A Liberdade de Viver a Vida

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J. C. Macedo

LIBERDADE DE VIVER A VIDA A

Edição Bibliófila

Centro de Estudos do Humanismo Crítico & TerraNova Comunic



Índice A Poesia Popular e as Cartilhas do Povo O Igrejismo Criatividade Humana & Religião Eu e Bakunin Tambores d´Além Que Rufam Aqui Anarquia & Luso-Brasilidade Poesia Diversa

A Tereza de Oliveira, Maria Augusta de Castro e Souza [MACS], Lillian Reis, Johanne Liffey,Maria C. Arruda, Marta Novaes, Hanne Liffey, Fê Marques, Maria Vidal,Joana e Mariana d´Almeida y Piñon, Rose e Elen O´Connor,Carlota M. Moreyra,Celine Abdullah,Fernando Fernandes, Manuel Reis, A. Júlio de Castro,Figuera de Novaes,Joaquim Santos Simões, Domingos Passos, Carlos Firmino, Mário Lamas, Mário G. de Castro,Edgar Rodrigues, Joaquim Fernandes... e, meus avós, meus pais e irmãos, pessoas que, de diferentes posições ideológicas, lutaram e lutam por uma sociedade humanamente justa, crítica e construtiva.



“Poesia é a síntese superadora da Filosofia E da Religião. Por isso mesmo, ela já não é Filosofia, discurso de uma Razão prometeica [...]. Por isso mesmo, já não é Religião, repetição, anamnese, rito, mito... Se ali há uma Razão que é capaz de matar a Divindade, aqui há uma Divindade que é capaz de matar a Razão”. REIS, Manuel [Portugal, 1992]


A POESIA POPULAR E AS CARTILHAS DO POVO

O mundo é um todo de povos a precisar de um levante cultural, de um cantar de milhões de vozes para levitar a moral da inquietação e transformá-la de vez na voz do todo humano que aprende a dizer não, que aprende a fazer a revolução! MACS – Braga, 1973.

Parte 1 A qualidade dos textos – as quadras e as cartilhas – impressiona pela profundidade filosófica que busca levar o Povo a uma reflexão através do espelho fabricado com as próprias palavras que sugerem as sensações do dia-a-dia da sobrevivência: uma reflexão para a revolta diante de tanta fome e de tanta opressão. E sabemos que os textos são fruto de olhares diferentes: as quadras foram ditadas pelo poeta de poucos estudos António Aleixo e as cartilhas foram escritas pelo brilhante intelectual e cientista José Falcão. Mas, em ambos os casos, estamos perante a


Sabedoria que leva pessoas de condições bem diferentes a perceberem a miséria física e moral em que as ditaduras políticas põem os povos indefesos. E se Falcão expõe o Povo por aquilo que nele lê e escuta, eis que Aleixo é o próprio Povo a dizer-se. A vida é uma ribeira; Caí nela, infelizmente… Hoje vou, queira ou não queira, Aos trambolhões na corrente. As convicções republicanas de José Falcão em plena atualidade monárquica absolutista fazem-no referência no meio acadêmico e político, mesmo tendo que assinar a [sua] Cartilha do Povo com pseudônimo para segurança pessoal. A Republica é o ferro que ha de limpar a terra da nossa Pátria, que ha de preparar o terreno para sermos eguaes, felizes e irmãos. [da Cartilha, p.30]

...vae, chama os teus irmãos do Povo, conta-lhes as tristezas da tua vida... [da Cartilha, p.39]

É o intelectual e é o cientista sem pantufas a dizer que a Universidade não pode ser, primeiro, um celeiro da inconsciência social, segundo, uma casa de apalermados que desconhece o Povo que lhes deu origem e de como esse Povo está algemado pela ideologia que comanda e orienta o campus universitário; e também, o intelectual e o cientista que nas ruas e praças urbanas, como entre camponeses e entre os pescadores, tem a percepção clara e inequívoca da opressão monárquico-absolutista que mata lentamente o [seu] Povo. E neste campus social em que um


universitário arregaça as mangas, está um poeta que por uma escrita pouco desenvolvida enxerga o mesmo e canta cada circunstância em quadras de revolta. O fato de não ter tido acesso à educação depois das primeiras letras não o impede de ser tão profundo no cantar quanto o é aquele acadêmico em sua cartilha. A apetência de Aleixo para satirizar a retórica da gente poderosa torna-o famoso entre as pessoas que o escutam nas feiras, e o seu verbo solta-se também para o clero abastado, mas que pede ´esmola´ para comprar pára-raios para as igrejas que ´deus´ não ampara... Sem que o discurso eu pedisse, Ele falou; e eu escutei. Gostei do que ele não disse; Do que disse não gostei. Ó vós que do vosso império Prometeis um mundo novo Cuidado que pode o povo Querer um mundo novo a sério

Neste jeitinho de se fazer perceber é que ele vai ao sucesso e tem já público que o aguarda de feira em feira. Assim é também o professor de Coimbra, que recebe da sua comunidade republicana o eco da luta e se dispõe a fazer dele mais uma estrada para falar do Portugal que lhe é berço e das ´coisas´ capitalistas que lá fora cegam muita gente, como o ataque à Comuna de Paris. Ele é o homem do mundo que se diz e se faz [em] Portugal. Durante o ano 1973, a Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas [tjia] promoveu encontros e debates clandestinos com professores, estudantes, sindicalistas, operários, técnicos de diversas áreas, etc., e Maria Augusta de Castro e Souza, hoje em Berlin, sempre iniciava as suas intervenções, assim: “Olá. Estou aqui porque precisamos falar de nós – eu, vós e a nação...!” E daí eu aprendi a iniciar os meus encontros, assim: “Ora aqui estou eu para vos falar do todo humano e de vós, porque aqui somos todos iguais e os barcos estão nas mesmas águas!” Entendida a mensagem, os diálogos brotavam com a paixão de se buscar a liberdade que nos faltava, e aí eu encaixava quadras e versos do Aleixo. E, em novembro desse ano, depois de ter tido acesso às cartilhas de Falcão e de Simões, dispus esse conteúdo em reuniões com técnicos têxteis e mecânicos, em Fafe e em Vizela. Resultado: a compreensão da problemática portuguesa foi ilustrada com essa sublimação literária. E esse 1973, assim como o 1974 (mesmo com o ´25 d´Abril´), foram anos de grande aprendizado humano e político para mim e para as pessoas com quem pude conviver e levar precariamente essas mensagens de luta para a liberdade. Nesse período, Joaquim Santos Simões era um timoneiro a referenciar novos horizontes e já com o alvorecer da Universidade do Minho. Quase uma década depois, através do jornal O Povo de Guimarães e do Cine-Clube, conheci Manuel Reis e aquele meu aprendizado valorizou-se com o novo conhecimento engajado numa amizade que dura até hoje a gerar frutos literários que alimentam novas gerações de intelectuais em Portugal e na América Latina. “Vamos publicar a cartilha do José Falcão que o Santos Simões atualizou em 69”, ouvi. Pois, a Tertúlia de Guimarães, mais uma vez, entrou em ação para demonstrar que os atos libertários de ontem servem a demanda libertária de hoje. E assim o é.

Parte 2 A primeira vez que li a ´cartilha´ foi na camioneta que levava estudantes e professores para um comício no Teatro-Circo, em Braga, logo após a ´pinochetada´ de Kissinger que derrubou Allende, no Chile. O professor Santos Simões tinha uns 10 exemplares e foi dando para quem


achava que poderia divulgar o conteúdo. Eu já tinha contribuído para a publicação de um panflo contra a situação no Chile e mergulhei os olhos no livrinho. Era a ´cartilha´ atualizada por um grupo que tinha Santos Simões à frente, mas aquela leitura fez-me, depois da porrada que levei da GNR e de algumas horas na masmorra, ir em busca da ´cartilha´ original. E não consegui. Duas semanas depois a professora Maria Augusta de Castro e Souza, mentora e companheira da TJIA, emprestou-me um exemplar da Cartilha do Povo, a original de José Falcão. A leitura levou-me mais uma vez para os bastidores da história portuguesa monárquica e a luta dos republicanos para libertar a nação desse jugo absolutista. “Após a leitura da ´cartilha´, relê o Aleixo”, sugeriu a MACS. Mas nem precisei. Entre o original de Falcão e a atualização de Simões os sublimes cantares do Aleixo vieram envolver como uma luva os diálogos que diziam do todo português entre a Monarquia e a República. A relação saltou em mim como um silvo, até porque eu mesmo utilizava já quadras e versos do Aleixo para ilustrar palestras e intervenções em sessões políticas clandestinas. Há tantos burros mandando Em homens de inteligência, Que às vezes fico pensando Se a burrice não é uma ciência. E agora, em 2011, ao receber o exemplar da reedição publicada pelo CEHC, percebo novamente por que é que muitos intelectuais aproveitaram a cartilha e as quadras para manifestarem a sua revolta: uma e outras falam aquilo que muitas pessoas receiam dizer publicamente. Na era monárquica o ideal republicano era um ato a ser abatido de qualquer maneira, mas na era republicana o mesmo ideal republicano é ainda mais combatido quando é empunhado como bandeira da liberdade que as retóricas político-clericais tentam cercear sob quaisquer custos. Tanto para Falcão como para Simões o foco da ´cartilha´ [Sécs. 19 e 20] foi incentivar a luta contra as ditaduras absolutista e policialesca da Monarquia e do Fascismo, e agora, no Séc. 21, a ´cartilha´ reaparece para nos dizer que as velhas e novas crises econômicas são filhotes do mesmo sistema capitalista que só anda com engrenagens feitas por objetos, i.e., as pessoas [o Povo] são transformadas em peças, exploradas vilmente e, em meio a isso e como se não bastasse..., enganadas com ciclos contínuos de consumismo sem rédeas, porque é preciso abastecer a pançuda mente criminosa e anti-humana do capitalismo. A novíssima ´cartilha´ chega-nos com a proposta de solução para a problemática atual e que “requer uma nova e bem empenhada militância cívica e política de ordem crítico-humanística”, como escreve o filósofo Manuel Reis na abertura da mesma. Ora, “Comecei por te explicar e acabei aprendendo. Esta é a grande lição da democracia”, diz a ´cartilha´. Na verdade vos digo que a explicação da problemática humana está no dia a dia, o que faz falta à malta, lembrando o Zeca Afonso, é consciência cívica para se determinar e ir à luta e impedir que, em teu nome, maltrapilhos ideológicos ditos ´socialistas´ e/ou ´comunistas´ vão chupar nas tetas do erário público enquanto tu, ó Povo, dormes o sono da ignorância que tanto inquietou o José Falcão e o António Aleixo, e fez o Santos Simões arrancar os poucos cabelos que tinha, e o Manuel Reis, o A. Júlio de Castro e o Fernando M. Fernandes segurarem as ´pedras´ que lhes atiram por estarem e serem gente decente e republicana na demanda da liberdade.

Finalizando... O que é importante em MANIFESTOS E CARTILHAS DO POVO, é a demonstração de um ideal republicano que continua a iluminar a Consciência de quem já lhe pertence e que resiste aos obstáculos anti-democráticos que caudilhos e capangas teimam em elaborar, construir e colocar no caminho da liberdade.


E agora, as novas gerações que nem sabem o que foi o horror político-policial e militar do Estado Novo, no Brasil e em Portugal, nem o das ditaduras militares latinoamericanas, nem tampouco vislumbram a odisséia de terrores do sovietismo e do neofascismo norte-americano, a par dos atos inquisitoriais e bélicos dos grupos místicos fundamentalistas..., dizia, as novas gerações podem agora estabelecer parâmetros socioculturais pela leitura de MANIFESTOS E CARTILHAS DO POVO, porque a Consciência Cívica que hoje batalha não vai durar para sempre, precisa de sangue novo e de novos olhares, perspectivas renovadoras!

ALEIXO, António [1899-1949] – Já na escola das primeiras letras (único momento de escolaridade que teve) revela talento para a poesia. Mas a vida é dura e torna-se guardador de rebanhos enquanto pula de feira em feira como cantor com quadras ao gosto popular e de autoria própria. Publicações: QUANDO COMEÇO A CANTAR… – 1ª Edição, Faro, 1943; 2ª edição, Coimbra, 1948; 3ª edição, Lisboa, 1960. INTENCIONAIS – 1ª EDIÇÃO, Faro, 1945; 2ª edição, Lisboa, 1960. AUTO DA VIDA E DA MORTE (1 acto) – 1ª edição, Faro, 1948; 2ª edição, Faro, 1968. AUTO DO CURANDEIRO (1 acto) – 1ª edição, Faro, 1949; 2ª edição, Faro, 1964. ESTE LIVRO QUE VOS DEIXO… Volume I, 18ª EDIÇÃO, Lisboa, 2003. ESTE LIVRO QUE VOS DEIXO… Inéditos – Volume II, 13ª edição, Lisboa, 2003. INÉDITOS – 1ª edição, Loulé, 1978; 2º edição, Loulé, 1979. FALCÃO, José [1841-1893] – CARTILHA DO POVO. Imprensa Litteraria - Coimbra, 1884, c/ várias reedições. A cartilha veio a ser reeditada através do prof. Santos Simões, em Braga, 1969, com outros intelectuais, sob o título NOVA CARTILHA DO POVO, sendo mais uma vez um sucesso editorial, mas agora no âmbito da ditadura antirepublicana do Estado Novo comandado por António de Oliveira Salazar. Situações diferentes para uma mesma circunstância: a opressão Povo português. E, em 2011, o Centro de Estudos do Humanismo Crítico / CEHC, com assinatura de vários intelectuais ligados à Tertúlia de Guimarães, publicou em boa hora, com prefácio do filósofo Manuel Reis, o opúsculo MANIFESTOS E CARTILHAS DO POVO, com distribuição também no Brasil, via CEHC - América Latina e Grupo Noética. Além da ´cartilha´, José Falcão publicou, em 1883, pela Livraria Central (de J. Diogo Pires), em Coimbra, o livro A QUESTÃO DO ZAIRE. E é autor da tese acadêmica Comparação do Methodo Teleologico de Wronski com os Methodos de Daniel Bernouilli e Euler, para a Resolução Numerica das Equações. HANNE, Liffey – A BARBÁRIE BURGUESA É UNA E UNIVERSAL, LOGO, A LUTA PELA LIBERTAÇÃO DEVE SER UNA E UNIVERSAL A PARTIR DE CADA FÁBRICA, CADA CIDADE, CADA PESSOA CONSCIENTE. Palestra e panflo mimeografado pela Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas (TJIA), em Braga – 1° de Maio de 1974. – A CANTAR O QUE SOMOS BATALHAMOS POR NÓS A LIBERTAR O MUNDO [homenagem a Zeca Afonso e António Aleixo]. Idem, em Viana do Castelo – Setembro de 1974. MACEDO, J. C. [Alex/Aeolo] – O CANTAR DO POVO QUE ASSUSTA A BURGUESIA (de ALEIXO a ZECA AFONSO). Intervenção junto de Trabalhadores Têxteis, em Vizela, Famalicão, Fafe e Guimarães; Portugal, 1973. Panflo mimeografado pela Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas (TJIA), em Fevereiro de 1974, junto com o panflo KISSINGER: O NOVO EVANGELISTA DO APOCALIPSE BÉLICO BURGUÊS REVELA-SE NO VIETNAM E NO CHILE [Lido na camioneta que transportou estudantes e professores de Guimarães ao TeatroCirco de Braga para o acto de repúdio ao golpe que derrubou Allende, no Chile, em 11 de Setembro. Braga, Setembro de 1973. Ainda na camioneta, o professor Santos Simões distribuiu A NOVA CARTILHA DO POVO, de 1969, com ajuda da professora MACS, que continuava e actualizava o texto de 1884, de José Falcão. Parte das pessoas foram detidas pela Guarda Nacional Republicana ainda durante o evento político no Teatro-Circo.] – O QUE DIZ O NOSSO POVO (leitura e análise, para professores e sindicalistas, d´A NOVA CARTILHA DO POVO distribuída pelo Prof. Santos Simões. A sessão clandestina, em Braga, teve a organização da professora MACS, que na região leccionava Língua Portuguesa e História.) REIS, Manuel – CRITICA NECESSÁRIA A JOSÉ SARAMAGO. Estante Edit., Aveiro-Pt, 1992. SOUZA, Maria Augusta de Castro e [MACS] – O CAMPO DAS LETRAS UNE O POVO. Palestra e panflo mimeografado pela Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas (TJIA); Braga-Portugal, 1973.


