Revista LaCreme 06

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EDITORIAL/

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Um ano, mas sem ufanismo

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ma entre as muitas diferenças que caracterizam a investigação histórica feita por pesquisadores tradicionais e contemporâneos é a importância, o peso, emprestado às efemérides. Para início de conversa, vale questionar o uso deste substantivo desde o seu valor estético. É, convenhamos, uma palavrinha feia que remete a situações desgastadas. Para boa parte dos historiadores pertencentes ao segundo grupo, efemérides são fundamentais para legitimar intenções variadas. A ferramenta é a espetacularização, quase sempre manipulada com requintes ufanistas. Quer obter boas pistas a respeito da realidade, para valer, relacionada com uma situação realçada por um grupo qualquer? Identifique a(s) parte(s) sem voz, calada(s) com maior ou menor intensidade de força. Os bandeirantes são heróis? Mas, e as populações indígenas dizimadas por eles? *** Com esta sexta edição, a LACRÈME completa seu primeiro aniversário, uma efeméride. Faremos, claro, nossa discreta celebração interna. O interesse maior, contudo, é a manutenção dos procedimentos que têm apresentado resultados comprometidos com a qualidade editorial e gráfica da revista. É de nosso proveito, também, permanecermos atentos aos motivos que provocam desvios, erros, equívocos... Desejamos vida longa para a revista, mas sem esquecer que essa continuidade é dependente. É quando entram em cena os senhores, nossos leitores/fruidores, o fim que pretendemos atingir por este meio, esta mídia. A LACRÈME 6 estampa na capa uma das imagens que ilustram a reportagem sobre a abertura da temporada 2011 de voo livre, modalidade que pontua de cor e movimento a paisagem e o cotidiano da cidade e da região a partir de agora. Cor, paisagem e cotidiano também servem para destacar o início de uma colaboração especial na revista: a do escritor e jornalista Chico Lopes, na coluna VERVE. Mais LACRÈME 6: a faceta artística do fotojornalista Nário Barbosa, o naïf autêntico de Sadi Souza, o novo espetáculo do Rasgacêro, a destinação (ainda inadequada) do lixo produzido em Poços de Caldas, as atrações da agenda cultural (tem Badi Assad em julho), Fabio Riemenschneider falando sobre a possibilidade (?) de praticar a psicologia pela internet... Ricardo Ditchun e Valéria Cabrera, editores


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Foto: Fabiano Barbosa

Celebração da liberdade feminina. Madame Bovary, de Gustave Flaubert, é mais do que apenas um romance: é uma genial constatação da tendência feminina à liberdade. A personagem principal, Emma Bovary, é tida como transgressora da moral francesa do século XIX. Diferente do padrão feminino da época, Bovary não é uma princesa romântica, frágil e indefesa, presa numa torre à espera de um príncipe encantado. Ao contrário, é uma mulher cheia de desejos e que vai em busca de satisfazê-los, no tempo em que o desejo era restrito ao universo masculino. M.Bovary é exclusivo para pessoas como Emma. Uma coleção de lingeries para experimentar e viver o Estilo, o Gosto e a Estética da liberdade.


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/ENTREVISTA: Maria Lúcia Mosconi

Iniciar obra do Centro de Convenções é

minha prioridade

Afirmação é da nova secretária de Turismo e Cultura de Poços de Caldas, Maria Lúcia Mosconi, que volta depois de cinco meses afastada da Administração

texto Valéria Cabrera foto Gabriela Virgínia

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inte meses é o tempo que Maria Lúcia Mosconi, nova secretária de Turismo e Cultura de Poços de Caldas, tem para implementar projetos considerados prioritários para o desenvolvimento do turismo no município. Entre eles está o início da construção do Centro de Convenções, a regulamentação do uso do Palace Casino e a inclusão de Poços de Caldas na programação da Casa de Minas Gerais, na capital paulista. Desde 1º de maio no cargo, depois de cinco meses afastada da Administração por motivo de saúde, Maria Lúcia conversou com a reportagem da LACRÈME. Abaixo, os principais trechos:

LACRÈME – A senhora deixou a pasta de Serviços Públicos no fim do ano passado. Qual o motivo do afastamento e por que retornou agora? MARIA LÚCIA MOSCONI – O afastamento ocorreu em novembro do ano passado por motivo de saúde. Recuperei-me e o prefeito (Paulo César Silva) me convidou para ocupar o cargo de secretária de Turismo e Cultura. Como gosto muito da atividade político-administrativa, por causa da minha militância e do trabalho do meu marido (Carlos Mosconi, deputado estadual ), resolvi aceitar. Também achei que tinha uma dívida com a população da cidade, já que no ano passado recebi o título de cidadã poços-caldense (Maria Lúcia é natural de Espírito Santo do Pinhal ). Por isso resolvi voltar à Administração e trabalhar pela cidade. LACRÈME – Desde sua posse, no dia 1º de maio, até o fim deste mandato, serão 20 meses de trabalho à frente da Secretaria de Turismo e Cultura. Quais são suas prioridades? MARIA LÚCIA – A mais imediata é conseguir incluir Poços de Caldas na programação da Casa de Minas, em São Paulo, para que a cidade possa divulgar suas atrações turísticas e também culturais. Também quero regulamentar o uso do Palace Casino, que deve ser entregue restaurado até o fim deste ano. Isso para que, mesmo com possíveis mudanças na Administração, o prédio continue preservado. É necessário ter regras para que o patrimônio seja manti-

do por gerações. Mas minha principal prioridade é tornar realidade o Centro de Convenções de Poços de Caldas.

LACRÈME – Como está o processo da construção do Centro de Convenções? Já existe verba para isso? MARIA LÚCIA – O projeto está pronto, pois é padrão para a instalação de um Expominas, já existente em outras cidades do Estado. Existe a promessa do governo do Estado para a liberação da verba necessária. Falta então definir a área que irá abrigar o equipamento. A Prefeitura já desapropriou um terreno. Há alguns impasses quanto à construção nessa área, mas acredito que ainda este ano tudo esteja resolvido. LACRÈME – O que muda para a cidade com um Centro de Convenções? MARIA LÚCIA – Muda tudo. Existem congressos e feiras que não vêm para Poços de Caldas porque a cidade não dispõe de um local adequado. Só para citar um exemplo, quando respondi pela pasta do Turismo na gestão anterior, havia a possibilidade de trazer a Aviestur (Feira de Agentes de Viagens e Turismo) para a cidade, mas não havia um espaço grande suficiente para receber o encontro. Hoje essa feira ocorre em Campos do Jordão. Com o Centro, poderemos trazer grandes eventos para a cidade e, consequentemente, criar novas vagas de trabalho e incrementar nosso comércio. LACRÈME – A cidade está preparada para receber esse possível aumento de turistas? MARIA LÚCIA – Em parte sim. Mas ainda temos que nos preparar para esse incremento do setor. Vou me reunir com todo o trade turístico da cidade para discutirmos diversas situações, como, por exemplo, a qualificação de mão-de-obra. Acredito que a construção do Centro de Convenções possa trazer ainda novos empreendimentos hoteleiros. Hoje existem 8 mil leitos na cidade e acredito que o crescimento já é viável. E quem ganhará serão os turistas, pois os hotéis que existem hoje terão de se modernizar para enfrentar a concorrência.


ENTREVISTA: Maria Lúcia Mosconi/ · A secretária de Turismo e Cultura: “Quero regulamentar o uso do Palace Casino”

LACRÈME – Na gestão anterior, a senhora comandou a Secretaria de Turismo, quando a pasta tratava apenas da área. Hoje abrange também Cultura. Qual sua opinião sobre essa junção? E também sobre o projeto de criação da uma fundação para gerir a cultura na cidade? MARIA LÚCIA – Acredito que as duas áreas (Turismo e Cultura) podem se complementar perfeitamente. A cultura é uma ferramenta importante para o turismo. As duas não podem andar separadamente. Apesar disso, sou a favor da criação de uma fundação, pois terá mais mobilidade. A burocracia é bem menor para colocar os projetos em prática. Mas acredito ainda que não adianta fazer bons projetos e submetê-los em leis de incentivo estadual e federal se não tiver investidores interessados. Temos de ter parceiros. LACRÈME – E como arrumar esses parceiros? MARIA LÚCIA – O momento é de impulsionar o Convention Bureau de Poços de Caldas, que já existe, mas não está funcionando como deveria. Trata-se de um órgão independente, que reúne empresários que de alguma forma lidam com turismo, e tem a função de captar eventos. Já tenho uma reunião agendada com o órgão para discutirmos como o poder público pode ajudar. LACRÈME – E como estão outros projetos na área de Cultura? MARIA LÚCIA – Sou franca. Não sei muito da parte da Cultura. Ainda estou tomando conhecimento da área, pois nunca trabalhei com nesse segmento. Mas a diretora de Cultura, Cristiane Fernandes, está no cargo há algum tempo e é a pessoa perfeita para comandar o departamento. LACRÈME – Muda alguma coisa na programação já divulgada para este ano, como a Sinfonia das Águas ou o JulhoFest? MARIA LÚCIA – Não. Em comparação com o ano passado, a única novidade é em relação à Festa UAI, que em 2010 foi realizada durante quatro dias e neste ano serão cinco. Mas isso já estava definido antes da minha posse. A programação do JulhoFest está sendo finalizada. Não temos muitos recursos para o festival, mas vamos fazer uma grande festa. ◄

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/SULFUROSOS DA GEMA · Felipe (e) e Diego no ateliê que funciona na garagem da casa em que moram; na página ao lado, detalhes de móbiles, pintura e xales

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FELIPE e DIEGO SOLIA LEITE/

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Sensibilidade em todos os sentidos texto Valéria Cabrera fotos Gabriela Virgínia

É

difícil encontrar um poços-caldense que não conheça os irmãos Felipe e Diego Solia Leite. Deficientes auditivos desde o nascimento, eles se destacam pelo trabalho que realizam e que vendem na Expo Arte de Rua, uma feira realizada aos sábados e domingos ao redor das Thermas Antônio Carlos, onde vários artistas plásticos e artesãos

da cidade expõem. Tudo começou há nove anos. A necessidade financeira fez com que a família Solia pusesse a criatividade em primeiro plano. Felipe, 27 anos, foi o primeiro a encarar o mundo das artes plásticas. Aprendeu a dar as primeiras pinceladas em uma marcenaria, trabalhando com madeira. Depois passou para as telas, com uma técnica que mistura textura, massa e tinta acrílica. Não parou mais. Ao perceber que o trabalho precisava ser diversificado, com peças de menor valor, e ainda incluir Diego no processo, Elza, a mãe, teve a ideia de confeccionar objetos em feltro. E foi um sucesso, tanto entre os clientes quanto

na família. Diego, 28 anos, diz que sente orgulho das peças que produz com a mãe como companheira. São xales, móbiles, colares, cabideiros, traves para portas, imãs de geladeira. Tudo feito com muito capricho, bom gosto e, claro, muita sensibilidade. Além da feirinha, como é conhecida a Expo Arte de Rua, Felipe e Diego têm peças em lojas de decoração de Poços de Caldas, Belo Horizonte e de cidades do interior de São Paulo, como Campinas, São Carlos e Sorocaba. “Trabalhamos ainda com arquitetos, que encomendam quadros para o Felipe”, conta Elza, orgulhosa com o sucesso dos filhos. Na cidade, a clientela se divide entre moradores da cidade e turistas. Há peças para todos os bolsos, com preços que partem de R$ 4 (um imã de geladeira). Para Elza, a deficiência dos irmãos, que nasceram com uma doença congênita (nervo auditivo atrofiado), não atrapalha nem beneficia o trabalho. “Mas já chegaram a perguntar se era estratégia de marketing”, conta. A família de artistas se completa com o irmão mais velho, Adriano, 30 anos, que trabalha com restauração.◄


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/ESPORTE

· Preparativo de voo na rampa de Poços de Caldas


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No ar,

a temporada de voo livre


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/ESPORTE

texto Valéria Cabrera fotos Andréa Alcântara e Andrei Marani

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s céus do Brasil estão mais coloridos, pois está aberta a temporada de voo livre. Apesar de o país ser conhecido como o Hawaí do voo livre entre os adeptos do esporte, já que é possível voar durante todo o ano, é entre o inverno e a primavera que as condições climáticas são ideais: chove pouco e os ventos são moderados. Poços de Caldas entrou no roteiro mundial do parapente (denominação em francês) ou paraglider (em inglês) no ano passado, quando sediou a primeira etapa da Copa Mundial de Paraglider, a única a ser realizada na América do Sul. Mas a Rampa do Baiano, na Serra de São Domingos, já era bem conhecida dos brasileiros. Existente há mais de 35 anos, recebe esportistas de todo país, principalmente de São Paulo, capital e interior, e de cidades do Sul de Minas Gerais. Este ano, a cidade sediará a última etapa do Campeonato Sul Mineiro de Parapente, nos dias 30 e 31 de julho, competição que reúne os melhores do país na categoria. A rampa de Poços de Caldas pode ser usada por pilotos habilitados e também por quem deseja apenas experimentar um pouco da emoção que a modalidade proporciona. Os voos duplos são realizados na cidade por cinco instrutores. Um deles é Luis Gustavo Borges, 30 anos, mais conhecido como Gancho. O esportista explica que são realizados de 50 a 60 voos em um único fim de semana. “Vem muita gente de São Paulo para voar, e também das cidades vizinhas”, conta. Um voo duplo sai por R$ 120 e pode durar entre cinco e 15 minutos, dependendo das condições meteorológicas. Quem gostar do esporte e quiser praticá-lo pode fazer um curso que dura, em média, 15 aulas e custa R$ 1,5 mil. O investimento em um equipamento novo é de R$ 8 mil – um usado sai por R$ 4,5 mil, aproximadamente. O salto é liberado para maiores de 16 anos. A rampa poços-caldense tem duas faces: a Norte, com 690 metros de desnível, e a Sul, sobre a cidade, com 500 metros. O pouso na face Norte ocorre em uma fazenda e, na Sul, em um terreno particular na Avenida João Pinheiro. Não é permitido voar sobre a cidade, uma medida de segurança que protege tanto os esportistas quanto a população.


