.: “O Reducionismo, em virtude da sua inquebrável corrente de sucesso durante os últimos três sécs., pode parecer, hoje, obviamente, a melhor via para ter constituído o conhecimento do mundo físico, mas este não facilitou a percepção assumida da aurora da ciência. Os académicos chineses nunca seguiram esse caminho. Eles possuíam a mesma habilidade intelectual que os cientistas ocidentais, como é evidenciado pelo facto de que, muito embora muito mais isolados, eles adquiriram informação científica tão rapidamente como os árabes, que tinham, todos, a partir do conhecimento dos gregos, a sua rampa de lançamento. Entre o séc. I e o séc. XIII, eles lideraram a Europa, por uma larga margem. Mas, de acordo com Joseph Needham, o principal cronista ocidental das tentativas científicas chinesas, as suas

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focagens incidiam nas propriedades holísticas e nos relacionamentos harmoniosos e hierárquicos das entidades, desde as estrelas, descendo para as montanhas, flores e areia. Nesta visão do mundo, as entidades da Natureza são inseparáveis e em mudança perpétua, não discretas e constantes, tal como foram percepcionadas pelos pensadores do Iluminismo. Como resultado, os chineses nunca chocaram com o ponto de entrada na Abstracção nem estabeleceram a ruptura na Investigação analítica, atingidas pela ciência europeia no séc. XVII”. (Op. cit., pp.31-32). Com efeito, “a ciência ocidental assumiu a liderança, em grande parte porque cultivou o Reducionismo e a lei física para expandir o entendimento do espaço e do tempo, para além do alcançável pelos sentidos desarmados. O avanço, todavia, trouxe consigo uma auto-imagem da humanidade, sempre renovada a partir da sua percepção do que sobrava do Universo, e, como consequência, a plena realidade de um Universo que parecia, progressivamente, crescer em estranheza. Os talismãs vigentes da ciência do séc. XX, a Relatividade e a Mecânica quântica, haviam-se tornado as últimas, em estranheza, para a mente humana. Foram concebidas por Albert Einstein, Max Planck, e outros pioneiros da física teórica, durante uma saga por verdades quantificáveis, que teriam sido conhecidas, tanto para extra-terrestres, como para os da nossa espécie, e daí como certificáveis independentemente da mente humana. Os físicos obtiveram um su-cesso magnífico, mas, ao procederem assim, eles revelaram as limitações da intuição desarmada pelos matemáticos; um entendimento da Natureza, que eles descobriram, veio a tornar-se mais duro e difícil. A física teórica e a biologia molecular são amostras adquiridas. Os custos do avanço científico são o reconhecimento humilde de que a rea-lidade não foi construída para ser facilmente capturada pela mente humana. Este é o princípio cardeal do entendimento científico: a nossa Espécie e os seus modos de pensar são um produto da Evolução, não o propósito da Evolução”. (Op. cit., pp.32-33). A Resiliência (plano natural) e a Consiliência (plano cultural) constituem dimensões incontornáveis do fenómeno Vida: não apenas no planeta Terra, mas, eventualmente, em outros planetas habitáveis (na Via Láctea, ou noutras galáxias). Três consequências se podem inferir desta axiomática: A) A vida é um fenómeno, porventura mais generalizado no Cosmos universal do que se possa imaginar. B) Entretanto, as condições especialíssimas do planeta Terra (situado a meio caminho entre o Sol e as periferias da galáxia) permitiram a evolução e o desenvolvimento das formas elementares da Vida, até às médias, e, finalmente, às superiores do ‘Homo Sapiens// //Sapiens’. A Terra é acompanhada (nos seus movimentos de rotação e translação), durante o dia, pela estrela Solar, que lhe dá luz e calor; durante a noite, por uma Lua relativamente grande. A Lua, feita à medida, é a causa principal das marés dos oceanos, que tanto contribuem para a ecologia da Terra. A Lua contribui, também, para equilibrar a velocidade giratória da Terra, incidindo sobre o eixo de rotação do planeta. Desde o choque original da Terra com o astro Thea, o nosso planeta ficou com o eixo inclinado ca. de 23,4 graus: isso carreou consigo o ciclo das estações do ano, temperaturas equi-libradas e uma boa variedade de zonas climáticas. A duração do dia e da noite, que resulta da rotação própria da Terra, dir-se-ia que está no ponto do equilíbrio perfeito. Mais: a Terra é protegida e blindada por dois escudos protectores: o seu campo magné-tico (a partir do centro ferroso da Terra); e a sua atmosfera, uma sorte de cobertor de gases, que nos permite a respiração (inspiração de oxigénio e expiração de anidrido carbónico. São, igualmente, conhecidos os ciclos naturais que sustentam e respaldam a vida na Terra: o ciclo da água; os ciclos do carbono e do oxigénio; o ciclo do nitrogénio. Depois, há toda uma engrenagem de processos químicos que procede a uma reciclagem, que parece perfeita. Este conjunto de condições privilegiadas da Terra tornaram-na um planeta

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especialíssimo, no seio do Cosmos, onde surgiram e se desenvolveram as for-mas mais complexas e incomuns do Universo. C) Ora, justamente por ser tão importante e decisivo, para o fenómeno da Vida e seu Desenvolvimento exponencial, o Meio-Ambiente acaba por constituir o Factor, necessário e suficiente, desde logo, para que se possa operar, no concernente aos ele-mentos estruturantes da vida, a transição da matéria inorgânica para a matéria or-gânica. Desta sorte, a hipótese (defendida pelos fixistas/criacionistas…) de os primeiros germens da vida terem procedido de outros planetas, trazidos por agentes ou emissários, é peregrina e funambulesca. Em última análise, não faz jus às condições habitáveis especialíssimas da Terra; por outro lado, ignora ou põe entre parênteses as poten-cialidades do milieu (lamarckiano) para a emergência da Vida e sua evolução exponen-cial com êxito. Contribuiu, igualmente, para a promoção da Ideologia malsã, que trans-formou a Natureza-Mãe em pura ‘matéria prima’!... Em suma, enredados nas suas dogmáticas religiosas, fixistas e criacionistas (amarrados a uma noção de fé ‘objectivo-objectual’) ficcionam, no hiperurâneo platónico-paulino, uma ‘Divindade criadora’, que não passa, em termos epistémico-metodo-lógicos, de um ‘SuperObjecto’ (no Processo do Conhecimento humano). Não se dão conta de que tudo quanto dizemos do Deus é sempre um homem que o diz e ensina!... Os fixistas/criacionistas chegam, paradoxalmente, a presumir ou pressupor que a própria Evolução não passa de um ‘acto de fé’!... É o círculo quadrado!... Mais: Fixistas/criacionistas parece ignorarem que os relatos bíblicos do Génesis sobre a criação abrangem um período temporal, que não vai além dos 6.000 a 8.000 anos; e trata-se, obviamente, de narrativas mais de índole mítica do que com preocupações científicas. O Éden inicial é um mito (religioso); o Dilúvio é, também, um pa-drão semântico/icónico, para, uma vez cometido o ‘pecado original’, poder encadear a necessidade de um resgate/redenção. Ora, segundo Hermes Trismegisto (ca. de 3000 a.E.c.), não há pecado original, nem os pecados são transmitidos de geração em geração. Outro Opúsculo (patrocinado pelas ‘Testemunhas de Jeová’: ed. em 2010, pelas mesmas entidades do anterior), com o título: ‘A Vida ─ Teve um Criador?’, procura fazer a apologética do Deus extrínseco e transcendente ao Universo, criador de todas as coisas. No último cap. ‘Importa em que você crê?’, o Opúsculo esmera-se em configurar uma fé objectiva-objectual, que se possa assumir como inabalável!... Todavia, os objectos qua tais recaiem no campo do Saber científico; só as pessoas, enquanto Sujeitos e nossos interlocutores podem ser alvo da vera fides. Por isso, o que é são e salubre é acreditar nas pessoas enquanto Sujeitos (livres e responsáveis), que falam e comuni-cam; não em objectos ou programas (só secundariamente e sob dadas condições). Advirta-se no carácter oximórico e patético do § seguinte (ibi, p.29): “Muitos que crêem na evolução afirmam que Deus não existe, ou que ele não intervirá nos assuntos humanos. Em ambos os casos, nosso futuro dependeria de líderes políticos, académicos e religiosos. Com base nos antecedentes desses homens, o caos, os conflitos e a corrupção que atormentam a sociedade humana continuariam. Se a evolução fosse um facto, haveria muitos motivos para se viver de acordo com o lema fatalista: ‘Co-mamos e bebamos, pois amanhã morreremos’. ─ 1ª Coríntios: 15,32”. ─ A isto, responde-se assim, para ultrapassar o esquema falacioso: A) O que está em causa (nuclearmente) é uma vera e adequada notio Dei, a que, no discurso, nunca se presta atenção; B) Tanto para os supostos ateus como para os supostos crentes, antes da mundividência teológica, há o chamado Direito Natural, que nunca será legítimo obli-terar ou ignorar. Diga-se, pois, em conclusão e à puridade, o seguinte: Se a Vida teve um Criador constitui um enunciado linguístico perfeitamente falacioso e enviesado, que leva, inexoravelmente, à fundação da Cultura do Poder-Dominação d’abord. Aí, os Sujeitos são

