VIDA E SEGREDO AURÉLIA DE SOUZA 1866-1922

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Vida e Segredo

Aurélia de Souza (1866 — 1922)

24 nov — 21 mai 2023

MECENAS

ORGANIZAÇÃO

PARCERIAS INSTITUCIONAIS

AURÉLIA DE SOUZA... OLHARES SOBRE A SUA OBRA

Nascida em Valparaíso, no extremo sul do Chile, Aurélia de Souza viveu quase toda a vida no Porto, na Quinta da China, à beira do Douro, morada de família onde morreu em 1922. Mulher-artista, possuiu o talento, a vontade e a determinação que lhe permitiram uma inteira dedicação à prática artística.

Conquistando um território até então eminentemente masculino partiu para Paris onde vivenciou a viragem do século e contactou com as vanguardas culturais e artísticas europeias.

O Museu Nacional Soares dos Reis, tendo à sua guarda um significativo número obras da artista, pretende, nesta evocação, relançar a sua imagem num posicionamento mais estreito com instituições públicas e privadas e colecionadores privados, contribuindo para um reconhecimento mais sistemático da sua obra. Vida e Segredo, a exposição organizada pelo museu em 2022, ano em que se completa o centenário da morte de Aurélia, só é possível com o apoio mecenático de instituições como o BPI | Fundação “la Caixa” e o apoio do Círculo Dr. José de Figueiredo | Amigos do MNSR. Para assinalar esta evocação, a Direção-Geral do Património Cultural – Museu Nacional Soares dos Reis e instituições parceiras como a Universidade do Porto, a Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto, o Instituto de História de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o Município do Porto e o Município de Matosinhos uniram-se em torno da evocação do centenário, que se divide em múltiplas atividades culturais.

A relevância e o prestígio de Aurélia de Souza no panorama cultural português e internacional justificam a evocação conjunta desta artista singular, que sempre esteve na vanguarda da sua época.

António Ponte Diretor do Museu Nacional de Soares dos Reis

Ministério da Cultura

Ministro

Pedro Adão e Silva

Secretária de Estado da Cultura

Isabel Cordeiro

Direção Geral do Património Cultural

Diretor Geral

João Carlos dos Santos

Sub Diretores Gerais

Catarina Romão Gonçalves

Maria Catarina Coelho

Rita Jerónimo

Museu Nacional de Soares dos Reis

Diretor

António Ponte

DGPC – Museu Nacional

Soares dos Reis

CDJF – Amigos do Museu

Nacional Soares dos Reis

Comissariado

Maria João Lello

Ortigão de Oliveira

Comissariado executivo

Ana Paula Machado

Apoio à produção

Ana Anjos Mântua

Apoio ao

Comissariado executivo

Ana Nascimento

Inês Silvestre

Conservação e restauro

Salomé Carvalho

Montagem

Jaime Guimarães

Jorge Barbosa

Paula Lobo

Comunicação

Ana Magalhães

Rui Pinheiro

Serviço de educação

Adelaide Carvalho

Jorge Coutinho

Paula Azeredo

Secretariado

Luísa Machado

Marília Veiga

Projeto de Arquitetura e Museografia

Luís Mendonça

Paula Ribas

Jorge Alves

Design gráfico

Luís Mendonça

Ricardo Ayres

Iga Nawara

Vídeo

Paulo Profírio

Rui Pinheiro

Mecenas

BPI | Fundação “la Caixa”