ESPORTE/

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Onde voar Poços de Caldas

Altitude: 1.300 metros Desnível: 690 metros (Norte) e 500 metros (Sul)

Pedra do Coração (Caldas) Altitude: 1.300 metros Desnível: não informado

Pico do Gavião (divisa Andradas/Água da Prata) Altitude: 1.663 metros Desnível: 700 metros

Congonhal Altitude: 1.400 metros Desnível: 530 metros · O voo duplo é a opção para quem deseja conhecer as sensações proporcionadas pelo esporte; na página ao lado, a beleza de um voo no fim de tarde

Santa Rita do Sapucaí Altitude: 1.400 metros Desnível: 470 metros


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/ESPORTE

· Andrei fotografou seus pés durante um de seus voos


ESPORTE/

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‘Voar é viver’

por Andrei Marani*

Um dia sentei na borda daquela rampa e fiquei olhando algumas pessoas, que hoje são meus amigos, a voar. Ficava pensando: ‘O que será que eles sentem?’ Eu via aqueles equipamentos coloridos, roupas legais, um linguajar diferente e, o mais fantástico, o sorriso mágico estampado no rosto. Desejei esse sorriso. Já havia conhecido algumas pessoas do grupo. Perguntei a um deles, que depois foi meu professor, sobre o voo livre. Bastaram algumas palavras para que eu não tivesse mais dúvidas: era isso que eu queria experimentar! Foram longos três meses de aula e muita ansiedade. Minha formatura ocorreu em um sábado de outono, num dia perfeito para a prática do voo livre. A rampa estava lotada, da mesma forma como eu estava tomado pela adrenalina. Pernas bambas, coração a mil. Após as últimas instruções, voei. Inflei a vela, que parou exatamente sobre minha cabeça. Conferi tudo e disparei. Corri muito e não hesitei. Quando dei por mim, meus pés já estavam sobre o vazio da rampa. Ouvi os amigos que gritavam como águias, o grito típico para as formaturas. A rampa foi tomada por uma alegria imensa. Depois de tirar os pés do chão, vi o céu se abrir de uma forma diferente. Tudo ficou grande, imenso, firme, mágico... Somente quem voa é capaz de entender de fato o que estou tentando descrever. Trata-se de uma mistura de sentidos, mas todos bem afinados. Não sei mais viver sem o voo livre, sem essa sensação, sem meus amigos, sem estar ali e ver e sentir tudo aquilo de lindo. Voar modifica o modo como a pessoa percebe a vida: tudo parece ser mais intenso. Voar é viciante, como se fosse a droga mais forte do mundo, mas sem os males que elas causam, como cadeia, loucura e, até, a morte. O voo livre é diferente: ele nunca acaba, promove o crescimento e nos faz encarar a vida com outros olhos, os olhos da alma. Agora sei exatamente o que significa sentar na borda da rampa; agora entendo os sorrisos de meus companheiros de voo. Voar é viver. Nunca mais vou conseguir olhar para o céu do jeito que olhava antes.

*Andrei Marani é comerciante, arquiteto e voa há um ano.

Baiano, o pioneiro

Paulo Sérgio Trevisan, o Baiano, é o pioneiro do voo livre em Poços de Caldas. Começou a voar de asa-delta do alto da Serra de São Domingos em 1974, do ponto onde hoje se encontra a rampa oficial. Na época, um barranco formado por uma antiga pedreira servia de rampa de decolagem. A novidade atraiu outros apaixonados pelo voo e, em 1993, Assad Aun Neto e Luiz Pasquale introduziram o paraglider na cidade. A primeira rampa, na face Norte da Serra de São Domingos, foi construída no começo da década de 1990. Feita de concreto, era exclusiva para asa-delta. Foi demolida em 1996, sendo construída outra em seu lugar, maior e revestida de asfalto, com área de 800 metros quadrados. Seis anos mais tarde, em 2002, a rampa foi ampliada para 2.280 metros quadrados, para abrigar uma das etapas do Campeonato Brasileiro de Parapente. (Com informações do site do Clube Poços-Caldense de Voo Livre)


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/GASTRONOMIA

O frio chegou. Que bom!

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ão tem jeito: quando chega o frio, as cozinhas – de nossas casas, restaurantes, cafeterias, bistrôs e bufês – roubam a cena. É delas que partem delícias capazes de aquecer o corpo e as relações. Assim, para celebrar o inverno, a LACRÈME pediu duas sugestões para Mariana Donato, chef do Zimbro Gastronomia, de Poços de Caldas. Gentil, ela caprichou: um creme que reitera a sempre notável combinação entre a pera e os queijos em geral (no caso, um Gruyère) e, para a sobremesa, um suflê que surge como releitura elegante do clássico queijo com goiabada, notório em Minas Gerais, mas de origem remota, búlgara.

Creme de peras com queijo Gruyère Ingredientes 6 peras sem cascas e sem miolo 1 litro de caldo de frango 1 colher (sopa) de manteiga 1 talo de salsão ralado 300 ml de creme de leite fresco 200 gr de queijo Gruyère 1 colher (sopa) de amido de milho 100 ml de leite integral Sal a gosto Pão sírio (para torradas)

Modo de preparo Em uma panela preaquecida coloque a manteiga e o salsão ralado. Refogue bem e acrescente as peras cortadas de modo grosseiro. Junte parte do caldo de frango e deixe as peras cozinharem até amolecer. Bata tudo no liquidificador e, em seguida, passe esse purê pela peneira. Leve novamente ao fogo e acrescente o restante do caldo de frango, o creme de leite fresco e o queijo. Deixe cozinhar. Quando ferver junte o amido de milho diluído no leite e acrescente na sopa. Cozinhe até obter uma textura cremosa. Desligue o fogo, junte o sal e mexa. Ponha queijo Gruyère ralado no fundo da cumbuca e adicione o creme de pera fervendo por cima. Sirva com torradas.

Modo de preparo das torradas Corte o pão sírio com uma tesoura em tiras ou em triângulos. Coloque em uma assadeira e regue com um fio de azeite. Caso queira, acrescente alguma erva seca e uma pitada de sal. Leve ao forno preaquecido até dourar. Sirva com o creme.


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Suflê de goiabada com calda quente de Catupiry Ingredientes (suflê) 6 claras em neve 1 colher (sopa) açúcar 1 xícara e meia (chá) de goiabada mole (jam de goiabada) Meia xícara (chá) de água

Modo de preparo Junte a goiabada com a água até a mistura ficar homogênea. Reserve. Bata as claras em neve, adicione o açúcar e continue a bater. Quando a mistura ficar com picos firmes junte a goiabada e as claras. Faça isso com cuidado, movendo a colher de baixo para cima. Unte com manteiga forminhas que possam ser levadas ao forno. Polvilhe-as com açúcar. Adicione o suflê e leve ao forno a 180 graus por 15 minutos ou até ficar dourado e firme. Sirva em seguida com a calda de Catupiry.

Ingredientes (calda) 2 colheres de Catupiry 1 xicara e meia (chá) de creme de leite fresco

Modo de preparo Misture o Catupiry e o creme de leite em uma panela e ponha para ferver. Quando a mistura estiver homogênea desligue o fogo. Ponha a calda em um recipiente separado do suflê. Servir quente sobre o suflê.◄


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/HORA DO CAFÉ

Jovens descobrem

o café

texto Valéria Cabrera fotos Gabriela / Divulgação

O

café está conquistando os jovens. É isso o que aponta a mais recente pesquisa Tendências de Consumo de Café, que é realizada anualmente desde 2003 pela Abic (Associação Brasileira da Indústria do Café) com apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. De acordo com o estudo, entre 2003 e 2010, o percentual de pessoas que declararam ter o café entre as bebidas habituais e que o haviam consumido no dia anterior e no dia da pesquisa aumentou de 85% para 91% na faixa dos 15 aos 19 anos; de 83% para 90% na faixa dos 20 aos 26 anos; de 86% para 94% na faixa dos 27 aos 35 anos e acima dos 36 anos, de 96% para 98%. Entre os motivos para esse crescimento, segundo análise da Abic, está a divulgação de estudos científicos sobre os benefícios do café para a saúde, se consumido diariamente e em doses moderadas: três a quatro xícaras por dia. O crescimento das cafeterias no país, que oferecem grande variedade de blends e receitas que combinam o café com outros produtos também colaborou para atrair consumidores mais jovens, avalia a Abic. A pesquisa mostra que o café coado ou filtrado, puro e sem leite, é preferido em todos os momentos do dia. Logo ao acordar, 55% dos entrevistados afirmaram tomar café puro. O produto também é o preferido por 86% no período da manhã, 91% após o almoço, 57% à tarde e 71% após o jantar. Já o café expresso é consumido puro por 100% das pessoas ouvidas após as refeições, almoço e jantar. No café da manhã, 87% dos entrevistados afirmam que tomam a bebida pura. Apesar de o estudo mostrar aumento do consumo do café fora das residências, em cafeterias e padarias, o café feito no coador de pano ou no filtro de papel, para consumo no lar, continua sendo o preferido por 97% dos entrevistados. A mulher ainda é a principal responsável pela compra do produto: 77%. A marca com a qual está habituada e a data de validade são determinantes na hora da compra por 48% dos entrevistados. Mas os consumidores já começaram a avaliar nas embalagens itens que não eram observados, como tipo do café, peso, composição e dados do fabricante. A qualidade do café consumido é cada vez mais importante. De acordo com a pesquisa, 45% dos entrevistados disseram ter a intenção de pagar mais por um bom café. Outro dado interessante mostrado é que 50% das pessoas ouvidas afirmam conhecer os benefícios do café se consumido regularmente. Ter mais disposição foi apontado por 70% das pessoas e melhora na memória e concentração por 30%. A pesquisa tem como objetivo identificar a posição do café nos hábitos de consumo das pessoas e levantar informações que permitam acompanhar a evolução do mercado e detectar novas oportunidades. Foram ouvidas 1.680 pessoas acima dos 15 anos em 19 municípios de portes variados e de todas as regiões. No Sudeste, a pesquisa foi aplicada nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte e nas cidades de Juiz de Fora (MG) e Sorocaba (SP).


HORA DO CAFÉ/

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Café da Serra da Mantiqueira ganha selo de procedência

Cult Coffee

O café da Serra da Mantiqueira de Minas Gerais recebeu o Selo de Indicação Geográfica, na modalidade Indicação de Procedência. A denominação representa o reconhecimento da região como produtora de café arábica de alta qualidade. O próximo passo é obter a Indicação de Origem, que requer a comprovação de que a singularidade do produto está relacionada às condições ambientais específicas. Os estudos para isso já estão em andamento. Esta é a segunda região do Estado e a primeira microrregião do Sul de Minas a obter a denominação para o café. A primeira foi o Cerrado Mineiro. Os municípios que integram a microrregião, conhecida por produzir café de montanha, são Baependi, Brasópolis, Cachoeira de Minas, Cambuquira, Campanha, Carmo de Minas, Caxambu, Conceição das Pedras, Conceição do Rio Verde, Cristina, Dom Viçoso, Heliodora, Jesuânia, Lambari, Natércia, Olímpio Noronha, Paraisópolis, Pedralva, Pouso Alto, Santa Rita do Sapucaí, São Lourenço e Soledade de Minas. A região possui em torno de 8 mil produtores, sendo 82% agricultores familiares. A estimativa é que gere 150 mil empregos diretos e indiretos. As safras giram em torno de 1 milhão de sacas de café beneficiado, produzidos em 50 mil hectares de lavouras. As Indicações Geográficas (Procedência e Origem) representam uma nova filosofia de produção, voltada para qualidade, especialidade e tipicidade, oriundas da origem da produção. Outras regiões brasileiras que têm o selo de procedência são Pinto Bandeira e Vale dos Vinhedos (RS), para vinho tinto, branco e espumante; Pampa Gaúcho da Campanha Meridional (RS), para carne bovina e derivados; Paraty (RJ), para cachaça e aguardente composta azulada; Vale do Submédio São Francisco (BA/PE), para manga e uvas de mesa; e Vale do Sinos (RS), para couro acabado. Em 2010, foi concedida a primeira Denominação de Origem no Brasil para o Litoral Norte Gaúcho, região produtora de arroz.

