









“A caminhada inicia aqui. Estamos na Beira-Mar, parte da orla de Fortaleza. O piso é de pedra cariri. Depois dos anos 70 e da praga do bicudo, a região do cariri perdeu o sustento provindo do algodão. Instalaram-se pedreiras cooperativas onde desde então exploram e vendem a tal da pedra cariri para construção a preços populares. É uma região rica em terreno calcário e fósseis de dinossauros e peixes. Abriga uma das maiores reservas paleontológicas do período cretáceo do mundo. Todos esses riscos e pontos no chão são fósseis. O indício que o sertão já foi mar deita à sua beira novamente. É um grande cemitério invisível que leva à outra carcaça (várias, aliás) mas esta em particular chama atenção. Dentre os estratos e cama-
das de tempo ali presente, símbolos do futuro pesam sobre os ossos duros e tecidos moles de vivos e mortos. Ao final do calçadão, logo depois da ponte metálica, a ruína de um aquário gigante ainda em construção a ser entregue num horizonte próximo. Além dos tempos, misturam-se naquela parte do litoral demasiados números. Chicletes que se decompõem em 5 anos, pisados por 500 mil turistas por ano, que arrastam as solas sobre fósseis de mais de 5 milhões de anos todos os dias, envolvidos pelo fantasma de aço, ferro e concreto de um aquário de 200 milhões de reais. Dinheiro e tempo aos milhões encontram-se ali, como a onda encontra a pedra.”
“Dinheiro e tempo aos milhões encontram-se ali, como a onda encontra a pedra.”
Naiana Magalhães
Duna sobre tela
2022 · Projeto de instalação
Telas de nylon verde, cal e brita
Dimensões variáveis
Acervo da artista
A obra de Naiana Magalhães tem se desdobrado com profundidade no estudo conceitual e visual das paisagens litorâneas cearenses. Apoiada na luta pela sustentação dos meios naturais da região, a artista expande suas inquietações em elaboradas produções que reivindicam memória, produção crítica, manutenção dos meios naturais, denúncia social e a arte enquanto plataforma de luta por uma sociedade de bem-estar e viver coletivo.
Utilizando-se de linguagens e conceitos variados, apropriando-se de elementos marcantes da paisagem que a cerca — as águas, as areias, as pedras, as conchas, entre outros —, a artista se afirma em produções expandidas, com desejos políticos, artísticos e poéticos, anunciando formas de entender a vida entre o invisível e visível, entre o sensível e o real.
As águas do mar talvez tenham maior presença em sua produção. A artista costuma afirmar que já “nasceu olhando o mar” e que “foi o mar que ensinou a imaginar”. Ora, foi pela janela da casa onde viveu na infância que a artista descobriu os movimentos das ondas oceânicas, base para suas narrativas e produções. Para ela, o mar e seus elementos são formas de entender a vida, a si e o mundo. Não à toa, desenvolveu Sombra do Tempo (2019), filme que documenta seus dias navegando em altomar junto a jangadeiros, na deriva da aventura e da experiência. O vídeo documenta poeticamente o conhecimento daqueles que estão no encontro diário com o natural, com as formas de conhecer a si mesmo em deriva. Tal obra traz imagens que flertam com as delicadezas ameaçadoras das águas, do tempo e das incertezas da vida, navegando em amalgamados, suaves e explosivos vai e vem, com deslocamentos de luz e vento.
Na linha tênue que envolve o existir em meio à artificialidade urbana, extrativista e capitalista, persistindo na busca por formas sustentáveis de vida, Naiana Magalhães faz de suas obras plataformas para documentar tempos, memórias, saberes construídos fora das institucionalidades das artes. Reforçando um caráter social, ela fomenta
críticas aos excessivos controles mercadológicos dos territórios litorâneo e sertanejos do estado do Ceará. Em Cariris (2018) e Fortal (2018-2020) expõe a especulação da orla de Fortaleza, área com um dos metros quadrados mais caros do país e onde se forma uma imensa barreira de concreto contra o vento marítimo, o que contribui para o superaquecimento da cidade, além de também elitizar e excluir possibilidades de vida que não se adequam a determinadas formas e desejos.
Em ambas as obras, Naiana Magalhães desenha edifícios presentes na faixa litorânea da cidade, dando ênfase ao uso da pedra Cariri, importante composto do solo cearense, que, além de sedimentar o solo, apresenta registros da vida no planeta de milhões de anos atrás, uma preciosidade que merece ser observada com minuciosidade, mas que tem sido vítima da extração desenfreada do mercado imobiliário e da política governamental aliada aos descasos com a cultura nacional.
