Manuel Reis | CELEBRAÇÃO

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MANUEL REIS

CELEBRAÇÃO (Palavra indutora, à C.G. Jung) Trans e Ultra-Religiões Institucionalizadas: que são, enquanto tais, o ópio do Povo.

Na orbita do HUMANISMO CRÍTICO [Em torno do Livro novo do Pe Mário de Oliveira: ‘Jesus Segundo João’ (o 4º Evangelho, traduzido e anotado, como nunca o conhecemos), Seda Publicações /2013.] Centro de Estudos do Humanismo Crítico 2013 1


NOS BASTIDORES ● Os escolásticos medievais (Tomás d’Aquino e Alberto Magno, à cabeça) ainda praticavam o que o CEHC designa pela Teoria/Doutrina da Dualidade Epistémica. Quer isto dizer que há uma Epistéme para as ciências físico-naturais e outra, diferente, para as ciências psico-sociais e/ou humanas. De facto, eles distinguiam (ao definir a Verdade) duas noções: A) ‘Adaequatio intellectus et rei’; B) ‘Adaequatio intellectus ad rem’. A noção de Verdade, formulada em A), aplica-se ao hemisfério das ciências psico-sociais e/ou humanas; a noção de Verdade, formulada em B), verifica-se no hemisfério das ciências físico-naturais. Ora, a partir da Descoberta sistemática das ciências positivas e experimentais, na Idade Moderna e Contemporânea, a Civilização Ocidental retomou, sem freios nem controlo, a doutrina tradicional do Monismo Epistémico, destilado pela Cultura do Poder-Dominação d’abord. A Humanidade e as Sociedades humanas, apesar do Progresso Tecnológico, ficaram, qua tais, sem qualquer protecção, nos domínios da Epistemologia. Os resultados foram desastrosos… Retrocedeu-se na Evolução filogenética da Espécie humana. Ficámos parados no estádio evolutivo do ‘Homo Sapiens tout court’ (próprio do Homem de Neanderthal); não evoluímos para a gramática do Homem de CroMagnon e para o paradigma do ‘Homem Sapiens//Sapiens’. Sócrates e Jesus, cujas mensagens e projectos eram os de procurar a Via acertada da Evolução, foram abandonados, desprezados e amaldiçoados. Até quando?!... ● “Eles mostraram a Jesus uma moeda de ouro e disseram a ele: ‘Os homens de César exigem que paguemos impostos’. Ele disse a eles: ‘Dai a César o que pertence a César, dai a Deus o que pertence a Deus, e dai a mim o que é meu’.” Evangelho de Tomé, 100 (‘A Biblioteca de Nag Hammadí’/A Tradução Completa das Escrituras Gnósticas; direcção de James M. Robinson, Madras, São Paulo, 2006, p.124).

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● Sobre o Caminho para o ‘reino’: “Jesus disse a eles: ‘Quando fizerdes dois de um, e quando fizerdes de dentro como fora e de fora como dentro, e acima como abaixo, e quando fizerdes o homem e a mulher um único e o mesmo, para que o homem deixe de ser homem e a mulher deixe de ser mulher, e quando adaptardes os olhos no lugar de um olho, e uma mão no lugar de uma mão, e um pé no lugar de um pé, e a semelhança no lugar de uma semelhança, então entrareis no ‘reino’ ” (Ev. de Tomé, 22: ibi, pp.118-119). ● ‘O Reino de Deus está dentro de vós e está fora de vós’. Este é o Leit-motiv do Evangelho de Tomé e dos restantes. Mas, em todos eles (mais nos apócrifos que nos canónicos) se o Reinado de Deus não está dentro, ou seja, não brota da Consciência individual, ele não poderá configurar-se fora. “Os apóstolos que estavam diante de nós tinham estes nomes para ele: ‘Jesus’ o Nazareno, Messias’, isto é, ‘Jesus, o Nazareno, o Cristo’. O sobrenome é ‘Cristo’, o nome é ‘Jesus’, e no meio está ‘o Nazareno’. O ‘Messias’ possui dois significados, ambos ‘o Cristo’ e o ‘medido’. ‘Jesus’ em Hebreu significa ‘a redenção’. ‘Nazara’ significa ‘a Verdade’. ‘O Nazareno’ então significa ‘a Verdade’. ‘Cristo’ […] tem sido medido. ‘O Nazareno’ e ‘Jesus’ significam aqueles que têm sido medidos”. (Bib. Nag Hammadí, Ed. Madras, cit., Ev. de Filipe, p.133). “Os que dizem que o Senhor primeiro morreu e (depois) ressuscitou, erram, porque ele primeiro ressuscitou e (depois) morreu. Se alguém não obtiver primeiro a ressurreição, (porventura) não morrerá?”. Aqui fica estabelecida, claramente, a relação entre morte e ressurreição. A formulação encontra-se no Ev. de Filipe (in Bib. de Nag Hammadí: II Evangelhos Gnósticos (Ed. Ésquilo, 1999, p.32). ● Um divide-se em dois é sinal e prova de vida; dois fundem-se em um é prova e sinal de morte. A união não confunde, diferencia. Os pecados ficam com quem os comete!... (Doutrina da divindade egípcia Hermes Trismegisto, registada desde séc. VI a.E.C.). ● As Mensagens gémeas de Sócrates e de Jesus (a 1ª ancorada no Diálogo maiêutico, como fonte das humanas Linguagem e Pensamento; a 2ª polarizada no Projecto humano/humanizador do Amor e da Justiça), não é possível compreendê-las e segui-las, autenticamente, fora do universo mental dos GNÓSTICOS (alexandrinos, helénicos e hebraicos, e judeo-cristãos primevos). 3


Na verdade, a vera humanidade e uma acendrada humanitude é só nesse horizonte que elas se podem configurar e exercer. Não é, por conseguinte, o que vem de fora que macula e define o Humano; mas o que procede de dentro: do seu espírito e consciência. ● Por que é que, nos últimos três séculos de Modernidade, as Nações desenvolvidas e mais ricas não conseguiram erradicar a pobreza e a miséria dentro das suas fronteiras?... Porque se deixaram dominar e controlar por um Sistema capitalista sem freios e, mais recentemente, por esse mesmo Sistema, na sua fase mais selvagem: o neoliberalismo capitalista global/imperialista!... E, entretanto, mulheres e homens continuam a fazer filhos, para a prostituição geral das Sociedades humanas, esperando, tão-só, que os seus ‘rebentos’ possam, amanhã, vir a ‘ganhar a vida’ como força-de-trabalho de qualquer empresa… que, nas suas dimensões médias ou altas, já nem sequer os aceitam, porque as Tecnologias da produção substituíram (com vantagem para os patrões…) a tradicional mão-de-obra operária!... Ainda te sentes um sem-abrigo dos velhos e tradicionais mundos da Metafísica, mesmo no esquema do configurado por Samuel Beckett, na peça ‘À espera de Godot’?!... É melhor desistires… Lembra-te que o próprio vocábulo Metafísica (no seu sentido originário), (bem diferente do que foi cunhado na semântica tradicional pelas Ideologias dos Poderes Estabelecidos…), inventou-o Aristarco de Samos (discípulo de Aristóteles), no séc. III a.E.C., tão-só para arrumar os livros da Biblioteca do Mestre, no lugar disponível para os livros que vinham depois da Física!...

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o livro em anรกlise

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Manuel Reis e Pe Mรกrio

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* 1. ─ Normas básicas e fecundas, para enquadrar e promover a Boa Metodologia do Pensamento: ─ O Pensamento deve nascer da Vida e seu exercício. Por isso, o Diálogo (socrático) é fundador e fundamental, inclusive para aceder à formação da ideia/ /conceito, com as suas duas dimensões: singular e universal. O melhor pensamento (na teia da linguagem) é o de carácter bio-dinâmico. Está escudado para se afastar dos enleios das contradições, oriundas da divisão dualística entre Teoria e Prática. Não esquecer que estas duas constituem o típico produto segregado pela sempiterna Cultura (ideológica) do Poder-Dominação d’abord. Assim, pode concluir-se que uma boa Intuição (ab origine) é bem mais útil e fecunda que toda a cadeia de montanhas de argumentos lógicos, apoiados numa racionalidade abstracta e estereotipada. O que aqui ocorre, é a queda nas engrenagens da religião laica do Objectivo-Objectualismo (que o CEHC sempre tem denunciado). 2. ─ O aristotélico Princípio de Identidade e Não-Contradição, cada Ser Humano o deve acarinhar e assumir como sua gramática pessoal de vida e existência em Sociedade. Nesta óptica, deve saber-se e reconhecer (individualmente e em comum) que o próprio princípio (daquele derivado) de individuação/individualização é justamente no comum e na comunidade que ele se forja e perfila para todos os efeitos. (Karl Marx já deu o justo relevo a este tema/problema) 3. ─ Sócrates e Jesus: são as duas fontes mais autênticas e genuínas da Boa Cultura do Ocidente. É sob o espelho e a pauta dessas duas grandes Figuras (que nos levam a lobrigar os contrastes e as antíteses) que a Civilização/Cultura do Ocidente é forçada a reconhecer a sua traição e bastardia, perante os dois Grandes Mestres. Na tradição legada pela História, as imperantes hipocrisias e maquiavelismos conduziram o Ocidente e as Cristandades em geral a ‘arrumar’ a figura de Jesus como o Cristo/Messias (erradamente…) no campo das Religiões; e a adulterar a própria figura de Sócrates, localizando-a na história da Filosofia, e a tal ponto a amordaçaram que dos dois discípulos, que sucederam a Sócrates, engrinaldaram em arco (ao longo de 2 milénios…) precisamente com Platão, deixando ao abandono Aristóteles e o aristotelismo (que estava muito mais próximo do filão socrático). Foi nessa galáxia que Paulo (na linha de Platão) acabou por atraiçoar Jesus e sua Mensagem, polarizando-se na suposta Função/Missão de Cristo/Messias. (Proh dolor, ca. de 75% do próprio N.T. é paulino…). 4. ─ Na Pós-Modernidade positiva e crítica (que é o tempo histórico em que vivemos, segundo a gramática do CEHC), deve estar sempre presente o imperativo categórico, de ordem cultural/crítica, do chamado pensamento bio-genésico: este 7


método de pensamento dispensa, estruturalmente, toda a sorte de elucubrações de índole metafísica, que, no passado da Tradição filosófica/teológica ocidental, serviam de apoio, arrimo, protecção e orientação ao discernimento da Boa Conduta Ético-Moral do Psico-Sócio-Ânthropos. Em suma, não estamos a operar senão nos horizontes criticistas de Immanuel Kant e da escola da Desconstrução sistémica, iniciada por Jacques Derrida. Com efeito, só nesses horizontes (que são os do Humanismo Crítico), ficará aberta a Via para que os Humanos possam viver tranquilos e em paz (consigo mesmos, antes de tudo) e sem medos nem receios de ordem psico-cultural. Para captar bem o que estamos afirmando, convirá ter presente o axioma: Uma vez que ‘Bonum diffusivum sui’, não são, em 1º lugar e ab origine as populações e as massas humanas que se auto-deterioram e destróem, praticando maldades de todo o tipo; as maldades e as perversidades têm a sua origem nos Poderes Estabelecidos. Por que é que o princípio da Auto-determinação dos países e das antigas colónias, face à crescente pesporrência e dominação (inclusive bélica) das metrópoles colonizadoras, fez caminho nos campos da jurisprudência crítica internacional e do senso comum crítico entre as Nações?! Confirma isso que o método do Pensamento bio-genésico funcionou. Ora, evocar o método do Pensamento bio-genésico, nos domínios da História, é equivalente ao Quadro crítico do Pensamento, que faz e estabelece a chamada História ao 3º nível (como tem defendido e promovido o CEHC). O Prof. Fernando d’Orey (Univ. Nova de Lisboa) apreciou o livro de Martin Page: ‘A Primeira Aldeia Global’ (Como Portugal Mudou o Mundo), (Casa das Letras, Alfragide, 2012/10ª ed.), do seguinte modo: ‘A Primeira Aldeia Global é o livro mais interessante que alguma vez li sobre o meu país’(contracapa). E tem razão: é que M.P. pratica a elaboração da História ao 3º grau, como fizeram João Barcellos e Alfredo Pinheiro Marques. Vale a pena transcrever os primeiros dois parágrafos do cap. XIII (pp.180-181), para captar o modus faciendi: “Antes do final do séc. XV, Portugal era o único país da Europa onde os judeus não eram perseguidos. Tinham sido expulsos de Inglaterra, no séc. XIII, de França, no séc. XIV, e, posteriormente, da Alemanha, Polónia e Rússia. Na Suiça, várias centenas foram queimados na fogueira. Em várias das cidades-estado da Itália, foi-lhes permitida a permanência, mas apenas em guetos, fora das muralhas da cidade. Era-lhe vedado o exercício do comércio e de outras actividades lucrativas, estavam privados de direitos políticos e civis e eram obrigados a pagar impostos altamente penalizadores. A única excepção era muito curiosa: o Papa, enquanto chefe temporal de Roma, permitiu ao ‘povo de Jesus’ o direito de ali residir, dando-lhes a sua protecção. “Os judeus em Portugal eram conhecidos por ‘sefarditas’, que significa ‘ocidentais’. Acreditavam que eles descendiam da aristocracia escravizada durante o cativeiro da Babilónia. Como vimos no cap. I, existem no Antigo Testamento várias referências a Tarsis, que eles acreditavam, e muitos ainda acreditam hoje, ser o Sul da Ibéria atlântica. É bem provável que tenham aqui residido judeus, na altura em que os novos refugiados chegaram de Israel, após a queda de Jerusalém e a destruição do Segundo Templo, pelos romanos, no ano 72 d.C.. A primeira referência escrita sobre a presença dos judeus é um édito datado de 300 d.C., proibindo os camponeses cristãos de se dirigirem aos rabinos, em vez de o fazerem aos padres, pedindo-lhes que 8