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separados dos seus Objectos, e a Consciência individual-pessoal é destruída no seu 3º elemento essencial da Tríade. ─ Ora, por ex., B. de Espinosa, T. de Chardin e outros articularam, magnificamente, na órbita da Evolução, o Sujeito (cognoscente) e o Objecto (conhecido). Assim, a Questão do Projectista/Criador nâo passa de uma ilusão e uma mistagogia, destinadas a caucionar a sempiterna Cultura do Poder-Condomínio. Com efeito, o Sujeito (cognoscente/pensante), anodinizado como agente separado, face ao Grande Objecto do Universo, e forjando, ipso facto, um Super-Objecto = Deus, ─ além do embuste, constitui uma obscenidade (demagógica) patética. Mais uma vez o axioma clássico: Tudo quanto se diz de Deus é sempre um Ser humano que o diz ou revela!... Cave canem: a apologética religiosa, primacial e excessiva, conduz ao desprezo e ignorância dos direitos naturais e, por essa via, à mundividência dos positivismos jurídicos mais execrandos das Sociedades hodiernas. O Saber honesto e científico e a Filosofia crítica ensinaram-nos o Processo (holístico e global) da Evolução da Vida, na Terra, nas suas dimensões bio-sócio-psico-antropológicas. Segundo metodologia e epistemologia criticamente testadas e avalizadas. Ora, encarar este suposto Enigma sob a espada de Dámocles do dilema: emergência da vida, por Acaso, ou por necessidade de um ‘Sujeito Projectista/Criador’, é incorrer nos mais abstrusos erros e falácias do Antropomorfismo e na sua cartilha do pensamento objectivo-objectualista, sempre engendrado e alimentado pela sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. Uma pergunta ad hominem: Por que se recusa, sistemicamente, a dimensão (aparente) do Acaso, nas origens da Vida, com o simples intuito de impor ‘logicamente’ o Projectista/Criador, em nome da lei da Necessidade?!... Porque tudo é pensado de cima para baixo, do mais para o menos… não a inversa. Na verdade, o dilema Acaso// //Necessidade é, precisamente, a grelha analítica, imposta pela sempiterna Cultura do Poder-Condomínio. Depois, a doutrina dos comandos societários é a seguinte: apren-der com a Natureza (projectada pelo Criador…) para, no universo das Sociedades hu-manas, actuar agressiva e prepotentemente, conquistando e dominando!... Em lugar de estabelecer a fons et origo do pensamento e da actuação dos Humanos na Espécie Sapiens//Sapiens. Os Gnósticos chamavam, sarcasticamente, a essa Divindade criadora, ‘o Demiurgo’!... Esta é a linha culturalcrítica, acertada e justa. Ca. de 3.200 a.E.c.: Before Stonehenge, nas ilhas Orkney (norte da Escócia). O monumento funerário, no lugar de Maes Howe, encontra-se alinhado no sentido de capturar os raios do Sol, na véspera do solstício de Inverno. O director do sítio ar-ueológico Nick Card assevera que ‘Orkney is a key to understanding Neolithic reli-gion’. O lugar de Ring of Brodgar tem inspirado um temor respeitoso ao longo de 4.500 anos. ‘The Orkney imagination is haunted by time’, escreveu o poeta escocês George Mackay Brown. (Cf. ‘National Geographic’, Agosto de 2014, pp.27-51: p.45). A semântica do padrão icónico, referenciado supra: o monumento alinhado com os raios do Sol-Pôr (semelhante ao que se encontra na célebre pirâmide do Egipto An-tigo) significa a união da Terra e do Céu, do Feminino do Masculino, do Yang e do Yin. Isso mesmo ─ advirta-se ─ na era dos fins da Gilania e começo do processo civili-zatório (machista e patriarcal: 3.500 a.E.c., segundo Riane Eisler in ‘O Cálice e a Espada’ (Via Optima, Porto, 2ª ed.: 2003). Este é um Livro, que nós catalogámos no Quadro: Contra os dois Adamastores: a) o Neo-darwinismo social/societário; b) e o Mecanicismo Psico-SócioHistórico. Contra esses dois Adamastores, luta extrenuamente a nossa Construção crítica Psico-Sócio-Antropológica. Em termos ideológicos e artísticos, a Mudança foi expressa pela instauração dos deuses uranianos e o início dos menhires e cromeleques. Até ao fim da era da Gilania, (de 7.500 a 3.500 a.E.c.), Masculino e Feminino ainda se mantinham juntos e social-mente considerados em-pé-de-igualdade. Que é, afinal, aquilo que é ordenado pela gramática cultural do ‘Homo

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Sapiens//Sapiens’. Ora, por razões ainda obscuras, por cerca de 2.300 a.E.c. todo o ancestral Landscape de Orkney desapareceu (ibi, pp.48-49): tinha-se iniciado o Processo civilizatório (de conquista e dominação, societariamente hierarquizado).

* As Consequências graves e desastrosas da Cultura, ainda hoje, preponderante do Poder-Condomínio Só dois exemplos para caracterizar a Realidade (A e B). É sabido que o CEHC tem defendido e continuará a defender a Cultura (Alternativa) da Liberdade Responsável primacial e primordial, ancorada na gramática da Espécie (veramente humana) do ‘Homo Sapiens//Sapiens’; e fá-lo, contra a Cultura (ainda predominante) do Poder-Dominação d’abord, alavancada no padrão civilizatório (falacioso e errado) do ‘Homo Sapiens tout court’. O CEHC sabe que a axio-mática humanístico-crítica impõe, hodiernamente, à Humanidade (na organização das suas Sociedades) a gramática do primado (absoluto) do Saber sobre o Poder: não só no plano das teorias/doutrinas e na política normativa, mas, igualmente, no plano das situações institucionalizadas.

