RISCA

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RISCA naiana magalhães
Anotações da artista Naiana Magalhães 6 Dunas sobre tela 10 Naiana Magalhães: veneração e defesa daquilo que não se foi, mas que não sabemos se um dia irá Luciara Ribeiro
Afundados 14 · Vento leste
Ecologia é poesia
18
na areia 19
Fortal 20 Cianofóssil 21
Carolina Vieira
Série Mar torto 23 Risca delirante 24
25 Sombra
tempo
28
29
5
12
·
15—17 Varreduna
Fortal
Série
Cianorisca
22—23
· Risca · Extrativista I · Gris · Mecânicas Bucais · Polvo
do
26—27 Cariris
Coração
ÍNDICE
· Fóssil no asfalto · Umbra

ANOTAÇÕES DA RTISTA

“A caminhada inicia aqui. Estamos na Beira-Mar, parte da orla de Fortaleza. O piso é de pedra cariri. Depois dos anos 70 e da praga do bicudo, a região do cariri perdeu o sustento provindo do algodão. Instalaram-se pedreiras cooperativas onde desde então exploram e vendem a tal da pedra cariri para construção a preços populares. É uma região rica em terreno calcário e fósseis de dinossauros e peixes. Abriga uma das maiores reservas paleontológicas do período cretáceo do mundo. Todos esses riscos e pontos no chão são fósseis. O indício que o sertão já foi mar deita à sua beira novamente. É um grande cemitério invisível que leva à outra carcaça (várias, aliás) mas esta em particular chama atenção. Dentre os estratos e cama-

das de tempo ali presente, símbolos do futuro pesam sobre os ossos duros e tecidos moles de vivos e mortos. Ao final do calçadão, logo depois da ponte metálica, a ruína de um aquário gigante ainda em construção a ser entregue num horizonte próximo. Além dos tempos, misturam-se naquela parte do litoral demasiados números. Chicletes que se decompõem em 5 anos, pisados por 500 mil turistas por ano, que arrastam as solas sobre fósseis de mais de 5 milhões de anos todos os dias, envolvidos pelo fantasma de aço, ferro e concreto de um aquário de 200 milhões de reais. Dinheiro e tempo aos milhões encontram-se ali, como a onda encontra a pedra.”

5
“Dinheiro e tempo aos milhões encontram-se ali, como a onda encontra a pedra.”
Naiana Magalhães

Duna sobre tela

2022 · Projeto de instalação

Telas de nylon verde, cal e brita

Dimensões variáveis

Acervo da artista

NAIANA MAGALHÃES: VENERAÇÃO E DEFESA DAQUILO QUE NÃO SE FOI, MAS QUE NÃO SABEMOS SE UM DIA IRÁ

A obra de Naiana Magalhães tem se desdobrado com profundidade no estudo conceitual e visual das paisagens litorâneas cearenses. Apoiada na luta pela sustentação dos meios naturais da região, a artista expande suas inquietações em elaboradas produções que reivindicam memória, produção crítica, manutenção dos meios naturais, denúncia social e a arte enquanto plataforma de luta por uma sociedade de bem-estar e viver coletivo.

Utilizando-se de linguagens e conceitos variados, apropriando-se de elementos marcantes da paisagem que a cerca — as águas, as areias, as pedras, as conchas, entre outros —, a artista se afirma em produções expandidas, com desejos políticos, artísticos e poéticos, anunciando formas de entender a vida entre o invisível e visível, entre o sensível e o real.

As águas do mar talvez tenham maior presença em sua produção. A artista costuma afirmar que já “nasceu olhando o mar” e que “foi o mar que ensinou a imaginar”. Ora, foi pela janela da casa onde viveu na infância que a artista descobriu os movimentos das ondas oceânicas, base para suas narrativas e produções. Para ela, o mar e seus elementos são formas de entender a vida, a si e o mundo. Não à toa, desenvolveu Sombra do Tempo (2019), filme que documenta seus dias navegando em altomar junto a jangadeiros, na deriva da aventura e da experiência. O vídeo documenta poeticamente o conhecimento daqueles que estão no encontro diário com o natural, com as formas de conhecer a si mesmo em deriva. Tal obra traz imagens que flertam com as delicadezas ameaçadoras das águas, do tempo e das incertezas da vida, navegando em amalgamados, suaves e explosivos vai e vem, com deslocamentos de luz e vento.