abençoassem os seus campos ou que os casassem. O facto de os bispos terem sentido a necessidade de emitir tal proibição é a prova evidente, ainda que, na sua opinião, negativa, da aceitação que os judeus tiveram, por parte dos cristãos, bem como a simpatia com que a sua religião foi recebida”. 5. ─ Ainda sobre a importância decisiva do método do Pensamento bio-genésico. Quem não reconhece, hoje, nas Sociedades contemporâneas (cada vez mais multiculturais e heterogéneas), a importância da Fotografia (desde logo, para identificar as pessoas…) na vida societária corrente/quotidiana, para socializar os Indivíduos, e até em função do plano (que ainda não existe…) da sobrevivência do Planeta Azul?! É preciso, entretanto, não esquecer que todo o real tem dois lados, o exterior e o interior, e tudo acontece no Fio de Ariadne do Espaço/Tempo. Daí decorre que se torna absolutamente necessário, aqui e agora, que o Homo Sapiens//Sapiens supere, definitivamente, a condição (precária e transitória) do Homo Sapiens tout court; de contrário, não haverá Planeta humanamente habitável dentro de um século. Enaltecendo as potencialidades da Fotografia, escreve Robert Draper (in ‘National Geographic’, Out. de 2013, p.29): “Os fotógrafos usam as suas câmaras como utensílios de exploração, passaportes para os seus sanctuários interiores, instrumentos de mudança. As sus imagens [escolhidas] constituem a prova de que a Fotografia interessa, e agora mais do que nunca”. ‘A verdade é uma armadilha: não podemos tê-la sem nos deixarmos apanhar’, concluía o intuicionista Kierkegaard (cit. ibi, p.32). E a Escolástica medieval ainda assegurou a síntese, a re-união dos dois lados (objectivo e subjectivo), ao admitir e estabelecer as duas fórmulas: ‘veritas utpote adaequatio intellectus ad rem’ e ‘adaequatio intellectus et rei’. Na Modernidade ocidental, foi privilegiada a dimensão objectiva da Verdade, em detrimento da sua dimensão subjectiva. A proposição de Brent Stirton (ibi, p.37) enaltece a vertente da objectividade: ‘Photography is a weapon against what’s wrong out there. It’s bearing witness to the truth’. Nessa mesma vertente, está a asserção de Brian Skerry (ibi, p.65): ‘A photograph is powerful proof. It’s indisputable evidence’. A revista em causa celebra, neste número, a importância (por vezes decisiva da Fotografia). Nós próprios reconhecemos a Tese, diante do espólio excelentíssimo desse Grande Fotógrafo que é o brasileiro Sebastião Salgado. (Veja-se e admire-se, com cuidado e sensibilidade holística, a sua colecção de fotos integradas no ‘Gênesis’, edit. pela Taschen, 2013). No entanto, convirá advertir que este é apenas um dos lados, no vasto Mundo do Processo da Psico-Sócio-Antropogénese e da História dos Humanos, enquanto tais. No anverso da Realidade, há que ter em conta e considerar a existência do seu reverso; numa palavra: o que é exterior e o que é interior. O postulado, que obriga ao reconhecimento dos dois lados e à síntese deles, decorre directamente desse fenómeno excepcional na Evolução, que dá pelo nome de Consciência (reflexiva e crítica), própria do Homo Sapiens//Sapiens. Neste rincão das nossas reflexões críticas, há que reconhecer que o próprio Fernando Pessoa se enganou ao afirmar que ‘a memória é a consciência diferida no tempo’!... Não há Consciência in actu signato; há-a, apenas, in actu exercito. 9


6. ─ Ainda sobre a importância decisiva do método do Pensamento bio-genésico: os dois tipos, intelectualmente diferenciados, que foram Camus e Sartre. É historicamente sabido que ambos estiveram integrados na Resistência à ocupação nazi da França pelos alemães de Hitler. E é, igualmente, reconhecido que ambos se batiam pela Revolução socialista e por um processo revolucionário que carreasse, consigo, os tais ‘amanhãs que cantam’, e que, afinal, nunca cantaram até ao presente!... Jean-Paul Sartre chegou a ser director da Revista (corajosa!) ‘Temps Modernes’, a qual tudo fazia para ir abrindo caminho rumo a Novos Tempos de Sociedades humanas, alicerçadas, a sério, no trinómio ‘Igualdade, Fraternidade, Liberdade’. Ora, entre as duas personalidades ilustres, quem mais se enganou na concepção da Revolução socialista e do Processo revolucionário foi, incontestavelmente, J.-P. Sartre. Acabou por aceitar e ratificar o modelo soviético e a obediência respeitosa à URSS. Provavelmente, nem Sartre nem Camus saberiam, nas décadas de 50 e 60 do séc. XX, o que só posteriormente veio a ser conhecido e divulgado pela mestria crítica de J.K. Galbraith, a saber: o Socialismo convencional construído na URSS, pelo Leninismo e pelos bolcheviques, não extrapolou do ‘Capitalismo monopolista de Estado’. Camus apostava no Companheirismo, na vera Amizade e na realização (imperativa!) da Justiça primacial e primordial. Era, originalmente, mais intuitivo do que lógico-discursivo; Sartre, por seu turno, invertia este esquema tipológico: enquanto ser racional d’abord, ele privilegiava a racionalidade (objectivo-objectual) dos processos revolucionários. Eppure…, a Razão sem a Sensibilidade (pan-envolvente) torna-se estéril e perversa. Entra em círculo fechado ou curto-circuito. Com efeito, nos Processos revolucionários em demanda do Socialismo (vero e autêntico), constitui imperativo categórico (ético-cultural) que a Revolução Cultural esteja nos postos de Comando, visto que uma vera e autêntica Sociedade socialista só se poderá edificar a partir das Pessoas humanas, dos Sujeitos humanos singulares e concretos. A perversidade e o malogro dos processos revolucionários começam, quando se polarizam as atenções na Força armada bruta, como se o simples desbloqueio de uma Sociedade bloqueada fosse tudo, sob o pressuposto de que a grande maioria da população se encontraria, por definição, pronta e preparada para a Nova Sociedade!... É o sempiterno Erro, segregado pela religião laica do Objectivo-Objectualismo. No processus, foi esquecido, ou posto de parte, o terminus a quo, i.e., a sociedade capitalista/totalitária, que moldou as pessoas e as populações. 7. ─ Os dois imperativos categóricos da Linguagem e do Pensamento são, hoje, mais pertinentes e actuais do que nunca. O 1º diz respeito ao discurso e à linguagem quotidianos, decorrentes dos Poderes Estabelecidos e que, aos olhos dos cidadãos e das populações, faz passar por sacral tudo o que é enquadrado pela ‘Law & Order’. O totalitarismo e as ditaduras são cevados por essa atmosfera ideológica, que utiliza as técnicas da dissimulação e das demagogias, a pretexto de encarecer a máquina da Burocracia, para obter os seus efeitos da Dominação d’abord. Os agentes do Poder (desde o topo à base da pirâmide) chegam a disfarçar a sua imoralidade, com a desculpa 10


de que não fazem as leis e as regras, apenas as aplicam!... Neste contexto, os cidadãos são induzidos a uma obediência dogmática, que os destrói como tais. Aqui, o imperativo categórico tem a sua expressão, erguendo a Bandeira do Alerta Crítico, face a todos os Poderes Estabelecidos. O 2º imperativo categórico concerne o exercício do Pensamento dos IndivíduosPessoas/Cidadãos: o que ele nos diz é que nunca devemos abdicar de pensar por cabeça própria, enquanto é tempo… uma vez que todo o adiamento, em tais matérias (atinentes à Identidade pessoal e à Consciência), só nos acarreta a morte a prazo. Na Ética da cidadania, os dois imperativos categóricos funcionam (ou não…) de modo reciprocamente articulado. No processo de julgamento de Eichmann em Jerusalém (1961), no seu opúsculo ‘A Report on the Banality of Evil’, Hannah Arendt chegou a utilizar a expressão ‘banalidade do mal’ (a propósito das práticas sistémicas do nazismo hitleriano). Ora, o uso e o abuso de uma tal expressão (à rebelia do Pensamento crítico dos Gnósticos judeo-cristãos primevos!...) só produz o efeito maléfico e perverso de abrir a caixa de Pandora, e encerrar-nos, inexoravelmente, dentro do odre da Cultura do Poder-Dominação d’abord, bloqueando o acesso ao Novo Mundo do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. A tudo os humanos se habituam, quando se deixam controlar e domesticar. O próprio filósofo Martin Heidegger acomodou-se ao discurso político dominante e acabou por justificar o mal, enquadrado dentro de uma suposta ordem maior. O que só pode ser empreendido segundo a cartilha (desonesta) da sofisticação e da demagogia no discurso e na linguagem. Ora, o mal e a burocracia dogmática e totalitária só podem instilar-nos a coragem da Resistência, em função de uma sobrevivência societária salubre. O vocábulo alemão Sprachregelung (que traduzia a dimensão sofisticada do nazismo, enquanto a sua 1ª denotação ia para ‘a versão oficial’, contraposta à versão popular/real) significa dissimulação (no discurso e na linguagem). Escreveu, com acerto e pertinência, Clara Ferreira Alves (in ‘Expresso’/Rev., 12.10.2013, p.6): “Esta palavra alemã serve, grosso modo, para disfarçar o ‘mal’ incómodo. É uma ordem para que o discurso convencional seja modificado de modo a camuflar a intenção. No nazismo, o sprachregelung amaciava a palavra extermínio transformando-a em Solução Final. Por exemplo. O sprachregelung emana de uma sociedade altamente burocrática, é a expressão mais perfeita da burocracia como forma de totalitarismo, e destina-se a provocar nos súbditos uma obediência sem perguntas, morais, políticas, filosóficas ou outras. A execução da ordem torna-se um argumento ontológico. E enuncia uma sujeição à lei”. 8. ─ Quando é que as Sociedades humanas vão romper o cerco da Cultura do Poder-Dominação d’abord?!... Jaime Nogueira Pinto é o paradigma (cultivado) de uma Direita esclarecida, a viver dentro do Palácio encantado do Poder d’abord. Na entrevista que deu a Clara Ferreira Alves (in ‘Expresso’/Rev. de 26.10.2013, pp.38-44), a sua personalidade de intelectual é epitomizada como segue (p.39): ‘É assumidamente de direita, mas com amigos de esquerda. Humanista, africanista e pensador, reflecte com inteligência sobre 11


