guia afetivo do [não] centro histórico da Cidade de Goiás

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Nayara Gonçalves guia afetivo do [não] centro histórico da Cidade de Goiás - GO
Nayara Gonçalves guia afetivo do [não] centro histórico da Cidade de Goiás - GO Este projeto foi contemplado pelo edital de chamamento público simplificado Nº 001/2022 – Prêmio do Fundo Municipal de Cultura 2023

apoio

Prefeitura da Cidade de Goiás

Aderson Liberato Gouveia

Zilda Assis Lobo

Secretaria Municipal de Cultura

Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo

Conselho Municipal de Políticas Culturais

realização

Organização / Produção

Nayara Cristina Gonçalves Silva

Orientação

Prof. Dr. João Paulo de Oliveira Huguenin

Encadernação

Catarina Nunes

Lançamento virtual Casarão Cultural Rosinha do Brejo

Lançamento físico

24º Festival Internacional de Cinema e Vídeo

Ambiental

Cidades são coletivas, são aglomerados individuais que interagem entre si. São indivíduos que se deslocam, se enxergam, se cumprimentam, e o modo como realizam essas ações define qual o tipo de cidade. Essa publicação não ambiciona representar a cidade em sua totalidade, nem criar um estereotipo para as áreas representadas ou determinar o que tem valor artístico ou cultural. Se trata apenas de uma gentil homenagem a essa cidade que soube cativar meus afetos.

“Eu peço a benção e peço licença à minha mãe, à mãe de minha mãe e à mãe dela. Eu peço a benção e peço licença à cada mulher que veio antes de mim e, hoje, se vale do bater do meu coração pra doar seu amor a cada filho que caminha nesse chão...”

Apresentação................................................................................01 Se situa............................................................................................03 Me deixe te contar mais sobre o que não me contaram a respeito dessa cidade..............................................................................................07 Os limites que não há................................................................09 Agradecimentos...........................................................................36 sumário

apresent

O fruto que represento teve sua semente plantada nessa terra vilaboense à quatro gerações. A mãe de minha mãe plantou nesse chão a mãe dela, e hoje, a artista e arquiteta-urbanista que sou, rompeu seus gomos nessas pedras para lançar também suas próprias sementes. Em vida, minha avó contava histórias de quando ela viveu em Goiás, dizia que conheceu Maria Grampinho, que morava perto da Praça da Manchorra e que em frente à casa dela tinha um pequizeiro. Pelo nível do poder aquisitivo da minha família materna não existem registros fotográficos desses fatos. Ainda hoje, não consigo identificar um pequizeiro se ele não estiver carregado de frutos, mas sei que em frente à casa da minha avó, no famigerado “Chupa-Osso”, tinha um pé de pequi. As memórias externalizadas oralmente pela minha avó, mesmo que inconscientemente, enlaçaram a minha relação com a Arquitetura e Urbanismo e fortaleceram minha busca por um planejamento afetivo

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ação

e empático, que considere a relação das pessoas com o lugar, que considere o pertencimento e a representatividade de sujeitos que são gerados pelas cidades, mas que nem sempre os deseja, como a minha avó, cabocla mais preta que indígena, que pariu doze filhos e os sustentava como podia nos intervalos em que sofria as agressões do marido. Foram trajetórias de pesquisas que sempre me faziam sentir o peso de um planejamento no momento em que era necessário lidar com decisões que iam de encontro à justificativas e motivações meramente topofílicas, de elos emocionais com os espaços. E tudo o que essas relações tinham como defesa era o poder da memória e da oralidade. Depois de perceber o tamanho da perda de história que se foi com a ela, entendi a importância de ouvir e recontar, e desde então me proponho a fazer isso me valendo da arquitetura e do urbanismo.