IGREJISMO a farsa e o poder das igrejas


Ei, não me digam para ajoelhar, porque eu não me dobro, eu sou deus, e sou o império e sou o nada, e o adeus a todo o poder. Sim, eu sou o altar onde se dizem a deusa, o deus – e primeiro, o eu, entre todos e plebeus! Ei, não me digam o que cantar, porque ao rebanho eu digo não e adeus! J. C. Macedo – 1996, Buenos Aires / Arg.

Para qualquer segmento de actividades de uma Igreja que se olhe, com objectivo analítico, verifica-se a presença de um poder materialista económico e dogmaticamente sustentado. Isto pode ser verificado em todas as seitas-igrejas constituídas Ordem Mística enquanto Poder societariamente paralelo ao das gentes-elites da Guerra e da Política, e, na maioria das vezes, acima delas!

O Igrejismo De uma necessidade da Humanidade em olhar para fora de si mesma e se perceber cosmicamente no seu reduto telúrico, criou-se um olhar filosófico gerador de imagens à semelhança da Mulher e do Homem e a moldar desejos sob uma crença-fé em dias melhores diante da fome e da miséria, do poder repressivo de uns sobre a maioria, etc., uma crença-fé que, aos poucos, deixou de ser uma reunião de pessoas [ekklesia, do grego, q.s. assembleia, e de onde vem o termo igreja] no cume de morros ou em grutas e transformou-se num novo Poder – o Igrejismo; primeiro, era paralelo ao Poder sociopolítico e militar, e, logo em seguida ele mesmo e absolutamente o Poder. A ekklesia era a assembléia popular no sistema político da Grécia, cuja filosofia e cujo misticismo influenciaram quase todo o mundo há cerca de 3000 anos. Juntar pessoas com o propósito de dar crédito político ao Poder eleito era uma noção muito diferente da Política gerada pelas elites da Guerra, e também contrária à Monarquia que se perpetuava familiarmente no Trono. A tendência política no Poder era, na época, a do chefe militar que se instituía Senhor do Clã absolutamente. Mas existiam diferenças entre os povos: entre os da linha Celta, por exemplo, havia o Senhor do Clã, mas este governava com a ekklesia dos velhos e a classe sacerdotal a representar deusas e deuses. Entretanto, viria surgir no Egipto outro conceito de divindade: o Deus Único. Que imediatamente criou tendências, ou crenças, muito particularmente no Povo Judeu, na época escravo dos egípcios... A classe sacerdotal egípcia havia percebido que se o Faraó [uma forma sofisticada de Senhor do Clã] poderia governar sob a tutela de um panteão de divindades, mais lógico seria fazer com que o Faraó fosse a representação de um Deus, a unificar o Poder na plataforma político-militar e mística. Uma proposta de ditadura governamental assustadora, por retirar dos Povos a livre escolha da representação mística. Objectivado politicamente na óptica das acções sacerdotais, o Egipto criou o Igrejismo, ou seja, o Sacerdote tem o mesmo peso político-económico do Senhor do Clã com a vantagem de dominar a mente catequizada dos Povos e ser, na sombra ou não, o


Poder de facto. E se o Mundo era, então, um algo humanamente precário, mais precário ficaria com o Igrejismo na gerência directa das políticas, ou na ante-sala do Poder. Logo, o Igrejismo é o suicídio humano anunciado em cada templo e divindade inventada.

Egípcios & Judeus Debaixo da sociedade egípcia, os judeus sofreram a aculturação que chega quando a escravidão atinge mais do que uma geração: a egiptização dos judeus pode ser verificada na circuncisão que veio a ser conhecida mundialmente como ´sinal´ do ser-judeu, mas que era, na verdade, um acto egípcio. Quando o Egipto adoptou o Deus Único aderindo a um monoteísmo que cerceava a Liberdade de outro pensamento-fé, reinava o faraó Amenófis IV, e essa determinação foi seguida pelo filho Akhenaton, mas este não conseguiu dominar a tendência dos feiticeiros e do querer plural dos povos, e após a sua morte o Egipto retornou ao plantão de deusas e deuses. Entretanto, o Povo Judeu já havia ´bebido´ aquela tendência monoteísta e deu guarida aos egípcios monoteístas, entre eles um alto funcionário de nome Mosheh, que talvez nem seja nome, mas abreviatura de algo egípcio, como argumenta o judeu Sigmund Freud no seu estudo Moises e o Monoteísmo, de 1938, mas que desde logo sinaliza que o Moisés fundador do Povo Eleito não era judeu, mas egípcio, e que, mais uma vez, a História regista uma farsa, só que esta se expande pelo cristianismo e pelo islamismo, porque ambos têm origem no judaísmo. E não por acaso, um ´tal´ anjo Gabriel é o visitador que anuncia nas três religiões a própria formação, daí a necessidade dos dogmas para encobrir a falsidade. Ou seja: da mesma maneira que os chefes militares organizaram em torno de si clãs ditatoriais para dominarem as comunidades pela herança familiar, de onde surge o Poder monárquico, os sacerdotes do Deus Único passaram a se autodenominar “a voz de Deus na Terra”, o que levou Mosheh/Moisés a declarar que o judeu é o povo eleito da divindade e os sacerdotes são o único poder. E, a partir daí, tudo o que é feito misticamente em torno do Povo Judeu transforma-se numa odisseia dogmática que, obviamente, leva a dissidências, e delas surge o cristianismo, primeiramente contra o materialismo sacerdotal através do acto jesuânico, e logo, o islamismo como poder societariamente teopolítico. Eis o quadro dos factos históricos que geraram a três religiões que viriam a se confrontar política e militarmente na pior página negra da Humanidade..., página negra que raros filósofos e ´cientistas´ políticos se atrevem a estudar e expor publicamente. Foi, ou é, a guerra do filho contra o pai?, como analisa Freud, que em tal análise desqualifica a dogmática do fundamentalismo mosaico. Na verdade, diga-se, Mosheh funda num povo já existente, e que não é o seu, um monoteísmo que o consagra como ´pai´ – o pai herói que ele não teve, e que agora se redime nele próprio. E é um judeu a analisar o judaísmo no seu cerne teopolítico, com a agravante de que Freud reconta a sua própria história familiar para demonstrar que as variantes neuróticas da Nação são parte do comportamento da Pessoa que lhe é base social. É fácil criticar esta análise, como fizeram e fazem muitos judeus e teólogos, mas o difícil é demonstrar que o monoteísmo judeu não é uma farsa mística...! Aliás, esta questão leva-nos para outro ponto: “Devemos considerar que se existe deus ele o é porque a Pessoa o inventa e o sustenta em Vida, como faziam os gregos, os celtas, os romanos, e fazem os judeus, os islâmicos e os cristãos. E se deus não evita a Morte, então, deus é uma farsa à imagem das potencialidades criativas da Mente humana, e só” – in Poder & Igrejismo: a Ditadura completa, pensamento de J. C. Macedo mimeografado em panflo da Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas [TJIA], distribuído clandestinamente em Braga e Guimarães, norte de Portugal, em 1973. Podemos dizer, e o digo, que a Humanidade necessita de uma crença-fé para se sustentar além da animalidade, sim, de acordo, mas que essa crença-fé não se torne um Poder criminoso e que fique somente como ekklesia. Aquela ekklesia que foi tão cara a Sócrates e a Jesus, e é ainda muito cara a intelectuais que batalham pela Liberdade social, política e mística.

Igrejismo: Plataforma Ditatorial


As seitas místicas são fontes-fábricas de conceitos anti-Humanidade. O verbo, que no início era a própria ekklesia no profundo e humaníssimo filosofar por uma vida melhor, comunitária, o que, por exemplo, percebe-se na Palavra socrática e nos actos mediúnicos e Palavra jesuânica, passou a ser um altar-trampolim para o Poder, o que a Palavra confuciana também repudia, mas para o sacerdócio que abraça o jogo político e económico a teologia é um instrumento a mais na vida de interesses materiais, um facto desde que o monoteísmo fez sangrar cabeças coroadas no Egipto e se alargou na caminhada do Povo Judeu sob o comando de um egípcio autodenominado ´pai-fundador´. E mesmo entre os judeus o Deus Único promoveu chacinas tribais na demonstração inabalável de que “deus o é pelo acto da pessoa, em qualquer lugar e sob quaisquer circunstâncias psicológicas” [Macedo, idem]. Já o disse e repito: “Não sou freudiano nem psicólogo: sou o filósofo-poeta na dimensão do olhar-sentimento, algo que nenhuma academia pode ensinar” [in Escritor entre o Eu, os Outros & os Espelhos, palestra; Buenos Aires / Arg., 1997, e Santos / Br., 1998]. E assim é que analiso a história e o dia a dia que vivo para encarar a realidade tal como ela se faz e surge diante de mim. E digo-vos que no quotidiano de um Escritor não existe mágica, mas muita e consciente vivência sociocultural. Fora de tal realidade existe o comércio das palavras e a indústria editorial, espaço onde raramente o acto intelectual é eticamente respeitado. Quando o pensador e pedagogo Ivan Illich afirma que “Se as escolas e os educadores não definissem os objectivos da educação, o mercado dos conhecimentos apresentaria uma escolha infinitamente mais variada; a definição dos objectos e dos instrumentos considerados como educativos seria muito mais vasta”, logo “o livre acesso aos instrumentos educativos continuará a ser impossível, enquanto as empresas beneficiarem, ao mesmo tempo, da protecção legal concedida às actividades privadas e do poder económico que lhes conferem os seus milhões de clientes, os seus milhares de empregados, de accionistas, de fornecedores” [in Em Torno De Ivan Illich [de Manuel Reis. Edicon & CEHC, Portugal-Brasil, 2011], ele define a essência primacial do jugo financeiro imposto pelo Poder, ao que o filósofo Manuel Reis acrescenta que “isto mesmo é o que podemos chamar o fascismo da concepção ideológica da ´propriedade privada´ oriunda do Direito Romano imperial” [idem]. O mesmo posso dizer da Igreja-Estado, pois, o Igrejismo foi e é composto de uma escola/catequização moldada nos princípios imperiais egípcios e romanos: um molde absolutamente ditatorial. Coevo das acções illichianas e ex-padre cristão, Figuera de Novaes dizia ser “impossível a realização da Liberdade enquanto não se destruir a Igreja-Estado e a Política das elites corruptas, porque ambas vivem de sugar as riquezas que o Povo produz em seu esforço escravo” – in El Poder y La Corrupción [Chile, 1972]. Na verdade, a única luz humanizadora na mente mística sobrevive da tomada de princípios filosóficos gregos e confucianos em alguns trechos dos textos ´sagrados´, que os judeo-cristãos dizem emanados de um deus, mas que logo se percebe serem fruto de um esforço de teo-escrivães para formatarem a base dogmática [ou farsante] de uma Igreja-Estado. E, obviamente, a guerra entre a Roma cristã e a Meca islâmica seria inevitável por causa dessa palavra-acção misticamente egocêntrica que, no implemento de doutrinas que só divergem no acto político do Poder, levaria às Cruzadas e à Inquisição tendo pelo meio o Povo Judeu em eterna busca do paraíso divino e sob o chicote, o coice e o fio d´espada, por ter sido o ´paifundador´ da celeuma teológica. Foi e é este Igrejismo a fonte da problemática psico-política que ergueu o Vaticano em pleno espaço romano tomando-lhe o espírito fascista, assim como a Meca surgiu no deserto arábico para sinalizar a perene odisséia nómada do Poder místicomercantil e bélico. Tudo contra o espírito comunitário e pacífico da ekklesia. Ora vos digo que o Igrejismo é a plataforma ditatorial pela qual vive e sobrevive o Capitalismo, esse espectro socioeconómico que Karl Marx descreveu [v. Das Kapital, 1867] com a propriedade de quem nasceu nele e para dele se libertar intelectualmente cortando as amarras políticas e místicas. Regimes militares tiveram e têm a influências do campus místico, ou da Igreja-Estado ou do Grupo Esotérico falsamente envolto em Ocultismo. O que vimos pelos militares latinoamericanos empenhados num caudilhismo abençoado pelo Vaticano, pelas elites teocráticas árabes sob o tótem de Meca, e pela visão mítica de um Nazismo hiper racial e obscenamente megalômano, ´algo´ hoje revisitado não menos obscenamente pelo terrorismo d´Estado executado por Washington, Tel´Aviv e London, sob o aplauso e o apoio das


sociedades periféricas e absolutamente dominadas ideologicamente por uma cultura colonial ao estilo romano. E “[...] o tótem de onde irradia a força colonial é o Igrejismo na sua pujança catequizadora pelo eixo que faz da Política e da Religião uma mercadoria de consumo em todos os níveis sociais e a começar pelas estruturas educacionais”, como descreveu o jornalista João Barcellos em palestra com a professora Carlota M. Moreyra – in A Igreja: Ontem e Hoje à Luz dos textos de Manuel Reis [Campinas/SP e Paraty/RJ, Brasil-2010]. Eis a base da sociedade liberal e capitalista que nos cerca tendo o Igrejismo como divã e como arma: ou és por mim, ou contra.

O Igrejismo Das Elites Corruptas Só Será Destruído Pela Filosofia Da Liberdade “Pensar não é um fim, é apenas um meio”, diz James T. Haug, “E o que a escola deve fazer é ensinar a pensar” – in Sex and God [O Sexo e Deus. Publicações Europa-América, Portugal2005]. Mas não é o que Escola faz: “o Poder faz com que a Escola dissemine a sua Ideologia e os mecanismos estruturais para a realização do Mercado de interesses aí integrado. Não existe o acto noético de olhar a Humanidade e o Mundo criticamente com o objectivo de dar aos Povos condições de vivência entre paz e o amor, apenas interessa ao Poder o sentido belicista continuado, produtor de um capitalismo colonizador”, como diz João Barcellos. Ou seja, interessa ao Poder mercantil e pseudo-místico o exercício egocêntrico da teoria da conspiração, como explicou Noam Chomsky em várias entrevistas, para não perder o controle das massas ideologicamente dominadas e economicamente encurraladas. “Pode-se dizer, após tantos estudos, que o igrejismo que provoca a indignação no poeta J. C. Macedo é um terrorismo d´Estado que só a mente fascista e colonial tem como realidade” [Carlota M. Moreyra, op. cit.]. Também diante disto e da retórica igrejista é que Manuel Reis, ao perceber a resistência mercantilista e a mesmice popular religiosamente engajada, observa: “[...] não haverá meios no futuro, que nos permitam evitar o conflito (fatal...) entre as grandes religiões (civilizações) institucionalizadas” – in Desconstruindo o Discurso Académico do Papa [Profedições, colecção ´Bichos Carpinteiros´, Portugal-2006]. A esperança, todavia, está na filosofia da paz que a intelectualidade não empantufada constrói na periferia desse Poder absolutamente mercantilista e dele não bebe o veneno que atordoa e mata lentamente. “Existem águias com garras prontas para capturar e aniquilar pombas no processo ideológico do belicismo que corrói a Sociedade Humana”, escreveu a psicóloga suíça Elen Cedron a propósito da obra citada de Manuel Reis [p/ Centro de Estudos do Humanismo Crítico – América Latina. Genève, 2010]. E os guerreiros são místicos e são políticos, no que outrora era tido como Clero e Nobreza no exercício do Poder instituído por eles mesmos.