O mar também é um elemento simbólico na história do Ceará, relacionando-se à bravura e resistência do nosso povo, simbologias fundamentais. Foi a partir do mar, por exemplo, que o abolicionista Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, lutou pela abolição da escravidão e se tornou referência nacional. Das bordas que seguram as águas que banham as praias àquelas que cobriram o sertão há milhões de anos, o mar é símbolo de bravura, resistência e poesia; e também marca a produção de diversos artistas cearenses, como o conhecido Raimundo Cela e também Naiana Magalhães, mais um capítulo dessa narrativa.
O ano de 2022 foi um ano marcado por violentas perdas, adoecimentos, dores e choros amargos daqueles que lutam pela permanência das vidas humanas e não humanas, que entendem a permanências das florestas, dos mares, dos rios, das vidas animais e vegetais como fundamentais para a existência do planeta e de uma humanidade mais saudável, em um estado dicotômico, dividido entre os desejos genocidas e aqueles que incansavelmente lutam por melhorias. Na obra “Ecologiaépoesia”, por exemplo, a artista expõe pedaços dessa situação. O título remete à fala de um engenheiro da Prefeitura de Fortaleza, responsável pela obra da CE-010, rodovia estadual que atravessa o percurso de uma duna de areia móvel. O profissional, ao se deparar com a areia da duna cobrindo a pista, manifestou descaso com as denúncias e o meio ambiente.
As dunas foram tema de outra obra da artista, a instalação Duna sob tela (2022), apresentada em RISCA, sua exposição individual no Museu de Cultura Cearense, instituição integrada ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O título ironiza o formato clássico da pintura — óleo sobre tela —, que aqui se materializa com uma tela plástica perfurada esticada no solo e mantendo pequenas elevações, sob qual é despejada areia, formando a paisagem visual que remete às dunas.
Conectando espaço, história e atualidade, a artista opera um longo trajeto entre vida, pensamento crítico, suporte da materialidade para falar sobre o que ocorre no espaço brasileiro, na disputa por sustentação da vida e na urgência de manutenção do que nos sustenta neste mundo.
Afundados
2012 · Vídeo-instalação
Acervo da artista
2018 · Pintura, acrílica s/ tela
20 x 30 cm
Acervo da artista
2021 · Objeto
4 taças de vidro, areia colorida
27 x 60 x 10 cm
Acervo da artista
Varreduna (acima e na página seguinte)
2021 · Díptico de fotografia s/ papel algodão
140 x 100 cm [cada]
Acervo da artista
Série 1/12
2022 · Objeto
3 taças de vidro, areia colorida
16 x 30 x 7 cm
Acervo da artista
Série Fortal 01
2018 · Pintura, acrílica s/ tela
90 x 80 cm
Acervo da artista
Série Fortal 02
2018 · Pintura, acrílica s/ tela
30 x 40 cm
Acervo da artista
Série Fortal 03
2018 · Pintura, acrílica s/ tela
30 x 40cm
Acervo da artista
Cianofóssil
2018 · Série de 12 cianotipias s/ papel Mix Media
29,7 x 21 cm
Acervo da artista
Série 1/35
como numa alquimia de naiana magalhães, a exposição risca foi se construindo ao longo de alguns anos. um desejo persistia - realizar a mostra no piso intermediário do museu da cultura cearense. a presença da pedra cariri como revestimento do piso daquele espaço do museu despertou o interesse da artista, dada a importância do material no âmbito da sua pesquisa. a pedra e suas camadas históricas se espalham, como um amálgama, perpassando diversos trabalhos e construindo relação com todas as obras da mostra.
a mistura de elementos - terra, fogo, ar, água, espaço e tempo, aparece em fotografias, vídeos, instalações, objetos e outros formatos de obra que naiana reúne de maneira contundente na mostra. no recorte desta exposição a maritimidade surge como mote para o disparo de um olhar sutil sobre modos extrativistas de habitar e ocupar a capital litorânea do ceará. em paralelo, o trabalho remete à região do cariri e ao movimento de idas e voltas do interior para o litoral. a pedra cariri foi excessivamente usada no calçadão da beira mar e da praia de iracema e essa escolha se deve a alguma razão, e qual seria?
o material citado levou a artista ao interior do ceará, onde aprofundou a pesquisa sobre a natureza do mesmo e o mistério de séculos de história desenhado nos fósseis contidos em suas lâminas sedimentares. naiana passou, então, a lançar diferentes olhares sobre essa pedra, colecionando exemplares na forma de registros fotográficos e transformando sua experiência em obras, como aconteceu nas séries cianofóssil, fóssil no asfalto e cariris, todas obras de 2018.