O café deve ser consumido logo após seu preparo, pois a bebida requentada ou em garrafa térmica perde em qualidade, com alterações de sabor e aroma.

A Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, já foi pontilhada por grandes cafezais. Sob orientação de Dom Pedro II, um militar comandou um grupo de escravos no reflorestamento da área.

O café orgânico é produzido sem aplicação de fertilizantes químicos e de agrotóxicos. O produtor deve obter certificação de uma entidade independente, que monitore todo o processo de produção.


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/HORA DO CAFÉ

Exposição - A história de um palácio construído para ser a capital mundial dos negócios do café pode ser conhecida na mostra Bolsa Oficial de Café: Patrimônio Nacional, em cartaz até 22 de julho no Museu do Café de Santos (SP). As visitas podem ser feitas de terça a sábado, das 9h às 17h, e domingos, das 10h às 17h. O ingresso custa R$ 5. O endereço é Rua XV de Novembro, 95, no Centro Histórico. Vale a viagem!

Saúde - Pesquisa da Escola de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos, mostra que o consumo de seis xícaras de café por dia pode reduzir em até 60% o risco de desenvolver câncer de próstata. Os efeitos são os mesmos para o café descafeinado, o que leva a crer que o benefício está associado às propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias do café.

Agenda

Espressas

Coffee Science - A nova edição da revista científica especializada em cafeicultura está disponível no endereço eletrônico www.coffeescience.ufla. br. A Coffee Science, única revista brasileira técnico-científica em cafeicultura, publica artigos originais completos que contribuam para o desenvolvimento da cafeicultura, elaborados por membros da comunidade científica nacional e internacional.

Concurso 1 Estão abertas as inscrições para o 8º Concurso de Qualidade dos Cafés de Minas Gerais. Os produtores mineiros interessados em participar podem entregar amostras do produto até 6 de setembro em qualquer escritório da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais). Serão aceitos exclusivamente cafés da espécie arábica, colhidos em todas as regiões do Estado, na safra 2010/2011. Cada produtor pode concorrer em duas categorias: café cereja natural e café descascado ou desmucilado. Os vencedores serão conhecidos em novembro. Concurso 2 Os cafeicultores de Poços de Caldas também podem participar da quarta edição do Concurso de Qualidade dos Cafés da cidade. As inscrições podem ser feitas de 1º de julho a 6 de setembro no escritório da Emater, na rua Pernambuco, 299, Centro. O produtor deve apresentar uma amostra de dois quilos de café da safra atual no ato da inscrição. Mais informações pelos telefones 35 3697-2060 e 3722-2852. Simpósio O 7º Simpósio de Pesquisa dos Cafés do Brasil será realizado em Araxá (MG), de 22 a 25 de agosto, com o tema Articulação em Redes de Pesquisa e Novas Fronteiras do Conhecimento. Esta edição é organizada pelas instituições participantes do Consórcio Pesquisa Café de Minas (Epamig, Ufla e UFV), que esperam a presença de aproximadamente mil pessoas e a apresentação de 500 trabalhos científicos. A Embrapa Café é co-organizadora. Mais informações no site www.simposiocafe.sapc.embrapa.br Cerrado O 19º Seminário do Café do Cerrado, realizado pela Acarpa (Associação dos Cafeicultores da Região de Patrocínio), será em setembro, de 27 a 30. O evento busca a valorização do expositor e do produtor, além de gerar e transferir conhecimentos e tecnologias que ampliem a competitividade da cadeia produtiva do café. Durante o evento, ocorre a 2ª Rodada de Negócios. O seminário será no Espaço Cultural Municipal Joaquim Constantino Neto, em Patrocínio (MG), sempre a partir das 8h30.


HORA DO CAFÉ/

Muito além do cafezinho

Delícia de

Capuccino Ingredientes 200 ml de leite 50 ml de café bem forte 110 g de açúcar 4 gemas 8 g de gelatina em folhas 1 fava de baunilha 250 ml de creme de leite bem gelado Preparo Deixe a gelatina de molho por 15 minutos em água fria. Ferva o leite com a metade do açúcar e a fava de baunilha cortada ao meio. Depois raspe as sementes e retire. Bata os ovos com o açúcar restante até esbranquiçar e ficar bem aerado. Misture o leite quente com o café e regue em fio por cima do preparado, sem parar de mexer. Coloque em banho-maria para cozinhar como se fosse um creme inglês. O creme deve engrossar um pouco a ponto de não escorrer facilmente da colher. Escorra bem a gelatina e incorpore com cuidado ao creme de café quente. Mexa bastante até esfriar. Bata o creme de leite e incorpore ao creme de café. Espalhe em formas pequenas forradas com filme plástico e deixe firmar na geladeira por, pelo menos, três horas. Sugestão Decore com grãos de café torrado. Pode ser servido com creme inglês.◄

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A importância do pós-operatório na cirurgia plástica A busca pelo corpo perfeito coloca o Brasil como o segundo país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo. De acordo com Lara Vilela, fisioterapeuta dermato-funcional do Matiz Lounge, é necessária a realização do pré e pós-operatório para se obter um resultado estético satisfatório. Assim, as complicações que possam surgir na cirurgia plástica são prevenidas durante este procedimento. No pós-operatório acelera-se a recuperação do paciente. Um dos métodos utilizados pela fisioterapeuta é a drenagem linfática manual, que pode prevenir e diminuir edemas, dores e formações de fibrose. Consequentemente, são notáveis as melhorias do efeito estético, aumentando a satisfação dos pacientes quanto ao resultado do procedimento cirúrgico, além de proporcionar maior amparo e segurança em relação à cirurgia plástica.

Pelos encravados Toda mulher quer ter uma pele bonita, macia e lisinha, mas muitas vezes a maioria é surpreendida por pelos encravados que resultam em desconforto para o universo feminino. O Matiz Lounge oferece um amplo tratamento para pelos encravados com Argila Verde e esfoliação. A depiladora Michelle Renard dá algumas dicas que, agregadas ao tratamento, produzem um melhor resultado: Não usar roupa muito apertada; Esfoliar a pele três dias antes da depilação; Não tomar banho com água muito quente; Evitar utilizar objetos cortantes que possam inflamar o folículo piloso; Respeitar o intervalo da depilação de pelo menos 15 dias para um melhor resultado.

Unhas em gel e porcelana O Matiz Lounge apresenta uma alternativa para você ter as unhas que sempre quis. Para quem tem o hábito de roer as unhas ou tem unhas quebradiças, a sugestão é colocar unhas de porcelana ou em gel, que ficam perfeitas por até três meses. A execução e manutenção ficam por conta das manicures Lucia Gimenes e Gi Veloso.

Por Marlene F. Silva Diretora-executiva do Matiz Lounge


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salão . estética . cosmética Poços de Caldas Shopping Avenida Sílvio Monteiro dos Santos, 180 Poços de Caldas . Minas Gerais Tel.: 35. 3715.9439

Terça a sábado, das 10h às 22h Domingo, das 13h às 19h Segunda, das 14h às 22h

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/TURISMO

· Vista de parreiral no município de Garibaldi: paisagem típica da região; na página ao lado, ambiente da propriedade de Odete Bettú Lazzari

Estrada do

Sabor Um roteiro de delícias para o paladar e os olhos

texto Valéria Cabrera fotos DIvulgação

C

idades serranas do Sul do Brasil fazem parte dos roteiros turísticos mais visitados durante o inverno. A região atrai principalmente quem gosta de frio, comida farta e vinho de boa qualidade. A rota Estrada do Sabor, no município de Garibaldi, no Rio Grande do Sul, reúne tudo isso em um percurso que mais parece o cenário de um filme. É simplesmente deslumbrante! O carro-chefe do roteiro é a comida italiana. Garibaldi, distante 105 km de Porto Alegre, foi colonizada por imigrantes italianos. Em 2001, seis famílias, moradoras de comunidades rurais do município, se uniram e desenvolveram roteiros que têm como destaque suas residências. Elas são usadas para receber o turista e mostrar a eles as gostosuras elaboradas pelas famílias, tudo produzido em cada uma das propriedade. Passeios por vinhas e vales também fazem parte do roteiro. Os interessados devem agendar as visitas com antecedência na maioria dos locais, para que tudo seja preparado para a ocasião.

Famílias participantes Jorge Mariani Degustação de vinhos e suco de uva produzidos de forma ecológica, pães, queijos e salames. Para ambientar a residência, antigos utensílios da família ganharam lugar de destaque. Realiza passeios pelos parreirais da propriedade em um trator. Contato: 54 3459-1312 e 9999-9752.

Odete Bettú Lazzari Serve refeições em um porão de chão batido, também decorado com objetos antigos. A família resgatou antigas receitas, com destaque para a moranga recheada. Contato: 54 3464-7755 e 9121-1040.


TURISMO/

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Olir Brugalli

José Salvagni

Produção e comercialização de copas e salames. Degustação de pães, queijos, salames e vinho ou sucos produzidos no local. A propriedade fica em um dos pontos mais elevados da região e por isso oferece uma maravilhosa vista. Contato: 54 3464-1380.

Carinhosamente conhecido como “contador de histórias”, José Salvagni recebe visitantes em sua propriedade, pelo prazer de contar relatos de sua vida. Na propriedade encontra-se um museu, construído pelo proprietário, onde está montada uma antiga cozinha.

Vaccaro

Bettú

No cardápio aparecem receitas antigas da família, com destaque para a galinha recheada assada no forno a lenha. Tem estrutura para atender grupos de até 40 pessoas. No local pode-se ainda fazer trilhas ecológicas que passam por uma cascata, visitar a vinícola da família, entre outras atividades. Contato: 54 3459-1128 e 3464-7888.

Além de degustação de vinhos produzidos com padrão de qualidade europeu, o visitante pode aprender um pouco sobre o processo de desenvolvimento cultural e econômico da região. A produção desta pequena vinícola é reconhecida por consumidores do Brasil, dos Estados Unidos e de várias nações europeias.


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/FOTOGRAFIA


FOTOGRAFIA/

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‘Pizzicato’ à Nário

· O Edifício Copan visto desde o restaurante no topo do Edifício Itália, ambos com as intervenções de Nário Barbosa


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/FOTOGRAFIA por Ricardo Ditchun fotos Nário Barbosa

N

ário Barbosa é fotógrafo profissional. Atua com destaque no fotojornalismo de São Paulo e de seus arredores. Seu talento dá conta de quase todos os temas que envolvem os múltiplos interesses dos jornais diários: esporte, arte, violência, comportamento, tragédia, moda, política, economia... Há pelo menos 15 anos, a rotina de Nário consiste em partir das redações devidamente pautado e retornar com flagrantes que complementam com destaque um sem-número de reportagens. Muitas vezes, no entanto, eles “falam” mais que os textos. Em meio a esse cotidiano, o fotógrafo também cumpre uma agenda artística, informal, mas, certamente, tão interessante como o fotojornalismo feito com paixão. Neste ponto, uma digressão. Todo músico dedicado, sobretudo os que se ocupam de variedades como o jazz e o erudito, sabe bem o que é pizzicato. A palavra é italiana e sua tradução aproximada é beliscado. Nas orquestras, o pizzicato é empregado pelos músicos que pertencem ao naipe das cordas. Instrumentos que exigem o uso de arcos, como o violino, obedecem bem ao recurso do “beliscão”. No conjunto, o pizzicato resulta em efeitos sonoros deliciosos, e exigidos em várias peças do repertório internacional. A arte impacta a cada um de nós com diferentes graus de sensibilidade. Pessoalmente, sempre que me deparo com um determinado conjunto artístico de Nário, nomeado por ele como “interferências”, surge a imagem de um músico pondo de lado o arco para beliscar as cordas de seu violino.