Potencial Fascista Do Poder De Cátedra As condições que levam à constituição do Poder absolutamente exercido no meio teológicopolítico, são conexões académicas e militares oriundas da retórica por Deus e pelo Povo, primeiro, como já o disse, pelo Senhor de Clã, segundo, pelo Sumo Sacerdote no pico da práxis da dominação geossocial. A partir do momento em que a mística sacerdotal se acata como classe dominante tem início o que posso denominar como Poder de Cátedra, i.e., a Escola das elites [hoje, Universidade] a enformar dirigentes para a perpetuação desse Poder, logo, uma intelectualidade empantufada e isolada da problemática quotidiana do Povo. Uma elite que dá sustentação teórica [na Universidade] e publicitária [na Imprensa regiamente engajada]. Os casos mais flagrantes foram dos bispos-ministros em vários reinados europeus entre os Séculos XIV e XVIII, e os dos mercadores-papas; mais recentemente, os ditadores Franco e Salazar, na Espanha e em Portugal, e Vargas, no Brasil, na utilização dessa retórica para a constituição do Estado Novo, ou a República do poder seco, por ser um Poder autoproclamado. Embora tivesse esboçado somente o assunto, Miguel de Unamuno tratou a política salazarista como “fascismo de cátedra” [v. Nueva Vuelta a Portugal. 1935], e que é o que hoje percebemos no Poder que


nos cerca e tenta dominar, e que, no Século XXI, sob as vestes de um falso republicanismo, reintroduz o Estado Novo entre a Universidade e a Sociedade – o que é, como lembra Manuel Reis em vários escritos, “um soft fascismo a destruir esperanças de liberdade”. Eis de novo a Intelectualidade a prestar serviços corporativos para o suporte do Poder primacialmente absolutista e repressivo, e objectivamente fascista, apesar da falsa ingenuidade de alguns professores-doutores que se acham a ´luz´ da sociologia enquanto se benzam nas águas podres do Igrejismo. Em suma: pagos pelo fascismo, soldados do fascismo. Ou existe outra afirmação mais adequada? Dizem-me que sou parte do acto d´Anarquia quando falo e escrevo sobre este tema, e respondo que a Anarquia é a velha filosofia que pressupõe o Estado com cada coisa e cada pessoa no seu devido lugar. Ora, não me defendo, apenas constato o que existe e o pode ser feito na ruptura com a corrupção que predomina no Poder absolutamente mercantil. Acredito que Unamuno não desenvolveu o tema do fascismo de cátedra por não ser esse o propósito da sua indagação política, nem ele mesmo esboça um estudo acerca do igrejismo, mas, já com Reis temos um filosofar que leva à ruptura com esse conceito atravessando a mesmice académica daqueles professores-doutores que dormitam sob bons salários e bolsas de pesquisas que atendem o espírito academicista do actual Estado Novo...

Existe Alguma Esperança? 1 Na colecção Debates Paralelos, Volume 3, edição de 2004, chancela da Edicon e do CEHC, com distribuição na América Latina e em Portugal, com painel de análises sobre Igreja-Estado ou Religião, o editor e artista plástico Ruy Hernández lembra-nos que “as vivências de todos os dias são o fundamento para o estabelecimento social e cultural de uma Civilização sempre prenhe da Liberdade”. Temos que entender o seguinte: a) a Sociedade no seu Todo humano deve decidir estar por ela mesma e ser Poder por vias de uma Democracia autêntica, ou seja, o exercício do Poder pelas expressões comunitárias que fazem a Nação; b) as vivência quotidianas continuarão a ser actos sob o chicote bélico e místico do Poder exercido por elites coloniais se não acontecer a ruptura política. 2 A esperança em dias melhores é a tentação da aventura pela Paz e pelo Amor, mas, tal aventura só acontece – e quando acontece é uma festa sociocultural – quando a Consciência das acções para a Liberdade nos faz crer na efectivação dessa meta, pois, tanto a Sublevação Popular como o Poder são meios políticos de exercício da Civilização, e não existe processo civilizatório para a Democracia sem Povo comunitariamente organizado. No poema Diáspora [I e II], publicado na colecção Perfil, da Associação dos Poetas Profissionais do Rio de Janeiro [APPERJ], em 2005, João Barcellos canta: “fogem/ os que fogem/ escondem/ os que se escondem [...] partem livres/ os que já eram livres”; e por isso, na segunda parte ele sublinha: “creio em mim/ desenho e rego dia a dia este jardim”. E no Volume 6 da colecção Palavras Essenciais [Edicon & CEHC, Portugal e Brasil, 2011], com o tema Humanismo, Educação & Justiça Histórica, intelectuais e artistas lembraram, através da moçambicana Celine Abdullah, que “É preciso reagir para construir Liberdade”! Não adianta apenas pensar, é preciso aprender a dar acção ao que a mente perspectiva, mas, para isso, é necessário ter o Conhecimento que não vem da Escola, e sim do olhar quotidiano que capt[ur]a a amplidão da Realidade e nos permite mensurar caminhos e obstáculos. Não adiante apenas pensar, é preciso aprender a abrir caminhos com a Palavra conscientemente injectada de Vontade, projectar o Futuro que está nas acções de hoje!


CRIATIVIDADE HUMANA & RELIGIÃO

A mensagem dos judeus tenta dizer-nos que eles são ´o povo escolhido de deus´ e o outros – o gentio – a corja humana amaldiçoada. Nem todos os judeus acreditam em tal ´lei mosaica´ e as seitas existem desde então: uma delas, a Nazàri, chefiada por Jesus, era mais fundamentalista que o próprio sumo-sacerdote do Templo, e acaba esquecida após a morte do [seu] rabi, mas dela surge a seita cristã orientada por Paulo, que trai Jesus e prega para as comunidades não-judaicas. E assim, do judaísmo ao cristianismo temos um ciclo teológico de disputas e traições em torno de poder de manipular a ignorância que grassa entre as comunidades e construir impérios sob o signo de um ´deus´ que é assinalado como ´único´. Enquanto o judaísmo continua no seu canto e aguarda o [seu] ´messias´, o cristianismo já tem o seu, embora falho e traído, e surge uma vertente árabe daquela palavra jesuânica – a de Maomet, que inaugura o islamismo. Estas três religiões demonstram a capacidade criativa da mente humana em assegurar a si mesma um campo e manobra para não se dizer ignorante – ou seja: não sei de onde vim nem quem sou, mas ´algo´ além olha por mim!... [J. C. Macedo, 2010]


* quando me olho sei de mim est´Eu em que ao mundo vim e n´Ele outros olho nada sei além de mim vivo do meu modo [João Barcellos – Coimbra/Pt, 1975]

Quando observo o que me rodeia e leio os sinais institucionais e aleatórios percebo-me parte de algo que não construí, mas do qual participo por necessidade de estar... Desde criança nunca me apeteceu ser parte do que leio no quotidiano, desde a família à comunidade, da escola à igreja. Sempre tracei em mim um estar que me deixava distante e me impunha um ser que não poderia pactuar com a manipulação que lia nos exercícios educacionais – e, mais tarde, já na iniciação ao sexo e à política, também li os mesmos sinais nos exercícios sociais. Eu não queria ser o que os outros me diziam ser-estar o lado certo da vida. O que é certo? O que é errado? Que magistratura está acima de mim para me dizer o que fazer ou não fazer? Qual ´deus´ está acima de mim para me dizer o que é pecado, ou não? E afinal: o que é ser-estar sociedade à semelhança de um ´deus´? Ora, eu posso inventar um deus ou uma deusa a cada minuto, doutrinar outros para me seguirem como maltrapilhos sem eira nem beira e, a seguir, estruturar aí e com eles/elas uma igreja milagrosa que se faz estado todo poderoso... e, sempre com a mesma invenção/mentira, ceifar a vida de quem não se sujeitar a tal estar, e é só um estar, pois, ninguém aprende a ser debaixo de um chicote ideológico! O poder criativo da mente humana tem sido orientado para satisfazer o Eu absoluto que domina Outros, e parte dessa orientação vem revestida de um ´sagrado´ estar que não combina como a pessoa livre, liberta de amarras. Outrora, sob a imagem de centenas de deuses e de deusas, os povos viviam alegremente de tal imaginação; hoje, inventado o deus único e sanguinário – egípcio-judaico, cristão, islâmico, etc.


–, os povos sofrem e não sabem mais no que acreditar, pois, as pessoas deixaram até de ter fé em si mesmas! O grande exercício das religiões – de todas as igrejas – foi/é ter relegado para último plano a fé da pessoa em si mesma, porque nessa ação está o poder que mantém o rebanho entre as cercas ideológicas. Dividir e enganar para melhor reinar, é o conceito político do Poder absoluto, ou, para melhor ilustração, o deus que nos íntimo porque feito por nós para garantir a nossa ganância e o nosso jeito criminoso de ser e estar...

Parte I Anotando História Escrita Por Pessoas

1 Do ideal de um alto funcionário egípcio – Moisés – redefine-se o Deus Único no seio do Judaísmo que, em busca de um chefe, aceita o seu comando; e, muito tempo depois, já na Palestina, um judeu – Jesus – filho de gente de posses [condição para poder estudar], faz-se rabi longe dos luxos dos rabinos das sinagogas de Jerusalém e quando lá chega com os seus – os Nazàri – interpreta esse luxo e os dinheiros da compra e vende de cordeiros para o ´santo´ sacrifício como ofensa ao ´deus´ que estaria para chegar, no que ele prega ser o fim dos tempos, no qual muitos iriam ressuscitar e recomeçar um mundo paradisíaco; entretanto, os senhores da terra – Roma – não gostam de ver e ouvir um simplório rabi do interior a dizer que o mundo vai acabar e que um ´deus´ o renovará: em lealdade ao imperador-rei de Roma, decidem prender e crucificar o profeta apocalíptico. Termina aqui o ciclo de Jesus, judeu simplório e teocrata fundamentalista. Mas, os seus seguidores – os Nazàri –, e em especial as mulheres, e mais especialmente Maria Madalena, fazem desaparecer o corpo de Jesus e dizem que o viram ressuscitado... De repente, o rabi dos desertos vira cordeiro sacrificado e morto-vivo na época que os judeus têm para exercitar a [sua] expiação pela possibilidade de reconciliação com o [seu] ´deus´ – o yom kippur – e, então, dá-se inicio a uma nova teologia que se confronta com aquela mesma defendida pelo próprio Jesus, o judeu que pregava para e entre judeus... 2 Anos depois da morte de Jesus, o único seguidor-apóstolo que não o conheceu em vida leva a nova teologia para o seio do gentio, mas tem que propor uma pregação não-judaica, sem o ´sacrifício´ do sábado e outros condicionalismos, o que os Nazàri não aceitam. Ousado e inteligente, Saulo que virou Paulo consegue estabelecer um diálogo entre o judeu apocalíptico menos radical que Jesus e os outros povos que vivem na Palestina e dá-lhes uma nova interpretação da lei mosaica transferindo parte da mesma para uma visão cristã do mesmo conceito, no que enterra a Palavra jesuana e ergue a Igreja paulina... 3 Confrontado com a resistência do gentio [comunidades não-judaicas] na aceitação da Palavra original de Jesus, profeta judeu fundamentalista e que morreu sem ter sinalizado a própria tragédia..., o seguidor-apóstolo dito Paulo convence o que resta dos Nazàri, em Roma, a aceitar a mundialização da Palavra de Jesus, e nasce a Cristandade em forma de Igreja católica na confrontação com os ritos judaicos, embora lhes tenha copiado a essência. Durante a queda do Império Romano a nova Igreja expande-se e Jesus passa de humaníssimo profeta a filho de ´deus´ e, logo, Maria Madalena passa de companheira a prostituta – não seria lógico que o filho de ´deus´ fosse casado com uma reles mortal: deveria ser solteiro e fiel ao ´pai´. Já os seguidores-apóstolos de Jesus – gente simples e analfabeta – são pó e memória quando os bispos da nova Igreja declaram o judeu Jesus ´divino´ e não mais homem e fazem da Igreja um Estado político-militar através da grandeza territorial da Roma, que o estrategista e imperador Constantino decidiu integrar à Cristandade, até para evitar o racha político e social.


Cerca de cem anos após o desaparecimento de Jesus, o grupo original os Nazàri, estava reduzido a menos que uma seita de esquina que continuava a operar apocalipticamente [´amanhã é o fim do mundo´] no seu universo judaico, isolado pela teologia católica paulista: e já nem Nazàri, ao tempo, é a sua denominação, mas os pobres [do hebraico ebionim]. Com isso, a Palavra genuína de Jesus perde-se e prevalece o ideal não-judaico de Paulo. O ex-religioso católico Figuera de Novaes, que participou de vários atos pela mudança radical das estruturas educacionais com Ivan Illich, outro ex-religioso, diz que “[...] nós, agora, supomos que Jesus falou do Amor de uma maneira universal, mas apenas supomos, porque a sua acção foi objectivamente judaica, porquanto ele propagava a unidade da lei mosaica e não contava, então, com a presença dos gentios (ou seja, os outros povos), porque, como judeu autêntico ele se achava filho do deus apresentado pelo egípcio Moisés. Então, tanto a lei mosaica quanto as promessas de um terra próspera para os judeus (declarado ´povo eleito´ pela magalomania mosaica) acabaram em fracasso, e desse fracasso emergiram seitas judaicas contra o senhores ricos do Templo, entre elas, a de Jesus (os Nazàri), formada por gente ignorante e piamente crédula no iminente ´fim dos tempos´ pregado por ele – e aqui, veja-se, Jesus veste o manto de David para se proclamar ´rei dos judeus´ e retoma a megalomania apocalíptica mosaica. Por isso, ao provocar distúrbios públicos durante o Yom Kippur é preso por alterar a ordem de Jerusalém, julgado e, por se dizer ´rei dos judeus´ condenado à morte pelos súbditos de César, o rei e o deus de Roma. A visão de Jesus pode dar-nos até, e concordo com as análises do professor Manuel Reis, um quadro óptimo relacionado ao Amor, à Fraternidade e à Liberdade, mas isso apenas surge no pós-morte e através de Paulo, que trai a ortodoxia judaica pregada por Jesus e populariza o que hoje conhecemos por cristianismo. Então, o Amor Universal jesuano é pilar da teologia paulina e (talvez) uma parte da Palavra original de Jesus. Toda a acção de Paulo é subjectiva, é o seu ego pelo poder de estar contra os judeus, logo, contra Jesus, daí que tenha elaborado o cristianismo e não o jesuanismo. E em Pedro não há o algo visionário, como em Moisés, Jesus e Maomet, nele há somente o apelo para se tornar poder de facto e de direito: as suas cartas ao gentio demonstram que já nem tem Jesus como baliza – ele é a baliza para a igreja que começa a cimentar a partir dos judeus-cristãos (e não dos judeus Nazàri) residentes na Roma que se desfaz imperialmente. Ou seja: Paulo transforma as suas mensagens nas ´sagradas´ escrituras da religião cristã. Sendo aí, a partir dessas cartas, que a teologia cristã enfrenta as maiores encrencas, uma vez que se confronta com outras escrituras e com a própria (supõe-se) Palavra de Jesus. E depois, a humana condição de Jesus está no acto da sua purificação (baptismo) realizado por João Baptista... Se fosse deus ou filho de deus não precisaria ser purificado. Eu mesmo, depois muitos anos, só vim a perceber os hiatos evangélicos ao acordar para a realidade da análise literária e histórica e perceber que todas as ´sagradas´ escrituras, que dei a conhecer a milhares de crianças e adultos, não passam de invenção humana. Podemos ter Jesus como baliza para um olhar rebelde em relação à sociedade, claro que sim, e mais uma vez aplaudo os escritos de Manuel Reis e de J. C. Macedo a propósito, mas não posso (e não podemos) esquecer que Jesus conhecia apenas a sociedade judaica, um estado político e religioso fechado em si mesmo... até hoje. Acredito que, aos poucos, e depois de Nag Hammadi e de Qumran, até Jesus começa a desaparecer sob os mantos paulinos que vestem o Vaticano, a sede papal do cristianismo que é igreja e estado”. A percepção histórica de Novaes, que nos chegou pelas mãos da neta Marta Novaes, em 2007, entre outros cadernos, é a alegação de que só é cristão quem é paulino, e jesuano quem acredita que Jesus era um profeta dotado da magia necessária para ser curandeiro e, então, alguém com dons para revolucionar o seu mundo... e, não por acaso, rodeava-se de mulheres! A dita sagrada escritura não passa, e eu vos digo, de uma escrita humana divinizada para arrebanhar os povos numa cerca ideológica castradora da liberdade. Ter visões é um algo perfeitamente normal para a inteligência humana, transformar essas visões no algo divinizado e dar-lhe o nome de deus é uma anormalidade criminosa...