─A─ Sobre o recente conflito armado entre Israel e Gaza Na consulta de 12 de Agosto de 2014, o meu médico de Agualva/Cacém, Dr. Alves da Cunha, interpelava-me com esta dura Questão: de que lado está a razão, nesta guerra?!... Resposta: nem do lado de Israel, que é militarmente muito mais poderoso; nem do lado do Hamas (a outra parte, ao lado da Fatah da Cisjordânia, no caso actual não beligerante, de uma Autoridade estatal bicéfala…), que, ao longo de mais de meia dúzia de anos, construiu ca. de 32 túneis subterrâneos, para se defender e atacar os seus vizinhos, tidos e havidos como adversários/inimigos (a partir, desde logo, das respecti-vas religiões). ‘Opus justitiae Pax’: a vera Paz só pode advir do cumprimento da Justiça (aí incluída a social e a política). Os media (numa guerra de pouco mais de um mês) falaram de ca. de 1.400 mortos e dezenas de milhares de feridos e desalojados, do lado dos palestinianos de Gaza (uma das regiões mais sobrepovoadas do mundo); e do lado de Israel (que se tem defendido com os seus escudos anti-mísseis), os mortos, ao que se sabe, ter-se-ão aproximado das três dezenas, principalmente entre os soldados. Desde a ‘restauração’ do Estado (com a maioria dos judeus procedentes de uma Diáspora quase mundial…), em 1948, sob mandato da O.N.U., as guerras, (umas vezes para defesa, outras para agressão e conquista de território), foram-se sucedendo: 1948; 1956 (com a conivência da França e da Inglaterra, Israel apoderou-se do Sinai, que abandonou pouco depois sob pressão internacional); 1967 (‘guerra dos seis dias’, que levou Israel a reaver Gaza, península do Sinai, Somaria e Judeia, parte oriental de Jerusalém e colinas

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sírias de Golã); 1973: ‘guerra de Yom Kippur’, onde Israel, atacado por egípcios e sírios, obtém vitória e resolve destinar ⅓ do orçamento nacional às despesas com armamento. Sob iniciativa de Sadat (do Egipto), que visitou Jerusalém em 1977, para entabular negociações de paz, seguiram-se os célebres Acordos de Camp David, onde, sob a pressão internacional, os israelenses concordaram em devolver parte dos territórios ocupados em 1967. Os países árabes reclamaram, então, a devolução de todos os territórios conquistados em 1967, bem como a resolução da Questão da Palestina, como condições prévias para um tratado de paz definitivo. Esse acordo foi reno-vado em 1.9.1974. Assim, ao longo de quase 7 décadas, sulcadas por guerras e uma paz (residual) sempre armada (segundo a velha regra: ‘si vis pacem para bellum’), não é difícil analisar, criticamente, a trágica situação histórica, continuada e persistente, e concluir, ad hominem: está, aí, o nó górdio da inteira Cultura/Civilização do Ocidente (agora em transe de globalização), que se revela absolutamente incapaz de encontrar e propor a Solução justa e adequada. Os israelenses defendem-se e agridem e conquistam; os palestinianos do HAMAS (acrónimo de ‘Movimento de Resistência Islâmica’), na Faixa de Gaza, acumulam ódios contra Israel, que até podem considerar-se psico-sócio-histo-ricamente justificáveis. O Hamas nasceu como instituição religiosa de caridade, em Gaza/1973; e foi re-gistado em 1979, em Israel, como ‘organização’. Fundou, a partir de então, escolas e serviços de assistência e saúde, e criou a Universidade Islâmica de Gaza. O israelense Avner Cohen chegou a declarar, com todo o realismo: ‘Para meu grande pesar, o Ha-mas é uma criação de Israel’. O Hamas, enquanto Movimento político, armado, nasceu em 1988, aquando da 1ª Intifada, como o ramo palestiniano da Irmandade Muçul-mana (fundada no Egipto, em 1928, sob o lema: ‘O Islão é a solução, o Corão é a nossa Constituição’). No preâmbulo da Carta fundadora, pode ler-se o seguinte: ‘Israel existe e existirá até que o Islão o destrua, como já destruiu outros antes dele’!... Os famosos Acordos (oficiais) de Oslo, em 1993, nos quais o Ocidente depositou alguma esperança, estabeleciam o quadro de dois Estados autónomos, com uma só capital, Jerusalém, partilhada por ambos: a Autoridade da Palestina, sob a égide da OLP e Yasser Arafat, e o Estado de Israel. Em 1994, o Hamas converteu-se em força militar de combate, especialmente mediante os ataques suicidas. O programa de Oslo foi progressivamente eclipsado, ─ podemos dizer até ao presente. Os palestinianos viraram um Estado bicéfalo: na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Nesse horizonte, em meados de 2005, por decisão do primeiro-ministro Ariel Sharon, Israel desmantelou 21 colonatos na Faixa de Gaza. Em Janeiro de 2006, o Hamas venceu, sem contestação, as eleições legislativas. Por que é acertado e justo argu-mentar que o próprio Israel tem ajudado, estruturalmente, o Hamas?!... A UE insiste na necessidade de desmilitarizar Gaza, para que Israel possa proceder a concessões substanciais ao Hamas. Escreveu o jornalista Julio de La Guardia (em Gaza: vd. ‘Expresso’, 1ª cad., 15.8.2014, p.30): “’Podemos actuar contra o Hamas, sempre que for necessário’, pensa o ex-general de brigada Udi Dekel. ‘Mas, devemos promover a reconstrução da Faixa de Gaza, para serem os próprios habitantes a pedir a mudança política’, acrescentou num briefing para a imprensa estrangeira, organizado pelo Instituto de Estudos de Segurança Nacional de Telavive, do qual é director-adjunto. Outros analistas pensam que, perante a ausência de uma trégua duradoura, as partes poderão retomar as hostilidades a qualquer momento”. Em resumo: a Palestina e Israel dificilmente viabilizarão negociações de paz definitivas, pelo menos, enquanto a 1ª se mantiver como ‘estado bicéfalo’ (a Cisjordânia sob a égide da Fatah e do sucessor de Arafat, Mahmud Abbas, e a Faixa de Gaza sob os comandos do Hamas, mais radical que a Fatah).