FOTOGRAFIA/

O processo de criação das “interferências” começa com a escolha de uma cena obrigatoriamente ímpar. Os temas são abrangentes, mas prevalecem a arquitetura e os flagrantes da existência anônima. Nário clica, seleciona, amplia e aí começa a “beliscar”. “É mais ou menos como o processo de gravação por meio da ponta-seca sobre o cobre. No meu caso, uso qualquer instrumento capaz de ferir o papel que abriga a ampliação da imagem. Pode ser um estilete, uma faca, uma agulha... Na verdade, isso é uma referência ao gosto que eu sempre alimentei pelo desenho e pela pintura, que vieram antes de meu trabalho como fotógrafo”, explica. Os talhos do artista sobre o papel fotográfico apresentam sutilezas de ritmo, profundidade e comprimento. Por meio de uma leitura muito pessoal e das interferências, as imagens ampliadas ganham contornos que exaltam aspectos dramáticos e luminosos que, até então, pareciam inexistir ou, no máximo, permaneciam latentes. As obras reproduzidas nesta reportagem fazem parte de um conjunto amplo de ensaios realizados durante intervalos de pautas jornalísticas. Nestes momentos, Nário observa o entorno, a distância ou a proximidade e já planeja as interferências. “Nem sempre dá certo, mas o próprio processo que resulta no erro também costuma ser útil para novas abordagens e, quem sabe, o sucesso”, afirma Nário. Uma parcela representativa das interferências do artista será exibida no segundo semestre deste ano em Poços de Caldas. A mostra é parte da programação que marca a inauguração do estúdio Wonka Inc., que também contará com um espaço expositivo.◄

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/ENSAIO

Os sujeitos trágicos

“ ” (literatura e psicanálise)

por Ricardo Piglia

(...) a psicanálise gera muita resistência, mas também muita atração; ela é uma das formas mais atraentes da cultura contemporânea. Em meio à crise generalizada da experiência, a psicanálise traz uma épica da subjetividade, uma versão violenta e obscura do passado pessoal. Ela é, pois, atraente porque todos aspiramos a uma vida intensa; em meio a nossa vida secularizada e trivial, seduz-nos admitir que, num lugar secreto, experimentamos ou experimentávamos grandes dramas; que quisemos sacrificar nossos pais no altar do desejo; que seduzimos nossos irmãos e lutamos com eles até a morte numa guerra íntima; que invejamos a juventude e a beleza de nossos filhos e que nós também (ainda que ninguém saiba) somos filhos de reis abandonados à margem do caminho da vida. Somos o que somos, mas também somos outros, mais cruéis e mais atentos aos sinais do destino. A psicanálise nos convoca a todos como sujeitos trágicos; nos diz que há um lugar no qual somos sujeitos extraordinários, lutamos contra tensões e dramas de grande profundidade, e isso é muito atraente. Assim sendo, e como bem diz Freud, a psicanálise gera resistência e é uma arte da resistência e da negociação, mas também é uma arte da guerra e da representação teatral, intensa e única. Trecho de um dos ensaios reunidos pelo escritor argentino Ricardo Piglia no livro Formas Breves (Companhia das Letras, 2000).


Persianas reúnem elegância, praticidade e modernidade Uma opção elegante e prática para janelas, de residências ou de pontos comerciais, são as persianas. Este item decorativo controla a quantidade de luz natural, mas deixa que a claridade chegue ao ambiente, tornando-o mais aconchegante. Existe uma grande quantidade de materiais, texturas, formas, cores e modelos de persianas, uma variedade que permite a criação dos mais diversos ambientes. Pode-se escolher entre modelos feitos de alumínio, madeira, PVC, tecidos, bambu, em forma de lâminas horizontais ou verticais, retas ou onduladas, painéis ou até parecidas com uma sanfona. As persianas internas podem ser horizontais (com as lâminas de alumínio) ou verticais (de tecido poliéster ou PVC). O modelo de tecido é empregado para deixar o ambiente claro, porque a luz solar entra de maneira mais uniforme. O modelo em tecido também pode ser emborrachado, que impede a passagem da luz e, por isso, é mais indicado

para ser instalado em dormitórios. As persianas em PVC são indicadas para cozinhas ou locais onde haja muita poeira, devido à facilidade em realizar sua limpeza. O controle de persianas geralmente é manual, mas alguns modelos motorizados já estão disponíveis no mercado, com controle remoto. Independente do modelo, as persianas também ajudam a controlar a entrada de calor no local. A manutenção das persianas é bem simples. Antes de recolher as lâminas, é necessário que sejam abertas totalmente. Para sua limpeza periódica, é indicado o uso de aspirador de pó ou de um espanador. Na Companhia das Cortinas, o cliente encontra persianas sob medida e atendimento personalizado capaz de oferecer soluções para qualquer ambiente e situação. Solicite a visita de um de nossos representantes para um orçamento sem compromisso.

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/SAÚDE

fuma menos, Brasileiro

bebe mais mas

Pesquisa do Ministério da Saúde indica redução no hábito de fumar no Brasil e aumento na ingestão de bebidas alcoólicas

texto Valéria Cabrera* foto Reprodução

P

esquisa divulgada pelo Ministério da Saúde indica que o Brasil deu um passo importante na luta contra o tabagismo, mas que regrediu quando o assunto é o consumo excessivo de bebidas alcoólicas. O fumo e o álcool são os principais fatores de risco para o câncer de boca e laringe (leia reportagem a seguir). O estudo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel Brasil 2010), que entrevistou 54.339 adultos de 27 capitais, também mostra que o brasileiro permanece sedentário e tem alimentação pouco saudável. De acordo com dados da pesquisa, a proporção de fumantes na população caiu de 16,2% para 15,1% entre os anos de 2006 e 2010. O percentual representa uma redução expressiva em relação ao índice de 1989, quando uma pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontou que 34,8% da população fumava. A maior queda foi entre os homens, de 20,2% para 17,9%. Na população feminina, o hábito de fumar registrou um índice estável entre 2006 e 2010, de 12,7%. Pessoas com menor escolaridade (0 a 8 anos de estudo) fumam mais (18,6%) em relação às pessoas mais escolarizadas (12 anos ou mais), que têm taxa de 10,2% de fumantes. Apesar de lenta, a queda na prevalência de quem fuma no Brasil é considerada relevante por representantes do Ministério da Saúde. Entre os motivos apontados para a redução está a proibição de propaganda de cigarro e as imagens de uso obrigatório em maços que alertam para os problemas associados ao tabaco. A pesquisa também mostrou um dado preocupante: o aumento do consumo excessivo de bebidas alcoólicas no país, que passou de 16,2% para 18%

da população, entre 2006 e 2010. Nas mulheres, a variação no período foi de 8,2% para 10,6%. Entre os homens, a proporção passou de 25,5% para 26,8%.

Alimentação Quase metade da população adulta (48,1%) está acima do peso e 15% são obesos, de acordo com a pesquisa. Há cinco anos, a proporção era 42,7% e 11,4%, respectivamente. Se for considerada somente a população masculina, mais da metade dos homens está acima do peso (52,1%). Entre as mulheres, a proporção é de 44,3%. Em 2006, a pesquisa apontava excesso de peso em 47,2% dos homens e em 38,5% das mulheres. Em relação aos hábitos alimentares, a população brasileira tem consumido menos feijão, uma importante fonte de ferro e fibras, e mais leite integral, além de carne com gordura aparente. O índice de adultos que consomem feijão pelo menos cinco dias da semana, por exemplo, passou de 71,9% em 2006 para 66,7% em 2010. Outro fator considerado preocupante mostrado pelo estudo é a pouca ingestão de frutas e hortaliças. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o ideal é consumir cinco porções diárias. Entre os brasileiros, somente 18,2% seguem esta recomendação. A Vigitel Brasil 2010 revela ainda que 14,2% dos adultos no país são sedentários, não praticando nenhum tipo de atividade física durante o tempo livre, durante o deslocamento para o trabalho ou durante atividades como a limpeza da casa. Apenas 14,9% dos entrevistados declararam ser ativos em tempo livre. A OMS recomenda a prática de 30 minutos de atividade física, em cinco ou mais dias por semana. Outro indicador de sedentarismo é ver televisão por mais de três horas ao dia, hábito de 30,2% dos homens e de 26,5% das mulheres. *Com informações da Agência Brasil


Vício aumenta risco de tumores

SAÚDE/

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Tabagismo e alcoolismo associados podem aumentar em 15 vezes o risco de uma pessoa desenvolver um tumor de boca ou laringe. Esse dado pode explicar o motivo do câncer de cabeça e pescoço atingir mais homens que mulheres, numa proporção de três por um. De acordo com pesquisa do Ministério da Saúde, o fumo está presente na vida de 17,9% dos homens e de 12,7% das mulheres. O sexo masculino também bebe mais (26,8%) que o feminino (10,6%). No Brasil, a doença está em quinto lugar na incidência de tumores em homens e em sétimo lugar entre as mulheres, informa o cirurgião geral e oncológico Nimio Rafael Garcete Balbuena, responsável técnico do Serviço de Cancerologia Cirúrgica do Cacon (Centro de Alta Complexidade em Oncologia) da Santa Casa de Poços de Caldas. “A doença é mais frequente em homens porque eles bebem e fumam mais que as mulheres”, explica. A forma mais eficaz para prevenir esse tipo de tumor é o abandono do vício de fumar e a redução da ingestão de bebidas alcoólicas. Bons hábitos de higiene oral também ajudam a evitar a doença. Em casa, auto-exames favorecem a identificação precoce de indícios de tumores. O médico Nimio Balbuena orienta a pessoa a olhar a boca no espelho atentamente para identificar feridas. Caso não haja cicatrização em 15 dias, um especialista deve ser procurado. Lesões brancas na boca que não desaparecem com escovação e vermelhas que sangram facilmente também podem indicar um tumor.◄


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/CAFÉ CREME COM

Gislene

Xavier

texto Lurdinha Camillo - Colunista social Jornal Brand-News foto Gabriela Virgínia

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islene Xavier chegou dividindo o astral, que nota-se de longe, toma conta do seu ser, com o elegante casaco em lã vermelho queimado sobre o vestido no mesmo tom e textura. Falante, simpática, em cinco minutos já éramos amigas. No terraço do Café Galeria do Instituto Moreira Salles de Poços de Caldas, a pedido de Gislene, que queria se maravilhar com o cenário dos bens cuidados jardins da casa, o chá completo foi tudo de bom e esquentou nossas horas de um bom papo. A coordenadora da Casa da Cultura, Vera Magalhães Castellano, sempre delicada com a colunista, apareceu para um oi. E o assunto girou sobre a aurora de um novo tempo em que surgem mais e novas formas de cura da alma e, consequentemente, do corpo físico. Um tempo de novos métodos expansores de consciência em concordância com a necessidade do aprimoramento harmônico e evolutivo de nossa humanidade. Gislene é formada no Instituto de Cromoterapia de Brasília, e tem especialização em Cura Prânica e Florais. Há dois anos e meio se encantou por Poços, e entre idas e vindas resolveu que fincaria raízes aqui. Carismá-


CAFÉ CREME COM/

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· Gislene (d) e a colunista no Instituto Moreira Salles

tica e extremamente consciente dos benefícios da área em que atua, está à frente do Espaço Flor de Luz, trabalhando para proporcionar, por meio de terapias complementares, saúde e bem-estar a seus pacientes. Isso ocorre nos níveis físico, emocional, mental e espiritual, promovendo uma aceleração no processo de autocura natural do indivíduo, gerando equilíbrio, paz interior e energias positivas. Como resistir aos aromas que parecem terem sido feitos para nossos sentidos mais apurados? Os extratos retirados das flores, em seus vidrinhos, parecem mágicos, e a tentação de trocá-los pelo estresse diário, hábitos negativos e pessimismo, é grande. As Essências Florais, segundo a terapeuta, têm o poder de expandir a nossa consciência, nos curar e nos alinhar ao nosso “Eu Superior”. Imprescindíveis! A alegria que Gislene agrega ao seu redor, diz ela, é resultado de suas horas de meditação e, claro, dos florais. Raramente se estressa, adora cozinhar comida mineira, conta baixinho que seu marido Anderson Fonseca Fraga a mima demais, adora carros, praia e... futebol! Perguntei: Isso tudo combina com os Florais Saint Germain?. Ela garantiu: combina!◄


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/ARTES PLÁSTICAS


ARTES PLÁSTICAS/

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Sem medo de ser

por Ricardo Ditchun fotos Gabriela Virgínia

E · Sadi Souza e uma de suas pinturas recentes: tema religioso é constante no trabalho deste artista e nas manifestações naïf em geral

le pinta e, quando gosta do resultado, chora. Sadi Souza, 78 anos, é assim: simples, sensível e comovente, tal como o resultado de seu trabalho pictórico. Morador da vizinha paulista Águas da Prata, esse gaúcho de Porto Alegre nunca estudou belas-artes. Tampouco frequentou exposições antes de abraçar a pintura, em 1984, quando se aposentou após cumprir uma longa e elogiada jornada profissional que engloba as várias instâncias da enfermagem praticada no prestigioso Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Fiquei abalado quando me vi preso em casa por causa da aposentadoria. Chorava muito, pois faltava o hospital, onde ingressei em 1952, como atendente de enfermagem”, conta. A mudança para Águas da Prata ocorreu em 1987. Sadi veio com a mãe, que faleceu em 1988. “Meu mundo, em São Paulo, era a minha mãe e o hospital. Jamais poderia imaginar que um dia a pintura seria tão importante para mim.” A “descoberta” da veia artística foi por acaso. Um dia, o autodidata Sadi desenhou uma árvore em um pedaço de papel. Um médico do HC viu e diagnosticou: “Você é pintor, Sadi!”. Pouco depois, já aposentado, pediu “dois ou três” pequenos pincéis para um amigo pintor, pois “estava ficando louco em casa”. Ganhou um mundo de apetrechos relacionados à pintura e, por conta disso, produziu seis quadros. O tal amigo viu a série, abraçou Sadi e repetiu a afirmação do médico: “Você é pintor!”. Veio, então, a fase de apresentação do trabalho para galerias paulistanas especializadas em arte naïf, o gênero ao qual Sadi, sem nem mesmo desconfiar, pertencia e pertence. Depois começaram as exposições e as consequentes vendas.