o poder, os portugueses e a sua História’. Considera que ‘a plebe é óptima!’. Pessoas como nós, formadas no universo criticista dos Gnósticos judeo-cristãos primevos, o mínimo que diriam de uma personalidade cultural de tal jaez seria que ela evoca a Torre sobranceira do cinismo. Não foi capaz de sair do odre, da gaiola dourada da Cultura do Poder-Condomínio; e aí, a sua inteligência é exímia nas justificações e nos argumentos lógicos. Em síntese, poderá compulsar-se o seu calhamaço maior, que dá pelo título: ‘Ideologia e Razão de Estado’ (edição de Esfera dos Livros, 2012). Nesta obra, o que sempre assoma e por toda a parte, é a mundividência (ideológica) traduzida e expressa no axioma: primado absoluto do Poder sobre os Saberes. J.N.P. é, de facto, o tipo de intelectual configurado com a mais acendrada cartilha tradicional do Poder-Condomínio. Ele não pode conceber, por definição, outra gramática, ─ a que é capaz de se alcandorar e alargar ao Observatório dos 360 graus; o mais que atinge é a amplitude de 180 graus (a figura geométrica do ‘ângulo raso’). Faz questão de asseverar, na entrevista (p.40), que ‘as pessoas de direita são parecidas com as de esquerda, porque a natureza humana é a mesma’. Sobre o processo sócio-histórico nacional, estabelece, em resumo (ibidem): ‘Obedientes, os portugueses têm devoção ao Poder. Camões refere essa obediência ao Poder de Lisboa. A razão principal da não resistência à descolonização foi a obediência ao Poder de Lisboa. O Poder manda. E [as populações] obedecem’. No que tange ao 2º julgamento/apreciação histórica, o seu juízo até pode ser tomado como de boa sensatez crítica. E a explicação de fundo vai, necessariamente, refluir para a formação tradicional dos portugueses nas ‘virtudes’ da humildade e da obediência, sempre pregadas e impostas pelo catolicismo paulino. No quadro da história nacional, desde 1143, além da situação fundadora/padrão do filho que destrona a mãe, em resultado de uma batalha, avulta uma outra cicatriz perversora: a morte do Infante D. Pedro em Alfarrobeira/1449, às mãos da Casa Real. A este padrão cauterizador do modus essendi luso démos nós o qualificativo de ‘Poder Seco’. É óbvio que tudo isto tem efeitos e consequências na personalidade de um povo!... No que toca, porém, ao 1º julgamento assumido, tem de postular-se que a mente ideológica de J.N.P. prossegue, estereotipadamente, encerrada no patamar (evolutivo) bio-antropogenético do Homo Sapiens tout court, incapacitada de aceder ao patamar psico-bio-antropogenésico do Homo Sapiens//Sapiens. Efectivamente, a ‘natureza humana’, de que fala J.N.P., não passa de uma peau de chagrin, ou um ‘scarecrow’… um espantalho, no meio da seara, para afastar os pardais!...

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NO PALCO 9. ─ Balanço crítico da Obra do Pe Mário de Oliveira, que dá pelo título ‘JESUS SEGUNDO JOÃO’ (o 4º Evangelho,traduzido e anotado, como nunca o conhecemos). Seda Publicações, 2013. ─ Esta é, efectivamente, uma Obra, que os Gnósticos judeo-cristãos primevos de há mais de 2 milénios gostariam de conhecer, se tivessem vivido durante esse tempo e conhecido a evolução da Cultura/Civilização do Ocidente. O Barracão de Cultura, da Associação Cultural ‘As Formigas de Macieira’, da qual o Pe Mário é um dos fundadores e ainda Presidente da Assembleia Geral, por um lado, e por outro, o Centro de Estudos do Humanismo Crítico (CEHC), ambas as associações têm razões para se sentirem orgulhosas e de parabéns. Razões, em suma, para celebrar! Na contracapa do Livro, ficou inscrito o seguinte emblema: “Em todos os livros alguma vez escritos, este é, porventura, aquele que melhor nos diz/revela como seres humanos, reiteradamente tentados pelo Poder, e que, simultaneamente, melhor diz/ /revela Deus que nunca ninguém viu. Sem nada em comum com o Ídolo que reiteradamente se faz passar por Deus verdadeiro e que é o único que justifica/dá cobertura ao Poder e transforma todo os seus crimes em virtudes ou actos heróicos”. A vera e autêntica Consciência dos Seres Humanos, pertencentes à Espécie bio-antropogenésica do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, constitui um Facto/Fenómeno do qual se pode dizer, de igual modo, que nunca ninguém o viu… só pelos sinais e testemunhos o podemos encontrar e conhecer; só pelos seus resultados, pelos seus efeitos e consequências na transformação séria e radical do Mundo e das Sociedades Humanas. Esta tese (original/originante) foi bem conhecida de Sócrates e de Jesus: constituiu, afinal, a raiz e a âncora das duas Mensagens (geminadas) destes dois Mestres incom-paráveis da Cultura do Ocidente, no seu núcleo mais profundo. Os dois Livros mais recentes do Mário (‘Evangelho de Jesus, segundo Maria, mãe de João Marcos, e Maria Madalena’, e ‘O Livro dos Salmos’/Versão Terceiro Milénio, também para ateus) já preparam o leitor para a ‘câmara nupcial’; mas ainda não ostentam a coragem e a ousadia que, surpreendentemente, viemos a encontrar neste novo Livro ‘JESUS segundo JOÃO’. Neste último Livro, o Autor já se mostra (relativamente à Figura de JESUS) no horizonte de uma plena maturidade criticista, que incorporou as informações críticas advenientes das Escrituras Gnósticas (descobertas em 1945), bem como as revelações críticas oriundas dos Textos do Qumran e dos Essénios (descobertos em 1947). Nunca saberemos quem foi, realmente, Jesus, se, em todo o universo da Exegese bíblica e da Hermenêutica das Escrituras, sobre os textos descobertos e disponíveis, não levarmos, na devida conta, como pano de fundo, a atmosfera societária panenvolvente da Clandestinidade, em que viveram e actuaram e escreveram os diferentes Autores os referidos textos. Outro condicionamento necessário e indispensável a ter, criticamente, presente (no concernente aos problemas de interpretação dos textos) são os ‘sinais dos tempos’ nossos contemporâneos (uma dimensão crítica holística, que sempre esteve 13


presente nos textos do Concílio Vaticano II (1962-65) enquanto dimensão filosófico-teológica actualizante e actualizada, e que deixou saudades pelo que produziu, positivamente, e lamentação pelo que o Papa reinante (Paulo VI) e a Cúria romana não deixaram fazer ao Concílio). Ora, o guião do texto para a apresentação do Livro, proximamente, na Casa do Alentejo, em Lisboa, (que Mário de Oliveira nos enviou, por e-mail, em 27.10.2013), não nos deixa, a propósito deste quadro de requisitos, quaisquer dúvidas. Lê-se, aí, o seguinte: “O novo Livro do Padre Mário tem tudo de clandestino. Para poder chegar às pessoas, tem de haver um cauteloso trabalho boca-a-ouvido. O Mercado não o suporta e tudo fará para o manter escondido, silenciado, retirado dos seus escaparates. O mesmo se diga das cúpulas das igrejas cristãs e das universidades, todas confessionais, já que todas fazem do cristianismo a sua ideologia, disfarçada de religioso/crente ou de laico/ateu. Todas são confessionais, ainda que se digam laicas, pois existem só para formar/formatar as novas gerações, segundo os moldes do Mercado e do grande Poder financeiro. São, por isso, universidades confessionais do senhor Dinheiro, o único Deus que elas conhecem, idolatram e divulgam”. Esta ambiência (ideológica) é o que o CEHC chama, em termos globais e sintéticos, a religião laica do Objectivo-Objectualismo, que produz o curto-circuito no Mundo humano e que feriu de morte a Instituição designada por I.C.R. (igreja católica romana). Nesse guião, podem ainda ler-se os dois parágrafos seguintes, pertinentes e criticistas: “Neste Livro, o Autor mostra-se consciente de que os chamados Evangelhos canónicos foram todos escritos na clandestinidade. Como tal, recorrem a uma linguagem cifrada. Só se chegará ao núcleo do seu testemunho sobre Jesus, o Maldito, segundo a Lei ou Bíblia de Moisés, se conhecemos a chamada chave de interpretação. De contrário, podemos ter acesso ao texto, mas não ao núcleo da sua mensagem. E acabaremos por tomar por Evangelho o que diz a letra do texto, sem nunca captarmos Jesus, o seu Projecto político e o seu Sopro/Espírito maiêutico, com tudo de feminino, por isso de fragilidade e de cuidado, de ternura e de acolhimento dos excluídos e dos diferentes, em especial, das vítimas da história. Felizmente, Jesus Segundo João só acontece, porque, pela primeira vez, houve acesso à chave de interpretação do Texto clandestino, elaborado por pequenas comunidades prosseguidoras de Jesus, também elas clandestinas, perseguidas, inclusive, pelos dirigentes do próprio cristianismo nascente, na altura, em fase de grande expansão pelas principais cidades do império romano, graças à adesão de Saulo/Paulo de Tarso a essa via judeo-cristã do judaísmo e às viagens ditas apostólicas a que ele meteu ombros, contra Jesus e o seu Projecto político maiêutico. Paulo anuncia exclusivamente o Evangelho de Cristo, de resto, o único que ele conhece e diz ter recebido, não de nenhum homem, portanto, também não de Jesus, mas directamente de Deus, o dos seus antepassados. Precisamente, o Deus em nome do qual Jesus é assassinado na cruz do império. Por sentença dos sacerdotes do Templo de Jerusalém, dessa época". 10. ─ Há dois milénios e meio (entrando em linha de conta com a Mensagem do Sócrates de Atenas (na Grécia)), que a Cultura/Civilizaçao do Ocidente tem andado iludida e enganada, por caminhos errados!... Os dois Pais fundadores do Ocidente foram 14


atraiçoados, atirados ao Lixo e postergados, em nome da corrida ao Luxo e à divindade do Dinheiro, do Capital e da capitalização, em suma, em nome do Objectivo-Objectualismo. Cm efeito, Sócrates e Jesus, através das suas práticas de vida e de morte suicidária para não traírem o seu magistério, ratificaram, de modo indelével, as suas Mensagens: estas apregoavam o Diálogo e a Justiça para edificar Comunidades/Sociedades Humanas, dignas do nome. Constituíram, por isso (reevoque-se, nuclearmente, o Diálogo socrático e o Sermão da Montanha de Jesus), a reprovação mais radical do Macho e do Machismo, do Patriarcalismo, do Império do imperialismo, de todos esses vícios que se encontram, historicamente, na base da Cultura/Civilização do Poder-Dominação d’abord, que foi introduzida pelo Processo Civilizatório, 3.500 anos a.E.C. Foram, de facto, as Mensagens de Sócrates e de Jesus que revelaram, à Humanidade cultivada, a fundamental exigência principal (de salvação da Espécie, enquanto tal!), válida e legítima, da recuperação da gramática da GILANIA, que teve, historicamente, lugar sob o paradigma do Matriarcado, que perdurou por 4 milénios (entre7.500 e 3.500 a.E.C.).É que, na verdade, só por essa via se abrirão as portas da Casa da Espécie Humana, para a Nova Cultura da Liberdade Responsável primacial e primordial. Logo a seguir à sua vitória definitiva sobre as hostes de Maxêncio, na ponte Milvius (em Roma/312), Constantino (apoiado,segundo a lenda, no lábaro que lhe dizia ‘in hoc signo vinces’) tornou-se o único Dono e Senhor do Império Romano. Na sequência disso, promulga o Edicto de Milão,em 313, e faz do Cristianismo a única religião oficial do Império. A partir de então, o Cristianismo fundado e balizado, doutrinariamente, por Paulo (cuja pregação se resumia no ‘Cristo crucificado e ressuscitado’ (1Cor. 1,23; Ef. 1,20) e que instaura o sistema dos anátemas (que dão origem, na I.C.R., à prática ditatorial dos dogmas), sobre todos aqueles que seguem evangelhos diferentes, não por Jesus (como tem sido erradamente pressuposto pelas Cristandades), viu-se, de um dia para outro, transformado na religião oficial do Império, enquanto religião salvífica, nos moldes do Dualismo metafísico-ontológico de Platão. Enquanto religião nascida e crescida no cincho do Poder Estabelecido do Império, o Cristianismo institucionalizou a sua doutrina de Fé (objectual/objectualista) sob as categorias (psico-linguísticas) de Dogmas propostos/impostos aos fiéis para neles acreditarem sob a ameaça: ‘ou crês ou morres’!...Sob esse pendor, logo no 1º Concílio Ecuménico de Niceia/325, a I.C.R. definiu e balizou o chamado ‘Símbolo Atanasiano’ da Fé, com exclusão (dogmática) de todas as outras modalidades da Fé cristã. Em consequência disso, vieram, depois, na ladainha da história, os magistérios dogmáticos caucionados pela cominação de penas e consequências negativas de toda a sorte. Os súbditos dos Poderes Estabelecidos eram, assim, controlados e ‘educados’ pelas ‘virtudes’ passivas da humildade e da obediência aos superiores, tudo e sempre sob o estandarte de que Todo o Poder é sagrado e divino (cf. Rom. 13,1). Vieram a seguir (no dealbar do 2º milénio) as Cruzadas; depois, na alvorada do Mundo Moderno, no encalço dos Descobrimentos transoceânicos, surgiu o imperativo da Dilatação da Fé e do Império!... Assim foi progredindo a Cultura/Civilização do ‘Velho Mundo’ a ex-