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Há um espinho cravado nos pés dos Palestinianos em geral e dos de Gaza, em particular: o comportamento conquistador e prepotente dos Israelenses (chegados à Palestina, desde a refundação do Estado de Israel, em 1948). É toda a história dos CO-LONATOS, que reduziram os palestinianos a empregados e serventuários para toda a espécie de profissões. A Grande História havia registado, em 1974, com a ‘Revolução dos Cravos’ em Portugal, o fim do último Império colonial e o terminus histórico das doutrinas colonialistas. Puro engano, afinal: dado que o Capitalismo ainda foi mais exacerbado nas 3 últimas décadas, mediante o Neoliberalismo capitalista global, o resultado foi que os Colonatos de Israel nos territórios da Palestina foram tolerados e mantidos na sombra. Entre os analistas e comentadores do conflito bélico recente entre Israel e Gaza, o Intelectual ‘free thinker’, norte-americano, Noam Chomsky, de nosso conhecimento, terá sido o único, ou um de muito poucos, que tiveram a visão crítica e a coragem, para arrolar os colonatos no saco alargado dos factores de ódio dos palestinianos visà-vis dos israelenses. Vamos citar (em inglês) a introdução do artigo de N.C. de 2 pp. e meia, que nos chegou por e-mail do nosso sobrinho Hélio Alves (datado de 6.8.2014): “Amid all the horrors unfolding in the latest Israeli offensive in Gaza, Israel’s goal is simple: quiet-for-quiet, a return to the norm. “For the West Bank, the norm is that Israel continues its illegal construction of settlements, and infrastructure so that it can integrate into Israel whatever might be of value, meanwhile consigning Palestinians to unviable cantons and subjecting them to repression and violence. “For Gaza, the norm is a miserable existence under a cruel and destructive siege that Israel administers to permit bare survival and nothing more. “The latest Israeli rampage was set off by the brutal murder of three Israeli boys from a settler community in the occupied West Bank. A month before, two Palestinian boys were shot dead in the West Bank city of Ramalah. That elicited little attention, which is understandable, since it is routine. “’The institutionalized disregard for Palestinian life in the West helps explain not only why Palestinians resort to violence’, Middle East analyst Mouin Rabbani re-ports, ‘but also Israel’s latest assault on the Gaza Strip’”. Os colonatos israelenses em territórios palestinianos têm uma história de quase 60 anos. A bem dizer, eles começaram, no pequeno território nacional israelense, no encalço da ‘refundação’ do Estado de Israel, em 1948, no consulado de Golda Meir como primeiraministra: eram, então, os ‘kibutzim’, instaurados, segundo um espírito dito socialista, para desbravar terrenos incultos, porque a 1ª área agricultável era reduzida. Foram organizados, às vezes, em terras compradas aos nativos, em esquemas administrativos, de índole colectivista, com comandos à frente e hierarquias sociais rígidas. Esse veio a ser o modelo dos colonatos propriamente ditos, que vieram a ser erguidos posteriormente. Em suma, todos acusam o Hamas de pretender a destruição de Israel; todavia, paradoxalmente, os próprios leaders do Hamas chegaram a adoptar uma posição de compromisso sobre os colonatos: a sua admissão, desde que fossem titulados ‘a two-state settlements’, de acordo com o consenso internacional (!...), ─ o que foi recusado pelos EUA e por Israel, durante 40 anos. Sempre a Regra (ocidental) dos dois pesos e duas medidas.

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─B─ O Neoliberalismo capitalista globalizado de hoje Quem não recorda (com simpatia e agrado) os chamados ‘Trinta Gloriosos’ (19551985), na história recente do Ocidente?! Aí, tínhamos uma Economia política a funcionar, harmoniosamente, sobre um cincho tripartido mas adequadamente ordenado: a) a Economia produtiva (agricultura, pescas, mineração); b) as Indústrias (de extracção e de transformação); c) os Serviços, em geral, e o Comércio, com as suas funções de Distribuição das mercadorias e da riqueza. A velha divisão clássica das actividades económicas em primárias, secundárias e terciárias tinha, aí, a sua perfeita aplicação adequada. O Sistema bancário e de financiamento das actividades económicas achava-se integrado no Edifício como água que irrigava os tecidos e os povos, ao serviço da Economia real. O cisma de um Sistema Bancário/Financeiro, substantivo e autónomo, e separado dos primeiros três andares do Edifício, ainda não existia. Dessa sorte, o Edifício da Economia política podia funcionar escorreitamente, sem sobressaltos e sem a epidemia das ‘crises soberanas’ dos próprios Estado/Nações. Como é sabido, o Dinheiro é, antes e acima de tudo, meio/moeda de Troca. Quando o Sistema Financeiro se autonomiza no topo da pirâmide societária, toda a Economia real foi submetida a um programa de decadência e ruína: aí, a máxima que vige é o Di-nheiro como a SuperMercadoria… e a prática corrente dominante é a da Especulação bolsista ou financeira. Em suma, todo o Edifício da Economia política foi invertido, degradado e corrompido. Por esse caminho, não há nada a esperar, no Futuro, senão o acumular crescente da miséria social e das desgraças de toda a sorte. E não nos venham com o embuste da ‘democracia’ dos ‘Mercados de capitais’… Isto foi, é e será sempre uma falácia demagógica, uma Mentira redonda, para dissimular e iludir as populações. A partir de 1985, esperava-se que o Sistema capitalista (que já deveria ter aprendido alguma coisa com a história das falsas revoluções rumo ao Socialismo) se auto-reformasse o suficiente, para proporcionar uma espécie de aurora boreal na História económica do Mundo. Nada disso ocorreu: a própria ‘Perestroika’ de M. Gorbatchov foi sabotada e impedida de concluir o seu programa. Havia, entretanto, lições históricas a aprender, pela positiva e pela negativa: Designadamente: em 1934, F.D. Roosevelt e o seu staff de conselheiros instauraram a separação nítida entre Bancos de recolha de poupanças (sem riscos…) e Bancos de Investimento (com os seus riscos naturais). Em 1971, Nixon pôs termo ao padrão ouro, como base (certa) das Trocas comerciais entre as Nações. Como não foram aprendidas as lições da História, a partir de 1985 até ao pre-sente, em vez da aurora boreal da metamorfose do Capitalismo, o que surgiu, nos últi-mos 30 anos, foi o tsunami do Neoliberalismo capitalista global. Ao lado da predo-minância absoluta do Sistema Bancário e Financeiro, emergiram as Multi-transnacio-nais, mercê dos movimentos de capitais cada vez mais acumulados nas mãos de um pe-queno grupo, à escala do Mundo. O resultado de todo este processus, nas últimas 3 dé-cadas, está aí: desemprego endémico (de que não há memória); trabalho profissional precário; dapertutto se vê grassar a fome e a miséria (48 milhões de americanos não sabem o que vão comer na refeição seguinte; e mais de metade deles são brancos…). Os Sindicatos operários estão anémicos e sem forças para resistir e reivindicar. Para resol-ver os desequilíbrios orçamentais, os políticos de giro até procedem a reduções nos magros salários dos trabalhadores.