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/ARTES PLÁSTICAS

De lá para cá, o artista já participou de pelo menos 70 mostras, entre coletivas e individuais, no Brasil e no exterior. Seu trabalho integra coleções públicas e privadas e é reconhecido também por meio de premiações nacionais e estrangeiras. “A pintura tem permitido que eu experimente alegrias que, sinceramente, pensei que não seriam mais possíveis após a aposentadoria. Não se trata de vender, mas de viver situações, de conhecer pessoas e de fazer novas amizades. Além disso, mantenho uma relação muito espiritual, de respeito e de carinho, com a pintura. Os personagens que povoam as telas são como meus filhos.” Sadi vive em uma aconchegante casa em Águas da Prata. Como companhia, lembranças, o carinho dos amigos, uma adorável e tímida cadela chamada Catarina, plantas e coleções de orquídeas e de bibelôs. Há, ainda, evidente, espalhados pelas paredes, os quadros que formam seu acervo pessoal, aproximadamente 30 exemplares que Sadi preferiu não vender, apesar dos insistentes pedidos. Em Poços de Caldas, a família Seguso é incentivadora constante. A loja da Rua Assis Figueiredo, por exemplo, exibe um painel (uma cena de festa junina) de Sadi instalado na fachada, uma forma de praticar gentileza urbana. Do ponto de vista formal, a pintura de Sadi traz o repertório clássico do naïf: atenção aos detalhes, formas nítidas e desprovidas de rebuscamento, composições bidimensionais, arranjos simétricos, pinceladas contidas, cores intensas e a costumeira visão franca e figurativa. As cenas contemplam festas, manifestações religiosas, interpretações folclóricas, a exuberância da natureza e o cotidiano das populações rurais. Sem pretensões, Sadi, como todo naïf autêntico, apresenta bases seguras para que o observador de suas composições descubra o atavismo que conforma boa parte de nossa essência psicológica e social.


ARTES PLÁSTICAS/ · Detalhe de obra que representa a investigação do artista a respeito do meio ambiente; na página ao lado, a tela São Francisco

Do popular africano ao Cubismo de Picasso De um lado, a arte folclórica, primitiva, informal, popular, incomum, ingênua, espontânea, onírica, ínsita, naïf. De outro, o mundo erudito. Existem instrumentos para lá de suficientes para fomentar a parametrização entre ambas as linguagens quando o assunto é artes plásticas. Mas o que ocorre na música, por exemplo, a mais abstrata das artes? O maestro e compositor carioca Heitor Villa-Lobos mostrou, quando tinha apenas 12 anos, no fim do século 19, que o chorinho podia frequentar o universo culto. Mais tarde, aprimorou essa experimentação, com mais gêneros populares, folclóricos e indígenas pontuando sua produção erudita. Bem antes de Villa-Lobos, Johann Sebastian Bach (1685-1750), na Alemanha, também bebeu nas fontes populares para compor uma das obras musicais mais relevantes da humanidade. Convém lembrar, sempre, que qualquer tentativa de rotular a pintura naïf como “menor” é facilmente esfarelada quando pensamos em Pablo Picasso (1881-1973), um dos expoentes do modernismo. O mestre espanhol encontrou nas máscaras africanas – uma manifestação popular e indígena – a necessária sustentação conceitual e estética para a formulação da tela Les Demoiselles d’Avignon (1907), o start do Cubismo. O debate que tem como apoio o estabelecimento de diferenças de caráter preconceituoso, ou etnocêntrico, entre arte primitiva (povos em estado selvagem), arte popular (povos civilizados, mas ainda incultos) e arte culta, ou racional (povos civilizados e com apurado nível de intelectualidade) é ineficaz. Equívocos como esse já provocaram, por exemplo, a negação – e até mesmo a ridicularização – das influências africanas em nossa cultura, ao mesmo tempo em que eram reconhecidos os frutos resultantes do impacto do negro na sociedade norte-americana. Os pintores naïf autênticos – existem muitos oportunistas – têm oferecido perspectivas singulares e sinceras a respeito da realidade e do imaginário do brasileiro. Cardosinho, Heitor dos Prazeres, Edivaldo, José Antonio da Silva, Chico da Silva, Maria do Santíssimo, Maria Auxiliadora, Júlio Martins da Silva, Poteiro, Waldomiro de Deus e Neuton Andrade estão entre os muitos naïfs de destaque no Brasil.◄

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“” A pintura tem permitido que eu experimente alegrias que, sinceramente, pensei que não seriam mais possíveis após a aposentadoria

· Manifestações populares são temas recorrentes do estilo também conhecido como ingênuo; neste caso, uma das cenas de festejos juninos produzidas por Sadi


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ARTIGO/

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O impacto ambiental da indústria da construção civil por Ricardo Couceiro Bento*

As pesquisas mundiais referentes ao impacto ambiental das atividades humanas ocorrem em ritmo intenso, bem como a avaliação das possíveis consequências para o nosso futuro. Nos países desenvolvidos, a construção civil é responsável por, em média, 8% do PIB (Produto Interno Bruto), 50% da extração de recursos naturais, 40% do consumo de energia e 50% do lixo gerado. Além disso, quanto à emissão de carbono, o segmento corresponde a cerca de 30%. Produção, transporte e uso de materiais e componentes de construção são as etapas que mais contribuem para a poluição das edificações. A sustentabilidade da indústria da construção em geral e a eco-eficiência dos materiais de construção em particular assumem, portanto, um papel muito importante e devem ser estudados. Algumas considerações relacionadas aos procedimentos são equivocadas e não são processos sustentáveis, embora sejam ambientalmente mais corretos. Por exemplo: não adianta moer pneu para usar em concreto. O pneu deve ser reciclado para fazer pneu. O reaproveitamento de garrafas PET para uso de enchimento de lajes segue o mesmo raciocínio. Muitos estudos se concentram na eficiência energética e na reutilização de água, mas uma lacuna tem sido aberta quando se trata dos impactos am-

bientais ao longo do ciclo de vida dos materiais e sistemas construtivos de um edifício. Este ciclo inclui a produção do material de construção, construção, operação, manutenção, desmontagem e gestão de resíduos. A fim de avaliar o impacto global das medidas de redução de consumo de recursos durante o período de vida de um edifício, a realização de um inventário é a ferramenta de maior utilidade e também a mais aceita. A ACV (Avaliação do Ciclo e Vida) é aplicável a todos os níveis do sistema no setor da construção e constitui parcela importante nos métodos de avaliação e certificação ambiental de edifícios. A ACV é normatizada por um conjunto de regulamentos da série ISO 10040. A busca por construções mais “limpas” demanda estudos e planejamento. No lugar de selecionar materiais é preciso pensar em selecionar produtos, componentes e processos construtivos, considerando sua vida útil e destinação pós-vida, segundo uma perspectiva de análise de custos igualmente baseada no ciclo de vida. A sociedade, por meio da indústria da construção, em todos os seus níveis, caso realmente busque o atendimento de níveis aceitáveis do conceito de sustentabilidade, deve priorizar o óbvio: planejamento e projeto.

· Estrutura de residência em Poços de Caldas *Ricardo Couceiro Bento é engenheiro civil, mestre em Habitação pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo), professor da PUC Minas do Curso de Arquitetura e Urbanismo, membro da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos) e membro do IBRACON (Instituto Brasileiro do Concreto). bento@pocos-net.com.br 35 3721-1243


/CULTURA POPULAR

Respeitável 54 LACRÈME

‘Mambembrasileiros’! texto Ricardo Ditchun fotos Luciana Faria

Rasgacêro prepara a estreia de seu novo espetáculo, uma mistura de música, artes circenses, teatro e raízes culturais brasileiras e gregas

U

ma apropriação cultural ao melhor estilo antropofágico e macunaímico, respectivamente segundo as propostas de Oswald de Andrade, no Manifesto Antropófago, e de Mário de Andrade, em Macunaíma, ou, ainda, bem de acordo com a geleia geral enunciada por Décio Pignatari e traduzida por Gilberto Gil e Torquato Neto na canção homônima. O grupo Rasgacêro segue essa tradição desde 2006, quando deixou de lado a faceta unilinear (uma banda de forró) que marcou sua fundação, em 2000, no meio acadêmico de Poços de Caldas, por iniciativa de Ricardo Valias. Em 2009, ao fechar um contrato de patrocínio com a Petrobras, o Rasgacêro abraçou de vez a fase que mescla artes cênicas e circenses e, claro, música regional. Giovanni Dias, diretor da Bureau de Projetos, empresa responsável pela produção do grupo, explica que 2011 é fundamental para o futuro do Rasgacêro: “Neste segundo ano de parceria com a Petrobras, a companhia tem de fortalecer suas bases profissionais”. Giovanni, que responde ainda pela direção cênica da trupe, conta que o espetáculo da temporada 2011, de julho a dezembro, é Mambembrasileiros. A peça, uma nova imersão pelas raízes culturais do Brasil, deverá durar 100 minutos e terá dois atos que abarcam ações na Grécia Antiga, com Téspis e cânticos ditirâmbicos que celebram Dionísio, e no Brasil, com a tradição dos cortejos de maracatu. Em Poços de Caldas, uma das 25 cidades que fazem parte da turnê, a apresentação está garantida, mas ainda sem data definida. Na prática, o Mambembrasileiros ocorre ao ar livre, em um espaço que evoca o picadeiro (uma Kombi e o espaço diante dela e do público) e a lona (uma composição de tecidos coloridos que cobre todo o ambiente cênico). O espetáculo inclui, além dos músicos e dos atores, a figura do artêro, presença já conhecida nas apresentações do Rasgacêro e responsável pela ligação entre os conteúdos teatral e musical. O Rasgacêro é formado por Ricardo Valias, Livia Landa, Chico Ceará, Amanda Tocchio, Guilherme Cordeiro e Chupeta. A discografia do grupo inclui os CDs Polinização, de 2006, e Alegres Fantoches Alienados, de 2007.◄


CULTURA POPULAR/

público...

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· Livia Landa em cena de um dos espetáculos do Rasgacêro; na página ao lado, a Kombi que é parte integrante das apresentações do grupo


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/ROTEIRO

Experimental texto Ricardo Ditchun fotos Divulgação

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e

fotografia, exibida em duas de suas muitas possibilidades artísticas, é a atração em cartaz até 24 de julho no IMS (Instituto Moreira Salles) – Poços de Caldas. As exposições estão montadas no Chalé Cristiano Osório e na sala principal do espaço cultural e são dedicadas, respectivamente, aos acervos de Cary Wasserman e, em mostra coletiva, de Marcel Gautherot, Peter Scheier e Thomaz Farkas. Cary Wasserman – Fotografias reúne 50 imagens do norte-americano radicado em Poços de Caldas. O conjunto dá conta de 40 anos de um apurado trabalho de investigações técnicas relacionadas com os processos de revelação, colorização e fotomontagem. Em relação aos temas, Wasserman tem pesquisado sobretudo a transitoriedade que permeia a existência contemporânea. Os resultados estéticos flertam com o expressionismo e apresentam um instigante e abrangente conjunto experimental da linguagem fotográfica. Brasília A cinquentenária capital do Brasil é o foco da mostra coletiva As Construções de Brasília. Oriundas do sempre surpreendente acervo do Instituto Moreira

· Wasserman: efeitos expressionistas

documental

Salles, as 140 imagens foram curadas por Heloisa Espada, pesquisadora que obteve seu doutorado a partir da tese Como Fotografar Brasília. O francês Gautherot (1910-1996), o alemão Scheier (1908-1979) e o húngaro, posteriormente naturalizado brasileiro, Farkas (1924-2011) ajudam a formar o grupo de artistas que, desde o início das obras que culminaram com a inauguração de Brasília, em 1960, tem investigado os desdobramentos e as características míticas (a nova nação brasileira) que envolvem o projeto epopeico de Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. O eixo da coletiva é documental, mas suficiente para que o visitante perceba as peculiaridades que moldam cada conjunto imagético. CARY WASSERMAN – FOTOGRAFIAS e AS CONSTRUÇÕES DE BRASÍLIA – Mostra individual da produção artística do norte-americano Cary Wasserman e coletiva com parte dos acervos dos fotógrafos Marcel Gautherot, Peter Scheier e Thomaz Farkas. No IMS (Instituto Moreira Salles) – Poços de Caldas – Rua Teresópolis, 90, Jardim dos Estados. Tel.: 35 3722-2776. Entrada franca e estacionamento gratuito. Até 24 de julho de 2011.


