Uma história dos trabalhadores nos frigoríficos: regimes fabris e vilas operárias

Page 140

toda a região, mas muitas vezes a distância de locomoção dos trabalhadores não vale à pena. Vamos ajudar a Copagril neste problema e consequentemente colaborar com toda a população.

É uma tarefa inglória presumir o nexo pretendido pelo prefeito ao prometer ajuda a Copagril “e consequentemente colaborar com toda a população”. Afora isso, sabe-se que a prefeitura pavimentou uma ciclovia que segue paralela à principal avenida da cidade até as instalações do frigorífico. Esta pode ter sido a ajuda imaginada pelo prefeito, embora toda essa disposição em contribuir com o capital instalado na região pode não ser suficiente para mobilizar e convencer trabalhadores a empregarem-se no frigorífico da cidade. Sem recursos aparentes para conter a escassez de trabalhadores um dos gerentes do frigorífico revela, com singular naturalidade, a arquitetura de um plano B: [...] gostaríamos que toda a mão-de-obra fosse daqui de Marechal. Isso não encareceria os custos né?. [...] Nossa preferência é a mão-de-obra aqui de Marechal. Mas a gente sabe que é impossível a gente suprir a demanda que nós temos hoje. [...] A tendência é daqui a cinco anos automatizar todo... não todo o processo, mas uma parte. A gente viu que não existia mais a possibilidade da mão-de-obra aqui de Marechal né?. (grifo meu)

Retorno pela última vez a Camila. Releio sua entrevista e penso agora que ela não está em melhor posição do que Divino. Quando ele vendia suas galinhas caipiras expressava um modo de vida e de trabalho prenhe de sentido, embora considerado simples e humilde. Na pequena chácara onde plantava hortaliça e criava galinhas, Divino se via integrado de uma maneira ativa e visceral com seu trabalho. Não raras vezes seu mundo foi julgado como rude e atrasado. Mas ele levava a vida como podia, mergulhado em relações de forças que estabilizavam aquele mundo claramente em favor das classes dominantes. Hoje eu entendo que ele forçava algumas frestas naquelas relações para tentar impor-se como trabalhador, pai de família, homem honesto, honrado, de boa cepa. Sua clientela não comprava dele apenas o frango caipira. Aquela relação de troca costumava transbordar o valor mercantil, envolvendo conversas, interesse (nem sempre real) sobre a vida alheia, um sentimento de que ambos eram familiares. Esse tipo de valor afetivo endossava sua existência. É claro que sociólogos, antropólogos e historiadores menos vulneráveis às experiências da classe trabalhadora poderão me advertir mostrando que deveríamos interpretar o caráter de Divino como um papel prescrito, não só tolerado, porém esperado pelos dominantes. Também é preciso reter que o sentimento de viver numa comunidade pode disfarçar a dominação ou torná-la mais palatável. Tudo isso é igualmente verdadeiro. Mas o que não se pode negar é que a vida de Divino dependia menos do capital do que dependem hoje as vidas de graxains, avicultores e aqueles que trabalham no frigorífico. Divino tinha mais a perder do que trabalhadores como Camila.

3. Os domínios da cadeia avícola no trabalho e na moradia dos trabalhadores Uma das características interessantes na cadeia avícola no Brasil (com paralelo nos Estados Unidos) é a extensão de seu domínio sobre vilas, distritos, pequenas cidades e

139


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Uma história dos trabalhadores nos frigoríficos: regimes fabris e vilas operárias by Carlos Lucena - Issuu