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Chegou-se a uma situação (a actual…) complexa e embrulhada, sem paralelo com a ‘Great Depression’ de 1929-32. No Ocidente (que se tem como condottiere do Mundo), instalou-se, desde há 6 anos (a partir da falência do ‘Lehman Brothers’ e da bolha dos subprime), uma crise financeira/económica, que foi agravada pelas soluções generalizadas da Austeritas sola. Os governantes de giro nem sequer imaginaram a natureza e as dimensões trágicas que a Crise viria a assumir, nos seus desenvolvimentos. Em primeiro lugar, assistimos à dominação pesporrente dos senhores do Dinheiro e dos mais poderosos, filhos directos do Neoliberalismo capitalista global e seus desmandos, nos últimos 25 anos. Em segundo lugar, foi a disrupção, a toda a brida, da Ordem jurídica institucional envolvente. O que, agora, se vê em marcha é a brutal desconstrução e a dissolução da Ordem Jurídica das Sociedades ocidentais, em nome do puro experi-mentalismo (circunstancial) dos diversos governantes em exercício, donos de uma presumida omnipotência, decorrente da mitologia dos Poderes Estabelecidos, mesmo em regime de democracia (representativa/liberal). Mas tudo ao arrepio dos Direitos funda-mentais dos Cidadãos, consagrados nas Constituições e na Jurisprudência corrente. Não se corrigiu o conjunto das estruturas societárias do Sistema Capitalista… O resultado é a dissolução da Ordem Jurídica vigente nas Sociedades. Entretanto, economistas e sociólogos, pensadores de turno e analistas não se lembram de apontar estes novos dados da situação estrutural como factores primaciais das crises soberanas e da miséria social em que sobrevivemos. Cegos e guias de cegos. Quando o ‘espírito de resignação e de rebanho’ é o que mais abunda e prevalece… que mais haverá a fazer?!... ─ Revolução Cultural! Antes de tudo, convirá atentar bem na corrupta e desnaturada situação societária estrutural, a que chegámos sob os comandos da Cultura/Civilização do Ocidente. O que está actualmente em curso é (nada mais, nada menos…) a completa destruição da própria Ordem Jurídico-Institucional (clássico-tradicional) das Sociedades ocidentais e, de ricochete, de todas as outras à escala do Orbe terráquio. Como assim?! O que está em marcha ocorre, dissimuladamente, sob o camartelo da IDOLATRIA do Mercado (agora, em transe de globalização). Na sua linguagem de jurista exímio, o ex-Procurador-Geral da República (em Portugal), J. Cunha Rodrigues falou (no título do seu magistral art. de 3 pp. in ‘JL’, 6-19 de Agosto de 2014, pp.26-28) de A Desconstrução do Direito como factor de risco democrático. O jornalista explanou, em epígrafe, o tónus do artigo, como segue: Com a crise e a austeridade, com os mercados e suas ‘leis’ a dominarem tudo, os próprios valores essenciais, incluindo a Justiça e os Direitos Humanos, estão postos em causa. É o que neste importante ensaio mostra o destacado jurista, muitos anos procurador-geral da República e juiz do Tribunal Europeu, num apelo implícito à mudança e assunção de responsabilidades por quem as deve assumir. Gostámos muito do desassombro e da coragem de J.C.R., nesta esplêndida Reflexão sócio-estrutural/crítica, a que procedeu. Escreveu ele aí (p.26): As respostas às crises devem passar pelo Direito: “Quer isto dizer que os indignados, que enchem as praças e as ruas, são titulares de direitos e não meros descontentes ou recalcitrantes? Quer” (ibidem). A crise hodierna transformou-se numa crise diferente: “Pode dizer-se que esta crise se transformou numa crise diferente das anteriores. O mundo, e a Europa em especial, tinham sido periodicamente abalados por crises traduzidas em recessões cíclicas ou motivadas por conflitos armados. O que esta crise tem de especial é a sua capacidade de pôr em causa os sistemas de valores e de criar um ambiente favorável à substituição de princípios e de práticas comunitárias que pareciam corresponder, se não a culturas, pelo menos a estilos de vida sustentáveis. “Agora, tudo bascula. Ninguém está seguro de nada. O Direito e a Justiça deixam de constituir pilares de confiança, na medida em que são os primeiros a ser atin-gidos pelo

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sobressalto. Avulta a suspensão de princípios, a adopção definitiva de regras transitórias, a abundância de leis medida, a retroactividade de leis não retroactivas, a parametrização da eficácia por meio do experimentalismo e, nas opções políticas, a escolha de grupos-alvo” (ibidem). Dir-se-ia que a atmosfera generalizada é a do mais insensato e desbragado positivismo jurídico, onde a cartilha da governação não pode ser outra senão a da Ditadura!... “Está, pois, em marcha, em alguns países da Europa, um processo de Desconstrução do Direito. Depois de um tempo em que os sinos ainda dobravam pela morte de alguns códigos de honra, a agenda de hoje não deixa ilusões: trata-se de domesticar o Direito, de suspender princípios e estabilizar excepções, para as converter em regras e produzir, a prazo, um Estado mínimo, estruturado por um novo ordenamento jurídico, ele também magro e esquálido q.b.” (idem, ibi, p.26-27). As leis do Mercado e o processo da Globalização estão a inverter toda a Ordem societária clássico-tradicional. “Os cenários jurídicos e políticos estão literalmente do-minados pelas leis do mercado, a ponto de poder dizer-se que deixou de ser possível localizar, com rigor, os centros de produção das leis. Por outras palavras, desconhe-emos, em rigor, quem nos governa” (idem, ibi, p.27). Que vem a ser a jurisdicionalização da política, justamente denunciada e com-batida por J.C.R, no seu Artigo notável? Precisamente, o desrespeito pela Ordem sócio-jurídica vigente, e no mesmo golpe, a pretensão (ditatorial) de submeter essa Ordem aos dictamina (circunstanciais) da governação política. É a confusão e a mistura das três esferas distintas, estabelecidas, na Modernidade ocidental, por Montesquieu, como condições indispensáveis e necessárias do Regime Democrático: poder legislativo, poder executivo e poder judicial. Transcrevamos, em torno do tema agora referenciado, os pontos principais enunciados com acribia: “O papel dos juristas foi substituído por actores, que hostilizam o Direito e se apropriaram da linguagem das ciências exactas, para conquistarem adesão” (idem, ibi, p.27). “O que aconteceu foi um inesperado e bem sucedido movimento de desconstrução do Direito, que consubstancia, a meu ver, um dos efeitos mais devasta-dores desta crise” (idem, ibidem). A Desconstrução filosófico-crítica das religiões institucionalizadas (segundo, v.g., a gramática de Jacques Derrida) faz todo o sentido e é legítima, visto que é do processus de emancipação/libertação dos grilhões (metafísicos) das Religiões que se trata. Já não se pode dizer o mesmo da desconstrução em marcha da Ordem sócio-jurídica vigente, porque ela mesma constitui a base inabalável de uma boa política democrática. É por isso que a jurisdicionalização da política só se pode engendrar no Quadro, onde, negativamente, se repudiou a jurisprudência fundada no Direito Natural, e, positivamente, se admitiu, como exclusiva, a cartilha (perversa) do positivismo jurídico à Carl Schmitt. Escreve J.C.R.: “De modo idêntico ao que tinha sucedido com a desconstrução das religiões, a desconstrução do Direito está a dar lugar (utilizo a expressão meta-foricamente) a ‘culturas profanas’, que contestam ou desvalorizam os sistemas de valo-res, em nome de uma realidade económica, que evocam como se tratasse da natureza das coisas. Não é raro ver prestigiados formadores de opinião sustentarem que os Direitos Fundamentais são apenas os que o produto nacional bruto permitir. Numa lin-guagem menos erudita, isto quer dizer que são os mercados que decidem os limites dos nossos direitos” (ibidem). Desta sorte, o que os políticos de turno actuais, no Ocidente, mais se encarniçam em combater, é o que chamam a subjectividade dos juízes, na interpretação das (suas) leis, sem se darem conta de que estão a incorrer em doses bem maiores e funestas de subjectividade e particularismos sociais. Quando se perde a tramontana jurídica daquela Subjectividade societária, que a Ordem sócio-jurídica consagrou como patterns da Sensibilidade social (objectivada), não há nada a fazer… senão reaprender as Lições críticas, esquecidas e agora