ROTEIRO/

Peter Scheier: Eixo rodoviário Sul, com edifício residencial de superquadra ao fundo; abaixo, de Thomaz Farkas, canteiro de obras

LACRÈME 57

Marcel Gautherot: Catedral de Brasília em construção


58 LACRÈME

/ROTEIRO

Jazz e blues esquentam julho Atrações nacionais e internacionais fazem parte da programação do 4º Poços de Caldas Jazz & Blues Festival, de 8 a 10 de julho

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texto Valéria Cabrera fotos Divulgação

Poços de Caldas Jazz & Blues Festival chega a sua quarta edição em 2011 com uma programação que irá esquentar as noites frias de julho. Atrações nacionais e internacionais se apresentarão no palco do teatro do Complexo Cultural da Urca entre os dias 8 e 10 de julho. A cantora e violinista Badi Assad, uma das vozes mais importantes do jazz, apresenta-se na primeira noite do festival (dia 8, sexta), que é dedicada a esse gênero. Neste mesmo dia, o evento recebe Naná Maran e Banda. A segunda noite (dia 9, sábado), que será dedicada ao blues, contará com uma atração internacional. Dave Riley & Bob Corritore retornam a Poços depois de grande sucesso do show apresentado no ano passado. Marcelo Naves e Danilo Simi completam a programação do dia. O festival encerra-se no domingo, dia 10, com a já tradicional Jam Session ao ar livre, com a participação de novos talentos do jazz e blues. A apresentação será na Estação Fepasa, a partir das 10h30, com entrada gratuita. O evento é uma realização da GSC Eventos Especiais e da Bluesmouth Produções Artísticas. 4º Poços de Caldas Jazz & Blues Festival – De 8 a 10 de julho, no Complexo Cultural da Urca, praça Getúlio Vargas, s/nº, Centro. Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia entrada). Informações: 35 3697-1551.

Cinema Cinesesc – Exibição de filmes com entrada franca. Todo mês, um tema diferente. Em junho, filmes nacionais: Nome Próprio (dia 15), Lavoura Arcaica (dia 21) e O Quatrilho (dia 29). Em julho, a Mostra Trilogia das Cores apresenta A Liberdade É Azul (dia 6), A Fraternidade É Vermelha (dia 13), A Igualdade É Branca (dia 20) e Krzysztof Kieslowski (dia 27). No Sesc Poços de Caldas – Rua Paraná, 229, Centro. Toda quarta-feira, sempre às 20h. Entrada franca. Informações: 35 3722-1393 e www.sescmg. com.br

Outros 4º Poços Classic Car – Exposição de carros antigos e participação de expositores do mercado de pulgas. Em 2010, o evento recebeu mais de 20 mil pessoas. No Parque José Affonso Junqueira – Dias 6 e 7 de agosto. Informações: pocosclassiccar.com.br

Mitsubishi Cup 2011 – Quarta etapa do campeonato de rali de velocidade cross country, que passará ainda por São Carlos, Jaguariúna e Ribeirão Preto. Entre as características desta competição, que é realizada há mais de uma década, está a montagem de pistas de terra exclusivas em um circuito fechado. No Distrito Industrial – Rodovia do Contorno, Km 21. Dia 25 de junho, a partir das 8h. Entrada franca.


ROTEIRO/

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JulhoFest:

16 dias de cultura e lazer O JulhoFest, tradicional evento que marca o período das férias de inverno em Poços de Caldas, será realizado este ano entre os dias 9 e 24 de julho. Entre as atrações estão shows de música, apresentações teatrais, sessões de cinema, oficinas culturais, contação de histórias e atividades recreativas para as crianças. Tudo com entrada gratuita. Pela primeira vez, a final do Festival de Viola de Todos os Cantos fará parte da programação do Julhofest, no dia 15. O evento promovido pela EPTV será realizado ao ar livre, no Parque José Afonso Junqueira, e terá show de Elba Ramalho. A programação musical ainda contará com show de Gabriel Guerra (dia 14) e com mais uma edição do Sinfonia das Águas (dia16). O roteiro de teatro trará as peças O Homem que Sabia Javanês, O Compadre da Morte (Grupo Trancos e Barrancos), Sonhos Quase Dourados (Cia de Campinas), Folias do Coração (Cia de Campinas) e o musical Tributo à Ópera do Malandro, montado na cidade. Haverá ainda apresentações circenses, baile e passeio ciclístico. A programação completa poderá ser conferida no site da Prefeitura (www.pocosdecaldas.mg.gov.br).

Festas na região 38ª Eapic (Exposição Agropecuária Industrial e Comercial de São João da Boa Vista) – Além de exposição de animais e equipamentos agropecuários, a festa conta rodeio e shows. O destaque desta edição é a cantora baiana Cláudia Leitte, que se apresenta no dia 15 de julho. Na programação também estão Fernando e Sorocaba (08/07), Eduardo Costa (09/07), Gustavo Lima (10/07), Jorge e Mateus (14/07), Zezé di Carmargo e Luciano (16/07) e Paula Fernandes (17/07). No Recinto de Exposições José Ruy de Lima Azevedo – Na SP 340 (rodovia São João da Boa Vista-Águas da Prata), Km 228, São João da Boa Vista. De 8 a 17 de julho. Ingressos: não divulgado.

46ª Festa do Vinho de Andradas – Espaço onde vinícolas da cidade expõem e vendem seus produtos. Os visitantes também podem saborear comida regional em barracas mantidas por entidades assistenciais e assistir a shows de música. No Estádio Municipal – Rua Padre Benatti, s/nº, Centro, Andradas. De 21 a 24 de julho. A programação completa e o preço dos ingressos estarão disponíveis a partir de 20 de junho no site www.festadovinhodeandradas.com.br Festa da Batata de Vargem Grande do Sul – Evento que reúne gastronomia (várias barracas servem pratos salgados e doces) e shows de música sertaneja. Entre as atrações deste ano estão as duplas sertanejas César Menotti e Fabiano, João Carreiro e Capataz e Milionário e José Rico, este último com portões abertos. No Recinto de Exposições Christiano Dutra do Nascimento – Rodovia SP 215 (Vargem Grande do Sul – Casa Branca), Km 34, Vargem Grande do Sul. De 28 a 31 de julho. Ingressos: não divulgado. 22ª Festa do Biscoito – Os visitantes poderão ver shows e espetáculos de dança, experimentar doces e queijos produzidos em Caldas, além, é claro, de provar os tradicionais biscoitos da cidade, assados em fornos de barro, uma tradição centenária das grandes fazendas locais. Em Pocinhos do Rio Verde, distrito de Caldas. De 8 a 24 de julho, sempre as sextas, sábados e domingos, a partir das 14h.


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/ROTEIRO SP

Denise Fraga volta aos palcos com Sem Pensar Texto escrito por uma adolescente de 17 anos aborda de forma irônica as relações familiares

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epois de grande sucesso com a peça A Alma Boa de Setsuan, Denise Fraga está de volta aos palcos com a comédia dramática Sem Pensar. O texto, inédito no Brasil e escrito por uma adolescente britânica de 17 anos, transita pelas relações familiares. De forma irônica, aborda o cotidiano de uma família. Delilah (Júlia Novaes) é uma menina que, às vésperas de completar 13 anos, está prestes a ter seu primeiro caso de amor com Daniel (Kauê Telloli), um rapaz muito mais velho que aluga um quarto em sua casa. Com um casamento em crise, seus pais, Vicky (Denise Fraga) e Nick (Kiko Marques), não percebem o que acontece com a filha nem com o inquilino, que se vê dividido entre o desejo e a moral. A situação se complica ainda mais com a chegada da namorada de Daniel, Carol (Virgínia Buckowski). A peça de Anya Reiss, entre outras coisas, abre ainda uma grande discussão sobre a maturidade. A adolescente imatura em sua atitude romântica dá aula de maturidade a seus pais num desfecho surpreendente. A direção do espetáculo é do cineasta Luiz Villaça, marido de Denise Fraga e que faz sua estreia no teatro. Sem Pensar. No Teatro Tuca. Rua Monte Alegre, 1.024, Perdizes, São Paulo. Sexta e sábado, às 21h30, e domingo, às 19h. Até 31 de julho. Ingressos: R$ 40 (sexta e domingo) e R$ 60 (sábado). Vendas pela internet (www.ingressorapido.com.br) e pelo telefone (11 4003-1212).

Sonho de um Homem Ridículo - Baseado no conto homônimo do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado pela primeira vez em 1877 no livro Diário de Um Escritor, o monólogo Sonho de Um Homem Ridículo volta aos palcos com o ator Celso Frateschi. A peça conta a história de um personagem solitário de São Petersburgo em pleno século 19. O personagem, um funcionário público, sabe que é ridículo desde a infância. Motivo de desprezo e zombaria de seus semelhantes. Não tem mais nenhum interesse em continuar existindo, mas não consegue dar fim a sua existência. A peça tem direção de Roberto Lage e cenários e figurinos de Sylvia Moreira. No Teatro Ágora, Sala Gianni Ratto. Rua Rui Barbosa, 672, Bela Vista. Domingo, às 19h. Até 7 de agosto. Ingressos: R$ 30. Vendas pela internet (www.ingresso.com).

A Vida que Eu Pedi, Adeus - Uma tragicomédia que conta a história de um casal de pouco mais de 50 anos, desempregado e que tem de se virar para sobreviver. Mesmo tendo escolhido a forma incorreta para isso, Armando, interpretado por Aílton Graça, e Eurides, papel de Vera Mancini, ainda têm esperanças de um futuro melhor e sonham com um trabalho que lhes dê a tão sonhada carteira assinada. O texto é de Sérgio Roveri e a direção de Eliane Caffé. No Teatro Gazeta. Avenida Paulista, 900, São Paulo. Sexta, às 21h, sábado, às 20h, e domingo, às 18h. Até 14 de agosto. Ingressos: R$ 60 (sexta e domingo) e R$ 70 (sábado). Vendas por telefone (11 4003-1527) e internet (www.teatrogazeta.com.br).


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NEPE/

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Convivência, ou a arte da paciência por Roberta Ecleide Kelly*

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arece ser consensual que viver é (talvez) fácil, mas conviver (viver com os outros humanos) é certamente difícil. Por quais motivos? Sem esgotar a complexa questão, gostaria de delinear alguns aspectos. O ser humano, é sabido, nasce sempre “novo”. Ou seja, cada um de nós, desde que o mundo é mundo, nasce sabendo exatamente nada acerca da própria sobrevivência, de si mesmo ou do que o cerca (pessoas ou coisas). O nome deste desconhecimento é neotenia. Além disso, chegamos todos atrasados quanto à geração de nossos progenitores – em função de nossa reprodução depender de uma maturação genital-reprodutiva específica, em idade sempre posterior ao nascimento em pelo menos uma década. Para nos tornarmos humanos, portanto, é preciso que sejamos cuidados e ensinados cotidianamente. A neotenia, porém, é a condição de sermos capazes de reapresentar o mundo dentro de nós, através das ideias e das representações das sensações. É a condição mesma da linguagem. O problema é que a cada humano, um novo

universo de ideias e de representações. Mesmo falando bastante, buscando inúmeras formas de explicação, ainda assim, cada um é um. Em tempos midiáticos, que parametrizam nosso cotidiano, as ideias de relações harmônicas, tranquilas e perenemente estáveis fazem com que os desacertos e os desencontros sejam absurdos e consequência de patologias ou franca maluquice! Humanos erram e têm defeitos. Como nenhum humano está excluído desta dura realidade, esperar do outro (ou de nós) aquilo que ele não é abre a chance das discussões infindas. Tolerar as imperfeições antes de aceitá-las e manejar as impropriedades e os limites são condições fundamentais para algum relacionamento viável. A dificuldade das relações humanas está em aceitar que “conviver é difícil” e que não se aprende a conviver, mas a tolerar melhor as dificuldades de viver com os outros, tão diversos e limitados quanto nós. É possível conviver melhor? Sim. Mas isso é uma construção viabilizada miudamente a cada dia pela compreensão e pela paciência. Estamos dispostos?◄

*Roberta Ecleide Kelly é psicanalista, doutora em Psicologia Clínica, pós-doutora em Filosofia da Educação, consultora do Centro Educacional Primeiro Espaço, coordenadora do NEPE (Núcleo de Estudos em Psicanálise e Educação). Informações sobre o NEPE (www.nucleodepsicanalise.com.br) com Roberta ou Fernanda, às quartas-feiras, das 13h às 18h, pelo tel.: 35 3721-4469


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/FESTA SOLIDÁRIA · Grupos musicais fazem apresentações voluntárias durante a festa; abaixo, alunos, funcionários e pais dançam a quadrilha


FESTA SOLIDÁRIA/

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Arraial da

alegria

Festa junina da Apae, a mais tradicional de Poços de Caldas, será realizada de 1º a 3 de julho

texto Valéria Cabrera fotos Arquivo Apae

A

presentação de quadrilha, escolha de rei e rainha da festa, bingo, cartucho de doces, pescaria, cachorro-quente. Tudo isso e muito mais estará na festa junina (ou julina) mais tradicional de Poços de Caldas, promovida pela Apae de 1º a 3 de julho. A preparação da festa envolve toda a comunidade, desde alunos, professores e pais, até voluntários que se disponibilizam para ajudar no evento. A diretora da instituição, Carolina Augusta Rodrigues Crespo, conta que a festa faz parte do projeto pedagógico da escola. “Um mês antes da festa, começamos a trabalhar com os alunos tudo que envolve a vida do homem do campo, como a música e o vestuário”, explica. Neste período, os estudantes participam de um tipo de gincana, fazendo pesquisas sobre o tema e preparando apresentações culturais.