O homem sonha acordado; Sonhando a vida percorre…


E desse sonho dourado Só acorda, quando morre! António Aleixo

O sonho é um elemento essencial na nossa vida, projeta-nos para cosmovisões interessantes e dá-nos, até, o traço para novos caminhos, traço que aproveitado pode transformar-se em realidade. O sonho é uma realidade noética da atividade humana que, como canta o poeta popular, sonhando a vida percorre, até que a morte lhe corta a visão amorosa ou messiânica. Sabemos que as escrituras formadoras dos livros sagrados são fruto da forja criativa da mente humana, capaz de deixar de acreditar em si mesma e depositar as suas crenças numa imagem à sua semelhança a que dá o nome de deus ou de deusa. As comunidades ancestrais [verificando-se, por exemplo, o histórico africano e europeu] constituíram-se em torno de um grupo dominado por um chefe, ao mesmo tempo guerreiro e divino – vem daí o conceito patriarcal das religiões que viriam a se estabelecer como poder temporal: o homem domina a mulher que expande a comunidade, logo, o homem é a máxima autoridade... em tudo. É assim entre os judeus e, assim, o mesmo conceito passa para os cristãos que passa para os islâmicos. E, tendo-se em conta que nas comunidades orientais o homem tem a mulher como mera procriadora e prostituta, o universo humano desconhece que a felicidade só surge com o amor e a paz entre o homem e a mulher. Ao forjarem um ´deus´, os igrejistas dão continuidade ao conceito patriarcal que faz definhar a humanidade na guerra e no ódio. Primeiro, o egípcio Moisés cria e dita, em nome de um ´deus´, os mandamentos cruciais para os judeus, depois, Jesus dá-lhe cobertura profética [embora o faça rodeado de mulheres...], mas Paulo trai aquele e desenha a cristandade católica sob o manto do império romano, e logo surge Maomet com os mesmo objetivos a criar o islamismo – e tudo estabelecido em escrituras sagradas sucessivamente reescritas por outras gerações na adaptação ao tempo sociocultural de cada uma. O certo é que o igrejismo [a igreja que é ao mesmo tempo Política e Religião] encarcera a mulher e liberta o homem e chama isto de ´o paraíso na terra´, por desconhecer quaisquer tipos de paraíso... A ignorância e a ingenuidade apocalíptica que matou Moisés, Jesus e Maomet é a mesma que mata a humanidade todos os dias! E o que era o mundo vai acabar, aguardem o reino de deus, agora é aguardem a vinda de Jesus. Nada se perde, tudo se adapta. E o deus único que deveria aparecer para pôr ordem no caos humano deixou de ter hora marcada – ao tempo de Jesus ele estava prestes a chegar... – e é agora uma palavra no tempo sem direito nem a uma boa nova... O que sobrevive é o igrejismo com todas as falsidades em reciclagem até que a humanidade acorde em si mesma e faça a necessária reflexão socrática: se eu não trabalhar e não me alimentar eu morro, então, eu sou o que sou, e o deus e a deusa o são em mim! O meu pensamento é altar e as minhas ações são o sacrifício para ser além de estar com os outros. Mas, tal como o sempre anunciado fim dos tempos haverá um dia para o acordar da consciência humana?

Parte II Uma Reflexão à Luz da Vontade Humana

4 Armon Hanatziv [antiga Talpiot], 1980. Um bairro de Jerusalém. Ao escavarem e removerem terra e pedra para uma nova construção, operários descobrem parte de um algo que lhes parece um edifício antigo, mas, já acostumados a passarem por cima de peças históricas, continuam o trabalho. Ao cair da noite, crianças entram no edifício, brincam, até que uma delas alerta a mãe,


uma perita em arqueologia, sobre esqueletos: horas depois a Autoridade de Arqueologia Israelense [IAA] faz uma das descobertas mais surpreendentes da história: ossários com inscrições de iam de Jesus, filho de José a Maria de Magdala incluindo os ossários do próprio José e Maria. Uma leitura atenta do Novo Testamento [NT], sem esquecermos que este NT é uma cópia que mistura a essência judaica do Antigo Testamento [AT] propondo uma teologia a partir da morte e ressurreição de Jesus, o cristo nazàri, permite-nos verificar que a presença dos restos mortais do rabi dos desertos que proclamava o fim dos tempos para os seus dias e a vinda de deus acaba com essa teologia, ou seja, o cristianismo de Paulo foi montado e é celebrado sobre a ressurreição do cristo que ele traiu. Autoridades forenses declaram que os ossários são autênticos, logo, as inscrições que os identificam também o são. O cemitério de Talpiot é o local para onde levaram o corpo de Jesus sob a autoridade de José de Arimateia, da alta magistratura judaica, mas amigo e tão apocalíptico quanto Jesus. Pelos textos do NT sabemos que ele é o dono do sepulcro de Talpíot onde foram guardados os corpos da família jesuana. Seria um acaso melodramático que os principais nomes bíblicos da cristandade estivessem juntos no mesmo cemitério, incluindo e ao lado de Jesus... o de Madalena... Ora, se a comparação entre os textos do NT mostra que são uma cópia mexida do AT e de que não há unanimidade até no que se julga ser a palavra de Jesus, difícil é acreditar que o mesmo tenha ressuscitado precisamente ao tempo do yom kippur para ser apresentado como o cordeiro de deus aos próprios judeus e aos fieis do gentio. Aliás, seria o único humano em tal façanha! E humano ele o era, porque em Talpiot estavam os seus restos mortais. Que não se queira enxergar a verdade histórica e o Jesus histórico é uma coisa, que se queira continuar a mentir e a alimentar a megalomania da divindade eis uma circunstância humaníssima e muito grave.

5 Ainda muito próximo da realidade jesuana, o árabe Maomet nomeia Jesus como profeta e coloca-o entre as pessoas de importância messiânica para o conhecimento de Allah. A reinterpretação da lei mosaica na visão e nos escritos de Maomet lembra a ação de Saulo/Paulo, mas Maomet não fere o AT com insinuações nem mentiras: ele dá aos árabes a versão local de Deus/Allah. Não há no islamismo a forja do messias e o próprio Maomet é um mensageiro, não um filho de Allah, pelo que o livro de orações do Islã fala de um Jesus-profeta e não de um Jesus-deus...

6 Estamos en masa y inteligencia y nuestro pensamiento es pura creatividad cuando es necesario exponer y proteger a sí mismo - es decir, aquí estamos, nuestro universo y nuestra divinidad. Figuera de Novaes

A óbvia Sabedoria dos místicos conscientes do seu papel na Sociedade difere daquela Ignorância que faz de algumas pessoas mais filhas-de-deus do que outras, e dessa forja sai o fundamentalismo que aterroriza quem busca Paz e Amor. De um jeito diferente, “o judeu Freud analisa com frescor psico-histórico a estória ´judaica´ de Moisés e é por ele, pela primeira vez, que eu entendo (e muitas mais pessoas cristãs, islâmicas e


judaicas) a falsidade que levou à articulação do ´deus único´ como chave do egocentrismo político direcionado à ditadura de interesses oriundos da ignorância. E apesar das contradições dos textos no livro de orações da cristandade, percebo agora que Jesus é o homem livre que escolhe ser ele-mesmo a ´lei mosaica´ contra o Tempo das mentiras e cai no mesmo erro da maioria judaica, ou seja, levanta a mão (e a espada, se preciso for) para defender Moisés e esquece que existe um mundo humano além do judaísmo. Ora, meus senhores, minhas senhoras, é neste descompasso histórico que Jesus morre sob a incredulidade dos Nazàri (que o julgavam mortal, mas nem tanto...), Madalena assume o ato visionário da ressurreição com o necessário apoio logístico do importante e poderoso José de Arimateia, e, depois, Paulo constrói a cristandade isolando-a definitivamente da Lei Mosaica que custou a vida ao próprio Jesus” – afirma Novaes, numa das suas mais importantes palestras feita em Toronto e em Santiago do Chile, em meados de 1972. A sua leitura sobre o Moisés freudiano teve conseqüências no comportamento de muitos jovens latinoamericanos e alguns deles, hoje professores em vários países, ainda sentem o estrondo psicológico e histórico daqueles eventos. A então jovem professora Hanne Liffey, que o ouviu em Toronto, dizia, em 1974, em Braga, que “apesar de se ter afastado da cristandade por completo, Figuera de Novaes ainda acredita que a liberdade de ação de Jesus poderia ter levado o Amor Universal às escrituras mosaicas, que só contêm a ´paixão de deus pelo povo eleito´, e, por isso, ele continua a ter Jesus como referência e por uma circunstância de extrema relevância: ao contrário do judeu tradicional, Jesus circulava com e entre mulheres e tinha uma como companheira eleita”. E é verdade, pois, em texto de elogio à atividade filosófica e teológica de Manuel Reis, e acerca do livro Honest to Gods – Já não... Honest to Humans – Ainda sim!, com anotação prefacial de João Barcellos e publicação da Alpharrabio Edições (Brasil, 2002), eis que Novaes deslumbra-se com esse texto, a sublinhar a parte “a Aparência e a essência do Real não está fora dos Seres Humanos – está, sim dentro deles: é a Consciência reflexiva dos Sujeitos individuais-pessoais” – a saber: “O momento em que o filósofo Manuel Reis remaneja o ideal reflexivo socrático para nos dar uma imagem aparentemente real de Jesus e através da Palavra (parece-me que o Barcellos conversou com ele e agora temos o que se denomina Palavra Jesuana) demonstrar que os atos do profeta continham a essência da libertação, no que acredito, é o momento em que a cristandade deveria refletir sobre as epístolas de Paulo que se tornaram, na verdade, as escritura (con)sagradas do livro de orações da nova igreja-estado, um império feito de terror, e até agora eu me penitencio de ter estado lá, de o ter ajudado, mesmo porque não é o jesuanismo libertador que se prega, mas o ato paulino das políticas de poder em torno de um deus único e vingador, anti-feminino e patriarcalmente castrador”. É o lado universalmente humano de Jesus, que se faz rodear do mundo feminino, que leva pessoas conscientes como Figuera de Novaes, a não renegarem o profeta que Paulo traiu e a cristandade trai até hoje! A jovem médica Johanne Liffey, filha de Hanne, que esteve no Oriente cercado de guerras capitalistas e ódios messiânicos, em 2007, escreveu: “Vemos e escutamos o mundo que somos e percebemos que não estamos sós entre animais e plantas – somos parte da fauna e da flora. Entretanto, muitos de nós não querem aceitar a verdade cósmica e, para se sentirem superiores, criam divindades à sua imagem e, com elas, igrejas e mandamentos estúpidos que nos fazem dentes de uma máquina de torturar e matar... em nome da divindade”. Não estamos no fim dos tempos, mas já temos gentinha mística a apregoar aos quatro ventos “oremos, que Jesus vem para nos salvar”, sob o riso dos judeus e o benevolente olhar dos islâmicos. Alguns grupos da cristandade, no Brasil, elaboraram fardões ao tipo ´cruzado´ [leia-se ´Arautos do Evangelho´] e vão de pessoa em pessoa, de cidade em cidade, a pedir apoio financeiro para a guerra santa... As seitas apocalípticas que na era jesuana dos Nazàri pregavam o fim de tudo e a oração a um deus que chegaria a qualquer momento para a salvação dos eleitos, são as mesmas que perambulam hoje, mesmo em confronto com um gentio menos analfabeto, menos desatento à realidade e mais atento às armadilhas das aparências ideológicas, mas ainda têm aceitação, porque “muitos de nós não querem aceitar a verdade cósmica”. Assim era ontem, assim é hoje. Assim era Ontem? Mas, que Ontem...?!


7 Se as pedras ´divinizadas´ pelos celtas, na Europa, e as pedras ´dos deuses´ que serviram de casa aos incas, na América, são aos nossos olhos um passado sem explicação histórica, então, as pedras esculpidas e cortadas há mais de dez milênios e encontradas em 1994 por um pastor curdo em Gobekli Tepe, a nordeste da Turquia, são uma presença a demonstrar outras civilizações com tecnologias sofisticadas... A nossa civilização é muito recente e, em relação ao que se percebe no que se acha ser um templo de cultos ancestrais, em Gobekli Tepe, a nossa história está mal contada ou está por contar, pois, as pedras esculpidas e milimetricamente cortadas no nordeste turco dimensionam uma sociedade que difere da nossa – e, pode ser cósmica, mas não telúrica..., disse o escritor e historiador João Barcellos [Morro Araçoiaba, Iperó – Brasil, 2011]. “a nossa vida é um eterno questionamento a inquietar-nos o pensamento” ACO “e estava certo Mikhail Bakunin ao dizer-nos que o deus criado por nós reflete mais o nosso ódio do que o nosso amor” Johanne Liffey

Estamos no ano 4 dos Anos 90 do Século 20, e um pastor curdo vê que um ângulo de pedra nada tem a ver com o conjunto dos Montes Tauro em que se encontra: escava um pouco e vê que é muito diferente, mesmo. O local é Gobekli Tepe, que traduzia da língua local significa Monte com Umbigo. Nos primeiros tempos ninguém dá muita importância ao achado das pedras, até arqueólogos se interessam pela novidade e, então, descobrem, com a datação pelo Carbono 14, que estão perante um legado deixado por uma civilização que aqui esteve há mais de 10.000 anos! Tudo o que sabemos, dos celtas aos egípcios e dos incas aos maias, é que somos uma civilização com cerca de 5.000 anos de história e ainda mal contada. Pior: depois de Gobekli Tepe nada está contado ainda. Quando conversei longamente com Figuera de Novaes durante os encontros do Grupo Granja, no Rio de Janeiro, em 2001, ele falou-me vagamente o seguinte: “Eu sou conheci os códices de Qumran e de Nag Hammadi cerca de 15 anos depois, e viajei para isso, mas sobre as tumbas de Talpiot a noticio foi imediata, assim como a dos achados do templo, ou cidade antiqüíssima, em Gobekli Tepe. O que eu posso dizer é que, diante das pedras do Monte Tauro vi, com certeza, uma civilização muito anterior à nossa e muito mais avançada, mas, o que mais de chamou a atenção foi não se ter encontrado ali quaisquer tipos de ferramenta... eh, quem esteve ali deixou-nos um legado, sim, mas não uma identificação social, e podemos pressupor, assim como nas velhas construções do Peru, que algum povo fora da Terra passou por aqui, estudou a região e foi-se. Por outro lado, esta questão sugere outra: obviamente, não eram deuses, mas povos de outras regiões cósmicas, e sabemos que existem contatos (que podemos


dizer contatos preliminares) de outros povos até agora não concretizados – olha, é preciso viver em grande ignorância para se supor que não existe vida além de nós –, mas que podem acontecer, e talvez por isso os governos e as igrejas-estados têm escondido tal realidade dos povos”. Na verdade, o ´velho´ Novaes não perdia uma oportunidade de se questionar, questionando. Às vezes, ouvindo-o, parecia-me estar a escutar o Manuel Reis ou o Adriano Correia de Oliveira... porque, “a nossa vida é uma eterno questionamento a inquietar-nos o pensamento”, como dizia o poeta-cantor Adriano nos seus raros concertos públicos. Neste historicamente novo Ocidente de calendário cristão, anti-judaico e anti-árabe, ou seja, anti-Oriente, fomos habituados a olhar a Civilização com os olhos paulinos, um olhar racista e não universalmente humano. Consciente ou não, a cristandade supõe que “não há salvação fora da Igreja [católica]”, como se os povos que não lhe carregam a ´cruz´ da ignorância não existam. E agora, neste Século 21 de olhares diversos e críticos sobre os ossários jesuanamente identificados de Talpiot e as pedras milenares de fino corte e escultura encontradas em Gobekli Tepe, quem se atreve a dizer que estamos sós no Cosmo, ou que Jesus ressuscitou?... Ora, não estamos sós no Cosmo nem Jesus ressuscitou, da mesma maneira que Moisés não era judeu e o calendário da civilização que somos não tem idade, por enquanto...