Essa publicação é resultado do material produzido para o trabalho de conclusão de curso, apresentado em 2022, para obtenção do título de bacharela em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Goiás, campus Goiás. Nesse, que foi um trabalho teórico-metodológico, foram utilizadas produções de desenhos para análises de áreas da cidade situadas fora do perímetro de tombamento do centro histórico. O motivo disso foi a decisão de visibilizar e reconhecer a cidade que é vivida e diariamente construída e reconstruída através dos fluxos pendulares de sujeitos que não estão nas prefeituras, nas universidades, nas associações e movimentos sociais, mas estão nas ruas, calçadas, supermercados, escolas, que se deslocam a pé ou em coletivos, que conhecem os becos, atalhos e trieiros que são estreitos demais para caber uma universidade ou aparecer nos mapas da prefeitura. O que pude espreitar durante esse processo, e que ainda espreito, será apresentado nas páginas seguintes dessa publicação. Pode entrar, aqui também é patrimônio.

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se situa

Era uma vez um pedaço de terra, trilhado e pisoteado pelos Goyazes, situado bem no canto de baixo da microrregião do Rio Vermelho, avistado pelo lado nordeste do mapa do Estado de Goiás. Foi nessas bandas de cá, esquina do Rio Bugre com o Rio Vermelho, onde o diabo velho fincou sua bandeira e fez a terra sangrar atrás de ouro, de pedra e de sangue. Dizem que boa parte disso ele encontrou, mas se perdeu de tal modo que até hoje ninguém sabe onde a carcaça do diabo velho deitou, e se sabe, não assume.

Nesse pedaço de chão, nas margens do Rio Vermelho, onde se criou o Arraial de Sant’Anna que depois de todos os seus processos e toponímias chegou à Cidade de Goiás, as casas foram enfileiradas, ombro a ombro, formando uma muralha, encruzilhada com o rio. Rio esse que se tornou divisor e conector, ponte e muro, marcou o lado de lá e o lado de cá.

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De Arraial de Sant’Anna a Vila Boa de Goiás até Goiás Velho depois que a capital, embarcando em uma jardineira, pegou sua corte e se foi, deixando para trás uma cidade colonial bem tradicional, de pessoas arraigadas em costumes coloniais e bem tradicionais, que se valeu da tradição para esconder seus pecados, para disfarçar seus monstros, encobrir seus crimes. Até que um dia, o mundo inteiro a viu. Olhou para ela e reconheceu seu patrimônio histórico e arquitetônico, sua arte, seu patrimônio material, seu conjunto arquitetônico luso-brasileiro fora de Portugal. Reconheceu Cora Coralina, Hugo de Carvalho Ramos, Goiandira do Couto, reconheceu os Caiados, os Curado e os Fleury. Reconheceu José Joaquim da Veiga Vale, que não era vilaboense mas se casou com a filha do governador. Acolheu Marcelo Solá. Com muito custo reconheceu Octo Marques.

Reconheceu a Semana Santa, a Procissão do Fogaréu. Mas ainda não prestou o merecido reconhecimento à Leodegária de Jesus, Maria Grampinho, Rosa Gomes ou Maria Macaca, não reconheceu Dona Xica nem a Abadiinha. O reconhecimento a marcou como uma cidade que não podia mais mudar, mas que na memória de minha avó vivia mudando. Uma cidade para a qual eu olho e a vejo sacudir suas beiradas, se estender, se contorcer, tentar alcançar não os extremos, mas o centro. Vejo uma cidade que cresce sendo empurrada para fora enquanto tenta se agarrar ao meio. E aqueles que estão longe desse movimento, nos distritos e assentamentos, olham para isso e não se reconhecem, “lá na cidade...” é como se referenciam, como se eles próprios não compusessem essa cidade.

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Essa é a história que vi encobrirem, entre os contos da cidade que são contados a quem não é daqui, nos seis anos em que pisei essas pedras, subi esses morros, bebi dessa água e chorei nesse chão. A vi correr sorrateira entre os moleques nas ruas estreitas do setor aeroporto, se perder nas ladeiras do setor rio vermelho, se confundir e se misturar na multidão e no barulho do setor João Francisco. Mas, assim como Cora e Goiandira, cada cidadão vilaboense, de título ou não, tem uma história para contar. A de minha avó era aquela com o pé de pequi na porta de casa, no alto do “Chupa-Osso”. História que ajudou a construir os alicerces da cidade e que constrói ainda hoje, como um organismo vivo que segue se desenvolvendo para além do centro histórico, patrimônio da humanidade.