Há cinco anos, a festa é realizada na rua em frente à Apae, que é coberta com uma tenda. No local, barracas de comidas e bebidas típicas da festa, como canjiquinha e cachorro-quente, pé de moleque e bolo de milho. A criançada pode se divertir em brinquedos montados no local, como pula-pula e tobogã inflável. No domingo, último dia de festa, haverá a apresentação da quadrilha, que é formada por alunos, funcionários e pais. Toda a renda obtida na festa deste ano será destinada à reforma da oficina profissionalizante da Apae. A estimativa é que 5 mil pessoas participem das festividades durante os três dias. Festa Junina da Apae – De 1º a 3 de julho. Sexta, das 19h às 22h; sábado, das 19h às 23h30; e domingo, das 14h às 23h. Na praça Paulo Afonso Junqueira, 55, Vila Cruz. Entrada franca.

Origem da festa junina Existem duas versões que explicam o termo festa junina. A primeira diz que surgiu em função das festividades que ocorrem durante o mês de junho. Outra versão explica que a festa teve origem em países católicos da Europa e, portanto, seria em homenagem a São João. Inicialmente, a festa levaria o nome de Joanina. Historiadores explicam que a festividade foi trazida para o Brasil pelos portugueses, ainda durante o período colonial. Na época, havia uma grande influência de elementos culturais portugueses, chineses, espanhóis e franceses. E de cada um desses locais veio uma tradição mantida até os dias de hoje. Da França veio a dança marcada, típica dos nobres, que no Brasil influenciou as típicas quadrilhas. Já a tradição de soltar fogos de artifício veio da China, região de onde teria surgido a manipulação da pólvora para a fabricação de fogos. Da península Ibérica teria vindo a dança de fitas, muito comum em Portugal e na Espanha.

Com o passar do tempo, esses elementos misturaram-se aos aspectos culturais da miscigenação brasileira (indígenas, africanos, europeus) nas diversas regiões do país, tomando características particulares em cada uma delas. Em estados da região Sudeste, as quermesses são tradicionais. Realizadas por igrejas, colégios, sindicatos e empresas, essas festas possuem barraquinhas com comidas típicas e jogos para animar os visitantes. Além, é claro, da apresentação de quadrilhas. O milho está presente na maioria dos pratos típicos da festa. Pamonha, cural, milho, canjica e bolo de milho são alguns exemplos das delícias que podem ser encontradas nas festas juninas. Também fazem parte deste cardápio arroz-doce, bolo de amendoim, pinhão, broa de fubá, pé de moleque, quentão, vinho quente, batata doce e muito mais.◄


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AUTOS E CIA/

texto Valéria Cabrera foto Divulgação

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Vorax

primeiro superesportivo brasileiro deverá chegar ao mercado no primeiro semestre de 2012. O Vorax, da Rossin-Bertin, terá seu primeiro exemplar pré-série finalizado até o fim deste ano, conforme previsão do desenhista Fharys Rossin, ex-designer da GM e mentor do projeto. O prazo é para o modelo convencional. O conversível deve ficar somente para 2013. Com motor V10 5.0 da BMW instalado na parte frontal, o Vorax chega à velocidade máxima de 330 km/h e vai de 0 a 100 km/h em 3,8 segundos. Tem chassi de alumínio e carroceria de fibra de carbono. Esbanja, portanto, leveza e resistência. O protótipo do Vorax foi apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo no ano passado e causou sensação. Com objetivo de concorrer com Ferrari, Lamborghini e Porsche, o superesportivo nacional não é para qualquer conta bancária. O preço sugerido é de R$ 700 mil. A fábrica da montadora brasileira será instalada em Blumenau, Santa Catarina. A intenção da Rossin-Bertin é entregar 50 unidades por ano do modelo aos brasileiros e outros 300 para exportação. O primeiro país a receber o superesportivo brasileiro deve ser a Argentina.◄

o primeiro superesportivo nacional Com motor BMW V10, carro deve chegar ao mercado no primeiro semestre de 2012


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/CRÔNICA

Instantes Hopper texto Ricardo Ditchun foto Reprodução

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uando vi o grupo prostrado diante de um hotel modesto de Poços de Caldas, a lembrança imediata foi de People in the Sun, do norte-americano Edward Hopper (18821967). A pintura, um óleo sobre tela de 1960, resume as principais preocupações do roteiro estético desenvolvido pelo artista norte-americano. A obra conjunta de Hopper, como é sabido, prima pela capacidade de ressaltar – sempre com forte incômodo psicológico – a insignificância de nossas experiências existenciais. Na tela mencionada, duas mulheres e três homens absorvem o calor solar ensimesmados e acomodados em cadeiras que parecem ser as de um hotelzinho de beira de estrada. A cena, marcada por intenso contraste de luz e sombra – uma obsessão de Hopper –, é estranha, monótona, silenciosa e triste. Uma fração arquitetônica, que é o ângulo de uma construção assobradada, “acolhe” os personagens que miram uma cadeia de montanhas. Na cena poços-caldense, o grupo (de hóspedes, certamente) somava sete pessoas, três homens e quatro mulheres. Lamentei não ter à mão uma câmera fotográfica para registrar a situação. Como em People in the Sun, ninguém conversava e as expressões faciais denotavam tédio. O foco dos olhares era o

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CRÔNICA/

parque defronte. Uma vez mais, anonimato e tristeza. Para Hopper, o american way of life exala solidão e opressão. A perspectiva é bergsoniana e os recursos pictóricos são realistas. Prevalece a intuição. People in the Sun pertence ao Smithsonian American Art Museum, uma das instituições que formam o complexo cultural Smithsonian, em Washington D.C., a capital americana, e nele permanece em exposição permanente. Vários estudos científicos e críticos já foram produzidos a respeito da tela e, quase sempre, prevalece o viés psicológico. A luz do sol, recorrente na arte de Hopper, é o elemento aglutinador, mas a organização escalonada das cadeiras reforça o isolamento e a individualização dos personagens. Todos se vestem de modo formal. Parecem estar onde estão somente até o crepúsculo, quando então deverão entrar na construção branca para, talvez, apreciar o jantar. Um rapaz lê e uma garota está encoberta por um homem maduro que tem à direita uma mulher de chapéu. O terceiro homem aparenta o maior grau de conforto: tem as pernas relaxadas e a cabeça apoiada numa almofada. Difícil saber se são conhecidos ou se existe um casal, mas já foi cogitado que a moça encoberta poderia ser a filha do homem de bigode e da mulher de chapéu e cachecol. Ela, a garota encoberta, é a única que aparenta realizar um movimento, pois seu braço direito está fora do apoio da cadeira.

Morning Su n

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Interpretações em aberto... De qualquer modo, os personagens de People in the Sun revelam algo do caráter de alguém: do artista, do indivíduo em geral ou de algum tipo de organização social. A comunicação proposta por Hopper faz ver a situação prosaica, porém, ao mesmo tempo, ultrapassa a evidência objetiva, pois induz a um novo despertar de nosso poder de expressão e de compreensão. Ao contrário da pintura clássica, o figurativismo de Hopper – que jamais se rendeu à abstração americana ou aos movimentos europeus que lhe foram contemporâneos – não oferece ao observador o amparo de uma natureza preestabelecida. A estranheza de suas composições exprime uma forma inovadora de entender a humanidade/individualidade: desde os fluxos da intimidade, das aspirações e das frustrações. Abandonei a cena do hotel e segui meu passeio. Era o fim de uma tarde de sábado, fria, mas luminosa. Cravado no meio do parque, outro hotel, emblemático para a cidade e bem mais luxuoso do que aquele que eu havia acabado de bisbilhotar. Olhei para as janelas de seus quartos e imaginei por trás de cada uma mais composições de Hopper, que também investigou com entusiasmo os pontos de vista internos, as janelas, o sol que as penetra e que se esforça para acalentar nossos dramas comezinhos.◄


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PSIU!/

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por Fabio Riemenschneider *

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Psicobits?!

os últimos anos, a informatização alterou significativamente nossa forma de agir, de ocupar o tempo, de trabalhar, de se relacionar, de se divertir e de se comunicar. Hoje temos dificuldades de realizar boa parte de nossas atividades cotidianas sem a intermediação de computadores. Isso criou facilidades e problemas que não existiam há 10 ou 20 anos. Parte dessas dificuldades reside em se adaptar às novas contingências virtuais. Aliás, o termo “virtual” também passou a fazer parte de nosso vocabulário como algo não real, isolado da realidade. Tal concepção tem sido muito questionada por autores como o filósofo francês Pierre Levy, que vê no “virtual” um potencial ou uma oportunidade para se atualizar ideias, conceitos, ou até mesmo objetos (por que não discutir o “virtual” nas próximas colunas PSIU!?). Todas as áreas do conhecimento foram impactadas pelas novas tecnologias de informação e de comunicação. Na psicologia tem se discutido os atendimentos realizados por meio da internet. Os conselhos de psicologia têm aberto tal discussão, pois já existem profissionais atuando por meio de correio eletrônico, comunicadores instantâneos e outras ferramentas similares. Os que são favoráveis a tal procedimento defendem que o preço, a privacidade e a rapidez com que são realizados os atendimentos atraem os interessados. De fato vivemos numa cultura que valoriza cada vez mais a velocidade, o imediatismo e as soluções rápidas e definitivas. Esta é a forma de agir e pensar do homem contemporâneo e tudo o que interfere em nossas necessidades imediatas é prontamente descartado. Infelizmente (ou melhor, felizmente) nem todas nossas necessidades e expectativas podem ser solucionadas dessa forma, aliás talvez seja essa a face mais atemorizadora de nossa patologia cotidiana: a sensação de não poder

acompanhar a velocidade do que existe ao nosso redor. Creio que aí se encontra o grande problema dos atendimentos feitos pela internet. Eles pressupõem que a informação basta para proporcionar alívio de sofrimento. Como sabemos, todos os dados transmitidos pela rede são processados em unidades de informação, os bits. Os computadores atuais processam quantidades cada vez maiores de bits, e associamos a essa abundância de informações o potencial para produzir conhecimento. Mas será tal equação verdadeira? Uma leitura mais atenta ao material que se encontra disponível na internet nos leva a uma resposta negativa. A monumental quantidade de informação que temos ao nosso dispor criou, para muitos, a seguinte dificuldade: o que fazer com tudo isso? O que é confiável ou não nesses dados? Como saber tal diferença? Uma forma é admitir que informação e conhecimento não são sinônimos. Segundo o psicanalista inglês D.W. Winnicott, o conhecimento se dá na relação com o outro, pois é por meio dessa prática que estabelecemos critérios afetivos para diferenciar o que é significativo para nós. Na análise isso é fundamental, pois analista-analisando encontram-se numa situação peculiar em que pequenos gestos, hesitações e pausas são significados a partir da experiência singular de cada um dos envolvidos nessa relação. Conhecer implica em trocar afeto e reconhecer-se nas emoções. A utilização da internet para a psicologia deve ser reservada apenas para formas de acessar informações, mas jamais como uma psicoterapia. Não somos um banco de dados e, portanto, não precisamos agir como tal. Talvez tal crença seja um dos grandes causadores de nossas dores e angústias.◄

*Fabio Riemenschneider é psicólogo, professor universitário, conferencista, escritor, debatedor do Jornal do Sul de Minas e doutorando em Psicologia pela PUC-Campinas. É autor de Da histeria... Para Além dos Sonhos (Editora Casa do Psicólogo, 2004).