8 A criatividade da mente humana e a noética são fantásticas. Elas levam-nos para realidades históricas que nos lançam no fundo da memória e nos dizem de sofisticações ancestrais que não dispomos hoje, apesar de nos supormos cientificamente avançados. Não ponho na mesa a questão “Eram os deuses astronautas?”, e outras bobagens, mas tenho como certo que povos como os celtas e os incas, por exemplo, tiveram a percepção do algo além de si para se manifestarem em torno de seres que do céu vieram. Para esses povos eram ´deuses´, mas se fizermos uma leitura arqueológica crítica e consciente, verificamos que tais ´deuses´ eram (ou, poderiam ser) povos de outras regiões cósmicas em deslocamento. Numa plataforma de análises, ou a Terra deu a volta em si mesma por uma ou duas vezes, além de receber o impacto formidável de massas cósmicas fora de rumo, e o que era mar virou terra, e vice-versa, e..., em outra plataforma, e esta de evidências arqueológicas civilizacionais, outros povos ocuparam a Terra com ferramentas operacionais que fogem à nossa compreensão científica. E, diante disto, quem somos nós? Sabendo dos receios políticos dos governos/nações reunidos na ONU e outras entidades, a sede mundial da cristandade – o Vaticano –, lançou recentemente ´luz´ sobre a Questão ET através do seu jornal L´Osservatore Romano. O diretor do observatório astronômico do Vaticano, padre José Gabriel Funes, afirmou: "Como existem diversas criaturas na Terra, poderiam existir também outros seres inteligentes, criados por Deus". E também, que "Isso não contradiz nossa fé, porque não podemos colocar limites à liberdade criadora de Deus". A verdade, e aqui vos digo, é que a cristandade paulina, para não se afundar mais depois de Talpíot, adota o conceito de partir na frente para dividir lucros e já expõe extraterrestres [ET´s] como “seres inteligentes, criados por Deus”... Só para pinçar o poeta Aleixo, lembro que todas as igrejas compram pára-raios para os seus templos por se saberem desprotegidas do próprio deus, e o Vaticano instala observatório astronômico para ´ver´ se deus aparece ou não para [nos] salvar, e, agora a mesma cristandade já identifica os ET´s como ´parentes´ longínquos. Que idéia maravilhosa. Uma inesperada e desesperada jogada teológica e publicitária digna das velhas ´cruzadas´ e da ´inquisição´. Nem o velho Saulo/Paulo iria tão longe. Ou iria, se fosse hoje? Ora, “se pudesse, Paulo teria até triturado os ossos de Jesus... pela ´leviandade´ de viver a vida rodeado de mulheres!”, como gostava de dizer o sarcástico e ex-religioso Novaes, segundo a sua neta e jornalista Marta Novaes.


9 a cristandade não era, então, a salvação da humanidade, mas a morte de quem a questionava JB A liberdade de pensarmos que somos uma Civilização de data recente e que se confronta com arqueologias de gente cientificamente sofisticada anterior em cerca de dez milênios, pressupõe já outro olhar – um jeito crítico de estabelecer paralelos e que obriga, também, as igrejasestados a buscarem enquadramentos que lhes permitam sobreviver à história real. Enquanto o judaísmo e o islamismo, assim como as teologias orientais em geral [budismo, etc.], estão no seu canto e louvam os seus profetas pela eterna salvação, a cristandade parte em demanda de vias que lhe assegurem a continuidade do catolicismo [mundialização] estabelecido através da construção das mais negras páginas do terror que a Humanidade recente enfrentou. Uma dessas vias é a catalogação de ET´s como ´parentes´ longínquos para se livrar dos questionamentos e incômodos teológicos imediatos que vão surgir quando se estabelecerem contatos diretos com as civilizações existentes além da Terra. Para a cristandade, e mais para ela do que para outras comunidades místicas, o questionamento já existe a partir de Talpíot e da leitura comparada das escrituras dogmatizadas no seu livro de orações – a Bíblia. É que “...muitos cristãos começaram a perceber que vida não é um dogma quando foram, também, vítimas da Inquisição nos vastos continentes da colonização ibero-católica: a cristandade não era, então, a salvação da humanidade, mas a morte de quem a questionava por salvaguardar interesses societários”, como lembrou João Barcellos no lançamento de uma das edições do livro O Peregrino, em 1995.

10 Por tais razões, também, é que sabemos que as igrejas-estados [Vaticano, Israel, etc.] são pilares do capitalismo que amordaça e explora vilmente os povos, logo, que “odisséias esotérico-militaristas como a de Hitler não surgiram do acaso, mas foram longa e meticulosamente orquestradas e amplamente apoiadas, da mesma maneira que os EUA têm como pilar sociopolítico o messianismo judaico-maçônico do Fascismo que busca o Poder/Deus Único pela velha essência mosaica”, segundo a explicação de Hanne Liffey [Maio de 1974] que ecoou na mente de muitos jovens ibéricos.

///// Eu, não sou profeta, mas em verdade vos digo: o segredo do sucesso de Saulo/Paulo foi o colossal fracasso do apocalipse anunciado por Jesus para os seus dias com o surgimento de um deus redentor que logo ressuscitaria os bons e colocaria os maus sob a rígida lei mosaica. Os romanos acabaram com a ´festa teológica dos Nazàri´ e deram de bandeja ao pensamento paulino a possibilidade de criar, realmente, uma nova seita anti-judaica: o cristianismo. E se têm dúvidas sobre isto, aconselho-vos a lerem as escrituras ditas ´sagradas´. Ou vocês acham que é por acaso, sem estudos profundos, que o filósofo português Manuel Reis anuncia historicamente que Paulo traiu Jesus?... Leiam os seus livros. /////


Parte III Eu não esqueci, deixei a questão para o final: o instante em que Martin Luther, ou Lutero, publica e prega as suas teses contra o mercantilismo doentio do Papado romano e católico, ele parece querer doar ao mundo um igrejismo mais humano, e nesse pano de fundo de aparências teológicas é que a reforma protestante insinua alguma mudança – mas, só insinua, porque a única novidade, e a única, que une o ato luterano ao ato jesuano é o corte com o antifeminismo paulino. Perdeu-se, então, naquele Século 16 da era cristã, a possibilidade maior que existiu para se alterar a essência política e económica do igrejismo, até porque o ato luterano descamba, também ele, e a imitar o ato paulino, numa gigantesca tarefa anti-judaísmo. Ora, os judeus não precisam de inimigos para se auto-destruírem, eles o fazem com eficácia, como percebeu muito Freud na sua análise ao ato mosaico. As aparências e as realidades teológicas judeo-cristãs anulam-se historicamente na simples leitura comparada. O que resta? Tudo. Resta tudo, porque a partir da leitura socrática da sociedade humana pode-se construir a vida com a liberdade que o amor gera, e é só isso que cada pessoa consciente de si mesma precisa para estar e ser vida!

E a finalizar...

a) Uma famosa indagação ainda paira no ar... “Como será o meu redentor? – me pergunto. Será um touro ou um homem? Será, talvez, um touro com cara de homem? Ou será como eu?” Assim se questiona Jorge Luis Borges, o grande poeta latinoamericano. O que em Borges é a liberdade psicanalítica de se expor para, em si mesmo, dizer do mundo humano – ato que também o é em Fernando Pessoa e Drummond de Andrade – joga com o todo histórico e social que separa e une os povos e faz encarar cada pessoa na sua fé mística. A inquietação filosófica alimenta-o ficcional e fisicamente, mas é a história que mais lhe socorre quando berra no escuro em busca de respostas. E afinal, a sua questão é a nossa questão? O redentor “será como eu”? O poeta da bela cidade portenha acreditava na redenção, mas na busca por respostas à sua criatividade acabou por não encontrar o que queria, apenas a via da morte, essa fronteira que nos cerca durante toda a vida e pela qual sonhamos acordados todos os sonhos possíveis – e, um desses sonhos, é o desejo místico de estar Poder absoluto para reinar como e pelo Deus criado à nossa semelhança! b) Tudo o que sabemos de religião é uma prática criativamente humana na qual elaboramos uma posse patriarcal, que abomina o lado feminino e só o considera na foda d´esquina e na procriação, posse essa que desconhece culturas locais e arrasa-as para se determinar universalista. Em verdade vos digo que a religião é como a política, porque uma não sobrevive sem a outro enquanto o sistema mercantil de posses e heranças for o esteio societário. c) E algo precisa ser dito e multiplicado: a pessoa deve ter fé em si mesma e enfrentar os medos do desconhecido com a sabedoria do conhecimento, pois, a mística dos igrejistas e dos políticos de sacristia é a mãe de todas as ignorâncias. A humanidade que somos só tem sentido quando pensamos e agimos como seres humanos, logo, pessoas livres para construírem o bem-estar social entre todos os povos. Agir contra todas as formas de algemas e cercas ideológicas é construir a liberdade. Não perceber isto é viver na


ignorância que gera terror e tortura, ódio. Levantar o Amor enquanto bandeira da Paz é criar estradas de progresso e de entendimento para uma humanidade com fé em si mesma!

///// BIBLIOGRAFIA [Livros & Palestras] ALEIXO, António – Este livro Que Vos Deixo... [quadras populares], Vol 3, 13ª Ediç, Lisboa-2003. BAIGENTE, Michael / LEIGH, Richard / LINCOLN, Henry – The Holy Blood and The Holy Grail. Jonathan Cape, publisher; UK, 1982. BARCELLOS, João & REIS, Manuel – Agostinho e Vieira: mestres de sujeitos! ProfEdições, Porto/Pt-2006. BARCELLOS, João – O Peregrino / A Essência Poética Do Ser. Ed Edicon. Brasil, 1994; 2ª ediç, 1995. BERGER, Klaus – Qumran e Jesus. Petrópolis: Vozes. BORGES, Jorge Luís – La Casa de Asterión (conto). Obras Completas. CAMARGO-MOR, Fernanda – Arqueologia de Maria Madalena / uma busca histórica da companheira de Jesus. Ed Record, RJ-2004. CARMO, António - Antropologia das Religiões. Lisboa: Universidade Aberta, 2001 DEBATES PARALELOS – Igreja-Estado ou Religião [painel de análises / Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Vários Autores. Ed Edicon & CEHC, Portugal e Brasil, 2004. ------------------------------- – Q Jesuânica [painel de análises / Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Vários Autores. Ed Edicon & CEHC, Portugal e Brasil, 2009. ------------------------------- – A Palavra Jesuana, Textos Gnósticos & Outras Opiniões [painel de análises / Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Vários Autores. Ed Edicon & CEHC, Portugal e Brasil, 2007. DOSICK, Wayne – Living Judaism: The Complete Guide to Jewish Belief, Tradition and Practice. FREUD, Sigesmund – Moisés e o Monoteísmo. HAUG, T. James – Sex and God. Publicações Europa-América, Lisboa-Pt-2005. JOHNSON, Paul – A History of the Jews. HarperCollins, 1988. LEWIS-WILLIAM, David & PEARCE, David – An Accidental revolution? Early Neolithic religion and economic change. Minerva, 2006. LIFFEY, Johanne – We, the Life and Divinity. Dublin/Ie, 2011. – Bakunin and I. Social analysis between Ankara and Herat. (In the midst of human insanity. Some notebooks, 2008.) MARKSCHIES, Christoph – Gnosis: An Introduction. T. & T. Clark Publishers, 2003. MARTINEZ, Florentino Garcia. Textos de Qumran. Petrópolis: Vozes. MIMOUNI, Simon-Claude – Les chrétiens d'origine juive dans l'Antiquité. Albin Michel, 2004. MOMEN, Moojan – An Introduction to Shi`i Islam: The History and Doctrines of Twelver Shi`ism. Yale University Press, 1987. NOVAES, Figuera de – Naturaleza, la Humanidad y Arte de la Actuación. Tailler de Conicimiento, México, 1967. NUZZI, Gianluigi – Vaticano S.p.A. 2010. PALAVRAS ESSENCIAIS – Humanismo, Educação & Justiça Histórica [painel de análises / Centro de Estudos do Humanismo Crítico. Vários Autores. Ed Edicon & CEHC, Portugal e Brasil, 2011. REIS, Manuel – Desconstruindo o Discurso Académico do Papa. ProfEdições, Porto/PT- 2006. ----------------- – Sócrates e Jesus / Esses Desconhecidos...! Ed Edicon & CEHC, Portugal e Brasil, 2006. ----------------- – Honest to Gods – Já não... Honest to Humans – Ainda sim! Alpharrabio Edições, Brasil, 2004. ROBINSON & MEYER, James M. e Marvin. – The Nag Hammadi Scriptures [The International Edition]. HarperOne, 2007. SANTOS, José Rodrigues dos – O Último Segredo (romance). Ed Gradiva, Lisboa/Pt, 2011. SCHMIDT, Klaus – Gobekli Tepe, Southeastern Turkey. A premilimary Report on the 1995-1999 Excavations. In ´Palèorient CNRS Ed Paris, 2001. STODDART, William – O Sufismo: doutrina metafísica e via espiritual no Islão. Lisboa, Edições 70, 1980.

///// CINEMATOGRAFIA IL VANGELO SECONDO MATTEO [O Evangelho Segundo Mateus] – dirigido por Píer Paolo Pasolini, 1964. KINGDOM OF HEAVENS [Reino Dos Céus / filme mais conhecido pelo titulo ´Cruzada´] – dirigido por Ridley Scott, 2005. LES NUITS DE RASPOUTINE [As Noites De Rasputin] – dirigido por Pierre Chenal, 1960. LUTHER [Lutero] – dirigido Eric Till, 2003. PALAVRA E UTOPIA – dirigido por Manoel de Oliveira, 2000. RASPUTIN, THE MAD MONK [Rasputin, O Monge Louco] – dirigido por Don Charp, 1966.


SALÒ O LE 120 GIORNATE SI SODOMA [Saló e os 120 dias de Sodoma] – dirigido por Pier Paolo Pasolini, 1975. THE BODY [O Corpo] – dirigido por Jonas Mc Cord, 2001. THE DAVINCI CODE [O Código Da Vinci] – dirigido por Ron Woward, 2006. THE FALL OF THE ROMAN EMPIRE [A Queda do Império Romano] – dirigido por Anthony Mann, 1964. THE MESSAGE [Maomet, o mensageiro de Allah] – dirigido por Moustapha Akkad, 1976. THE PASSION OF THE CHRIST [A Paixão de Cristo] – dirigido por Mel Gibson, 2006. THE SHOES OF THE FISHERMAN [As Sandálias Do Pescador] – dirigido por Michael Anderson, 1968. THE TEN COMMANDMENTS [Os Dez Mandamentos] – dirigido por Cecil B. deMille, 1956. VOR 12.000 JAHREN IN ANATOLIEN. DIE ALTESTEN MONUMENTE DER MENSCHHEIT. BEGLEITBUCH ZUR AUSSTELLUNG IM BADISCHEN LANDESMUSEUM VOM 20 – DVD ROM Media Cultura [Hrsg], Theiss, Stuttgart 2007.


Eu, e Bakunin.

“fora d´Anarquia, tudo é ditadura corporativa” Edgar Rodrigues


A vida parece-nos sempre pouca. Queremos mais, mais e mais. Entretanto, a vida depende de nós (digo: do Eu entre Nós) e de uma cósmica territorialidade da qual fazemos parte no intervalo que nos conecta entre o nascer e o morrer. Verdade seja dita: nós sobrevivemos, como sobrevivem outros animais e plantas, em ciclos hereditários que pululam entre os povos e as suas correntes socioculturais. Ontem, eu aprendi a olhar a manifestação pela liberdade para nela me integrar – e, integrado, ser decisivo nos actos que me diziam respeito. Objectivamente, eu fiz o que deveria ser feito. Hoje, sou parte de toda a manifestação que liberta e processa acções socialmente conectadas, até porque estou farto de tiranias camufladas de democracia eleitoral-representativa; marxistas que se fazem ministros d´Estado capitalista; operários que de repente, com o apoio de banqueiros e de igrejistas, são presidentes de República e fazem do posto um eixo de corrupções ideológicas e financeiras com os necessários ´remendos públicos´ ditos políticas sociais; democratas e republicanos evangelicamente abençoados, que batalham por um Poder mundial que esmaga nações detentoras de riquezas naturais; comunistas que levam à letra a ditadura do proletariado proclamada pelo marxismo na sua mais funda bestialização política, etc. e etc. Mas, ontem e hoje, quem sou eu? Mais uma pessoa entre milhões e milhões. Entretanto, quando a minha voz e os meus livros chegam a mãos certas, eis-me multiplicado para ser parte de um Todo humano que batalha para se libertar socialmente de todas as ditaduras!