Na linha tênue que envolve o existir em meio à artificialidade urbana, extrativista e capitalista, persistindo na busca por formas sustentáveis de vida, Naiana Magalhães faz de suas obras plataformas para documentar tempos, memórias, saberes construídos fora das institucionalidades das artes. Reforçando um caráter social, ela fomenta

10
Luciara Ribeiro · Educadora, pesquisadora e curadora

críticas aos excessivos controles mercadológicos dos territórios litorâneo e sertanejos do estado do Ceará. Em Cariris (2018) e Fortal (2018-2020) expõe a especulação da orla de Fortaleza, área com um dos metros quadrados mais caros do país e onde se forma uma imensa barreira de concreto contra o vento marítimo, o que contribui para o superaquecimento da cidade, além de também elitizar e excluir possibilidades de vida que não se adequam a determinadas formas e desejos.

Em ambas as obras, Naiana Magalhães desenha edifícios presentes na faixa litorânea da cidade, dando ênfase ao uso da pedra Cariri, importante composto do solo cearense, que, além de sedimentar o solo, apresenta registros da vida no planeta de milhões de anos atrás, uma preciosidade que merece ser observada com minuciosidade, mas que tem sido vítima da extração desenfreada do mercado imobiliário e da política governamental aliada aos descasos com a cultura nacional.

O mar também é um elemento simbólico na história do Ceará, relacionando-se à bravura e resistência do nosso povo, simbologias fundamentais. Foi a partir do mar, por exemplo, que o abolicionista Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, lutou pela abolição da escravidão e se tornou referência nacional. Das bordas que seguram as águas que banham as praias àquelas que cobriram o sertão há milhões de anos, o mar é símbolo de bravura, resistência e poesia; e também marca a produção de diversos artistas cearenses, como o conhecido Raimundo Cela e também Naiana Magalhães, mais um capítulo dessa narrativa.

O ano de 2022 foi um ano marcado por violentas perdas, adoecimentos, dores e choros amargos daqueles que lutam pela permanência das vidas humanas e não humanas, que entendem a permanências das florestas, dos mares, dos rios, das vidas animais e vegetais como fundamentais para a existência do planeta e de uma humanidade mais saudável, em um estado dicotômico, dividido entre os desejos genocidas e aqueles que incansavelmente lutam por melhorias. Na obra “Ecologiaépoesia”, por exemplo, a artista expõe pedaços dessa situação. O título remete à fala de um engenheiro da Prefeitura de Fortaleza, responsável pela obra da CE-010, rodovia estadual que atravessa o percurso de uma duna de areia móvel. O profissional, ao se deparar com a areia da duna cobrindo a pista, manifestou descaso com as denúncias e o meio ambiente.

As dunas foram tema de outra obra da artista, a instalação Duna sob tela (2022), apresentada em RISCA, sua exposição individual no Museu de Cultura Cearense, instituição integrada ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O título ironiza o formato clássico da pintura — óleo sobre tela —, que aqui se materializa com uma tela plástica perfurada esticada no solo e mantendo pequenas elevações, sob qual é despejada areia, formando a paisagem visual que remete às dunas.

Conectando espaço, história e atualidade, a artista opera um longo trajeto entre vida, pensamento crítico, suporte da materialidade para falar sobre o que ocorre no espaço brasileiro, na disputa por sustentação da vida e na urgência de manutenção do que nos sustenta neste mundo.