Agradecimentos

Ana Jordão Felgueiras, Ana Paula e Rui Alberto Varela Remígio, António

Guilbert Bessa Ribas, António José Gonçalves de Azevedo, António Ricca, Carlos Dias, Carolina Gonçalves de Azevedo Furtado, Casa-Museu Anastácio Gonçalves, Casa-Museu Teixeira Lopes – Galerias Diogo de Macedo, Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Português de Fotografia, Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, Cláudia Almeida Domingos Costa Caetano, Elena Komissarova, Fernanda Alves Pimenta, Fernanda Cunha de Magalhães e Menezes Ortigão de Oliveira, Fundação Marques da Silva, Guilherme Castro Henriques, Herdeiros de Luís van Zeller, Herdeiros de Manuel Bessa Ribas, Institut Lumière – Lyon, Joana Isabel Lemos Magalhães da Mota, João Gonçalves de Azevedo, João Martins, José António Cunha, José Augusto Caiado, José Caiado de Souza, José Jordão Felgueiras, José Pereira, Leopoldina Caiado de Souza, Lídia Ramos, Luís Gallego, Luísa Perry Vidal, Maria Aguiar, Maria Cristina Caiado Silva

Pereira, Maria João Lello Ortigão de Oliveira, Maria Eduarda Caiado Silva

Pereira, Maria Lucília Alves Pereira, Maria Ribas Costa, MdS Leilões, Miguel Athayde Marques, Miguel Sequeira Campos, Museu Abade de Baçal, Museu Biblioteca Fundação Casa de Bragança, Museu da Cidade – Casa

Marta Ortigão Sampaio, Museu Calouste Gulbenkian, Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Museu da Quinta de Santiago – Câmara Municipal de Matosinhos, Palácio Do Correio Velho – Leilões e Antiguidades, S.A., Raquel Henriques da Silva, Rita van Zeller, Rodrigo Ortigão de Oliveira, Rosa Maria Mota, Sérgio Marques dos Santos, Sign – Wide Format Printing, Sofia Ortigão de Oliveira

BROCHURA: DESIGN DE KOIÁSTUDIO E FOTOGRAFIAS DE RUI PINHEIRO.

Para a minha “tribo” Ortigão de Oliveira; À memória de Elisa Soares.

QUADROS DE UMA EXPOSIÇÃO AURÉLIA DE SOUZA 1866 – 1922

Parafraseando Jane Austen, é uma verdade universalmente aceite que uma exposição deve implicar um guião e tem a obrigação de contar uma história. Nem um nem outra são evidentes no caso presente.

O difícil equilíbrio entre a acessibilidade geral para um público não informado e consequente contributo para uma leitura alargada, e a descoberta de questões inovadoras, é talvez difícil de atingir: uma exposição não é um exercício erudito para iniciados. À clareza do trajecto deve aliar-se abertura para um desafio intelectual de curiosidade e prazer sustentados.

As palavras nunca são suficientes. Aurélia de Souza, ela própria, não nos facilitou a tarefa: o risco, o traço, a magia da cor, os seus maravilhosos meios de expressão, deixam em suspenso o mistério próprio e alheio, exterior e subjectivo, o jogo entre desvelamento e pudor, irredutível a interpretações, em que os véus espessos e dolorosos, com razões e notas falhadas, deixamos por descobrir.

Deste modo, o guião podia naturalmente ser diverso: este não está a salvo de desvios possíveis de interpretação, e outros, alternativos, tão ou mais válidos, seriam possíveis. O risco existe, nesta escolha que assumimos. A pintora, num exercício de liberdade surpreendente, contamina formas híbridas de géneros, fazendo com que uma natureza morta possa ser um auto-retrato, um quadro de género representar uma reflexão simbólica, um retrato familiar resultar numa digressão existencial sobre a fragilidade da vida, uma paisagem pode sugerir uma crítica social, uma obra de inspiração bíblica indicia uma afirmação política, um cenário implica uma reflexão sobre a cor, uma cena caritativa resulta num mero pretexto para o exercício de puro fascínio de virtuosismo plástico, a escolha de um retratado anónimo reveste uma denúncia social, ou uma afirmação mais ou menos velada de feminismo, um pretenso quadro para consumo infantil pode atingir picos de inquietante estranheza.

O pensamento plástico de Aurélia de Souza leva-nos a territórios não evidentes, de riqueza insuspeitada, com um sopro de liberdade estilística, formal e conceptual, que só quem quer perscrutar para além dos ismos facilitadores e tem coragem de os enfrentar, pode entender.