Bakunin


1º Caderno Depois de um temporal de chuva e vento olhei as poucas árvores que avistava na cidade metropolitana, recolhi-me nelas, tal e qual um grão de carbono entre iguais, e no frescor naturalíssimo lembrei... Somos grãos. Somos carbono em água. Eu sou um grão de ti, pai. Somos uma memória só, e em ti, pai, Eu estarei sempre. És a minha fonte d´água! ..., lembrei do poema que Johanne me enviou quando fez quinze anos, e já a dominar a lusa Língua com a ajuda do avô dublinense, que durante muito tempo negociou com Vinho do Porto. Eh, nós e a Natureza cósmica somos grãos que se conectam numa memória tão fantástica quanto a própria Humanidade. Eh, a vida abre-nos rotas nem sempre imagináveis para acções nem sempre traçadas, e talvez a nossa circunstância carbónica retenha reflexos do que fomos pelos nossos ancestrais, reflexos que podem ser captados num sistema que não é o nosso tempo/espaço – conexões possíveis para povos mais cientificamente avançados, que virão, ou já vieram. Na verdade, sabemos pouco de nós nesta Idade do Capitalismo desenfreado e gerador da Ignorância a favor do Conhecimento de poucos. Tudo é uma questão de Conhecimento, por isso, o Conhecimento é uma riqueza que os caudilhos capitalistas (políticos e religiosos) ´socializam´ até ao nível do consumismo que os mantém no Poder, o resto é a disseminação da Ignorância através de sistemas de educação ultrajantes e criminosos. Naquela idade de Johanne, estava eu a aprender a ser nós no eixo de notícias anti-fascistas e análises de textos anarquistas... ... “Acabo de chegar na velha Coimbra, sinto-me cansado. E tenho só quinze anos. Corre o ano 1969. É uma turma nortenha de 12 estudantes que analisa literatura anarquista e já sai à rua para, madrugada dentro, escrever em muros e lançar panflos mimeografados sob o Ai! desesperado de professoras e professores que se contentam apenas em analisar conteúdos. Ficamos numa velha quinta que não produz nem um quarto das suas possibilidades agrícolas e serve apenas para descanso dos proprietários, um casal de idosos professores universitários que não consegue pagar a manutenção adequada da propriedade; além da quinta, temos o apartamento de um jovem professor – aliás, ele é a nossa ligação com a malta que exige responsabilidade governamental por políticas públicas de ensino com liberdade de opções. É o dia 2 de um verão que se inicia muito quente. Após um refresco com o simpático casal de idosos passamos pelo apartamento do jovem professor e, de imediato, engrossamos a malta da Operação Flores. Os estudantes tinham ´conquistado´ a Praça da República, símbolo da solidariedade, mas as forças policiais e os ´pides´ (polícia política) cercaram ´o território da comuna coimbrã´ para reduzir o espaço das manifestações. De nada valeu: a malta havia estabelecido diversas opções de manife, e é numa delas que estamos. Distribuímos flores Coimbra dentro, e a velha e republicana Coimbra responde com a sua solidariedade. Entre vários obstáculos, esconde-esconde da polícia, já depois de ter levado porrada, é em Coimbra que vejo e ouço Zeca Afonso pela primeira vez. A balada de quem não tem medo de expor e de dizer da necessidade de liberdade. Tenho uma tia na cidade, e o namorado dela, mas “não é conveniente expor familiares”, diz-me o professor, que me põe na manivela do mimeógrafo. E ficamos de um lado para outro. Cruzamos com a equipa do La Stampa e depois com a do Le Monde, com as quais o professor ´funde´ informações. Quase no final de 1969, voltamos a Coimbra para umas palestras do jovem professor, e de novo na quinta. No segundo dia, a professora idosa quis conversar comigo. “– Percebi que és o mais mexido, meu rapaz. Senta aqui”, disse, e apontou um banco. “E escuta, meu rapaz”. Abriu um livro, talvez da idade dela, e começou a ler, uma parte aqui, outra ali, e ia passando de página. E eu na escuta. “– Só percebi


que falou d´Anarquia”, respondi. “– E sendo isso alemão, deve ser livro de Bakunin...”, atirei no escuro. Ela sorriu e, sentada na minha frente, disse: “– Sim, é o Staat und Anarchie. Ouvi a tua resposta a uma questão posta pelo nosso amigo professor, ontem, e gostei. Eu li os textos no seu original alemão, só para aguçar a tua curiosidade, mas quero que ponhas na tua mochila estes livros, para serem lidos com atenção e pensamento crítico, construtivo. E nada de ler no comboio, porque lá circulam muitos ´pides´.Certo, meu rapaz?” Eu não sabia o que dizer. Junto do livro do alemão ela pôs O Retrato Da Ditadura Portuguesa, um “livro do Correia d´Angeiras, nosso amigo anarquista”. E eu poderia lá saber que o casal de velhinhos era da malta libertária?... “Ela e o marido não são apenas um casal de idosos, são uma reserva cultural da política revolucionária anarco-sindicalista”, disse-me depois o jovem professor. Na minha frente, na janela aberta, está o livro. Uma edição portenha (de Buenos Aires), da casa Proyección, Argentina, 1969. Não é o Estado e Anarquia [Staat und Anarchie], mas Dios y El Estado, um dos principais legados bakuninianos para a cultura do humanismo crítico. O bakuniniano Dios y el Estado é companhia habitual com os livros de Manuel Reis no quotidiano que me faz estar e ser português no mundo.

Proudhon

Se eu já lia trechos avulso de Proudhon e de Bakunin, e tinha de Giuseppe Garibaldi (e sua Anita) uma anotação de romantismo revolucionário, o livro que a professora me ofereceu foi a apresentação sublime para um espaço que entendo como Eu e Bakunin. Duas décadas depois, já estava no chão a ditadura salazarista, mas não o salazarismo (ainda idolatrado e celebrado com missa anual na Candelária, pela comunidade luso-carioca), conheci no Rio de Janeiro o escritor anarquista que ela conhecia como o Correia d´Angeiras, e por ele soube da comunidade multicultural de anarquistas lusos que deram, e dão, corpo à voz libertária brasileira: e ele, conhecido em toda a América Latina como Edgar Rodrigues, [ele não sabia que, em Coimbra, a malta o conhecia como o Correia d´Angeiras], mostrou-me como o pensamento soviético anti-anarquista levou a batalhas filosóficas e terroristas contra quem, do lado da Anarquia, se punha contra o sindicalismo partidário neo-capitalista. “Tínhamos que resistir ao patronato selvagem e à selvageria soviético-marxista, que não aceitam uma sociedade feita pelas próprias pessoas em cada comunidade. Na verdade, fora d´Anarquia, tudo é ditadura corporativa”, disseme. E entendi: É preciso unir socialmente as pessoas exploradas e oprimidas para que uma Revolução possa resultar em uma Sociedade justa. E é como grãos de essência carbónica que se completam pela óptica da liberdade que deve ser um acto social do Todo humano libertador e não uma decisão/proclamação política de elites – elites que, quase sempre, no meio do caminho, fazem a ruptura com o Povo e estabelecem a ditadura do sempre eterno socialismo da autoridade estabelecida entre capitais sonegados da riqueza criada pelo Povo.


2º Caderno Na época em que Bakunin se encontra em Berlin e se inteira de como ser um sacerdote da verdade, i.e., um professor universitário em trabalho de campo e sem influências institucionais, Pierre-Joseph Proudhon proclama A Propriedade é um Roubo! em rota de colisão com as teses de Karl Marx. O conceito de Anarquia volta, então, à poesia original que os filósofos gregos tinham como revolta sociocultural contra as ditaduras. As práticas políticas proudhonianas e bakuninianas são focos de uma filosofia sociocultural de profundo respeito pela liberdade de cada pessoa, e as pessoas que nelas enxergam caminhos libertadores sofrem, até hoje – e vejam os exemplos do negro brasileiro Domingos Passos e do Correia d´Angeiras (mais conhecido pelo pseudônimo Edgar Rodrigues), entre outros –, o preconceito ´soviético´ que diz ser a Anarquia o princípio do caos sociopolítico que mina o Estado, quando a Anarquia é o conceito da batalha social pela Liberdade plena de cada pessoa e das comunidades. Esse preconceito já tinha sido largamente utilizado por Marx, então, os falsos comunistas leninistas só lhe deram largueza ideológica.

Manuel Reis

Recentemente, em estudos sobre o multiculturalismo crítico, o filósofo Manuel Reis considerou que “[...] Marx é peremptório, nas ´Teses sobre Feuerbach´, ao afirmar: ´Não é a consciência dos homens que determina a sua existência, mas, pelo contrário, é a existência social que determina a consciência”. Contudo, toda esta sua conceptualização continua a configurar-se, sistemicamente, no mundo o objectualismo. A tese de Marx tem em conta os dados, os factos históricos, apenas; não os projectos críticos e as utopias sociais´. Esta observação de Reis mostra como a tese marxista esbarrou e esbarra no pensamento libertário que as utopias carreiam e criam rupturas na sociedade, e, por isso, esbarrou e esbarra no pensamento anarquista de revolução social. Nem é por acaso que o marxismo adentra as estruturas do capitalismo sem as alterar, enquanto que o anarquismo cria a imediata ruptura social e libertadora.


Marx

Quando, no Rio, o Correia d´Angeiras falou-me sobre a aventura de vida do negro Domingos Passos, que foi encarcerado tanto na Bastilha do Cambuci (famosa prisão política de São Paulo, Brasil, por onde passaram centenas de gráficos e intelectuais) como no campo de concentração de Clevelândia, em Oiapoque (extremo do Brasil), acrescentou que “a Anarquia não é um processo para o Poder, é um processo sociocultural que se funde de geração em geração até se estabelecer como prioridade de gerenciamento público em cada comunidade”. Assim é que o negro e anarquista Domingos Passos é um exemplo e uma bandeira para todas as pessoas que pensam e agem pela Liberdade. O que significa ousar agir segundo o idealismo de Bakunin para se conseguir uma sociedade política e culturalmente activa, pois, uma revolução de ignorantes cria um poder imperialmente bruto, injusto.

3º Caderno A luz em que Bakunin focaliza o seu pensamento e a sua utopia está na própria humanidade: mulheres e homens reinventam-se todos os dias por uma sobrevivência precária. A revolta está com elas e com eles, exercitam-na socialmente. Se mulheres e homens podem ser base da produção capitalista e ainda suporte para o consumismo que dá riqueza às elites do Poder, então, essas mulheres e esses homens podem ser, também, a base social para a organização do Poder comunitário e democraticamente assente numa gerência política colectiva, entre a Cidade, o Campo e a Nação. O que impede o Povo de agir colectivamente para gerenciar as políticas públicas e fazer uma distribuição justa e igualitária de recursos? As forças políticas e igrejistas que querem o Poder como Trono e o Povo como massa de escravos. Aquilo que em Bakunin parece uma utopia – e que Marx e os marxistas neo-capitalistas do falso comunismo não quiseram nem querem ver... – é uma realidade histórica e social presente no mundo humano desde sempre: a) a Ignorância que impede a Pessoa de agir pelo bem comum; b) a Ignorância que impede a Pessoa de vislumbrar na retórica governamental o foco das políticas que a fazem escrava de tal sistema; e c) a Ignorância milenarmente defendida pelos igrejistas cujos dogmas transformam a mentira em verdade para preconizarem leis divinas que institucionalizam ditaduras, torturas, escravidão, etc. Ora, Marx nunca deixou de ser o burguês-capitalista em estado puro e não poderia descer desse patamar, mesmo que só filosoficamente, da mesma maneira que o sindicalista que já é um caudilho político-partidário transforma-se em ditador neo-capitalista quando chega ao Poder burguês, e por isso é que os caudilhos soviético-comunistas atacaram e atacam a Anarquia, pois, preferem estar paus-mandados do patronato e dos igrejistas a ser a voz própria do Povo socialmente organizado. E aqui, e concordo com Reis, não é o espírito místico-mítico do Povo que está em causa, e nem tal causou obstáculos nas antigas comunidades que se governavam entre si antes de se transformarem em nações e impérios..., o que está em causa é o igrejismo de quem dogmatizou e dogmatiza a essência mística popular para reapresentá-la como foco mítico da Ignorância, o que leva o Poder Político a se engajar no Poder Mítico. Dizer, como fazem os marxistas, que ´a religião é ópio do povo´, é fácil, difícil é entender a profundidade social do espírito místico do Povo e dar-lhe a Justiça Social que busca no quotidiano. Os marxistas


construíram a URSS e a China, e depois Cuba, e nos três casos (há mais, mas fico por estes) ´construiram´ a tão sonhada Ditadura do Proletariado preconizada por Marx. Resultado? A tal ditadura não tem proletariado e sim caudilhos partidários [Lênin, Stálin, Mao, Castro] eternizados no Poder imperialmente, i.e., com a força da repressão, da tortura e do assassinato, Tal ditadura é a mesma dos imperadores da velha Roma e da velha China. Onde está a mudança? Na retórica ideologizante. A mesma que fez Saulo/Paulo trair Jesus e ´construir´ a Igreja Cristã invertendo e transferindo o Velho Testamento para o Novo Testamento. Pode-se dizer o governo de Fidel de Castro, em Cuba, é democrático? Não. Ele não foi eleito e ficou 40 anos no Poder para, recentemente, indicar e pôr o irmão Raul na continuidade dessa ditadura falsamente chamada de proletária! Ou seja: “O velho Bakunin tinha/tem razão ao se opor ao pensamento marxista que objectivamente impõe a ditadura e estabelece um neo-capitalismo que ´branqueia´ a história e o desejo de Liberdade assinalado na angústia do Povo”, como ouvi dizer aquele casal de Coimbra, em 1969. Assim eu fui apresentado à Anarquia e assim continuo os meus trabalhos socioculturais para uma sociedade que, um dia, estará organizada para tecer o seu quotidiano sem ditaduras políticas e igrejistas. Sei que o mundo humano precisa se encontrar pacificamente para gerar, em Amor e Consciência Cívica, um mundo de nações cuja única diferença está na Cultura de cada uma delas. Hoje, que é 2012.