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ignoradas. E o melhor caminho para endossar um tal programa é o que o CEHC tem ensinado sob a fórmula: É preciso discernir e distinguir as ciências psico-sociais e/ou humanas, dum lado, e do outro, as ciências físico-naturais. O Monismo Epistémico é sempre uma solução errada e de mau conselho. O próprio Modelo social europeu (elogiado everywhere, durante os ‘Trinta glo-riosos’) entrou em disrupção rápida e total, no último período do Neoliberalismo capi-talista global. Ao tornar-se absolutamente hegemónica a cartilha do Objectivo-Objectualismo, em Economia política (a Economia é ciência social…), as populações, as comunidades humanas foram completamente esquecidas e marginalizadas. “Com a crise, os protagonistas [dos cenários jurídicos e políticos actuais] adoptaram um corpo de doutrina (os modelos) e uma fé (os mercados) que, pela sua natureza rebelde à ética e ao Direito, são desagregadores” (idem, ibidem). A Política não é tudo… mas tudo é supremamente político. No seu recorte semântico sibilino, este parergo, o que, na sua base, pretende exprimir é o primado absoluto dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos sobre as ‘leis do Mercado’, o primado absoluto das Pessoas sobre as Coisas e as Mercadorias. Eis por que se impõe, com uma urgência revolucionária (!...), o Regresso à Política honesta e séria, criticamente huma-nizada. Explicitando melhor o sentido nuclear do axioma acima referido: Para quem tiver dificuldade em penetrar a fundo na semântica do prolóquio axiomático, aqui fica a explicação: O que se pretende, na sua base, é, justamente, propor e afirmar a necessidade (fecunda) de articular, democraticamente, a problemática do Poder e a problematica da Liberdade. Não há outro caminho para promover uma Humanidade liberta e emancipada. ‘Kalós ó kúndunos’, ─ Belo é o Difícil!... Enunciava, com acribia, o refrão da Grécia clássica. O problema que, a sério, conduz à emergência da Arte é que a Beleza não se pode segurar duradoiramente. ‘Sofre-se a escrever como também se sofre a fazer o pão’. (Paulo José Miranda, in ‘JL’, 20.8 – 2.9.2014, p.15). J.C.R. faz, a concluir o Artigo, algumas perguntas acertadas ad hominem (ibidem): “Continuarão as instituições e as jurisdições comunitárias a aceitar o desafio do legislador de integrarem, com sentido de progresso, o Direito da União? Ou serão sensíveis ao espírito do tempo, revertendo o sentido do Direito e da jurisprudência, nomeadamente pela aceitação de cláusulas de emergência, ou do esvaziamento do prin-cípio de não retrocesso social? E, nos Estados membros? Os sistemas de justiça resis-tirão à pressão de proclamações de emergência orçamental ou serão capazes de impor aos decisores políticos regras e princípios?” (ibidem). É imperativo categórico vencer e ultrapassar o actual ‘círculo quadrado’: a revelação final da contradição estrutural entre uma suposta ‘economia robusta e sã’, que postula e exige a submissão da Democracia, da Constituição e dos Direitos fundamentais às realidades do séc. XXI, sempre dentro do odre do Neoliberalismo capi-talista global. Tensão e contradição estruturais é, de facto, o que aí há!... E uma atmosfera (ideológica) de mistificação, para compatibilizar, aparente e demagogicamente, perante as populações, o Sistema Capitalista e o Regime Democrático, sempre segundo a cartilha do Objectivo-Objectualismo. Ora, enquanto não se debater, até ao fundo, a relação tensional (e contraditória) entre Política e Economia (capitalista), não haverá soluções adequadas. Tem, pois, razão João Cravinho, ao asseverar: “O Estado Social foi, de certo modo, o ‘preço’ que o capitalismo teve de pagar, para se acomodar à democracia. Acontece que, hoje, o capitalismo financeiro, que opera à escala global, parece ter força suficiente para alterar o contrato social. Enquanto antes, punha-se o problema da legitimação política do fu-cionamento do mercado, agora coloca-se o problema da legitimação da democracia pelo mercado”. (In ‘JL’, nº. cit., p.25). É a Ideologia da construção do Império (mundial), que subjaz a todo este Projecto perverso!...

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A situação patética da Austeritas sola conduziu a Reflexão filosófica a ter de pôr o problema estrutural: Será possível legitimar o capitalismo politicamente, segundo uma gramática política digna do nome?!... É claro que não… Tudo isso desagua no Absurdo e na continuação ad aeternum da Cultura do Poder-Dominação d’abord, nos antípodas da (já emergente) Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Chegaram a tal ponto a tensão e a contradição, exponencialmente acumuladas, entre capitalismo (neoliberal global) e democracia, que a gramática do Constitucionalismo Democrático clássico-tradicional foi totalmente subvertida e anulada, e o que, hoje, resta dela é uma pura quimera, nas mãos da governança corrente e dos donos e senhores todo-poderosos do Mundo. Neste horizonte, é pertinente e acertado o Artigo de António Bernardo Colaço, subordinado ao título: ‘Constitucionalismo democrático: Quimera ou realidade sustentável?’ (In ‘Seara Nova’, Verão de 2014, pp.26-34). O refrão thatcheriano da TINA (‘There is no alternative’) não passa de uma emboscada perversa e uma estupidez redonda. Ouça-se, mais uma vez, a Lição certa e fecunda de J.M. Keynes: “Precisamos de ferramentas intelectuais, que nos ajudem a resolver ‘o problema político da humanidade’, ou seja, o do modo como combinar três coisas: a eficiência económica, a justiça social e a liberdade individual” (cit. ibidem: J.C.R.). Nessa tríade keynesiana, está, em embrião, todo o Projecto do CEHC (já desenvolvido em outras obras nossas), no concernente à Economia política: Divisão em dois Planos distintos, mas articulados (à escala de cada Nação): A) Plano económico (de natureza socialista/colectivista) de distribuição equitativa da riqueza, na base da Igual-dade e Solidariedade das populações/comunidades nacionais (acima dos 18 anos, espécie de ‘salário mínimo nacional’). B) Plano económico de Desenvolvimento integral, em todos os azimutes, na base da concorrência séria e não fraudulenta, e tendo em conta as linhas do Progresso real, baseadas nas descobertas científicas e nas tecnologias ade-quadas. Sem uma Solução, com este paradigma de enquadramento, jamais será possível, na nossa opinião, dar respostas adequadas e eficazes, aos gravíssimos problemas estruturais das Sociedades humanas: a miséria e a fome, a ignorância supina e o dessem-prego pandémico, sem esquecer os problemas da Saúde e da Segurança Social. Na verdade, se os Estados/Nações não se encontrassem amarrados à ditadura (economicista) do Neoliberalismo capitalista global e subjugados pela cartilha do Objectivo-Objectualismo, ideologicamente destilada pelo Sistema Capitalista, eles estariam em condições: 1º ─ de edificar economias nacionais saudáveis; 2º ─ de angariar verbas disponíveis (inclusive nos OGEs) para fazer frente à problemática grave das Mi-grações; 3º ─ de prestar ajudas de emergência às populações vítimas de catástrofes ou vítimas de epidemias, ocorridas em outros Estados; 4º ─ de facultar apoios culturais/ /educacionais, para modificar (pacificamente) as situações político-religiosas de fanatismo e fundamentalismo, que só prejudicam a boa Ordem pacífica mundial, entre os Estados/Nações. Tudo isso, num Esquema sócio-jurídico globalizado, a partir das Re-sponsabilidades, bem assumidas, da O.N.U., enquanto suprema cabeça pensante das Sociedades humanas.

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* Almanaque ou Borda d’Água do

OBJECTIVO-OBJECTUALISMO (de um e-mail recebido em 14.5.2014, enviado pelo S.P.N. em nome de Teresa Mendes)

QUEM SOU EU…? Nesta altura da vida já não sei mais quem sou… Vê só que dilema!!! Na ficha de qualquer loja sou CLIENTE, no restaurante FREGUÊS, quando alugo uma casa sou INQUILINO, nos transportes públicos e em viatura particular sou PASSAGEIRO, nos correios REMETENTE, no supermercado (e lojas também) sou CONSUMIDOR. Nos serviços sociais sou UTENTE. Para o estado sou CONTRIBUINTE, se vendo algo importado sou CONTRABANDISTA. Se revendo algo, sou VIGARISTA, se não pago impostos sou SONEGADOR, se descubro uma maneira de pagar um pouco menos, sou CORRUPTO. Para votar sou ELEITOR, para os sindicatos sou MASSA SALARIAL, em viagens TURISTA, na rua caminhando PEDESTRE, se passeio, sou TRANSEUNTE, se sou atropelado, ACIDENTADO, no hospital PACIENTE. Nos jornais viro VÍTIMA, se leio um livro sou LEITOR, se ouço rádio OUVINTE. A ver um espectáculo sou ESPECTADOR, a ver televisão sou TELESPECTADOR, no campo de futebol sou ADEPTO. Na Igreja católica, sou IRMÃO. E, quando morrer… uns dirão que sou… FINADO, outros… DEFUNTO; para outros… EXTINTO, para o povão… MAIS UM QUE DEIXOU DE FUMAR… Em certos círculos espiritualistas serei… DESENCARNADO; os evangélicos dirão que fui… ARREBATADO…

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E o pior de tudo é que, para os governantes sou apenas um IMBECIL!!! E pensar que um dia quis ser EU!... SIMPLESMENTE.