11

Afundados

2012 · Vídeo-instalação

Acervo da artista

14

Vento Leste

2018 · Pintura, acrílica s/ tela

20 x 30 cm

Acervo da artista

Ecologia é poesia

2021 · Objeto

4 taças de vidro, areia colorida

27 x 60 x 10 cm

Acervo da artista

Varreduna (acima e na página seguinte)

2021 · Díptico de fotografia s/ papel algodão

140 x 100 cm [cada]

Acervo da artista

Série 1/12

15

Fortal na Areia

2022 · Objeto

3 taças de vidro, areia colorida

16 x 30 x 7 cm

Acervo da artista

Série Fortal 01

2018 · Pintura, acrílica s/ tela

90 x 80 cm

Acervo da artista

Série Fortal 02

2018 · Pintura, acrílica s/ tela

30 x 40 cm

Acervo da artista

Série Fortal 03

2018 · Pintura, acrílica s/ tela

30 x 40cm

Acervo da artista

Cianofóssil

2018 · Série de 12 cianotipias s/ papel Mix Media

29,7 x 21 cm

Acervo da artista

Série 1/35

20

CIANORISCA

como numa alquimia de naiana magalhães, a exposição risca foi se construindo ao longo de alguns anos. um desejo persistia - realizar a mostra no piso intermediário do museu da cultura cearense. a presença da pedra cariri como revestimento do piso daquele espaço do museu despertou o interesse da artista, dada a importância do material no âmbito da sua pesquisa. a pedra e suas camadas históricas se espalham, como um amálgama, perpassando diversos trabalhos e construindo relação com todas as obras da mostra.

a mistura de elementos - terra, fogo, ar, água, espaço e tempo, aparece em fotografias, vídeos, instalações, objetos e outros formatos de obra que naiana reúne de maneira contundente na mostra. no recorte desta exposição a maritimidade surge como mote para o disparo de um olhar sutil sobre modos extrativistas de habitar e ocupar a capital litorânea do ceará. em paralelo, o trabalho remete à região do cariri e ao movimento de idas e voltas do interior para o litoral. a pedra cariri foi excessivamente usada no calçadão da beira mar e da praia de iracema e essa escolha se deve a alguma razão, e qual seria?

o material citado levou a artista ao interior do ceará, onde aprofundou a pesquisa sobre a natureza do mesmo e o mistério de séculos de história desenhado nos fósseis contidos em suas lâminas sedimentares. naiana passou, então, a lançar diferentes olhares sobre essa pedra, colecionando exemplares na forma de registros fotográficos e transformando sua experiência em obras, como aconteceu nas séries cianofóssil, fóssil no asfalto e cariris, todas obras de 2018.

a presença da imagem de prédios e do litoral (mar e dunas) marca a obra de naiana magalhães desde o início da sua produção até o momento. assim acontece com a obra afundados (2012), uma vídeoinstalação que traz a imagem do topo de um prédio, que mais parece uma plataforma em alto do mar. a artista constrói uma relação do vídeo projetado numa parede preta com seu reflexo em um linóleo também preto aplicado no chão, provocando um outro olhar que estimula a imaginação e o delírio, como características de seu processo criativo.

os fósseis que naiana colecionou, fotografando pedras cariri pela cidade de Fortaleza, revelam-se também em azul, após um processo fotográfico artesanal, envolvendo químicos e a luz do soltécnica denominada cianotipia. alguns troncos e algas em meio a outros elementos se misturam aos peixes fossilizados das pedras cariri. é desse caldeirão de elementos que surgem as plantas no trabalho da artista, possivelmente afetada pela referência da primeira mulher fotógrafa que também era botânica, anna atkins (1799-1871). a partir da observação das plantas fósseis, naiana elabora um jogo com a sombra de plantas no asfalto e em outros solos. no vídeo umbra (2015), a artista cataloga várias espécies de plantas, trazendo seus nomes científicos e apresentando o registro da sua sombra em diferentes superfícies. na mistura dos elementos que formam tudo o que existe, é possível observar o uso atento de cada um deles (terra, fogo, água e ar) no espaço, na intenção de provocar uma alquimia e de transformar as imagens com sutileza, delírio e denúncia sobre as relações entre os seres vivos, minerais e vegetais.