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pandir-se para os ‘novos mundos’, nos carros de assalto e predação do Colonialismo e do Imperialismo. Entretanto, no plano cultural/ideológico e espiritual (porque a Humanidade e a Sociedade eram foncièrement dualistas…), ─ a situação foi-se agravando, nesta pendência, durante o 2º milénio cristão ─, as leituras e os livros, que pudessem cair nas mãos dos fiéis e na ensinança das comunidades, eram seleccionados e controlados, mediante a instituição da Censura eclesiástica e o Index Librorum Prohibitorum. A fechar a cúpula do Edifício, a Congregação da Propagação da Fé, que, depois do Conc. Vat. II, foi rebaptizada com o nome de Congregação da Doutrina da Fé: defesa e preservação de uma Fé sempre objectualizada, superiormente ditada e balizada pela Hierarquia e pelos Poderes Estabelecidos. Os Cristianismos paulinos tradicionais, vigentes em todas as Cristandades históricas… ─ tem de dizer-se, à puridade, que nunca, até ao presente, aceitaram e reconheceram os caminhos abertos por livres-pensadores do coturno de Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494) no seu opúsculo ‘Discurso sobre a Dignidade do Homem’, ou François Marie Arouet de Voltaire (1694-1778), no seu ‘Tratado sobre a Tolerância’.

É o confronto que, também em termos culturais, nos convence! 11. ─ Dois Projectos/Duas Obras crítico-culturais em comparação: o referenciado Livro (205 pp.) do Padre Mário de Oliveira, de um lado; e do outro,o Livro (693 pp.) do conhecido filósofo inglês A.C. Grayling: ‘O Livro dos Livros’ (no orig., ‘The Good Book’)/Uma Bíblia Humanista. (Ed. por Lua de Papel, Alfragide, 2011). O seu referente nuclear surge inscrito na capa exterior (na ed. port.) e é de José Mário Silva: ‘O conceito desta Obra imensa, fruto de um trabalho de três décadas, é tão simples como poderoso: é uma espécie de Bíblia, com uma estrutura semelhante, mas em que Deus está ausente’. O Autor (nascido na Zâmbia) é um dos mais conhecidos filósofos ingleses da Actualidade e vive em Londres. Dos três filósofos (em língua inglesa) militantes pelo Ateísmo, a saber: Richard Dawkins, Cristopher Hitchens e A.C. Grayling, o último é, sem dúvida, o mais moderado. Na p.695, diz-se desta obra: “O Livro dos Livros foi escrito com base em cerca de mil textos de algumas centenas de autores, colectâneas e tradições anónimas, entre os quais os mais utilizados foram [segue-se um elenco de 123 autores… todos mortos ilustres]”. No Prefácio à ed. portuguesa (pp. 7-8), que é de Carlos Leone, foram abordadas algumas questões atinentes a um Projecto desta envergadura, que é bom referenciar, para nos darmos conta da índole precisa dos actos e produções culturais dos humanos. Pela negativa, diz-se que não se trata nem da laicização nem de uma paródia da Bíblia. Pela positiva, avança-se com o quadro situacional da Tolerância cristã (sic…), fora do qual se assevera que uma Obra deste calibre seria impossível. Aqui… é o ‘quod 16


volumus facile credimus’ dos intelectuais de hoje, que pretendem exibir-se à la page. Já se deu conta C.L. de que a lei da separação da Igreja e do Estado só começa no Ocidente dito cristão, de modo claro e oficial, na França de 1905?!... No mesmo parágrafo (p.7), C.L. considera a Revelação (dos textos sagrados), na Bíblia, como tabú impenetrável. Depois, ele dá uma no cravo e outra na ferradura, ao afirmar (ibidem): “A selecção cultural, tal como a natural, não se faz só de competição, mas também de adaptação [e de cooperação?...]. O tom e o conteúdo deste livro, para adoptar uma distinção fácil e até um tanto falaciosa, são de reconhecimento e interesse genuínos pelo Verbo, que o antecedeu e ao qual corresponde de modo original”. Quer ele dizer que o Verbo, sem Revelação, de hoje é a continuação do Verbo Revelado de ontem e dos nossos ancestrais?!... Não se vê bem como, sem mencionar transformações e metamorfoses… A Evolução cultural (como, de resto, a natural) impõe uma atenção holística ao Todo e às suas partes orgânicas; matéria e forma estão, aí, entrosadas e envolvidas. No enquadramento crítico da Cultura moderna e contemporânea, não basta evocar o Iluminismo e a cultura herdada do ‘Siècle des Lumières’, argumentando que os Autores das ‘Luzes’ ainda se nutriam de uma fé religiosa; nem é suficiente a referência às novas noções (estruturais) de laicidade, agnosticismo ou ateísmo, para além de alguma leviandade (gnóseo-epistémica), utilizada por autores de romances como Dan Brown, em ‘O Código Da Vinci’ (cf. ibidem). Assim, não basta discorrer e concluir que, esta obra, no seus objectivos, “depende daqueles aspectos culturais comuns à tradição cristã e à filosofia dos iluministas, em particular a crença (racional já no cristianismo) da unidade fundamental da experiência humana no mundo” (C.L., ibi, p.8). Carlos Leone parece estar consciente de ‘alguma falha’ (desde logo, no simples confronto entre a ‘Bíblia’ e este Livro de A.C. Grayling que, na edição portuguesa, em contraste com o original inglês (The Good Book) até beneficiou de alguma vantagem sob o título ‘O Livro dos Livros’), quando escreve (ibidem): “Reduzir a vida moderna a uma versão ‘laica’ dos valores religiosos que a precederam é tão pouco rigoroso e tão pouco útil, como afirmar a simples natureza supersticiosa desses valores. Nada disso perpassa as páginas que o leitor aqui tem pela frente” (ibidem). Carlos Leone, contudo, não se esqueceu, aí, de evocar o grande Tema dos Modernos e da Modernidade, que dá pelo nome de Desencantamento do Mundo; mas de um tal tema, ele não disse nada. Nem, por certo, adivinhará que um tal jargão foi inventado e cunhado, mais pelos aspectos negativos do que positivos, em referência à hominização/humanização da Espécie. Alguma vez o filósofo C. L. terá meditado no carácter de Jano dessa expressão, que, no seu reverso, iria implicar o re-encantamento do mundo, mediante o estilhaçamento, desde logo, do mistificador Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo?! Sejamos honestos e levemos o aprofundamento da Reflexão até ao fim. É que como nos diz o ensaísta triestino em ‘Alfabetos’ (Quetzal, 2013), “há, principalmente, uma lição na Bíblia necessária a toda a liberdade individual e colectiva: a da anti-idolatria. (…) O ser humano torna-se escravo, quando é escravo de qualquer ídolo, quando exalta, como sendo absoluto, um valor terreno, histórico e relativo”. A escravatura moderna foi forjada pela religião (antiga e tradicional…) do Objectivo-Ob17


jectualismo, concretizada, a um só tempo, nas pseudo-divindades do Capital e das Tecnologias d’abord. A Carta ao Leitor (que, por suposto, é do Autor da Obra) decorre numa tonalidade mais simples e sem sofismas (pp.9-11). Dir-se-ia que se limita a deslegitimar o que o A. chama ‘a rigidez das nossas noções’ e ‘a nosssa relutância à mudança’ (ibi, p.9). O apelo fundamental que é feito, refere-se ‘à sinceridade da nossa intenção’ (ibidem). “Assim, todos os que lerem este livro, se o lerem com cuidado, podem chegar a ser mais do que anteriormente foram. Isto não é um elogio do próprio livro, mas sim dos seus leitores atentos, pois o que de valor encontrarem nele virá das suas mentes” (A.C.G., ibidem). Estamos inteiramente de acordo com A.C. Grayling, ao afirmar (ibi, p.10): “Determinar o que é o bem e o melhor modo de o conhecer é o mais importante dos nossos trabalhos, e, na verdade, é a arte maior da vida”. Igualmente, quando ele assevera, sobre o propósito central do Livro: “não exigir a aceitação de crenças ou a obediência a ordens, não impor obrigações e ameaçar com castigos, mas ajudar e guiar, sugerir, informar, avisar e consolar, e, acima de tudo, erguer alta a luz da mente e do coração humanos contra as sombras da vida” (ibidem). O A. tem o nosso apoio, quando afirma, com simplicidade e candura: “Deixar brilhar a luz sobre a ignorância e a falsidade é um serviço que se presta ao entendimento humano; serviço ainda maior é mostrar o caminho para um patamar mais elevado, no qual a vista da vida é mais clara” (ibi, p.11). Diz, a concluir, que o Livro “é um texto feito de todos os tempos e para todos os tempos, a sua aspiração e objectivo é o bem da humanidade e o bem do mundo” (ibidem). ─ O que só pode ser bem compreendido, em esquema ascendente e imbricativo.