Anotações BAKUNIN, Mikhail [1814-1876] – Tornou-se grande referência da Filosofia Anarquista e escreveu as obras Die Reaktion in Deutschland (A Reação na Alemanha) – 1842, O Império Knuto-Germânico e a Revolução Social – 1871, A Comuna de Paris e a Noção de Estado – 1871, Federalismo, Socialismo e Antiteologia – 1872, Staat und Anarchie (Estado e Anarquia) – 1873, Deus e o Estado – 1882 e Textos Anarquistas – 1874. BARCELLOS, João – A Odisseia de Giuseppe & Anita por um Brasil Livre da Ditadura. Palestra. Florianópolis/SC e Porto Alegre/RS - Br., 1991. – Anarquia & Sociedade, ou, As Comunidades no Poder. Palestra. Embu, Cotia, São Paulo e Guarulhos – Br., 2004. PROUDHON, Pierre-Joseph [1809-1865] – O nome maior da Filosofia d´Anarquia depois dos gregos. Escreveu O que é a Propriedade? Pesquisa sobre o Princípio do Direito e do Governo (Qu'est-ce que la propriété? Recherche sur le principe du droit et du gouvernement). França, 1840; Aviso Aos Proletários (1842), Sistema das Contradições Económicas, ou a Filosofia da Miséria (1846), entre outros livros. MACEDO, J. C. [1954] – Autor de vários livros de poesia, conto e romance, entre 1968 e 2010. Ser Livre É Ser Solidário, 5 poemas e 3 contos infanto-juvenis, e Canto Jovem Por Uma Ecologia Humana, 2 breves ensaios e 1 poema, de 1968 e 1972, mimeografados e distribuídos clandestinamente; Traço Poético, Cinéfilo, Quotidiano, Íntimos Pareceres, Anarquia & Transformação Social, Um Olhar Sobre Nós, Encontros, As Cinzas Dum Tempo Perdido, Arqueologia d’Almas / poemas ao sabor da viagem, Apesar De Tudo, O Poeta!, No Limiar Da Utopia, Cânticos de Vida, Oração Para a Liberdade e A Vida Em Construção [sobre os episódios político-culturais do filósofo Manuel Reis], em co-edição, em Portugal, e de romances, conferências, ensaios e poesia, na sua jornada européia e sul-americana (Irlanda, Espanha, Argentina e Brasil), com chancela de várias editoras e pseudónimos literários. No seu percurso de militância anarquista, é correspondente editorial permanente das revisas ´Eintritt Frei´ (De) e ´En Vivo y Arte´ (Esp), dos jornais ´Jeroglífo´ (´Hieroglifo´/Arg) e ´Dépassar les Limites´ (Fr), etc., e tem trabalhos literários e jornalísticos publicados em colecções internacionais. Actua literariamente com o Centro de Estudos do Humanismo Crítico – CEHC, sediado em Guimarães (Portugal) participando das colecções Debates Paralelos e Palavras Essenciais, além do portal web Noética.


Editor e conferencista, fundou e co-fundou vários jornais e assina colunas de crítica cinematográfica, literária e política, tendo sido homem público na chefia de departamentos de Imprensa e Cultura; membro de grupos anarquistas transnacionais que têm “a Anarquia como o Estar naturalmente aceite pelo Ser humano no seu percurso cósmico”. Foi membro fundador da Turma de Jovens Intelectuais Anarquistas – TJIA, em 1972, com a professora e activista Maria Augusta de Castro e Souza (a MACS), com quem elaborou e publicou diversos ´panflos´ e palestras contra os regimes ditatoriais de Espanha e Portugal. MARX, Karl [1818-1883] – Intelectual alemão que introduziu a Doutrina Comunista e influenciou vários segmentos da actividade política e económica mundial. O livro O Capital [Das Kapital: Kritik der Politschen Okonomie], de 1867, resume a sua teorização fundamentalmente económica. REIS, Manuel – Escritor e filósofo português, fundador do Centro de Estudos do Humanismo Crítico / CEHC, com sede em Guimarães (norte de Portugal), com a professora Lillian Reis. Perseguido pela Ditadura Salazarista, publicou O Cristão No Mundo De Hoje (1965), Igreja Sem Cristianismo ou Cristianismo Sem Igreja?! (1969), Igualdade Radical Para a Mulher (c/ outros autores; 1970), Sócrates e Jesus: as Duas Revoluções Gêmeas (Portugal e Brasil, 2001 e 2006) e Honest to Gods – Já não!... Honest to Humans – Ainda Sim! (Portugal e Brasil, 2002), Em Demanda Do Multiculturalismo Crítico (Portugal e Brasil, 2007), entre outros livros. RODRIGUES, Edgar [António Francisco Correia, ou o Correia d´Angeiras] – Proletário e intelectual, dividiu a sua vida de militância anarquista entre Portugal e o Brasil. Deixou um legado lítero-historiográfico com os títulos: Na Inquisição de Salazar (1957), A Fome em Portugal (1958), O Retrato da Ditadura Portuguesa (1962), Portugal Hoy (Venezuela) (1963), Socialismo: Síntese das Origens e Doutrinas (1969), Socialismo e Sindicalismo no Brasil (Movimento Operário 1675/1913) (1969), Nacionalismo e Cultura Social (1913-1922) (1972), Violência, Autoridade e Humanismo (1974), Conceito de Sociedade Global (1974), ABC do Anarquismo (Lisboa-Portugal) (1976), Breve História do Pensamento e da Lutas Sociais (Lisboa-Portugal) (1977), Trabalho e Conflito (Greves Operárias 19001935) (1977), Novos Rumos (1978), Deus Vermelho (Porto-Portugal) (1978), Alvorada Operária ( Os Congressos 1887-1920) (1980), Socialismo: Uma Visão Alfabética (1980), O Despertar Operário em Portugal (1834-1911) (Lisboa-Portugal) (1980), Os Anarquistas e os Sindicatos em Portugal (1911-1922) (Lisboa-Portugal) (1981), A Resistência Anarco-Sindicalista em Portugal (1922-1939) (1981), A Oposição Libertária à Ditadura (1939-1974) (Lisboa-Portugal) (1982), Os Anarquistas - Trabalhadores Italianos no Brasil (1984), Os Trabalhadores Italianos no Brasil (Itália) (1985), ABC do Sindicalismo Revolucionário (1987), Os Libertários: Idéias e Experiências Anárquicas (1988), Quem Tem Medo do Anarquismo? (1992), O Anarquismo na Escola, no Teatro, na Poesia (1992), A Nova Aurora Libertária (1946-1948) (1992), Entre Ditaduras (1948-1962) (1993), O Ressurgir do Anarquismo (1962-1980) (1993), Os Libertários (1993), O Homem em Busca da Terra Livre (1993), O Anarquismo no Banco dos Réus (19691972) (1993), Os Companheiros - 5 volumes - de A a Z (1994), Diga Não à Violência! (1995), Sem Fronteiras (1995), Pequena História da Imprensa Social no Brasil (1997), Os Companheiros (1998), Notas e Comentários Histórico-Sociais (1998), Pequeno Dicionário de idéias libertárias (1999), Universo Ácrata – Vols 1 e 2 (1999), Biblioteca Sorocabana (vol. 1 - História e Memória)- participação (2005), Rebeldias (4 Vols, 2005 - 2007), Um século de História político-social em Documentos (Vol.1 e 2 - 2006 e 2007), Lembranças Incompletas (2007), Mulheres e Anarquia (2007).


Tambores Do Além Que Rufam Aqui É difícil. Ai, como é difícil penetrar na complexidade da mente humana... Será por isso que tanto buscamos a ´parceria´ do artificialismo tecnológico?! Talvez, até porque a robótica já é a divindade à nossa semelhança..., assim como os velhos deuses o foram e o uno que os substituiu ainda é, e será. Em meados de 2007, durante um evento de tecnologias para comunicadores gráficos e intelectuais, em Buenos Aires, na Argentina, o telemóvel emitiu uma escandalosa musiquinha a sugerir um tango electrónico, e, logo, a voz de Johanne fez-se ouvir: “Sei que estás ocupado, mas vou enviar um email para a tua conta do computador no hotel em que estás hospedado. Estou triste, mas não desesperada, porque aconteceu o que já esperávamos. Um beijo de muito amor”. A voz de Johanne é mais rouca quando fala de algo triste. “Está bem, irei ler o teu email dentro de duas horas, e depois conversaremos sobre a tua mãe”, respondi, já com a certeza de que Hanne era o assunto. Quando a bela Hanne se multiplicou em Johanne, depois de momentos amorosamente vividos para isso mesmo, ela já não era a anarquista a ensinar conhecimentos para abrir caminhos novos. Durante cinco meses de 1982 refugiou-se nos confins da Sibéria para conhecer as profundidades esotéricas do xamanismo, apesar do seu cristianismo mais celta do que romano, herdado do pai. Não sei como interpretar este tipo de mudança comportamental, porque embora seja também filosófica, tem raízes no instinto primitivo da pessoa que, subitamente, e diante do algo que lhe parece um horizonte novo a trilhar, despega-se da actualidade e embrenha-se nesse abismo tal e qual um objecto sem vida que cai num buraco.

Meu pai João, eis uma carta-crónica que eu não gostaria de escrever, mas como tenho de escrever prefiro o estilo literário. Como tu dizes, vamos lá... As leituras e interpretações sobre o Xamanismo siberiano, entre 1982 e 86 [eu nasci em 1984], fazem Hanne refugiar-se no mais fundo dos ideais judeo-cristãos depois de vários anos envolvida nas práticas políticas das teses proudhonianas, na Irlanda e na Península Ibérica. O que vi e senti na minha visita à Sibéria transportou-me para um tempo de fé no deus-espírito e fez-me repudiar toda a vida que vivi até agora, disse-me, muitos anos depois. Mas, isso por si não justifica a ´transformação´ que a afastou do meu pai, João, o homem que mais amou e de quem quis uma continuidade [eu] para perpetuar aquela paixão na sua existência como mulher. Nem mesmo o meu avô, que em Dublin ´pregava´ o cristianismo de base celta, entendeu aquela decisão fundamentalista de se entregar de corpo e alma a um misticismo entre a prática apocalíptica judaica – fonte dos conhecimento de Jesus e dos Nazàri – e o xamanismo. Uma decisão de contornos visionários, porque o tambor já anuncia o fim dos tempos e eu quero estar pura para me reencontrar no tempo divino, como ela agora gosta de dizer. Aguentar uma tal personagem mística é viver entre fantasias, e por mais que ame a Hanne que me fez vida, não posso conviver com a Hanne cuja existência posso comparar à de um


Rasputin de saias e corpo esbelto. No dia em que lhe disse isto ela olhou-me, serena, e respondeu: És o corpo e o espírito do teu pai João, também achas que o mundo terá paz organizando socialmente as gentes, educando-as para a revolução cultural..., não!, a paz que eu percebi e que retenho é um viver espiritual, absoluto, o viver que Jesus viveu ao perceber o fim dos tempos, esse ato que os romanos interromperam e que Paulo aproveitou descaradamente para o trair e erguer uma igreja de gente falsa. Fiquei sem palavras. O ´tambor´ da Hanne rasputiniana não ressoa as batidas no meu ritmo. O eu-mulher que sou não vive a visão, vive a realidade que é a sobrevivência. E aquela médica de excelência técnica e humana, da qual recebi muitos ensinamentos e muito amor, acaba de se desfazer de tudo para se entregar completamente ao isolamento apocalíptico: já não vivo este mundo, estou na dimensão que me prepara para a vida paradisíaca. Pela segunda vez fiquei sem palavras. Já não é a Hanne que poetava amor com o João e por essa paixão escolheu a região serrana do Gerês para me ´construir´ e trazer ao mundo, que agora repudia: é uma Hanne escatológica e sombria, desapaixonada, incapaz de ver na bela paisagem irlandesa a imensidão da vida a viver. Sim, eu sei, meu pai, que vais dizer cada pessoa escolhe opções vivenciáveis, mesmo quando elas não se apresentem vivenciáveis segundo a razão das outras pessoas, mas temois que ver isso com tolerância. Está numa das tuas cartas. Isso não me faz menos triste. Aquela bela mulher entregue à solidão, para aguardar o fim dos tempos, é uma realidade difícil de conceber. Mas ela nem consegue ser jesuana (Jesus vivia entre mulheres) nem rasputiniana (Rasputin adorava mulheres e sexo), e eu ficaria mais feliz se nessa vivência a devassidão sexual estivesse presente, porque eu saberia que ela vive intensamente, mas o deus dela não é baconiano, é um deus niilista. Perdi a minha mãe e tu perdeste a mulher que te amou amorosamente, mas eu estou aqui e no mundo sem te perder de vista. Esperemos que o tambor do Xamã a faça acordar, um dia... jo Dublin-Ie, 2007.

Ao terminar a leitura eu sabia quem eu era, mas desconhecia completamente aquela Hanne com quem vivenciei temporadas d´amor. Entretanto, o desfecho da vida ´terrena´ de Hanna não me causou estranheza, porque, como ela, centenas ou milhares de pessoas místicas refugiam-se em tocas esotéricas – e o termo é refúgio, mesmo, porque não fazem o que fizeram Jesus e Maomet, ou Confúcio e..., para pegar ´boleia´ no email, também, e a seu jeito, Rasputin. Ah sim, eles fizeram da mensagem uma estrada e uma palavra, embora que no caso de Jesus a palavra viesse a sucumbir no suicídio apocalíptico, como dizia Figuera de Novaes e que, por outras palavras, Manuel Reis também veio a configurar nos seus escritos. No outono ibérico de 1983, já grávida, Hanne havia dito que “há uma necessidade em mim que me exige ir mais fundo na compreensão da divindade espiritual que está além do exoterismo paulino-cristão, do comunitarismo celta, do proudhonianismo, e quando a nossa criança tiver consciência de si mesma vou percorrer esse caminho que aprendi a ver no xamanismo siberiano”. Com a jovem Johanne já médica e com viagens profissionais em vários continentes, Hanne achou o momento e chamou-a para uma conversa definitiva. Não iria falar comigo directamente, a nossa filha seria o seu ´tambor´ da mensagem. Durante alguns meses, entre conversas com Johanne, fiquei a pensar nos absurdos que a mente humana – feita tambor de pensamentos antes nunca exibidos, ou sequer conhecidos – pode, de repente, praticar em nome do desconhecido. A humanidade é desconhecida em si mesma, e ainda se estuda, tenta se compreender enquanto a vida telúrica continua na sua realidade sem tempo-espaço e na qual estamos: fugir dela é meter a cabeça num buraco e esquecer que a outra parte do corpo continua humanamente física e, assim, sujeita ao processo do esquecimento e do envelhecimento. Aqui também está o velho modelo apocalíptico: destruir para fazer ressurgir. Em seu tempo, Jesus dizia que, diante fim do mundo que vai acontecer, “Não ficará pedra sobre pedra” [Marcos], e quase dois milênios depois Rasputin e Bakunin dizem que “a destruição é parte da renovação”. Tanto os actos de Jesus como os de Rasputin, eram tidos, em suas respectivas épocas, como actos de loucura, e lembro que Jesus queixava-se dos seus [familiares], como ´escrevem´ os seus seguidores, por o considerarem louco, pois, várias vezes “saíram para o prender, porque diziam: Ele está fora de si” [Marcos, idem]. E foi num acto de total loucura, em leitura mosaica e não de mística esotérica, que Jesus armou a confusão durante o Yom Kippur e


os romanos aproveitaram o evento para prendê-lo e acabar com mais um louco místico, nas ruas de Jerusalém: um acto que não fugiu à óptica das suas profecias escatológicas, mas que diferiu do ideal da mensagem judaico-mosaica que ele queria preservar. A idéia de que o mundo está preste a acabar e que algo d´além virá para nos salvar é tão antiga quanto o tempo da nossa civilização, mas ninguém diz por que é que esse algo d´além não evita as guerras e os ódios e planta a paz... Assim, eu também sou profeta e sou deus. Aliás, eu sempre disse em poemas: eu sou o meu altar e a minha oração. Muitas pessoas dizem que sou um anarquista louco. E daí? Eu sou louco porque vivo a vida que tenho, não a que poderia inventar... E foi por isto que em 1983 percebi as ´razões´ de Hanne e de como o seu tambor íntimo a fez mexer-se na direção do xamanismo após a visita à Sibéria. A carta-crónica de Johanne (gostei do estilo da menina e rimos várias vezes) para o ´pai João´, tantos anos depois, foi como uma batida seca sobre couro curtido e esticado – o eco de uma decisão velha que demorou para ser anunciada. Os tambores d´além que rufam aqui, dentro de nós, são os mesmos que inquietaram todos os profetas ancestrais durante crises de personalidade e visões messiánicas, e se nos velhos tempos egípcio-judaicos foi possível alargar espaços para depois construir outras vias (cristianismo e islamismo), quando já chineses, hindus e gregos, eram a raiz do novo pensamento humano num mundo desconhecido da maioria dos povos, é óbvio que a percepção teológica nessas novas vias levaria a interpretações como a que Paulo gizou para aproveitar uma oportunidade única. Ora, homens-deuses como Sócrates, e o próprio Jesus, foram forçados ao suicídio, então, a via teológica teria que aproveitar a sabedoria filosófica humaníssima para um registo contemporâneo mais adequado aos povos que emergiam principalmente durante a queda do império romano. Afinal, os judeus não estavam sós no mundo, o deus-uno servia a mais povos na Terra redonda, e a humanidade não podia dar-se ao luxo de pensar que só o seu ´tambor´ rufa no Cosmo... A complexidade do nosso pensamento e os ajustes/desajustes que ele exige em situações inusitadas e revestidas de perplexidade, demonstra que nos desconhecemos quase por completo, e que o que foi um doido ontem ressurgiu feito deus, como o que doido hoje é para ser apelidado (ainda bem que é só isso) de anarquista que prega o terrorismo... Pois é, e o que é o acto apocalíptico messiánico senão um acto de terrorismo?!... Que o tambor a rufar no espírito de Hanne a faça feliz, porque isso faz a felicidade da Johanne e do João. Ah, e aí? É difícil entender toda esta loucura? Leia em si as escrituras ditas sagradas e logo entenderá por que o mundo humano é esta lástima bélico-mística que vivemos, ou que nos fazem viver. Novembro de 2007


Anarquia & Luso-Brasilidade Entre os anos 1892 e 1973, anarquistas portugueses fizeram do Brasil um campo libertário que ajudou os brasileiros a se defenderem da mente colonialista, mas a lição foi recíproca.