N.B.: A Sociedade é uma Jaula (em Jardin Zoológico)… de animais (ditos racionais!...), umas vezes ferozes, outras vezes mansos e pacíficos; mas, basicamente, sempre animais selvagens (que não se deixam domesticar…)!... Por isso, é preciso açaimá-los, mantê-los presos e superiormente controlados.

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A Grande Lição de Confúcio: para despertar a sua Consciência

‘Preocupe-se mais com a sua CONSCIÊNCIA do que com a sua Reputação, porque a CONSCIÊNCIA é o que Você É; e a reputação é o que os outros pensam de você. E o que os outros pensam, é: problema deles’.

Confúcio (551-479 a.E.c.). N.B.: Confúcio é a forma latinizada da perífrase chinesa: K’ung Fu-Tzu = ‘Grande Master K’ung’. Segundo os Analecta, a máxima que figurava nas suas escolas era: ‘In Education there is no discrimination’. Muito embora pretendendo ser homem de acção, ele foi, historicamente, celebrado, ainda em vida, como Mestre da Educação popular, na China. Os chineses, em geral, reverenciam-no como ‘Supreme Sage and Foremost Teacher’.

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C.E.H.C. Associação e Movimento. Entre outras definições ou enquadramentos, poderíamos caracterizar o CEHC como segue: Centro de Investigação (filosófico-científico) e Movimento crítico (de espírito dialógicoinclusivo), que operam em prol da promoção e da defesa do Humanismo Crítico, nos caminhos (vetustos) dos Gnósticos judeo-cristãos primevos; do Socratismo e do Jesuanismo; sob a bandeira da recuperação e do aprofundamento do Hilemorfismo de Aristóteles (o sábio grego de Estagira, preceptor de Alexandre-o-Grande, considerado na Cultura Ocidental, como ‘o Filósofo’), ─ Hilemorfismo que, ao longo de mais de 23 séculos, foi corrompido e desnaturado, pelas contínuas e sis-témicas avalanches ideológico-culturais do Dualismo metafísicoontológico de Platão e Paulo, nos três campos, portanto: Filosofia, Ciência, Religião. É mister adicionar um quarto campo: a organização das Sociedades humanas, em Esquema dualista/esqui-zofrenado.

Guimarães/Portugal, 28 de Agosto de 2014. Manuel Reis (Presidente do CEHC): Autoria Lillian Reis (Secretária do CEHC): Digitalização e Revisão de provas.

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BIBLIOGRAFIA (SUMÁRIA)

DA IIª PARTE DO VOL.

Livros ─ ‘A Biblioteca de NAG HAMMADÍ’. (A Tradução Completa das Escrituras Gnósticas, sob a direcção de James M. Robinson, Madras Editora, São Paulo, 2006. ─ AGOSTINHO, Santo: ‘Confissões’. Liv. Apostolado da Imprensa. Porto, 1952 (4ª ed.). ─ ‘A Origem da Vida: cinco perguntas que merecem respostas’. Editores Watchtower Bible and Tract Society of New York, Inc., Brooklyn, New York, USA, 2010. ─ ASLAN, Reza: ‘O ZELOTA’. (A vida e o tempo de Jesus de Nazaré). Quetzal Lisboa, 2014. ─ ‘A Vida ─ Teve um Criador?’. Editoras Watchtower Bible and Tract Society of New York, Inc., Brooklyn, New York, USA, 2010. ─ BAKUNINE, Mikhail: ‘Deus e o Estado’. Assírio & Alvim, Lisboa, 1976. ─ BEY, Hakim: ‘TAZ/Zone autonome temporaire’. Éditions de l’Éclat, Paris, 1997. ─ ‘Biblia Vulgata’: B.A.C., Madrid, 1953. ─ BOTTON, Alain de: ‘Religion for Atheists’. Penguin Books, London, 2012. ─ BOURKE, Joanna: ‘What it means to be HUMAN’. (Reflections from 1791 to the Present’. Virago. G.B., London, 2011. ─ CHARDIN, Teilhard de: ‘La Place de l’Homme dans la Nature’. Éditions du Seuil, Paris, 1956. ─ CHARDIN, Teilhard de: ‘O Fenómeno Humano’. Livraria Tavares Martins, Porto, 1965. ─ CLIFF, Nigel: ‘The Last Crusade’. (The Epic Voyages of Vasco da Gama). Atlantic Books, London, 2012. ─ CRAVINHO, João: ‘A Dívida Pública Portuguesa’. Lua de Papel. Lisboa, 2014. ─ FIRTH, Colin & ARNOVE, Anthony: ‘The People Speak: Democracy is not a Spectator Sport’. Canongate, Edinburgh/London, 2013. ─ GITTINGS, John: ‘The Glorious ART of PEACE’. (From the ILIAD to IRAQ). Ox- ford University Press Inc., New York, USA, 2012. ─ HUXLEY, Aldous: ‘Admirável Mundo Novo’. Antígona, Lisboa, 2013. ─ KRISHNAMURTI, Jiddu: ‘The FIRST and LAST FREEDOM’, Rider, London, 2013. ─ McLAREN, Brian D.: ‘Why Did Jesus, Moses, the Buddha and Mohammed Cross the Road?’. (Christian Identity in a Multi-Faith World). Hodder & Stoughton, London, 2012. ─ MICKLETHWAIT, John e WOOLDRIGE, Adrian: ‘God is Back’. (How the Global Rise of Faith is Changing the World). Penguin Books, London, 2010. ─ MINOIS, Georges: ‘História do Ateísmo’. (Os Descrentes no mundo ocidental das origens aos nossos dias). Ed. Teorema, Lisboa, 2004. ─ MONIZ, Miguel Botelho/PINTO, Carlos Guimarães/FRANCISCO, Ricardo Gonçalves: ‘O ECONOMISTA INSURGENTE’. (101 Perguntas Incómodas sobre Portugal). A Esfera dos Livros, Lisboa, 2014. ─ MORAIS, Paulo de: ‘Da Corrupção à Crise: Que Fazer?’. Gradiva, Lisboa, 2013. ─ MOURA, Vasco Graça: ‘A Identidade Cultural Europeia’. Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2013. ─ ‘Novum Testamentum Graece et Latine’: Pontificium Institutum Biblicum. Romae, 1951/editio septima. ─ PAPA FRANCISCO: ‘A Alegria do Evangelho’. (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium) Edições Paulinas. Prior Velho, 2013. ─ RAMPINI, Federico: ‘Banqueiros: Histórias do Novo Banditismo Global’. Editora Presença, Queluz de Baixo, 2014. ─ REIS, Manuel: ‘Caminho Novo com ESPINOSA e REIS’. (O eterno Balancé Psico- -SócioHistórico/Antropológico (ou a passagem da ‘Antiga Aliança’ para a ‘Nova Aliança’, que nunca chegou a haver…)). Edicon, São Paulo, 2008. ─ REIS, Manuel: ‘Em Busca de Outra Civilização’. CEHC e EDICON. São Paulo, 2013. Mais Bibliografia, alargada, no âmbito do CEHC, pode lobrigar-se no fim deste livro. ─ REIS, Manuel: ‘Evolucionismo ou Fixismo?’. (Livro Manuscrito, apresentado como Tese final do Curso de Filosofia/Bacharelato, no Seminário Maior de Coimbra, em Maio de 1955; inédito até ao presente).