21
Carolina

Mar Torto

Série Mar Torto

2017 · Pintura, acrílica s/tela

30 x 20 cm [cada]

Acervo da artista

Risca Delirante

2017· Vídeo, 4’38”

Acervo da artista

Série 1/12

22
23

Risca

2017 · Vídeo, 8’26”

Acervo da artista

Série 1/12

Extrativista I

2018 · Vídeo, 8’44”

Acervo da artista

Série 1/12

Gris

2016 · Vídeo, 4’32”

Acervo da artista

Série 1/12

Mecânicas Bucais

2012 · Vídeo, 1’59”

Acervo da artista

Série 1/12

Polvo

2011 · Vídeo em looping

Acervo da artista

Série 1/12

24

Sombra do Tempo

2019 · Filme digital, 20’00”

Acervo da artista

Série 1/12 –

Naiana Magalhães Direção

Lis Paim

Edição e Montagem

Lucas Coelho

Edição de som

Escola Porto Iracema das Artes Fomento

25

Cariris

2018 · Objeto

Totem de madeira 40 x 90 cm, cuba de acrílico, pedra cariri 40 x 40 cm, ventilador, lâmpada LED

Acervo da artista

Série 1/12

26

Coração

2018 · Carvão e acrílica s/ papel kraft

300 x 60 cm

Coleção particular

28

Fóssil no asfalto

2018 · Fotografias

Papel algodão s/ madeira

10 x 14 cm [cada]

Acervo da artista

Série 1/12

Umbra

2015· Vídeo, 7’52”

Acervo da artista

Série 1/12

29

RISCA

Artista

Naiana Magalhães

Curadoria

Carolina Vieira

Produção

Sol Moufer

Expografia

Synara Barros

Montagem

Imagination Exposicões de Arte e Acessórios

Josymar Nascimento

Vicente Narcízio Filho

Projeto gráfico (catálogo)

Samuel Tomé

Apoio Galeria Multiarte

FICHA CATALOGRÁFICA

apresentação gestão realização apoio

GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ

Governador do Estado do Ceará

Elmano de Freitas da Costa

Vice-governadora do Estado do Ceará

Jade Afonso Romero

SECRETARIA DA CULTURA

Secretária da Cultura do Estado do Ceará

Luisa Cela de Arruda Coelho

INSTITUTO DRAGÃO DO MAR

Diretora-presidenta

Rachel Gadelha

Diretora de Planejamento e Gestão

Adriana Victorino

Diretora de Formação

Elisabete Jaguaribe

Diretor de Articulação Institucional

Lenildo Gomes

CENTRO DRAGÃO DO MAR DE ARTE E CULTURA

Superintendente

Helena Barbosa

Gestora Administrativa e Financeira

Ana Paula Medeiros

Assessor Institucional

Jean Nascimento

MUSEU DA CULTURA CEARENSE

Gerente

Márcia Moreno

Coordenadora Administrativa

Regina Oliveira

Assistente de Gerencia

Helaine Cristina

NÚCLEO DE AÇÃO EDUCATIVA

Coordenação

Ícaro Souza

Assistente de Coordenação

Francisco Mateus

Educadores

Zami

Rosangela Brito

Julia Moreira

Valdenia Lima

Barbara Silveira

Alan Negreiros

Thais Freitas

Mirella Penha

Lissa Cavalcante

Benedito Renan

Carlos Davi

Auxiliares

Kaylane Marlene

Alana Lima

Ícaro Hugo

Maria Eduarda

Jovem Aprendiz

João Victor

Acrísio Silva

NÚCLEO DE CONSERVAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO

Magda Mota

Maria Aparecida Batista

Fernando Marques

NÚCLEO DE MEDIAÇÃO SOCIOCULTURAL

PROJETO ACESSO

Coordenação

Márcia Moreno

Equipe

Alana Oliveira

Carlos Viana

Lara Lima

Julia Fekete

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