Amar Aurélia é também amar esses “entorses” aos cânones e mergulhar numa viagem de desafio e encantamento. O facto de muita da sua obra não se encontrar assinada, datada ou nomeada, sendo um desafio para a crítica, exprime porventura o desinteresse pela fixação da imagem à tirania do tempo, da pertença ou das palavras. Mas pode eventualmente servir um desígnio mais fundo, que passa pela negação da importância dos signos e símbolos da maturidade racional e formatada. Como se a imaginação sem regras da infância e da Arte conduzissem o trajecto que a linguagem não deve fixar. Entre o vivido e o sentido, entre o pensamento e a palavra, existe esse espaço de que falava Ernst Bloch e que Aurélia terá explorado intuitivamente, daí resultando um vasto território iconográfico de liberdade que a pintora fez seu. Tal ausência (de assinatura, datação ou título) remete sem dúvida para uma espécie de jogo enigmático que a artista nos lançou, entre “ironias e cansaços” ao modo do José Régio do Cântico negro, hino supremo e desgarrado de inconformismo pós romântico. E existe romantismo na sóbria Aurélia, que segundo o mito familiar, – enganador

e verdadeiro ao mesmo tempo – tudo terá sacrificado à arte. Esta, amante feroz e exclusiva, ter-lhe-ia exigido o sacrifício supremo, presentificado na inalação de tintas tóxicas, que a teriam envenenado e conduzido à morte prematura.

Os últimos 20 anos de vida da pintora corresponderam aos primeiros 20 do novo século.

Foi uma época de enormes transformações, violência e entusiasmos, som e fúria: o assassinato do rei D. Carlos – pintor ele próprio, que adquiriu duas belas paisagens a Aurélia, aqui expostas –, a implantação da República portuguesa, a Grande Guerra, a revolução russa e a bolchevique, a gripe espanhola; no plano cultural, a erupção das primeiras vanguardas.

A circunstância particular de Aurélia de Souza permitiu-lhe viver um pouco à margem destes acontecimentos, mas a menina que forçava as lágrimas para melhor ver o efeito das cores ao sol, a mulher que criou o olhar seco e inadjectivável no retrato do casaco vermelho, não podia deixar de observar o palco do mundo e sugerir a perplexidade perante um tempo, cujas rima e razão se tornavam cada vez mais difíceis de entender e explicar.

Notas para uma Exposição

A presente evocação articula-se em quatro grandes áreas, que, da forma possível, abarcam parte significativa da vida e obra da pintora. Aurélia, não sendo uma “literata”, movia-se num ambiente que, além de economicamente pujante, ostentava o interesse cultural que define um tempo e um espaço em que as marcas de excessiva especialização se diluíam.

Na realidade, no Porto finissecular, o sucesso económico, estava muitas vezes ligado a um genuíno apreço pela cultura, como o testemunha o exemplo – entre muitos outros – de Vasco Ortigão Sampaio, cunhado de Aurélia e Sofia de Souza, mecenas de arte, coleccionador e sobrinho de Ramalho Ortigão.

Vizinho da emblemática Quinta da China era o fotógrafo Paz dos Reis, que ensinou à pintora os rudimentos da nova arte que posteriormente ela tão bem soube explorar: nas imediações da “casa encantada” vivia igualmente Maria Andersen, née Nobre, irmã de António, o genial poeta de o Só. Júlio Brandão, escritor nefelibata e simbolista, confiou-lhe a ilustração de pelo menos dois contos da sua autoria “Leandro”, e “Vale Flor”. Tal efervescência cultural, para citar apenas os exemplos mais directos permitiam-lhe a ela, como “artista visual”, uma aproximação ao vasto território de curiosidades e descobertas que a distinguiram e lhe abriram mundos negados a outros colegas de profissão. O facto da “Casa”, onde viveu quase toda a vida, alternar a vista do rio com a linha de caminho-de-ferro, possibilita insuspeitadas imagens de oposição entre o tempo fluido, infinito, que se espraia no Areinho, e o tempo métrico, quantificado, da passagem dos comboios. Mas igualmente presente está a morte, ligada à água e o seu contrapeso, a esperança que a viagem comporta. Ou vice-versa.