Em Demanda do Método do Pensamento Bio-genésico 12. ─ Reconhecemos, sem dúvida, pertinência e utilidade a escritos e obras elaborados no horizonte da Obra de A.C. Grayling. Todavia, não podemos deixar de as classificar, quanto ao método, de sincretistas. E o sincretismo enferma de uma atmosfera de artifício, de próteses, ─ tudo o que é contrário ao pensamento bio-genésico, que é o que pode realmente, não só transformar radicalmente as instituições como revolucionar a mundividência dos Humanos e suas Sociedades. O Pensamento sincrético é o enteado do Pensamento metafísico; e a Metafísica conduziu a Cultura do Ocidente a ‘dar-se bem’ com as mundividências (religiosas) do Dualismo metafísico-ontológico de Platão e Paulo. Eis por que, no confronto acima referenciado, preferimos o livro do Mário à colectânea dos textos de A.C. Grayling. 13. ─ Mário de Oliveira está perfeitamente dentro dos processos de formação dos Evangelhos canónicos, que surgiram, na sua origem balizadora, como compêndios de parénese dirigidos às diferentes comunidades locais, que eram forçadas a actuar nu18


ma espécie de semi-clandestinidade, quando não se lhes impunha a clandestinidade total. (Nos primeiros 3 sécs., antes da oficialização do Cristianismo como religião do Império, o emblema dos cristãos não era a Cruz, mas o Peixe, que em grego se dizia ICTHUS, cujas iniciais constituíam um anagrama com este significado: Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador). Está, igualmente, a par dos problemas da datação histórica dos quatro evangelhos canónicos (5, contando Lucas I e Lucas II = Actos dos Apóstolos), bem como das diferentes interpolações/acrescentos feitos, posteriormente, sobre a redacção original de cada um. Estará a par das duas teorias sobre a sua datação histórica: a que era ensinada tradicionalmente nas academias e universidades; e a que resultou dos estudos bíblicos mais recentes, a partir dos achados de Nag Hammadí e, particularmente, a partir do espólio dos Essénios do Qumran (a que João Baptista esteve ligado e Jesus, por seu intermédio). A teoria tradicional datava-os entre 75 e 95 da E.C. e por esta ordem cronológica: Qvelle/Marcos → Lucas → Mateus. O Ev. de João é o último a surgir, quando já eram conhecidos os três evangelhos sinópticos. A outra teoria ressumbrou a partir dos estudos críticos e do desvendamento do Pesher (uma sorte de linguagem/escrita cifrada em código prévio) sobre os Documentos encontrados em Qumran (1947). À luz destes estudos, os peritos chegaram à conclusão de que os conhecidos quatro evangelhos canónicos já estiveram presentes no 1º Concílio Ecuménico, na cidade de Antioquia em 48 E.C., com alguns Apóstolos e Representantes das comunidades aí reunidos. Entretanto, esta problemática é forçoso considerá-la secundária, quando nos deparamos com o mais importante dos Problemas: evangelhos e escrituras houve que foram considerados canónicos logo desde meados do séc. II, v.g. no cânone do bispo de Lyon (França), Ireneu (na sua Obra ‘Adversus Haereses’) (140-202). Outros evangelhos e escrituras foram excluídos do cânone e considerados apócrifos e heréticos. Assim, não foi preciso esperar pelo Conc. de Niceia/325, depois da ‘constantinização’ da I.C.R. em 313, para estabelecer a bitola da canonicidade. Paulo (nas suas cartas) não havia já utilizado a ‘régua da medida’ com as suas cominações de ‘Anátema’ para todos os que divergissem do seu evangelho?... No cânone de Niceia/325, já parece ter figurado o 4º ev. canónico, depois de mais de dois séculos de dúvidas sobre a matéria. As dúvidas prendiam-se com a tonalidade mística, o discurso especulativo de ordem filosófico-teológica do 4º evangelho (um texto que não é só de João o ‘discípulo amado’, mas de mais dois autores). Um tal pendor era, em boa medida, apanágio dos Gnósticos, que o ‘espírito positivista romano’ (não helénico) entendia sistemicamente de modo negativo. M.O. é um exegeta/estudioso bem avisado, que dá conta de tudo. No cap. 8 do Ev. de João destacou e separou os primeiros 11 versículos em torno do Episódio da ‘mulher adúltera’ (vd. p.78 e p.197), que a maior parte dos biblistas já de há muito considera como uma interpolação tardia. Tem de considerar-se igualmente todo o cap. 21 do mesmo Evangelho como um acrescento posterior, visto que, como se torna óbvio pela simples leitura, o ev. havia sido dado por terminado no versículo 31 do cap. 20. Dos 4 evangelhos canónicos (seleccionados, em boa parte, pela Ideologia do Poder d’abord, que vinha do antigo Império Romano e foi, depois, oficializada/sacralizada, através da sacralidade paulina da Potestas, aquando da ‘constantinização’ da Igreja e do Cristianismo paulino), o que mais se prestava a este Estudo Criticista 19


sobre o Poder d’abord, era sem dúvida o Evangelho de João. Isto acontece assim, porque se trata, principalmente, de um Texto com a índole filosófico-teológica (antropológico-teológica), em detrimento do estilo narrativo-jornalístico. O Autor torna esta tese clara e incontroversa, ao asseverar, na contracapa do seu Livro: Este é o livro que “melhor nos diz/revela como seres humanos, reiteradamente tentados pelo Poder, e que, simultaneamente, melhor diz/revela Deus que nunca ninguém viu. Sem nada em comum com o Ídolo que reiteradamente se faz passar por Deus verdadeiro e que é o único que justifica/dá cobertura ao Poder e transforma todos os seus crimes em virtudes ou actos heróicos”. É, de facto, desta Pseudo-Divindade que fala Paulo (Rom. 13,1): ‘Non est, enim, potestas nisi a Deo’!... Quer esta Tese dizer, em última instância, que o vero e autêntico Deus se encontra do lado da Consciência livre e responsável dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos, na Espécie Sapiens//Sapiens! Tal como o CEHC já revelou ou fez saber em alguns dos seus escritos. Eis por que este Estudo crítico de M.O. tem como base de apoio o Estatuto da Espécie Humana qua tal: o Homo Sapiens tout court (1º patamar) imbricado e suplantado pelo Homo Sapiens//Sapiens (2º patamar da Evolução), o qual se tornou a forma superior e definitiva de realização da Espécie humana: neste novo horizonte, as Sociedades humanas são organizadas de baixo para cima e de dentro para fora; não de cima para baixo e de fora para dentro. Está certo, por conseguinte, o Autor, quando (nas Anotações ao cap. 17, vv. 1-8: p.153) afirma: “Este capítulo é uma pobre tentativa de verbalizar o Indizível, que é o ser-viver histórico de Jesus, totalmente fundido com Deus Abba-Mãe. Nenhum dos Doze é aqui referido. Só Jesus e o Pai. E nesta comunhão-fusão, estão já, também presentes, como em semente, que terá de se desenvolver de dentro para fora, todas as mulheres, todos os homens de todos os tempos e lugares. Já que todas, todos nascemos para sermos-vivermos em plenitude esta relação-comunhão que Jesus e Deus Abba-Mãe são-vivem. Fora desta relação-comunhão, só há idolatria/religião/Poder/esterilidade/medo/opressão/assassínio”. Tem razão o Autor quando afirma (ibi, p.152) que Jesus é o Ser humano pleno e integral: “Tal e qual como sucede com o nosso acto de respirar. Mesmo a dormir, esta comunhão mantém-se, fecunda. As palavras estão sempre a mais, quando a relação é com Deus Abba-Mãe. Se há palavras dirigidas a Deus, nunca é a Deus Abba-Mãe que nunca ninguém viu, mas ao Deus Ídolo dos sacerdotes e das religiões. O destinatário delas só pode ser o Deus Ídolo criado pelo Poder e colocado por ele, a fazer as vezes de Deus Abba-Mãe! Pura idolatria. As igrejas cristãs são, pois, igrejas pagãs-religiosas”. É por tudo isto que a tradicional Cultura do Poder-Dominação d’abord é forjada de justaposições e próteses artificiais, nos antípodas da Cultural (antropológica vindoura) da Liberdade Responsável primacial e primordial. O Ser humano pleno e integral é maiêutico, pratica o Diálogo maiêutico, à maneira de Sócrates e de Jesus. Não ambiciona o Poder, mas promove a Paz autêntica. Sabe que a ‘paz de armistício’ resulta sempre num lôgro. ‘La Bible de Jérusalem’ (Éditions du Cerf, Paris, 1955/Desclée de Brouwer), traduzida em francês, sob a Direcção da Escola Bíblica de Jerusalém, na década de 50, depois das Descobertas dos textos bíblicos de Nag Hammadí em 1945 e do Qumran em 20


1947), ainda foi redigida ‘ao pé da letra’, dentro das categorias metafísicas da Cultura vigente no Ocidente e no Mundo ocidentalmente globalizado. Por isso, esta Bíblia ainda não fez as necessárias metamorfoses, nas categorias de base (que precisam da Desconstrução radical) da Cultura ocidental. Dir-se-á que Mário de Oliveira começou a empreender essa saga ciclópica, nos seus últimos trabalhos. Jo. 1,1 faz a paráfrase de Gen. 1,1, pretendendo abrir a História do Mundo a um N.T., em contraste com o A.T.. O texto da Tradução francesa escreveu: ‘Au commencement le Verbe était, et le Verbe était avec Dieu et le Verbe était Dieu’. O grego e o latim foram bem traduzidos, ‘ao pé da Letra’… mas pertencem a uma ‘Cultura déjà vue’, tradicional/tradicionalista, que já não é a do padrão antropológico cultural dos nossos dias, marcados pelo agnosticismo e pelo ateísmo. O que o versículo procura afirmar, nuclearmente, é que Palavra e Sabedoria são irmãs gémeas (Gen. 1,1, Sap. 7,22), estavam em Deus desde as origens da Humanidade (porque Tudo o que dizemos de Deus é sempre um Ser humano que o diz), Jo. 8,24 e ss.. Essa Palavra foi enviada ao Mundo pelo Pai (Jo. 3,17 e ss.). Que fez a Teologia paulina tradicional da chamada ‘Redenção vicária’?... Reverteu o aberto N.T. para o odre sempiterno do A.T.. Por isso, a anotação da B. de J. ao v. 1º do cap. 1º de Jo., se limita a este resumo: ‘Le N.T., et surtout saint Jean, dégage, grâce au fait de l’Incarnation, la nature personelle de cette Parole subsistante’. Ora isto é, ainda, Filosofia e Teologia ideológicas e metafísicas!... M.O. saiu, decisivamente, do velho odre da Metafísica tradicional em torno da Divindade transcendente e extrínseca ao universo. A tradução que ele faz desse verseto é plausível, acertada, encalacrante para as mentes humanas, porque largou, de vez, a religião laica do Objectivo-Objectualismo. Ei-la: ‘Ao princípio, é o Projecto político maiêutico, e o Projecto político maiêutico é com Deus Abba-Mãe, e o Projecto político maiêutico é Deus’ (p.11). Este horizonte criticista é tanto mais sensato e percuciente, quanto é sabido que o Cristianismo é fundação de Saulo/Paulo, não de Jesus, que funcionava mentalmente na galáxia dos Gnósticos. (Lembre-se, a título de exemplo comprovativo, o Sermão da Montanha (estes textos são, também, conhecidos sob a designação de ‘Discursos evangélicos’), que ainda foi recuperado nos textos canónicos do N.T.: Mt. 5-7 e lugares paralelos nos outros dois sinópticos). Como deveria ser sabido, o fenómeno do Poder avoluma-se e adensa-se, tanto mais quanto maior e incontornável for a condição de multidão e de massas (amorfas), constituídas pelos súbditos/cidadãos de um Estado-Nação. Sem a panenvolvência societária da Ideologia/Idolatria, o ‘Poder Seco’ não tem possibilidade de sobreviver. Fala-se, pois, das actuações dos Poderes Estabelecidos no esquema de Legião e de agentes da Autoridade, perante a qual têm de responder. Escreve M.O. (ibi, p.59): “A ‘multidão’, sem localização geográfica, é toda a humanidade fragilizada, vitima do Poder e dos seus agentes históricos. Todos os empobrecidos, porque roubados. Os ‘adoecidos’, porque marginalizados, excluídos, os ninguém! Vai, primeiro, para eles, o cuidado de Jesus. São eles que, uma vez sujeitos, Eu-sou, mudam o mundo. Deixa de ser mundo Poder, para ser mundo humano!”