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/VERVE

O chamado de um

enigma azul por Chico Lopes* foto Cary Wasserman

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idades são organismos físicos e também territórios oníricos e labirintos psíquicos para os que nelas vivem. Há mais cidades do que aquelas que compartilhamos com outros cidadãos, e estes podem nem suspeitar da existência delas. Há os que se esgueiram, os que conhecem cidades furtivas, não registradas em nenhum mapa nem observadas por nenhum mecanismo oficial. São os artistas, notórios residentes de mundos intangíveis e criadores de cidades subjetivas que o resto do mundo habita sem se dar conta de que eles não pertencem a cidade nenhuma – são universais demais para isso. Minha relação com Poços de Caldas começa em 1991. A certa altura das proximidades de São João da Boa Vista, num ônibus que me trazia do interior de São Paulo para o Sul de Minas, avistei o paredão de montanhas azuis à distância e sussurrei comigo mesmo: “Lá está Minas...” Era um encantamento de coisa vista pela primeira vez. E o chamado daquele azul ficou ecoando, persistente, dentro de mim, dizendo-me que um dia eu teria que mergulhar naquelas montanhas, decifrar aquela voz. Casamento e circunstâncias práticas para cá me trouxeram. Uma mulher sul-mineira, de Botelhos, pegou-me pela mão e tirou-me de certas planuras áridas e tumulares do Estado de São Paulo. Eu tinha que subir, subir, guiado pela mão que me oferecia. Ao casar-me com ela, senti ter abraçado toda uma parte de Minas e seus mistérios. Como se ela abrigasse todo um mapa: as serras, as árvores, o Infinito. Tendo chegado aqui aos 39 anos, sempre me senti meio visitante de passagem, forasteiro, e demorei bastante a me integrar. Pelo simples fato de que uma alma geograficamente dividida (metade num Estado, metade noutro) tem sempre dois deuses diferentes aos quais prestar cultos. E essa duplicidade fazia com que eu me sentisse ora decididamente integrado ora decididamente forasteiro. Não mudei muito, vinte anos depois. Mas a metade poços-caldense já se impôs e meus velhos amigos paulistas, quando vêm para cá me rever, notam, com humor, minhas sutis mudanças de sotaque e outras tantas. Amei, desde o início, a leveza e a claridade do ar de Poços, os dias de eterna brisa, mesmo quando o calor prevalece. Os plátanos e suas folhas caducas. O friozinho europeu que nos percorre. A imponência e o mistério da Serra de

São Domingos, seu denso verde-escuro quase azul-marinho. O Parque José Afonso Junqueira, suas aleias, flores, transeuntes. A beleza de certas ruas espessamente fechadas pelo roxo inebriante das quaresmeiras. A gentileza de algumas pessoas, que parecem carregar dentro de si um tesouro de lembranças de Poços de que não posso, como forasteiro, compartilhar por completo. Rostos que me acolheram, gente que me pergunta “Bão, Seu Francisco?” com essa disposição ao mesmo tempo acolhedora e suspicaz dos mineiros – eles estão sempre nos apalpando, testando, sondando, querendo saber exatamente quem somos e se poderemos realmente acolher seu afeto. Podem ser apaixonados, mas, são antes de tudo, cautelosos e sóbrios. Um dos mistérios do lugar é o sono delicioso que a cidade propicia, diferente de todos os lugares que conheci. O sono que Poços oferece é meio enfeitiçado, como se nos devolvesse ao fundo da terra, a uma profunda e misteriosa paz mineral. E há, nas manhãs seguintes, a limpeza, a pureza radiante dos céus mais azuis possíveis. A cidade parece revestida, nesses dias, principalmente de outono e inverno, por um invólucro de porcelana chinesa do mais fino azul. Quanto aos crepúsculos, às vezes são tão cor-de-rosa que parece que ela está tendo um caso de amor consigo mesma, contemplado com ciúme impotente e deslumbramento mudo pelos cidadãos cá embaixo. Há muitas cidades numa cidade, como escrevi no início. A Poços por onde ando não é certamente a Poços de muitos nativos, mas é uma Poços tão real quanto a que se conhece, ainda que de outro feitio. É a Poços dos forasteiros que vieram e ficaram. Que trocaram suas terras natais por uma incógnita, um enigma feito de serras, ruas largas, ares limpos e luares imaculados. Que, ao dizerem “bom dia” a algum nativo, dizem-no com outra alma, vendo outras ruas, outra configuração de telhados, letreiros, avenidas, praças – pois vêm de outros cantos e não podem evitar as marcas que trazem dentro de si. Mas, comungam do mesmo encantamento. Seu encantamento é, com toda certeza, híbrido: funde as lembranças de terra natal com a realidade da terra adotada. Esse “bom dia” de forasteiro, ainda que nem sempre respondido, nem sempre compreendido, é um desejo fundo: emerge dos fundos minerais das noites particularmente bem dormidas.◄ *Chico Lopes é escritor e jornalista. É autor de três livros de contos: Nó de Sombras (2000), Dobras da Noite (2004) e Hóspedes do Vento (2010). Em breve publicará a novela O Estranho no Corredor, pela Editora 34.

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der verde


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Fora

lixões! texto Valéria Cabrera

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disposição do lixo está diretamente relacionada com a qualidade da saúde da população. O depósito inadequado, realizado fora de aterros regularizados, causa poluição do solo, da água e do ar, pois as queimas espontâneas do material que se decompõe são constantes. Esta era a situação de 96% dos municípios mineiros no começo da década passada, quando 823 cidades depositavam seus resíduos em lixões. Entre elas estava Poços de Caldas, um destino turístico cujo maior atrativo é o conjunto de belezas naturais, principalmente suas águas. Em nove anos, a situação melhorou, mas ainda é considerada distante da ideal. O número de municípios que mantêm lixões no Estado recuou 62%, de acordo com levantamento divulgado em maio deste ano pela Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente). Atualmente, apenas 37%, ou 312 municípios mineiros, mandam seus resíduos para esse tipo de depósito. A maioria, no entanto, ainda não aderiu às duas formas de disposição adequadas de resíduos: o aterro sanitário, presente em apenas 68 municípios, e a usina de triagem e compostagem, adotado por 127 prefeituras. A maioria das cidades com lixões migrou para a categoria “aterro controlado”, cuja única diferença em relação ao lixão é o fato de o lixo ser compactado e, depois, coberto com terra. Alguns também canalizam o chorume (líquido proveniente da decomposição da matéria orgânica presente no lixo) e os gases, mas não há tratamento para essas substâncias. Elas continuam, portanto, poluindo solo, água e ar. É neste patamar que se encontra Poços de Caldas. Em 2005, a cidade deixou de enviar suas 3,6 mil toneladas de resíduos produzidos mensalmente para um lixão e passou a depositá-los

no chamado aterro controlado, uma área de 10 hectares às margens da rodovia que liga Poços a Andradas. Mudanças Apesar da situação, ainda precária quando o assunto é disposição do lixo, a atual Administração de Poços de Caldas promete mudanças em curto prazo. Já está em andamento, por exemplo, a realização de um projeto de aproximadamente R$ 3 milhões para a construção de um aterro sanitário que seguirá todas as normas de preservação do meio ambiente. A licitação para a obra está em curso e, se tudo correr conforme o esperado, as obras devem começar em julho deste ano e terminar após dez meses. Esse é o prazo de vida útil previsto para o atual depósito, nosso “aterro controlado”. O secretário de Serviços Públicos de Poços de Caldas, Marcus Tadeu Sala Sansão, explica que o aterro sanitário será construído em uma área de 30 hectares, ao lado do “controlado”, e terá capacidade para receber o lixo do município durante os próximos 50 anos. Segundo Marcus Tadeu, a obra ainda não começou porque uma das empresas que participou da licitação, e que não venceu, entrou com embargo do processo. “Acredito que a definição ocorra ainda em junho para que não haja mais atrasos.” O depósito atual não pode ser usado por muito mais tempo. O secretário informa que uma reformulação no local deu uma sobrevida ao aterro de mais dez meses. “Vamos fazer uma quarta plataforma, menor que as outras, para receber o lixo”, explica. Segundo ele, o local também foi fechado com correntes e cadeados, o que tem impedido que todo tipo de entulho seja despejado no local sem autorização.


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· Obra do artista plástico Vik Muniz produzida para divulgar o documentário Lixo Extraordinário

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V oce^ sab ia

A lei que instituiu a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos), sancionada e regulamentada em 2010, determina que todos os lixões do país sejam fechados até 2014. O Brasil produziu 60,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos em 2010, quantia 6,8% superior ao registrado em 2009 e seis vezes superior ao índice de crescimento populacional urbano apurado no mesmo período. Apenas 8% dos 5.565 municípios brasileiros adotam programas de coleta seletiva de lixo.


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texto Valéria Cabrera foto Gabriela Virgínia

Antes de reciclar, população deve repensar o estilo de vida, reduzir e geração de lixo e reaproveitar o resíduo seco

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omente a mudança de hábitos da população fará com que os aterros sanitários não entrem em colapso.” A afirmação é do sociólogo, antropólogo e geógrafo da USP (Universidade de São Paulo), Maurício Waldman, que participou do 8º Congresso Nacional de Meio Ambiente, realizado em Poços de Caldas em maio. Para ele, a solução do problema do lixo doméstico, tanto sólido quanto úmido, passa pelos quatro erres, nesta ordem: repensar, reduzir, reutilizar e reciclar. Na opinião de Waldman, o primeiro passo e mais importante é o cidadão repensar o estilo de vida que leva e qual o impacto disso para o meio ambiente. Em seguida reduzir a geração de lixo comprando exatamente a comida que vai consumir para não gerar resíduo úmido. O Brasil reaproveita apenas 2% desse lixo, enquanto os Estados Unidos 12%, o Reino Unido 28% e a Índia, 65%. O terceiro passo é reaproveitar todo o lixo seco antes de mandá-lo para reciclagem. “Um vidro de geleia, por exemplo, pode servir para guardar doces feitos em casa e não ser descartado imediatamente”, explica Waldman. Para ele, a reciclagem tem de ser o último estágio dessa cadeia dos quatro erres, pois a reciclagem não é eterna, como pode sugerir seu símbolo. O papel, por exemplo, pode ser reciclado até seis vezes e o plástico, até sete. O Brasil produz 5,5% do lixo mundial. Apesar de estar no topo das estatísticas em reciclagem de alguns produtos, como latinhas de alumínio, o Brasil só recicla 13% do lixo seco, contra 31% dos Estados Unidos, 35% da Bélgica e Suécia e 48% da Alemanha. Poços de Caldas está ainda mais atrás, reciclando apenas 1% dos seus detritos. Educação A mudança de hábitos não é fácil e depende muito da educação ambiental oferecida pelo Estado. Na opinião de Waldman, a educação ambiental no Brasil é uma “porcaria”. “Antes de saber que o urso Panda e as baleias estão em extinção, nossas crianças precisam aprender o básico, que é apagar a luz, fechar a torneira e colocar o lixo no lugar certo.”◄

Mudança de hábitos é essencial

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1. Villa dos Pesquisadores 2. Viveiro de mudas 3. Nilson P. Souza, vice-presidente Alcoa - América Latina e Caribe


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: s o d li ó s s o u íd s e r e o Lix o que sabemos disso

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por Sidney Kelly Santos*

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o chegar ao posto de gasolina, pergunto ao frentista onde posso descartar uma garrafa de plástico vazia. Ele indica os recipientes coloridos que tanto vemos para as várias formas de lixo. No entanto, não tinham rótulos. Mesmo sabendo da cor adequada, perguntei a ele em qual deveria colocar a garrafa e ele respondeu “qualquer um”. Há muito a fazermos em termos de meio ambiente e a primeira coisa é conhecer o lixo. Sua produção, de forma orgânica ou não, é inevitável: atividades humanas geram descarte. Porém, é preciso ter mais clareza do que se dispensa e, principalmente, do que se (re)aproveita. Nas cidades, além do lixo orgânico, considerar a questão do resíduo sólido urbano (não-orgânico) é a condição para a recuperação do meio ambiente. Recorramos a Lavoisier: “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma!” Todo material orgânico é reaproveitável, mas o lixo das cidades não se resume a isso. Há materiais que não podem ser reutilizados, não se degradam ou o fazem apenas após muito tempo ou com enorme investimento (financeiro ou de recursos humanos). A reciclagem deve ser pensada para além dos modismos. Envolve desde a educação das crianças, o cuidado no descarte, a capacitação dos recicladores e a aplicabilidade do objeto reciclado. Não podemos (re)criar objetos que não vençam a primeira faxina por sua total inutilidade! Simplesmente usar a palavra reciclagem, bem como dizer que algo é sustentável, sem estes cuidados, pode ser uma atitude leviana em relação à ética do reaproveitamento dos resíduos. Precisamos conhecer, entender e, depois, decidir – na coletividade – a melhor forma de reaproveitamento dos restos de nossas produções. Quanto maior o consumo de bens dispensáveis, maior a proporção de descartáveis. Sustentabilidade e reciclagem envolvem políticas de ação, educação ambiental e as leis que regem nossas práticas.◄

*Sidney Kelly Santos é arquiteto, urbanista e participante do upcycling. Rua Tomazo Venafro, 247 - Jd. Vitória I www.oekarquitetura.com.br · oekarquitetura@hotmail.com


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