Assim, com todos os acasos e perplexidades da “circunstância” aureliana, articulámos um primeiro núcleo, que apelidámos de Vidas e trata essencialmente do retrato na obra de Aurélia. Ele determina um vector fundamental da sua produção, aperfeiçoado certamente na estadia na Academia Julian, em Paris entre os anos de 1899 e 1900. Nunca é demais insistir na importância do tempo parisiense das irmãs “Souzettes”. Além de ser uma Academia prestigiada, por onde passou um número considerável de artistas que se viriam a destacar

no panorama das vanguardas europeias, a Julian foi um momento fundamental para a formação de um largo continente de mulheres artistas, que encontravam, se não as condições ideais, pelo menos condições favoráveis à sua necessidade de profissionalismo, reconhecimento e autonomia. A insistência no retrato, que contrastava com o acantonamento floral consentido ao “gineceu”, permitiu às irmãs, em especial à mais velha, desenvolver uma área que já anteriormente merecera a sua atenção e o seu talento. Assim, entre retratos familiares, de amigos próximos, encomendados e identificáveis, a retratos de gente anónima, muitas vezes humilde, recrutada no pessoal que enxameava a Quinta da China e executados com o mesmo cuidado, perspicácia e empenho, na busca de uma empatia com os outros, que também é um (re) encontro consigo própria.

Na segunda secção, Espaços, integram-se os locais de intimidade que reflectem o cenário a partir do qual se exerce grande parte da vida de Aurélia de Souza e do seu talento: os interiores, os ateliers, a Casa, os jardins que a envolvem e cercam, a vista a partir da Quinta, tudo espaços confinados, com respiração própria, habitados de memórias felizes e dolorosas, mas familiares.

Tornaram-se porventura refúgios autossuficientes de uma existência quase sem história, de um pensamento plástico complexo e contraditório, que necessita outrossim da segurança do “locus” para poder criar.

Em Temas, propomos a obra da pintora que regista maior variedade temática, manifestando a amplitude dos seus interesses. Com efeito, Aurélia explora as diversas facetas do mundo e declina-as num modo original, que remete para a atenção ao exterior e a processos de experimentação compatíveis com as suas próprias idiossincrasias.

Simultaneamente inovadora e respeitadora de tradições várias, ela soube afirmar a individualidade que os grandes criadores que admirava não deixaram de explorar. Assim, nesta secção, estão representadas algumas das obras que ilustram o apetite por tudo o que a rodeava, ora pacificador, ora violento, delicado e não raro cruel. Nada é deixado ao acaso, na avidez de tudo registar, traços de carácter que até os mais distraídos lhe reconhecem de imediato. Das paisagens estranhas que visitou e admirou, ao género, da caricatura ao registo crítico de tipos sociais, das inquietações espirituais às naturezas mortas, tão efémeras quanto amadas. Singularidades de uma artista que a condição de mulher, burguesa e portuense aconselhariam a evitar e que permitem estabelecer as afinidades electivas com os parceiros (locais e globais) mais talentosos da sua geração, alguns dos quais aqui presentes. Representados?

Finalmente, o último núcleo da exposição, Cores, é dedicado à exploração do eu, autorretrato e auto-representação. Aqui, porque o desvelamento se impõe, a si e aos outros, Aurélia de Souza utiliza os artifícios com que manipula esse desafio de ocultação/transparência em que domina claramente as regras: disfarces, máscaras, óbvias ou subtis, caricaturas, histórias de vida, passagem do tempo, tentativas várias de o fazer suspender, a arte aureliana atinge o paroxismo no justamente celebrado “Autorretrato do casaco vermelho” no qual e como escreveu Carlos Couto S. C. “o rosto de Aurélia acolhe o Absoluto no instante exacto que precede a sua combustão”. Cumpre enfim encerrar este percurso de homenagem à pintora, que uma verdade universalmente aceite, diz transcorrer entre vida exposta e segredo bem guardado.