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14. ─ Ao longo de séculos e milénios do Processo dito civilizatório, o fenómeno do Poder tem-se configurado como o Leviatão, que desencadeia todos os medos e terrores, ou como uma Incógnita, em todos os azimutes, das Equações que procuram contornar a Civilização e a Cultura das Sociedades humanas. O que, aí, assoma é a sempiterna dialéctica entre opressor e oprimido. Movido pelo desespero, o segundo, para sobreviver, toma o lugar do primeiro. O adágio popular só confirma, sibilinamente, os factos: ‘Se queres ver o vilão, põe-lhe a vara na mão’!... É conhecida a cartilha segundo a qual actua o Poder e seus agentes: “O que sai fora dos cânones dos dirigentes do Poder não é oficialmente reconhecido. E quem protagoniza tais práticas e se rege por tal sabedoria, tem de ser morto! A sabedoria de Jesus não é dele. É-lhe dada de fora do âmbito do Poder. Só o Saber vem do Poder. A sabedoria vem de fora do âmbito do Poder. Vem das suas vítimas, com as quais Deus Abba-Mãe sempre se identifica!” (Idem, ibi, p.73). Ora, “os seres humanos, nascemos todos de Deus Abba-Mãe. O Poder não. Apenas do Deus Ídolo, projectado e criado pelos sacerdotes e imposto por eles aos povos. De Deus Abba-Mãe, só vêm os seres humanos, dos quais Jesus é o paradigma universal. Os seres humanos, nascemos, todos, de Deus Abba-Mãe. Já os dirigentes do sistema nascem todos do Poder, mais concretamente, da sua ideologia/idolatria”. (Idem, ibi, p.75). 15. ─ As Sociedades humanas balizadas e orientadas pelo ‘Poder Seco’, ou seja, pela Cultura do Poder-Dominação d’abord, segundo a cartilha objectualista moldada pela Ideologia/Idolatria, só podem funcionar (em termos geométricos) à escala dos 180 graus (ângulo raso), quando se dizem ‘democráticas’ (democracia liberal/representativa); essas Sociedades nunca poderão funcionar à escala (plena e completa) dos 360 graus, como é próprio da Espécie Sapiens//Sapiens, onde cada Indivíduo-Pessoa é dotado (porque para isso foi formado e educado por Sistemas Educativos dignos do nome), de Consciência reflexiva e crítica. Como diz muito bem o Mário (este é um dos seus ‘clichés’ predilectos, ao lado do ‘Projecto político maiêutico de Deus Abba-Mãe’), Jesus é o ‘Ser humano pleno e integral’. Ele opera à escala completa da Circunferência dos 360 graus: segundo a gramática da Espécie humana circunscrita na fórmula do ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Não há, aí, quaisquer modalidades de Poder (sacro) separado. Com efeito, só quando o Poder é engendrado como entidade separada, ele se arroga, pesporrentemente, o privilégio da sacralidade!... É, efectivamente, neste horizonte da ‘Potestas separata’, que logo surdem e se instalam a Ideologia e a Idolatria (objectualistas), como irmãs gémeas. O Poder, qua tal, gera a Ideologia e a Idolatria: ‘dividir para reinar’ é o refrão dos Poderes Estabelecidos; por sua vez, a Ideologia e a Idolatria alimentam e justificam a doutrina do Poder, com todo o seu cortejo de vítimas humanas e terrestres/planetárias. Tudo começa no horizonte da Demagogia na Linguagem humana. Comentando Jo. 4,48, escreve M.O. (op. cit., p.46): “A reacção de Jesus é imediata! Não pode tolerar que o tomem por messias/cristo/Poder invicto. Ele é o ser humano pleno e integral, por isso maiêutico. Recusa a via Poder, para resolver os problemas das populações e da sociedade, a única via que todos os do Poder e todas as suas vítimas 22


conhecem! Toda a Bíblia hebraica é por aí que navega. Até concebe Deus como o omnipotente! O senhor dos exércitos! Quanto mais poderoso, mais salvador do mundo! Ver as coisas assim, é a demência total! Obviamente, Jesus recusa essa via. Recusa a tentação de ser o messias/cristo/Poder vencedor!”. 16. ─ Segundo o Método da Maiêutica socrática, os conceitos ou ideias são concebidos, formados e formatados no curso do Diálogo inter-humano, desde logo, no esquema original/originante do Par de Indivíduos-Pessoas. É sintomático e significativo que o vocábulo, na semântica do seu étimo, tenha sido arrancado, por analogia, das práticas da Obstetrícia. É por isso que o método socrático, em Filosofia e nas práticas da Linguagem cotidiana, se constituiu, na sua elementaridade inicial, como uma multiplicação inteligente de perguntas (feitas pelo cidadão/filósofo), às quais o interlocutor é induzido a dar respostas, pertinentes e sensatas, descobrindo, no processus, que tais ideias-conceitos são, afinal, as suas próprias verdades. Daí resulta, fácil e naturalmente, a definição de um objecto/objectivo comum aos dois interlocutores. Depois… é só uma questão de alargar e multiplicar o círculo a outros interlocutores, sempre num plano de horizontalidade. Em pedagogia e didáctica e no cultivo das ciências em geral, o Método socrático da Maiêutica tem recebido o nome de Heurística (do verbo grego ‘heurisko’, ciência que tem por objecto a descoberta ou a invenção artística), onde a atenção é polarizada na atitude criativa da Investigação. Mas, se a Cultura do Ocidente quiser refundar-se, é ao Diálogo socrático e à Justiça jesuânica que ela tem de regressar, ao cabo de dois milénios e meio de caminhos desviados, contraditórios e letais. Através dos ensinamentos inauditos, que ministra aos seus discípulos (Jo. 8,12+), Jesus constitui-se como a Luz do Mundo, cuja missão é desfazer as trevas da ignorância e a perversidade da Ideologia/Idolatria. Jesus (não o Cristo, como ainda interpreta Augustinus Merk, na sua edição do Novum Testamentum) constitui-se, assim, como a fonte de todos os Iluminismos radicais, sérios, honestos, de dimensão universal. O cap. 8, 1-11,em torno da ‘mulher adúltera’ é uma interpolação posterior do Evangelho segundo João, muito provavelmente inspirada em Lucas, e que parece ter sido interpolada para ajudar a iludir a apercepção real/crítica de Jesus, convertendo-o em ‘Filho de Deus’, na órbita do Cristianismo paulino. Enquanto Gnóstico autêntico, Jesus instaurou o primado absoluto do Saber/Sabedoria sobre o Poder, ao mesmo tempo que abria os horizontes humanos para a igual dignidade de acesso às duas Árvores do Génesis (3, 1-13): a da Vida e a do Conhecimento do Bem e do Mal. Desta sorte, posta de parte a doutrina genesíaca do pecado original, ficou, ipso facto, dissolvida a teoria/doutrina paulina da ‘Redenção vicária dos Humanos’. 17. ─ Como já começara a abrir Caminho Sócrates, na Atenas da Grécia clássica, assim Jesus, em Jerusalém (mas galileu de nascimento) se constituiu como a Luz do Mundo, com a missão de conduzir os humanos e suas sociedades, das trevas da Ignorância e do Obscurantismo mortífero, para a Vida e Sociedades organizadas na base da Justiça e da Paz autênticas. Por tudo isto, as Autoridades e os dirigentes dos judeus, as elites judaicas e cristãs, ao longo de dois milénios, só por mentira e falsidade se 23


poderão chamar filhos de Abraão ou filhos de Deus… O Divino, que invocam, (a Divindade transcendente e extrínseca ao Universo), é uma impostura, que as Hierarquias e os Poderes Estabelecidos estabeleceram, para dela reclamarem taumaturgias e mistificações. O que, para tais elites, é essencial é que o Poder não caia na rua!... Leia-se atentamente (no Texto traduzido por M.O.) o cap. 8,vv.13-59 de João (op. cit. pp.78-86): Jesus estilhaça por completo a gaiola (hipócrita) dos argumentos dos fariseus, que o acusavam de testemunhar em causa própria. Jesus argumenta e explicita, em nome da sua Identidade individual-pessoal, até à sua base mais profunda e radical, ou seja, dar a própria vida, para comprovar, indesmentidamente, a própria Mensagem. (Como fizera Sócrates). Ora, o testemunho, que Jesus dá de si mesmo é fiável, porque ele é capaz de dizer de si mesmo Eu sou em plenitude (Jo. 8,24). Os judeus e os cristãos julgam pelas aparências, e por isso permanecem com os seus pecados, que os hão-de condenar. O foco central do processus demonstrativo configura-se no esquema de uma espécie de solilóquio interior, explanado ad extra: Diálogo íntimo, exteriorizado à prova da sua própria vida exposta ao martírio da morte violenta, que as elites judaicas lhe haviam de infligir, na cruz do Império Romano. (Para os romanos ele foi martirizado, porque se fizera rei; para os judeus, porque se fizera deus). E Jesus nem pretendeu uma coisa nem a outra!... Ora, o vero e autêntico Deus é a 3ª parte da Consciência do ‘Homo Sapiens//Sapiens’(como já foi ensinado em textos do CEHC, aprofundando o aforisma de Aurélio Agostinho sobre o ‘intimior intimo meo’: um tema, que não é nada de desprezar na Tradição cultural do Ocidente. Hannah Arendt chamou a Agostinho, bispo de Hipona, ‘o primeiro filósofo cristão’; nós damos esse posto a Orígenes!...). Jesus é, efectivamente, em termos mentais/culturais, um vero e autêntico Gnóstico, protótipo primeiro e paradigma da Espécie ‘Homo Sapiens//Sapiens’, dotada de Consciência crítica e reflexiva. Proh dolor, a Cultura/Civilização do Ocidente ainda não descobriu nem conhece Jesus/o Grande Gnóstico, que não se cansou, na sua vida e morte, de insistir no processus de transição do ‘Homo Sapiens tout court’ (ainda vigente… após 2 milénios de História!...), para o novo patamar da Espécie humana, que dá pelo nome (evolutivo) de ‘Homo Sapiens//Sapiens’. Aqui, na verdade, Poder e Liberdade coabitam na mesma Casa societária, pela razão fundadora de que, aí, a Liberdade é substantiva e a Potestas é adjectiva. Jesus operou a desconstrução radical da noção tradicional/convencional de Deus; e fê-lo na linha do axioma do ‘intimior intimo meo’ agostiniano (cf. M.O., op. cit., p.137). Por isso, e nessa Via, a Paz que Jesus proclama é universal, ou seja, destinada a todos os povos da Terra (ibi,p.141); e o seu mandamento do Amor é horizontalista: ‘Este é o meu mandamento, que vos ameis uns aos outros, como eu vos amo’ (Jo. 15,12). M.O, op. cit., p.144: “Está visto que o Cristianismo só existe, porque, logo após ter crucificado Jesus e atirado o seu cadáver à vala comum, corre a fazer dele o Cristo/Messias/Poder invicto! Por isso, há, hoje, 20 séculos de Cristianismo, mas não há Jesus. Tão pouco se conhece Jesus e o seu Projecto político maiêutico! O que perfaz a traição das traições!”. As três máscaras do Poder, que, na sua raiz,é sempre um só: a religioso-eclesiástica, a político-armada, e a económico-financeira. As 3 máscaras são produto da 24


sempiterna Cultura do Poder-Dominação d’abord. “E é assim, em todos os tempos e lugares, enquanto o Poder institucional, religioso incluído, for o dono e o senhor do mundo. Ele sabe que Jesus e o seu Projecto político maiêutico são a alternativa que o destrona para sempre. E jamais lhe dá oportunidade. Mata sempre a alternativa, lá onde ela começa a ganhar corpo em mulheres, homens, populações. Quantas, quantos dissentem dele, no essencial, ele abate-as, abate-os. De modo cruento. Ou incruento” (idem, ibi, p.147). O Processus histórico de Jesus (um filho de pai incógnito instaura a Noção nova de Pai universal, para substituir ou dispensar, mesmo, a noção da Divindade; ao ponto de reivindicar a sua primogenitura, vis-à-vis seu irmão Tiago, nascido já dentro do casamento de Maria e José, legitimado pela Lei) redundou na glória (kabod, em hebraico) e na glorificação do nosso Deus Abba-Mãe; mas, face ao martírio que o esperava, Jesus assevera (Jo. 16,7) que é melhor partir, para que, em sua substituição, possa advir o Espírito Paráclito, difundido em todos os espíritos humanos. Eis só porque se tornou melhor a sua nova condição de invisibilidade (idem, ibi, p.149). Entretanto, neste horizonte, há uma advertência importante a fazer: No processo da Psico-Sócio-Antropogénese, a demanda da Verdade é, necessariamente, operada num contexto de Justiça… Implica isso que não actua, aí, o princípio da Dialéctica, no sentido em que os Modernos o utilizaram para explicar o Processo histórico. Se não se presta atenção a tal exigência, incorre-se, fatalmente, na religião laica do ObjectivoObjectualismo. O resultado final é este: Nunca se chega, no Laboratório da Cultura/Civilização, a abordar, frontalmente, a realidade da Consciência dos Indivíduos-Pessoas e a, daí decorrente, Autonomia dos Sujeitos humanos. Em compensação, na perspectiva da exteriorização e da materialidade das coisas e das actuações, sempre de pendor uniformista e unicórnio, procede-se a uma caterva infinitesimal de exames e de balanços críticos, sempre a partir da Exterioridade (balizada pelos Poderes Estabelecidos), levados a cabo pelos chamados agentes externos da ‘Law & Order’. Eis por que, a história das civilizações parece não ensinar nada às gerações vivas, de tal modo que o que vinga, no fio de Ariadne da Cultura, é o esquema estereotipado do ‘eterno retorno’. Eis por que essa mesma história oculta e acusa tantas distorções e obscenidades, tantos despotismos e rapinas, tantas perversidades e tantas desumanidades. 18. ─ Nesta sua obra, Mário de Oliveira procura dar-nos uma visão cultural/crítica, actualizada, não só na tradução como também nas suas Anotações: forcejando sempre, activamente, uma hermenêutica crítica desafiadora e pertinente para as mentalidades hodiernas, correntes nas Sociedades humanas everywhere, as quais permanecem fixadas autisticamente, numa Stasis medíocre de Modernidade ultrapassada!... Desta sorte, ele movimenta-se (implicitamente) numa órbita para além da tradicional mundividência dualista platónico-paulina, que foi ainda a mundividência que enquadrou a chamada ‘Bible de Jérusalem’ (1955). Exemplos anódinos do que afirmamos: vida (humana) definitiva, em lugar de ‘vida eterna’ (vie éternelle): M.O., op. cit., p.151: Jo., 17,2-3. Em vez dos termos glória e glorificação (no sentido do Kabod hebraico), os