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me deixe te contar mais sobre o que [não] me contaram a respeito dessa cidade...

A Cidade de Goiás, objeto de estudo deste trabalho, possui uma configuração urbana básica composta por um centro histórico, um centro comercial, periferias pertencentes ao tecido urbano e periferias desconectadas completamente desse tecido situadas nas áreas dos distritos, cada uma tendo seu nível de prioridade de atendimento por parte do poder público municipal. Nessa publicação, não entraremos na conceituação e discussão sobre as áreas rurais, assentamentos e distritos do município, mas trataremos e retrataremos as periferias, essas cantos que abraçam a cidade .

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Os limites que [não] há

O que Goiás casas, conjunto equipamentos perímetro característicos simulam para mais aviso começa poste essa por pelas setor

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Mapa representativo dos limites entre os setores históricos, Vila São Vicente e setor Rio Vermelho, na Cidade

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de Goiás.

Distribuidora de bebidas no final da rua 15, praça da mangueira, Cidade de Goiás – GO.

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Conjunto arquitetônico em torno da praça da mangueira, rua 15, Cidade de Goiás – GO.

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Praça da mangueira, rua 15, Cidade de Goiás – GO.

Em memória de Abadi’inha, moradora da Cidade de Goiás.

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Praça do Asilo, Vila São Vicente, Cidade de Goiás – GO.
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Noite vilaboense, rua São Paulo, Cidade de Goiás.
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Praça do Morro do Macaco Molhado (Praça Araguary), Cidade de Goiás – GO.
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Rotatória do Prata, Cidade de Goiás.

Mapa representativo dos limites entre os setores

Rio Vermelho e setor aeroporto, Cidade de Goiás.

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Paneleira do setor Rio Vermelho, Cidade de Goiás.
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setor Rio Vermelho, Cidade de Goiás.
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Casa do setor aeroporto, Cidade de Goiás – GO.
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Mapa representativo do setor João Francisco (parcial), Cidade de Goiás.

Hospital Brasil Ramos Caiado, setor João

Francisco, Cidade de Goiás.

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Rotatória do Souza, Cidade de Goiás.
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Rua da Lama, setor João Francisco, Cidade de Goiás.
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Praça do setor João Francisco, Cidade de Goiás.
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Feira no setor João Francisco, Cidade de Goiás.
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Igreja Assembleia de Deus no setor João Francisco, Cidade de Goiás. Moradora do setor João Francisco, Cidade de Goiás.
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Grupo de pilates, praça nova do setor aeroporto, Cidade de Goiás.

“Qualquer trabalho que se refira a espacialidade humana deve referir-se à memória”. Holzer (2000, p.111)

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O que é coletivo não pode ser construído individualmente. É necessário entender e combinar os processos de cada gente envolvida na construção. E, por tudo isso, se fazem necessário muitos agradecimentos.

À minha mãe e as mulheres que nos gestaram até chegar a minha vez de estar nesse mundo e poder caminhar entre meus pares;

Ao meus professores que orientaram, cada um a sua maneira, a pesquisa que estruturou esse trabalho, Prof. Dr. João Paulo Oliveira Huguenin e Profª Drª Luciana Helena Alves da Silva;

Aos amigos que acreditaram muito mais que eu e foram sustentação em cada uma das etapas;

À Cidade de Goiás por me permitir imergir em suas sutilezas;

À Prefeitura Municipal pela responsabilidade e organização na gestão e repasse financeiro destinado à cultura, através das leis de incentivo;

Ao conselho municipal de cultura da Cidade de Goiás pelo engajado trabalho de representação e luta pelos trabalhadores da cultura no município.

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obrigada

Dondoca Ateliê Visual @dondoca_illustra

Este projeto foi contemplado pelo edital de chamamento público simplificado Nº 001/2022 Prêmio do Fundo Municipal de Cultura

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