Vieiraa presença da imagem de prédios e do litoral (mar e dunas) marca a obra de naiana magalhães desde o início da sua produção até o momento. assim acontece com a obra afundados (2012), uma vídeoinstalação que traz a imagem do topo de um prédio, que mais parece uma plataforma em alto do mar. a artista constrói uma relação do vídeo projetado numa parede preta com seu reflexo em um linóleo também preto aplicado no chão, provocando um outro olhar que estimula a imaginação e o delírio, como características de seu processo criativo.
os fósseis que naiana colecionou, fotografando pedras cariri pela cidade de Fortaleza, revelam-se também em azul, após um processo fotográfico artesanal, envolvendo químicos e a luz do soltécnica denominada cianotipia. alguns troncos e algas em meio a outros elementos se misturam aos peixes fossilizados das pedras cariri. é desse caldeirão de elementos que surgem as plantas no trabalho da artista, possivelmente afetada pela referência da primeira mulher fotógrafa que também era botânica, anna atkins (1799-1871). a partir da observação das plantas fósseis, naiana elabora um jogo com a sombra de plantas no asfalto e em outros solos. no vídeo umbra (2015), a artista cataloga várias espécies de plantas, trazendo seus nomes científicos e apresentando o registro da sua sombra em diferentes superfícies. na mistura dos elementos que formam tudo o que existe, é possível observar o uso atento de cada um deles (terra, fogo, água e ar) no espaço, na intenção de provocar uma alquimia e de transformar as imagens com sutileza, delírio e denúncia sobre as relações entre os seres vivos, minerais e vegetais.
Série Mar Torto
2017 · Pintura, acrílica s/tela
30 x 20 cm [cada]
Acervo da artista
2017· Vídeo, 4’38”
Acervo da artista
Série 1/12
Risca
2017 · Vídeo, 8’26”
Acervo da artista
Série 1/12
2018 · Vídeo, 8’44”
Acervo da artista
Série 1/12
Gris
2016 · Vídeo, 4’32”
Acervo da artista
Série 1/12
2012 · Vídeo, 1’59”
Acervo da artista
Série 1/12
Polvo
2011 · Vídeo em looping
Acervo da artista
Série 1/12
2019 · Filme digital, 20’00”
Acervo da artista
Série 1/12 –
Naiana Magalhães Direção
Lis Paim
Edição e Montagem
Lucas Coelho
Edição de som
Escola Porto Iracema das Artes Fomento
2018 · Objeto
Totem de madeira 40 x 90 cm, cuba de acrílico, pedra cariri 40 x 40 cm, ventilador, lâmpada LED
Acervo da artista
Série 1/12
2018 · Carvão e acrílica s/ papel kraft
300 x 60 cm
Coleção particular
2018 · Fotografias
Papel algodão s/ madeira
10 x 14 cm [cada]
Acervo da artista
Série 1/12
2015· Vídeo, 7’52”
Acervo da artista
Série 1/12
Artista
Naiana Magalhães
Curadoria
Carolina Vieira
Produção
Sol Moufer
Expografia
Synara Barros
Montagem
Imagination Exposicões de Arte e Acessórios
Josymar Nascimento
Vicente Narcízio Filho
Projeto gráfico (catálogo)
Samuel Tomé
Apoio Galeria Multiarte
GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ
Governador do Estado do Ceará
Elmano de Freitas da Costa
Vice-governadora do Estado do Ceará
Jade Afonso Romero
SECRETARIA DA CULTURA
Secretária da Cultura do Estado do Ceará
Luisa Cela de Arruda Coelho
INSTITUTO DRAGÃO DO MAR
Diretora-presidenta
Rachel Gadelha
Diretora de Planejamento e Gestão
Adriana Victorino
Diretora de Formação
Elisabete Jaguaribe
Diretor de Articulação Institucional
Lenildo Gomes
CENTRO DRAGÃO DO MAR DE ARTE E CULTURA
Superintendente
Helena Barbosa
Gestora Administrativa e Financeira
Ana Paula Medeiros
Assessor Institucional
Jean Nascimento
MUSEU DA CULTURA CEARENSE
Gerente
Márcia Moreno
Coordenadora Administrativa
Regina Oliveira
Assistente de Gerencia
Helaine Cristina
Coordenação
Ícaro Souza
Assistente de Coordenação
Francisco Mateus
Educadores
Zami
Rosangela Brito
Julia Moreira
Valdenia Lima
Barbara Silveira
Alan Negreiros
Thais Freitas
Mirella Penha
Lissa Cavalcante
Benedito Renan
Carlos Davi
Auxiliares
Kaylane Marlene
Alana Lima
Ícaro Hugo
Maria Eduarda
Jovem Aprendiz
João Victor
Acrísio Silva
Magda Mota
Maria Aparecida Batista
Fernando Marques
NÚCLEO DE MEDIAÇÃO SOCIOCULTURAL
PROJETO ACESSO
Coordenação
Márcia Moreno
Equipe
Alana Oliveira
Carlos Viana
Lara Lima
Julia Fekete