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termos constituídos pelo par visível/invisível e as operações do revelar e da revelação, que são apanágio da linguagem gnóstica: Jo.,17,1-8: M.O.: pp.152-153. Por outro lado, convirá saber, em termos filosófico-teológicos, que, na Cultura do Ocidente, essa mundividência dualista/metafísica começou, pelo menos, parcialmente a ser combatida, mediante a doutrina do Tomismo (Tomás de Aquino, no séc. XIII), que procurou recuperar o hilemorfismo aristotélico. E, na órbita do Doutor Angélico ─ deverá recordar-se ─, a própria noção de eterno/eternidade é definida em parâmetros que se situam, para além das categorias do espaço e do tempo, muito embora não abdique da duração: ‘interminabilis vitae, tota simul ac perfecta possessio’. Através dessa noção, T. de A. posicionou-se num plano filosófico para além do tradicional Dualismo platónico-paulino. Assim, quando Jesus diz, referindo-se ao Pai, ‘eu sou contigo, antes que o mundo exista’ (Jo. 17,5), isso faz sentido em termos psíquicos/ /identitários, no horizonte do Hilemorfismo aristotélico-tomista. Lido com atenção crítica, o cap. 17 do ev. de João é de índole ‘exclusivamente antropológico-teológica’, como assevera M.O (op. cit., p.152). Não é de natureza histórico-narrativa. Em tal horizonte, percebe-se melhor o contraste gritante entre o mundo temporal/histórico (das Sociedades e Civilizações passadas e presentes) e o mundo de Jesus polarizado e centrado no Projecto político maiêutico de Deus Abba-Mãe, destinado a gerar um mundo de Seres Humanos plenos e integrais num Universo humanizado. (Cf. et. ibi, pp.158-159). Nessa óptica, “Dizer, ou, simplesmente, insinuar que Deus quer a morte de Jesus, para, desse modo, salvar a humanidade, é a maior obscenidade teológica que as igrejas cristãs todas sistematicamente têm cometido, ao longo dos últimos 20 séculos. Só há derramamento de sangue; se há mártires cruentos e incruentos é porque o Poder instalado é assassino e não olha a meios para se perpetuar. Por isso, o Poder é o pecado do mundo. E os seus agentes históricos são os pecadores do mundo! Por mais que todos se façam passar por santos e por bons!” (Idem, ibi, p.161). É preciso, pois, concluir, à puridade: “Como semelhante Deus é um Ídolo, nada acontece, nem naquela geração, nem nas seguintes, por mais que elas se multipliquem na história. Por isso, a carnificina e a destruição são totais. Como veio a acontecer no ano 70, com a invasão de Jerusalém pelos exércitos de Roma, para pôr cobro a um levantamento armado de um conjunto significativo de fanáticos judeus, provavelmente, judeo-cristãos, que se mostram convictos de que Deus vem combater com eles contra o império. E, de Jerusalém e do seu templo, não fica pedra sobre pedra. Tudo é destruído, porque o Deus dos fanáticos é uma mera projecção deles e só, como mera projecção, é que existe. Um Ídolo criado por eles e fora deles. A Narrativa deixa esta denúncia, para o final deste cap. 20, porque nada do que, nele, escreve/relata, é histórico. É uma Encenação antropológica-teológica” (Idem, ibi,p.188).

19. ─ “Que a vossa linguagem seja: ‘Sim? Sim’, ‘Não? Não’: o que se diz a mais procede do Mau” (Mt. 5,37).

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Sujeitos são sujeitos; Objectos são objectos. Se podes reduzir os objectos a sujeitos (falantes), nos tropos ensinados pela Gramática, não te é legítimo reduzir os Sujeitos a objectos e coisas. Por que é que o CEHC se bate, denodadamente e sem tréguas, pelo Método do Pensamento bio-genésico, contra o tradicional (imperial/imperialista) método de pensamento artificial/artificioso, que só é capaz de engendrar próteses e justaposições, feito chien de garde, sempre às ordens dos Poderes Estabelecidos?! O Discurso e a Linguagem (tanto nas Sociedades tradicionais como nas modernas) acha-se de tal modo estigmatizado pela Demagogia, oriunda da Cultura do Poder-Dominação d’abord, que já não se distinguem a linguagem e o discurso tersos e honestos, perante os seus primos bastardos da Demagogia reinante dappertutto. 20. ─ O que tem prevalecido (ao longo de séculos e milénios), nas Sociedades humanas, estigmatizadas pela Cultura do Poder-Condomínio, é a linguagem e o discurso submetidos/submissos e balizados pelos Poderes Estabelecidos… a tal ponto que um discurso/linguagem polarizado nos sentimentos e no humor dos Sujeitos (falantes ou escreventes), pura e simplesmente, não é entendido e resulta inelutavelmente deturpado. Só se conhece e conta o que aparece e se configura no palco dos Objectos (segundo a cartilha do Objectivo-Objectualismo). Por isso, se procede ao Questionamento ad hominem: Onde está a sátira, a ironia, o sarcasmo, a crítica implícita? Onde está o nosso grande Mestre luso, que foi Gil Vicente (c. 1465-1536), em toda a sua Obra portentosa e, muito especialmente, nessa comédia burlesca que dá pelo nome de ‘Floresta de Enganos’ (1536)?!... Quem se deu ao trabalho de decifrar e entender, por exemplo, ‘Il Principe’ (1513) de Niccolò Machiavelli (1469-1527), ‘o livro de pensamento político mais lido e comentado’ (Emmanuel Roux), onde o Autor expõe, numa linguagem tersa (mais centrada nos sujeitos do que nos objectos, como convém ao discurso irónico), ‘o que é a soberania, quantas espécies dela há, como se adquire, como se perde’ (na carta do A. a Francesco Vettori)? O livro ─ claro… ─ foi logo posto no Index da Igreja Católica, onde foi conservado até finais do séc. XIX! Mas, nas Sociedades ocidentais políticas e profanas, a obra não teve acolhimento muito mais favorável: conduziu, desde logo, a que se cunhasse o termo ‘maquiavelismo’, entendido, objectualmente, no sentido pejorativo e degradante. Se, para J.-J. Rousseau, a obra era o ‘livro dos republicanos’, e para A. Gramsci era o livro onde ‘Maquiavel, ele mesmo, se faz povo’, já para Jean Bodin foi o livro da profanação dos mistérios sagrados da filosofia política, e para Bertrand Russell, o livro é um ‘manual para gangsters’. Em resumo: N.M., através de ‘O Príncipe’, abriu os caminhos ao vero pensamento político moderno; contudo, foi interpretado como promotor de governantes cínicos e manipuladores. É inquestionável que a sua ‘má reputação’ foi desencadeada pelos seus detractores que, afinal, não o haviam entendido cabalmente. Não obstante, a obra deve considerar-se como um marco teórico-doutrinal da Liberdade e do Poder popular (cf. ‘Le Monde Deplomatique’, Nov. de 2013, p.27). Escreveu Olivier Pironet (ibidem): “Foi esta situação que explica o objecto e o objectivo de ‘O Príncipe’: trata-se, para o seu autor, de reflectir sobre os meios de restaurar a república na cidade 27


toscana [Firenze] e edificar um Estado suficientemente forte, capaz de ‘tomar’ (unificar) a Itália e ‘libertá-la’ das potências estrangeiras. O Príncipe dirige-se àquele que será capaz de realizar este duplo objectivo”. 21. ─ O ancestral método do Pensamento bio-genésico foi suplantado, no Processo Civilatório/Cultural, pelo método de pensamento artificial/artificioso, engendrado e sempre enquadrado pela Cultura do Poder-Condomínio, segundo a cartilha do primado do Poder sobre os saberes. Depois do caso de Maquiavel e do ‘maquiavelismo’, mais dois exemplos históricos: o concernente ao moderno Capitalismo de Adam Smith (1723-1790) e o atinente ao Socialismo convencional. Na sua obra ‘An Enquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations’, o patriarca do Capitalismo moderno estabeleceu uma axiomática do tipo confusionista, onde os sujeitos se convertem em objectos e vice-versa: os vícios privados transformam-se em virtudes públicas, e as virtudes privadas em vícios públicos. Tudo em nome da santa religião laica do Objectivo-Objectualismo. É, numa palavra, a cartilha da Demagogia a invadir e a envolver todo o universo humano/societário da Linguagem e do Discurso. O ‘Socialismo convencional’, instaurado por processos revolucionários, ao longo do séc. XX (a começar pelo Bolchevismo na U.R.S.S.) não foi além da fórmula, cunhada e denunciada por J.K. Galbraith, na década de ’60 do século XX: ‘Capitalismo monopolista de Estado’!... As massas populares foram iludidas e enganadas, porque, primeiro, se haviam iludido e ludibriado as elites dirigentes. Assim, os sonhos e os projectos socialistas resultaram num redondo fracasso, porque, afinal, não fizeram outra coisa senão dar serventia à religião laica do Objectivo-Objectualismo. Ora (como tem proposto e argumentado o CEHC), o vero e autêntico Socialismo só se pode edificar a partir dos Sujeitos Humanos livres e responsáveis, ─ não a partir de Projectos/Planos objectualizados, gizados pelos dirigentes, em fase anterior à tomada de Consciência crítica, por parte das populações. E hoje, na 2ª década do séc. XXI? Por toda a parte, os Partidos políticos, supostamente à Esquerda e à Direita ou ao Centro (segundo o molde apurado no Processo histórico da Revolução Francesa de 1789-95), continuam a configurar-se e a reger-se pelo catecismo do Objectivo-Objectualismo, no Quadro político incontornável da Democracia Representativa/Liberal. Um tal tipo de Partidos entrou há meio século, em roda livre, nos Parlamentos nacionais. Não há, senão, dois campos distintos para os novos Partidos, de quem se augura um Bom e Próximo Advento: os Humanistas e os Anti-Humanistas. Chegou a hora de pôr termo à Religião laica do Objectivo-Objectualismo e à quotidiana Demagogia foncière. Por último, desconfia sempre, Amigo Leitor, de todos os títeres e superiores hierárquicos, que votam os anarcas e as doutrinas anárquicas ao ostracismo, e te proíbem ou impedem, moralmente, de integrar e incluir (não excluir… como recomenda a Ordem/Desordem Estabelecida) o pensamento anárquico, ao longo da História da Humanidade, de pleno direito, no universo dos temas filosóficos, jurídicos e políticos, que define e baliza a Cultura (substantiva) dos Humanos e suas Sociedades. Por exemplo, como fez Albert Camus. Não te resignes a pensar apenas dentro da ‘gaiola’ dos 180 28


graus que, no máximo, te permitem os Poderes Estabelecidos. (Veja-se o excelente Artigo/Reportagem de Clara Ferreira Alves: ‘Camus o Mal Amado’, in ‘Exp.’/Atual, de 2.11.2013, pp.6-13).