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─ REIS, Manuel: ‘Pecados Estruturais’. (Os ‘Pecados’ Estruturais-Estruturantes da Cultura/Civilização do Ocidente (cristão)). CEHC e EDICON. São Paulo. 2014. Mais Bibliografia, alargada, no âmbito do CEHC, pode ser encontrada no final deste livro. ─ REIS, Manuel: ‘Sócrates e Jesus: Esses Desconhecidos’. Edicon, São Paulo, 2001; Estante Editora, Aveiro, 2006. ─ RIANE, Eisler: ‘O Cálice e a Espada’. Via Optima, Porto, 2003 (2ª ed.). ─ SACHS, Jeffrey: ‘The PRICE of CIVILIZATION’. (Reawakening Virtue And Prosperity after the Economic Fall). Vintage Books, London, 2012. ─SANDEL, Michael J.: ‘What Money Can’t Boy’. (The Moral Limits of Markets). Penguin Books, London, 2013. ─ SANTOS, Boaventura de Sousa: ‘Se Deus fosse um Activista dos Direitos Humanos’. Almedina, Coimbra, 2013. ─ SHELDRAKE, Rupert: ‘The Science Delusion’. Coronet, London, 2013. ─ SIMMS, Brendan: ‘Europe: The Struggle for Supremacy, 1453 to the Present’. Allen Lane/Penguin Books, Lodnon, 2013. ─ SIMPSON, George Gaylord: ‘Il Significato dell’Evoluzione’. Bompiani, Milano, 1954. ‘The Meaning of Evolution’ (título no original inglês). ─ SLAVENBURG, Jacob: ‘A Herança Perdida de JESUS’. (A verdadeira história das origens do cristianismo). Marcador. Editorial Presença, Queluz de Baixo, 2012. ─ SPENCER, Nick: ‘ATHEISTS/The Origin of the Species’. Bloombury Continuum, London, 2014. ─ STERNHELL Zeev (org.) mais um Grupo de 8 Autores: ‘O Eterno Retorno’ (Con- tra a Democracia, a ideologia da Decadência). Editorial Bizâncio, Lisboa, 1999. ─ TALEB, Nassim: ‘Cisne Negro’. D. Quixote, Lisboa, 2011. ─ ‘The Illustrated EGYPTIAN BOOK OF THE DEAD’. (A New Translation with Commentary by Dr. Ramses Seleem). Godsfield Press, UK, 2001. ─ VALLE, Alexandre del: ‘A Islamização da Europa’ (O fim da União Europeia ou a substituição da Europa pela Eurábia). Civilização Editora, Porto, 2009. ─ VANEIGEM, Raoul: ‘A Economia Parasitária’. Edições Antígona. Lisboa, 1999. ─ VASCONCELOS, António Pedro: ‘O Futuro da Ficção’. Ed. da Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2014. ─ WATSON, Richard: ‘50 ideas you really need to know the FUTURE’. Quercus, London, 2012. ─ WEBER, Max: ‘La Domination’. La Découverte, Paris, 2013. ─ WILSON, Edward O.: ‘Consilience’. (The Unity of Knowledge). Little, Brown and Company/UK,London, 1998.

Revistas e Jornais ─ ‘Expresso’. (Jornal semanário em papel; diário em edição electrónica). ─ ‘JL’ (Jornal/Revista quinzenal). ─ ‘Le Monde Diplomatique’. (Jornal mensal). ─ ‘Manière de Voir’. (Publicação bimestral de ‘Le M.D.’). ─ ‘National Geographic’. (Revista mensal). ─ ‘Seara Nova’ (Revista trimestral). ─ ‘The Good Book Guide’ (Revista mensal de Livros Seleccionados).

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ÍNDICE DA IIª PARTE DO VOL.

BALANÇO CRÍTICO E REACTUALIZAÇÃO CRÍTICO-CULTURAL EM 2014 ………….. p.125 ─ Antologia de Textos ……………………………………………………….. p.126 ● Três Notas Preliminares …………………………………………….. p.126 ● Selecção de Textos, a partir da obra em referência de G.G. Simpson ……………………………………………………….. p.128 ● Evolução e Progresso …………………………………….…………. p.136 ● Atenção crítica à Ciência hodierna …………………………………. p.137 ─ Licht, Licht, Mehr Licht! …………………………………………………. p.141 ● Direitos Humanos: a ‘coroa de glória’ da Cultura/Civilização Ocidental?! ……………………………………………………. p.144 ● Estratégia em vez de Metafísica! ……………………….................... p.148 ─ Sobre a Odisseia do Livro em Questão (Apontamentos de História e Balanço Crítico da Obra) ……………………………………………... p.151 ● A nossa Obra de 1955 foi a ‘semente’ ou a porta do Templo da Humanidade para a edificação do C.E.H.C. …………………... p.155 ● O Projecto (inédito!...) de juntar Sócrates e Jesus à mesma Mesa da Humanidade e da Fundação das Sociedades Humanas qua tais ………………………………………………………… p.157 ─ Um Duplo Testemunho da Evolução ………………………...................... p.159 ● Em jeito de Confissões do Autor …………………………………… p.161 ● A Psico-Sócio-História sempre embrulhada e iludida, ao longo de dois milénios! …………………………………………………. p.164 ● E, entretanto, que é a Verdade?! ………………………..................... p.167 ● Duas Mentiras correntes em Economia política ……………………. p.169 ● Para mudar o Mundo… são necessárias e indispensáveis Culturas Substantivas e Sistemas Educativos nacionais dignos do nome ………………………………………………………….. p.178 ─ PAINEl/Bússola de Orientação sobre o modo de articulação (crítica) do Poder e da Liberdade …………………………............................. p.183 ─ Epitalâmio ………………………………………………………................... p.186 ─ Apêndice …………………………………………………………………….. p.189 ● Que Deus nos pode salvar? …………………………………………… p.189 ● Desde há 5 milénios e meio, o que tem prevalecido é a Cultura do Poder-Condomínio e o ‘Homo Sapiens tout court’…………….. p.189 ● Um encontro inesperado ……………………………………………… p.190 ─ A retoma (hodierna) da Cultura do Poder-Dominação d’abord, por parte das doutrinas fixistas e criacionistas ………………………………….. p.191 ● Sobre o Opúsculo ‘A Origem da Vida’ ………………………………. p.191 ● As consequências graves e desastrosas da Cultura, ainda hoje, preponderante do Poder-Condomínio ……………………………… p.200

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● A: Sobre o recente Conflito entre Israel e Gaza …………………... p.201 ● B: O Neoliberalismo capitalista globalizado de hoje ……………… p.204 ● Almanaque ou Borda d’Água do Objectivo-Objectualismo ………….p.210 ● A Grande Lição de Confúcio para despertar a sua Consciência ……….p.211 ● C.E.H.C.: Associação e Movimento ……………………….................. p.212 ─ Bibliografia ………………………………………………………………….. p.213 ─ Índice …………………………………………………………….................... p.217

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