Post Scriptum

Entre a vida de Aurélia de Souza e o seu contexto, entre os factos vividos e os seus símbolos, esta exposição propõe-se também um desafio possível, que liga três cidades improváveis, três vias de comunicação e três modos de expressão artística.

Valparaíso: o nascimento; cidade mítica do sul do Chile, habitada pela memória do pintor Whistler, o território da infância, o paraíso perdido.

Paris: o acontecimento; a cidade Luz, o centro do mundo, onde a pintora viveu, palco da exposição universal de 1900, marca simbólica entre passado e futuro.

O Porto: de abrigo.

O navio: o perigo; onde a família Souza sofreu um naufrágio no regresso do Chile, fim do tempo da infância; o mar e o rio; a água, símbolo de eternidade e de morte.

O caminho-de-ferro: a evasão; ponto de partida e chegada de Paris e outros destinos, a linha de comboio que atravessa a quinta da China; espaço e tempo para sempre alterados.

A bicicleta: a estabilidade e a autonomia, mas também a afirmação feminista, de que Aurélia de Souza se servia no Porto, para escândalo dos habitantes da cidade.

A pintura: a recuperação da memória, paixão e profissão.

A fotografia: a fixação do instante presente, território experimental que a artista utilizou com mestria.

O cinema: projecção no futuro, imagens em movimento que a autora saudou como espectadora atenta e assídua.

Afinal, registos de eternidade, de tempo anulado e/ou reencontrado.

Qual a resposta, qual a pergunta?

Nota: o texto não segue o acordo ortográfico.

VIDAS

“EU SOU HEATHCLIFF”

Emily Brontë – O Monte dos Vendavais

Emily Brontë declarou na obra maior “O monte dos vendavais” que o seu herói de ficção seria o alter ego da jovem que amava. Estamos em crer que o mesmo se passa relativamente ao retrato na obra de Aurélia de Souza. Estes são, na sua diversidade e simultaneamente, ela e o outro, dimensão tanto mais especular quanto desviante, enganadora e profundamente confessional. As escolhas dos modelos não são óbvias: retratos de família uns, encomendados outros, reconhecíveis uns quantos, anónimos para sempre os restantes, revelam uma empatia que não é sentimental ou deslocada, antes vibrante e interessada.

ESPAÇOS

“UM QUARTO QUE SEJA SÓ SEU”

Virginia Woolf

Este núcleo visa mostrar a temática da interioridade, tema que a sensibilidade da pintora tão bem explorou. Chamando à coação Virginia Woolf, que reivindicava como condição para a criação feminina “um quarto que fosse seu”, exibe os espaços interiores habitados por Aurélia. O parque da Quinta da China, familiar e amplo, permitiu-lhe, sem sair da Casa, matéria para a sua demanda plástica. Assim, os ateliês – “verdadeiros laboratórios para a criação do mundo” – segundo Marcel Proust, as salas de estar, de música, de bordar, as cozinhas, os jardins, são motivos óbvios para o olhar e sensibilidade da artista.

TEMAS

“VEJO OUTRA VEZ TUDO; AS FISIONOMIAS, AS COISAS, A COR E A LUZ”

Raul Brandão – Os Pescadores

Temas é a designação deste núcleo, o maior da exposição e que engloba o vasto leque de géneros que Aurélia de Sousa tocou. Eles contrastam com a reduzida escolha em que as suas colegas de “métier” viviam acantonadas. Tem como santo e senha a frase inspirada de um seu conterrâneo, o grande Raul Brandão, que tão bem traduziu em palavras aquilo que a pintora propôs em imagens: paisagem, natureza morta, pintura de inspiração religiosa, género, algumas obras inéditas, mas também desenho autónomo, completam esta escolha, acrescentando, se necessário fosse, à estatura e originalidade da artista.