APOSTILA ou CAIXA das FERRAMENTAS A Equação Adequada para o Futuro da Humanidade Da Gramática do ‘Homo Sapiens//Sapiens’, em contraste com o ‘Homo Sapiens tout court’.

Até ao presente, o que tem prevalecido, nas Sociedades (ditas) humanas e sua organização societária na base (dualista) da Potestas sacra d’abord, é o ‘Homo Sapiens tout court’, cujo funcionamento é processado pelo órgão societário do ‘livre arbítrio’ pendular. Eis por que têm sido errados e mentirosos, pejados de embustes e demagogias, de opressões, repressões, explorações, guerras e ‘pazes de armistício’, os caminhos das Sociedades humanas. O pressuposto axiomático da Teoria/Doutrina tradicional foi sempre o mesmo: os seres humanos são criaturas caídas (carecendo de resgate ou redenção), como têm ensinado todas as religiões institucionalizadas (a começar pela Bíblia hebraica e cristã…). Nesta matéria, os grandes escritores, eles próprios, laboram todos afinados pelo mesmo diapasão. Não fazem excepção à regra geral. Entre eles, pode encontrar-se J.M. Coetzee (Prémio Nobel da Literatura/2003), que resume expressamente o seu pensamento sócio-político no rifão: ‘Somos criaturas caídas’!... (Cf. a entrevista dada a Clara Ferreira Alves, in ‘Expresso/Atual’, 19.10.2013, pp.6-9). Religiões institucionalizadas e grandes Escritores não têm feito 29


outra coisa senão seguir ou promover as grandes Procissões e Rituais litúrgicos, na órbita da Cultura do Poder--Condomínio. Esqueceram ou continuam a ignorar que a Espécie humana, segundo o padrão do 2º patamar evolutivo/evolucionário, o ‘Homo Sapiens//Sapiens’, é operada e moldada, à escala dos 2/3, pela Cultura, i.e., pela formação da Racionalidade e da Consciência crítica e reflexiva, e só, à escala de 1/3, pela sua animalidade natural, reflexos instintuais e pulsões determinísticas. Não se pode forjar o 2º patamar da Evolução da Espécie, por contraste com o 1º patamar (o do ‘Homo Sapiens tout court’) sem alargar e aprofundar as áreas da Cultura, própria da Espécie, mediante acções e actividades que têm lugar na Família, na Escola e nos Sistemas Educativos nacionais dos Estados-Nações. O Infinito e a Totalidade (como ensinou muito bem Emmanuel Lévinas) não têm nada a ver um com a outra, e vice-versa. A confusão entre os dois é oriunda do tradicional Monismo Epistémico (estabelecido pela cartilha metodológica das ciências físico-naturais) e da Religião laica do Objectivo-Objectualismo. Deus não é ‘grande’ nem ‘pequeno’… É, outrossim, a 3ª parte (oculta para o Mundo da Exterioridade!...) da Consciência de cada Indivíduo-Pessoa humana, bem formada. (Se a Cultura do Ocidente tivesse adoptado o Dualismo Epistémico de Averróis, em vez do inveterado Monismo, não havia estes problemas!...). Alavancado na religião laica do Objectivo-Objectualismo, o Sistema Capitalista moderno é obsceno e obscurantista. É a mega-máquina (moderna/contemporânea) que articula e põe em actividade um suposto (mas falso…) Mundo Sem Limites. O Neoliberalismo capitalista global dos últimos 25 anos constitui a prova cabal e sumptuária desta tese. Resolveu o Sistema Capitalista os atávicos problemas da Pobreza e da Miséria no Mundo, decorrentes da má organização (contra o Estatuto da Espécie) das Sociedades humanas? E nos últimos 50 anos, (especialmente, desde as Advertências do Clube de Roma/1967 sobre os Limites do Crescimento Económico), procurou ele soluções adequadas para os gravíssimos problemas (de predação…) ecológicos ou para a re-estruturação das Sociedades, polarizando as suas atenções e preocupações na defesa e promoção do Bem Comum, colectivo, em vez de exaltar, sistemicamente, o bem privado e os seus interesses? ● Ora, o que é postulado (em termos de Ciência honesta e crítica, não em termos ideológicos/idolátricos),a partir da Gramática do Bio-Psico-Sócio-Ânthropos, é a Tese e o horizonte humano (criticista) do Projecto societário Socialista, segundo o Estatuto do vero e autêntico Socialismo, edificado na base dos Indivíduos-Pessoas/Cidadãos livres e responsáveis. Um Projecto que se configura nos antípodas do ‘Socialismo convencional’ de má memória. (Este não passa de capitalismo monopolista de Estado! Galbraith dixit). A cartiha do Neoliberalismo capitalista global, prevalecente, continua a obrar, impunemente, malefícios apocalípticos. Entre 1995 e 1997, foi assinado, secretamente, o AMI (acordo multilateral sobre investimentos) pelos 29 Estados membros da O.C.D.E.. Em julho de 2013, foi assinado o APT (acordo de partenariado transatlântico) entre os U.S.A. e a U.E.. É um tsunami sísmico, que já está afectando os povos euro30


peus. Segurança alimentar, direitos sociais e de soberania dos Estados… tudo é posto em causa. “Não há um só domínio de interesse geral que não passe pelas forcas caudinas da livre-troca institucionalizada. A acção política dos eleitos limitar-se-á a negociar junto das empresas, ou dos seus mandatários locais, as migalhas de soberania que eles consentirão atribuir-lhes” (Lori Wallace, in ‘Le Monde Diplomatique’, Nov. de 2013, p.4). Os investimentos feitos internacionalmente, pelas multinacionais, são ‘sagrados’ e, nesse contexto, os Estados em causa não poderão sequer aumentar o salário mínimo nacional. A chamada ‘democracia dos mercados de capitais’ (a famigerada especulação financeira, que as Bolsas vão ecoando…), dir-se-ia que é tomada a sério. No campo da Idolatria do Dinheiro, é a ‘teoria do facto consumado’, que leva a melhor!... De resto, o F.M.I. opõe-se, sistemicamente, a todo o controlo (político) sobre o movimento de capitais. Até a problemática séria e complexa dos OGM (organismos geneticamente modificados) (e os respectivos rótulos nas embalagens…) está a ser suprimida, em benefício da ‘free-exchange’. É igualmente elidida e iludida a problemática do consumo de energias fósseis (que desencadeou as dramáticas Alterações climáticas de hoje), atribuindo o primado às energias ‘limpas’, por motivos ecológicos óbvios. O objectivo central, nessas negociações, é o de impor ‘a eliminação, a redução, ou a prevenção de políticas nacionais supérfluas’ (idem, ibi, p.5). As justificações de base (para estes ‘acordos’ celerados…) continua a ser a necessidade de superar, quanto antes, a Grave Crise económico-financeira que dura há mais de seis anos. Dir-se-á que a Mediocridade e o Cinismo imperam, hoje, everywhere. Desta sorte, são os Estados-Nações que se encontram ameaçados de doença ou morte, e o que grassa e engorda é o Império (unificado…), construído na órbita do Economicimo selvagem!... Por outro lado, os organismos das Nações Unidas (sobretudo os mais referenciados ao Direito e à Cultura) estão cada vez mais agonizantes, ─ até porque os Aparelhos/Cúpula da O.N.U. (estabelecidos na Carta das Nações Unidas de 1945) não foram, a seu tempo, devidamente completados. Agora, é já o próprio T.P.I. (Tribunal penal internacional), criado em 2002, sob a bandeira de lutar contra a impunidade dos dirigentes e governantes, para julgar pessoas acusadas de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra ou de agressão, que está a ser objecto de acusação, por parte de uma ‘fronda’ de países africanos, à sombra da O.U.A.. O TIP, que fora criado especificamente para julgar os crimes cometidos nos países da ex-Jugoslávia e no Ruanda, é agora considerado como não independente ao serviço dos mais poderosos. Ora, o estatuto de Roma, que modelava o quadro de actuação do T.I.P., estabelecia, não só a repressão dos crimes e a punição dos culpáveis, incluindo a participação da vítima no processo da administração da justiça, como também procurava fazer com que a justiça internacional fosse instrumento de prevenção e meio de fazer justiça às vítimas, afastando as pulsões de guerra. O figurino judiciário, se resolveu alguns problemas, veio a criar outros… Em resumo, (como diz a Advogada e Prof. de Dir. Penal em 31


Nápoles-II, Francesca Maria Benvenuto: vd. ibi, p.11), “cometeu-se um grave erro hermenêutico, ao confundir o acesso à justiça com o direito a ‘obter justiça’, avalizando uma visão ‘justicialista’ das instâncias internacionais”. Em suma, não foram estabelecidos, a seu devido tempo, os organismos internacionais da O.N.U., nas áreas previstas na Magna Carta. O resultado é só de lamentar: instrumentalizou-se (politicamente) a Justiça. Tem razão, pois, Tzvetan Todorov: ‘le but de la justice doit rester la seule justice’ (cit. ibi). O que só pode acontecer mediante a recuperação do (tão esquecido e postergado) Direito natural. ● Observámos o modo de pensar e actuar das Multinacionais contra os Governos legítimos dos Estados. Agora, deparámos com os Governos de alguns Estados a insurgirem-se contra o T.P.I.. Como se tem avolumado o positivismo jurídico, everywhere, e tem minguado a Racionalidade, na organização das Sociedades humanas, e, por outro lado, nada se tem feito para contrariar a Cultura do Poder-Dominação d’abord, ─ a situação actual do Mundo afigura-se cada vez mais caótica e de Apocalipse, ao constatar o tzunami da ‘nova publicidade’ acastelada na Web (cf. ibi, p.22-23). Hoje em dia, o mundo comercial da Internet, onde a Publicidade se agiganta, é pejado de contradições e de verdades/mentiras. A trilha metódica do internauta (indivíduo ou ‘corporation’) desencadeou uma revolução na Publicidade. O resultado já se sabe qual é: A) O Direito à vida privada foi deixado em estilhaços; B) Os Indivíduos/ /Cidadãos foram transformados em marionetas ou bonecos de St o Aleixo, pedras no tablado do xadrez. Se a N.S.A. faz espionagem de um modo vergonhoso, as Empresas procuram melhorar as suas técnicas para melhor seguir as pegadas dos internautas e vender mais e melhor!... Escapar e resistir às suas mensagens publicitárias constitui, hoje, um imperativo categórico, para salvaguarda da Identidade e Dignidade. É que do conhecimento dos hábitos de consumo passou-se à plataforma seguinte: a sobrevigilância generalizada e o controlo sobre os indivíduos e o grupos. A N.S.A. beneficiou, largamente, do acesso às bases de dados dessas corporações (tais como Apple, Microsoft, Google, Facebook, Yahoo, Amazon). Nesta grande-área comercial, há uma riqueza que nunca foi nem será paga: os dados individuais facultados generosa e gratuitamente!... De resto, essa tendência é alimentada e oferecida na bandeja pelo nosso vezo, quase instintual, de ‘extimité’, sempre promovida pelas redes sociais. O blogger americano, Andrew Queen, resume bem a situação: “O maior perigo somos nós próprios, os ‘Little Brothers’ que formamos o ‘Big Brother’do séc XXI” (cit. ibi, p.23). Entretanto, nos USA, a direita radical republicana celebra a violência humana de todos os tipos, o obscurantismo religioso e o mais implacável darwinismo social. Há, nos EUA, 50 milhões de pessoas abaixo do limiar de pobreza (1.500 Euro/mês, para casal com dois filhos). Dir-se-á que, ao estilhaçar a estrutura societária, é a libido desses ricaços que já não tem objecto para capturar (vd. ibi, p.25). Há ca. de 30 anos, profligava-se o consumismo desenfreado. O que só se conseguia ─ era pressuposto ─ mediante os movimentos de personalização dos Indivíduos. Hoje, é o Direito à Identidade e à Vida Privada que fica em frangalhos, pela cupidez de vender mais e enriquecer rapidamente e submeter os outros pelos descaminhos da 32


religião do Economicismo. O Sistema capitalista nunca foi tão selvagem e criminoso como acontece hodiernamente. Guimarães / Portugal, 3 de Novembro de 2013. Manuel Reis (presidente do CEHC) Lillian Reis (secretária do CEHC): Digitação.

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