É tabu. Raramente o tema é foco de conversa política e filosófica. Anarquia não é foco, é o lado filosófico da Verdade Social que as pessoas corporativamente [leia-se: partidos e sindicatos] engajadas nomeiam como caos/desordem, quando o caos/desordem foi e é instalado precisamente pelas políticas partidárias e sindicais sob a égide do caudilhismo ideológico do Poder absoluto, mesmo quando isso é feito sob a capa da democracia eleitoral. Anarquia é tabu para as mentes criminosas. Anarquia é... tudo, menos caos e desordem. As políticas absolutistas do capitalismo selvagem dominam quase que absolutamente a humanidade, e têm como aliado principal o sistema igrejista da imposição teológica: se é preciso criar consumismo para criar riquezas, também é preciso inventar/impor leis divinas para manter o rebanho de escravos nos locais de trabalho. Assim, não existe Poder burguês que não tenha a seu lado a Igreja como parte constitucionalmente aceite, apesar dos mecanismos legais que a separam do governo político... Religiosos de alta patente de igrejas diversas correm o mundo com passaportes diplomáticos de governos que se dizem ´ateus´ e esses religiosos são, diga-se, óptimos mensageiros diplomáticos e, às vezes, policiais. Ora, ora!... Em tal quadro político-administrativo não existe espaço para o igrejista revolucionário, ou ele é místico ou ele é revolucionário. Também, não podemos confundir a pessoa religiosa com a pessoa igrejista, uma vez que nada impede a pessoa de vivenciar os seus momentos íntimos de êxtase, e a pessoa igrejista faz da igreja a sua oficina profissional. Objectualisticamente, a pessoa igrejista é o sacerdote da mentira, e a pessoa em revolução é a sociedade que se liberta de todas as ditaduras. A opção é clara: só está em processo revolucionário quem tem a revolução como arma sociocultural que vai criar a ruptura com as ditaduras e reformar a nação. É o mesmo ideal de quem quotidianamente está na sua profissão e, ao mesmo tempo, exercita actos educacionais para favorecer a entrada de mais adeptos na luta libertadora, mas essa pessoa


não o conseguirá se estiver envolvida nas tramas administrativas de um partido ou de um sindicato. Em pleno Século 19, as lições de Proudhon e de Bakunin originaram, qual Atégina nos campos verdes da velha Irlanda celta, o ressurgir de um ideal ancestral que pairou na Grécia e no Egipto: o desenvolvimento de uma luta intelectual para a organização da sociedade comunitariamente administrada – a Anarquia. Já existia o princípio marxista da revolução proletária, é verdade, mas este descambava para uma ditadura (e vimo-la na URSS como a vemos na China e em Cuba), e era preciso demonstrar que não seria no antro político e administrativo de um partido e de um sindicato a ele engajado que o proletariado iria criar a plataforma ideológica para a democracia: uma ditadura proletária não derruba uma ditadura capitalista, imita-a da pior maneira possível, e os dirigentes político-sindicalistas tomam os cargos dos imperadores para imperarem absolutamente sob o argumento “nós representamos o povo”. O que fizeram os republicanos após derrubarem os monarquistas? Tomaram o mesmo Poder e ainda pagaram indemnizações fabulosas aos antigos senhores. Que seccionamento político é esse que acaba por praticar a mesma bagunça ideológica com bandeira diferente? Naqueles séculos 19 e 20, as teses de Proudhon e de Bakunin caíram sobre as teses de Marx para demonstrarem que a sociedade revolucionária faz a ruptura para criar o Estado Justo que sobrevive com as Comunidades que o constituem e não contra elas. Por essas teses anarquistas surgiram associações proletárias e intelectuais que, desde logo, foram descriminadas pelos marxistas do ideal corporativo e, ainda, sofreram as duras repressões do absolutismo e do marxismo quando este, com os soviéticos e os chineses, ergueram impérios neo-capitalistas sob o hino da internacional comunista. Proudhon, e mais Bakunin do que aquele, experimentou esse isolamento político e ainda enfrentou a retórica marxista-corporativista que nomeava a Anarquia como teoria e prática do Caos. As associações anarquistas de Alexandria foram dizimadas a ferro e fogo pelos cristãos fanáticos, mas a Anarquia sobreviveu, e se assim foi, assim será... Os cristãos travestidos de marxistas-corporativos nos partidos e nos sindicatos soviéticos venceram uma batalha na concepção não-utópica, mas a Revolução Anarquista pertence a um tempo-espaço sem calendário, ela está no foco espiritual da Pessoa que, em Consciência Cívica, repassa o seu saber nas comunidades para que estas, um dia, respondam com a criação do Estado das Comunidades. Isso, porque a tese anarquista só existe em função da Liberdade que projecta a Pessoa amplamente assente socialmente. Esta tese anarquista ecoou mundo fora, e na Península Ibérica conquistou adeptos em diversos níveis sociais que a levaram para as velhas possessões ultramarinas (as colónias) tão absolutamente mal tratadas. Qual foi o tamanho da onda proletária e intelectual que se dirigiu para a África ´lusófona´ e para o Brasil? Estabelecida a tese anarquista em Portugal e em confrontação directa com o posicionamento partidário-sindical soviético dos ´partidos comunistas´ tradicionais, a anarquia lusa avançou principalmente para as regiões brasileiras do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde encontrou as mesmas dificuldades do policiamento capitalista-colonial e o boicote ´comunista´. Falei do Século 19? Isso mesmo. Segundo o historiador luso-brasileiro Edgar Rodrigues, o primeiro anarquista luso a agir no Brasil foi Agostinho Guedes, a partir de 1898, no Rio Grande do Sul, onde, entre várias actividades idealizou e publicou o Echo Operário, jornal que teve a participação editorial quase permanente do grande escritor Guerra Junqueiro, entre outros intelectuais. E na mesma época, segundo o historiador João Barcellos, começou a despontar em São Paulo o homem que iria ser a fonte onde anarquistas, locais e lusos, iriam beber conhecimentos: Neno Vasco. “Ele não foi apenas o anarquista em acção entre proletários e emigrantes na Sampa industrial e ruralista, porque com ele surgiu a possibilidade da discussão pública sobre a literatura lusa, que assustou os académicos de ambos os países, não habituados a exporem ideias [...]. Foi o anarquista Neno Vasco que, em 1902, imaginou aproveitar a grande massa do proletariado gráfico e campesino, luso-judaico e italiano; imaginou e fez: colocou no


prelo O Amigo Do Povo, jornal de portugueses, mas com uma página em italiano para incentivar a malta da velha Roma, como dizia, em torno dos princípios d´Anarquia”. Presume-se que mais de três centenas de activistas anarquistas engrossaram a onda lusa que chegou na África e no Brasil com o propósito, primeiro, de combater a mente colonial[ista] deixada pelos portugueses nas administrações ultramarinas – ao contrário do que ensina a estúpida cartilha Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, famigerado intelectual brasileiro e colonialista –, segundo, para impulsionar as teses anarquistas entre o proletariado emigrado e a intelectualidade.

Proudhon e Bakunin sentir-se-iam lisonjeados com o tamanho da obra lusa e luso-brasileira em prol da Anarquia. E mais se soubesse que essa actividade teve eco mais tarde, enquanto onda de retorno entre os meios anarquistas da Península Ibérica, onde se combatia Franco e Salazar, ditadores fascistas sob as benções do igrejistas sediados no Vaticano. É tabu. É verdade que falar d´Anarquia é tabu. Mas a história demonstra que mesmo assim as teses anarquistas continuam e se desenvolvem no pensamento luso-afro-brasileiro pela certeza de que, um dia, a Sociedade das Comunidades emergirá do pântano ideológico fabricado pela burguesia capitalista-igrejista.


POESIA DIVERSA

“Cresci a ouvir poemas dele. Não por minha mãe, mas pelo meu querido avô paterno, que trabalhou no Porto e em Leixões, na comercialização do famoso Vinho ´espirituoso´ e conhece a Língua lusa tão bem como a Gaélica. Enquanto a minha mãe Hanne aventurou-se (tardiamente) pelo fundamentalismo cristão, eu sigo meu avô e meu pai: prefiro a poesia da Vida e da Liberdade, prefiro ser Eu. Ler e escutar a poesia do meu pai é viver a Vida com a emoção da aventura amorosa que ela oferece, sem deuses nem fins-do-mundo, só ela, a humanidade em si mesma!” Johanne Liffey Dublin, 2012


J. C. Macedo

dogma e sob a luz do além disseram-me: tu és um dogma não acreditei nem quis saber e assim foi durante anos até que um dia e aos dezoito anos ouvi mais uma vez: tu és um dogma e eu olhei a desafiar o além não e não porque recuso a vossa droga e eu sou um eu porque estou além e ninguém vem dizer-me como devo ser um alguém pois vos digo que recuso e destruo todo o dogma - in “Poemas de Mim & do Estar”, Guimarães/Portugal, 1972.


Eu, Liberdade! Ah, eu não nasci para ficar sob prisão. Não aconteci para deixar de ser uma razão! Eu sou animal e sou arte, vim para vos dizer da evolução, mostrar o caminho da liberdade – ser e estar além d´ ilusão! E vós, que ora ouvi e vi, porque nasci, não sereis a minha prisão! – in “EDUCAR É CONSTRUIR UM POEMA QUE RELEMOS TODOS OS DIAS DE FORMA DIFERENTE PELA BELEZA REVELADA”. [Dos vários poemas lidos sob esse tema durante a palestra de Buenos Aires, e nas palestras de Brasília e de Asunción, também em 1987.]

liberdade de ser o eu pensa diz o que deverá estar e ele o é não pelo que é vive no desejo d´estar pelo que em si alimenta transformação d´eu que rebenta amarras na intenção de fabricar aquilo não visto mas que o é


comunidade dizemos de nós tudo o que deve ser lido ego e vaidade mercantil idade o querer sem ciência é lixo fala d´eu e acaba com o nós o uno é todo e é feixe de nós o pensamento vibra no vário sentido cósmico estar sem idade

calendário & avatar o que vai à terra na terra dá frutos entre o sol e a lua climas amenos ou não – é uma roda por cada cultivo eis um ciclo – eis o calendário entre a vida e a morte a ilusão deixa a humanidade nua de filhos em filhos somos nada e terra os hindus dizem-nos d´outro caminho de vida e dos maios sabemos do fim dos tempos e dos celtas e egípcios o mesmo – eis os tempos d´ilusão humana: o velho mito somos nada e terra não o dizemos aos nossos filhos a alma vai nua à nossa imagem vem a ilusão – dizemos do tempo um calendário dividimos tudo menos o ciclo do poder-macho já uma roda com a qual avançamos na destruição – egoísmo: alma seca e crua nela educamos os nossos filhos frutos inocentes à flor da terra


construir das raízes que na rede estão às que no cesto vão o mundo é como a cerâmica e s´entrelaça é e não é foi e será pelo que é a uva pisada é néctar que s´alcança mensagem que vai de mão em mão pensar é estar e ser transformação

eu e a multidão estado d´espírito alma de varas muitas na variação do vento cósmica agitação profundas e vibrantes cores no alento da massa que somos em proporção o mundo em uno grito

divindade que em mim o é claro e escuro tomam a mente como ouro e ferro do morro arrancados no braço um fátuo fogo nos é íntima lamparina do agora já sem passado cânticos faíscam na chama e nos vem o aperto d´alma bem fundo o que feito foi é o mundo legado nest´apoteose em cósmico acerto

profecia um cântico percorre-me solene e leve ouro e escoar na maré baixa o meu olhar é baía e bebe em cada onda que chega como catraia a querer mais e mais solene e leve que a morte é cântico que me move


conquista e insensatez por El Cuyo percebo Mendoza o ciclo de muares novo mundo na transformação que vai de Buenos Ayres à Piratininga dos velhos obreiros lusos e tudo sob o olhar europeu – olhar de velho europeu a dizer não à língua local e sim aos fusos que fazem a rede nativa – olhar a dizer não ao cacique e sim aos luxos do sexo com a bela cativa o olhar europeu é oásis em El Cuyo bebe no Prata a têmpera das riquezas faz no Piabiyu o comércio e em Lisboa e Madrid está um Vaticano a partilhar riquezas e sutilezas oh os altares não o são sem o luxo o novo mundo é terra cativa de Buenos Ayres aos sertões da Piratininga no lombo de muares eis a Europa que não sabe de livres ares


OFICINA POÉTICA A tamanha dimensão humana que me faz estar Mundo sendo Português

“[...] A vivência anarco-esotérica faz-me estudar a Vida pela simbologia que a Pessoa Humana transporta em cada gesto, em cada palavra, e nisso constrói um quotidiano de Vivências em Si e com os Outros! [...]” Guimarães, Barcelos e Gerês. 1982

Creio Em Mim, Português.

Canto 1 [A filmar o Castelo de Guimarães]

Nas velhas ruínas percebi uma glória que, ida..., ind´assim me dizia ser memória a preservar. O que era aquela glória? Em qualquer pedra do castelo está a memória da nação e das gentes que nos são história!

Canto 2 [Onde a Lusa Mulher se mostrou mátria-Nação]

Ouvimos cantar a Mulher d´Aljubarrota e depois a do Minho, que dizem sete na rota que levaria Portugal a ser o que era entre pétalas de rosa! Mas o que ia n´alma dessa Mulher corajosa era só um querer de Portugal em paz formosa!

Canto 3 [Da cruz que os celtas não quiseram para cruciare]


E havia ali uma cruz, que não era a falsa - era quadrada, e no giro se fazia círculo tal dança que a paz gerava para encher de luz a pança! Não era a da tortura. Era símbolo da aliança de quem se amava e disso queria a vida farta!

Canto 4 [Da fabulosa e vera Peregrinaçam que uns querem destruir]

Parte 1ª Ah, meu Escritor das lusas andanças... Quiseram envenenar tu´alma como fizeram com Camões. Quiseram matar a tua Escrita – espelho da vera odisséia de navegar! Já tinham espezinhado Pedro, o benfeitor, e fizeram envenenar o neto João, o príncipe perfeito. Mas tu não serias mais um a prantear...

Parte 2ª

“A minha peregrinaçam é um poetar meu, e eu sou Fernão Mendes Pinto – que a navegar fiz-me História para o meu Povo não s´acabar!” Assim pensaste e fizeste. E agora, o Povo lê a tua aventura de navegar porque nem tudo os feudais ladrões podem d´Ele saquear!...

Canto 5 [É a Vida a única rota, e só!]

Tudo o que eu quero é Ser, não me basta o Estar em que não tenho querer! Não quero privar-me daquilo que em mim deve acontecer... Quero ser como a rosa que se abre e faz prever em noss’alma a Vida que se deve viver!

Canto 6 [Em mim está Portugal, onde quer qu´eu esteja!]

Quando ouso a Vida nela ouço da História o eco do Novo! Sou português pelo que em mim há de Novo – essa mátria e mágica porção d´estar moço!...

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