CORES

“OH QUE VERMELHO EXTRAORDINÁRIO!... (…) QU’É DOS PINTORES DO MEU PAÍS ESTRANHO, ONDE ESTÃO ELES QUE NÃO VÊM PINTAR?”

António Nobre, Lusitânia no Bairro Latino in Só

Este último painel contempla e enquadra uma das facetas mais originais da sua obra. Entre a evocação do poeta António Nobre, a que Aurélia soube dar esclarecedora resposta e a procura incessante de uma identidade fugidia, o autorretrato é exemplar do génio criativo da pintora, e desse “Je ne sais quoi” que nos legou, como enigma sem solução.

Ex.ma Senhora, Alguém disse que o tempo era o grande escultor. Ele é sem dúvida o enorme mistério. Por isso nos dirigimos a si, dando conta dos trabalhos e dos dias que lhe dedicámos, neste ano que cumpre 100 anos sobre a sua morte. Gostaríamos de lhe dar conta daquilo que no percurso mais ou menos convencional de uma exposição, terá ficado por dizer.

Assim, lembramos vidas valiosas que foram interrompidas, desígnios abandonados, entusiasmos frustrados que guardamos para nós, porque assim tem que ser, mas que a Sra. D. Aurélia poderá intuir. Ao contrário de uma exposição, que tem de oferecer um início, um percurso e um final coerentes, a vida das pessoas é fragmentada, de sentido duvidoso e impossível de prever. Também não pretendemos ser originais de uma forma estridente, e proto dadaísta, mas romper um pouco o método de a abordar, com o respeito, a estima e a admiração que nos merece e que este longo convívio veio reforçar. Sabemos que nisto poderemos contar com o seu olhar cúmplice e talvez indulgente.

Depois de tanto que foi escrito e dito sobre si, o que terá ficado por dizer? A sua obra deixou-nos pistas que continuaremos a explorar; princípios gerais, histórias particulares, interrogações diversas: a passagem do tempo, a infância despreocupada, a maturidade consciente, a velhice digna, tudo isso aflora na sua pintura, bem como a denúncia de um mundo injusto, a ternura pelos mais fracos, a ironia sempre presente. E os casos concretos: Sem o auxílio de um Diário que, a tradição familiar diz ter sido destruído por vontade própria, restam umas poucas cartas, escritas de forma telegráfica à família. A preocupação com a saúde do Francisquinho(?), os parabéns pelos sucessos escolares da sobrinha Maria Feliciana, o convívio com a família Teixeira Lopes em Paris, o incidente trágico cómico com o “tio” Mourão, cunhado de Ramalho Ortigão que lhe havia feito um empréstimo, e a quem queria retribuir, sem o obrigar a pousar. Decidiu então persegui-lo, fixando-lhe os traços fisionómicos, oferecendo-lhe o retrato acabado. O respeitável senhor, bem casado, julgou estar a ser vítima de assédio e disso se queixou à família. Menos dramática, a predilecção pelo retrato do negro, do qual fez postais que depois distribuiu às colegas da Academia Julian; a descrição jocosa de um passeio pelas ruas de Paris, de braço dado com um senhor rotundo e minúsculo, amigo da família; a caracterização das pintoras de Lisboa, amadoras em favor da corte da capital, como “sússia de caganifâncias” (sic).

Ignoramos se nos próximos cem anos será celebrada ou em definitivo esquecida. E também por isso ousamos agradecer-lhe pelo gosto que tivemos em deparar com uma personagem e uma obras tão desafiadoras como a sua.

Com a maior consideração, até sempre! Museu Nacional Soares dos Reis

O QUE FALTOU DIZER…

Life and Secret

Aurélia de Souza (1866 — 1922)

21
24 nov —
may 2023
ORGANIZATION INSTITUTIONAL PARTNERSHIP
SPONSOR

AURÉLIA DE SOUZA... VIEWS OF HER WORK

Born in Valparaíso, in the extreme south of Chile, Aurélia de Souza lived almost all her life on the banks of the Douro, at the Quinta da China, in Porto, the family home where she died in 1922. A woman-artist, she possessed the talent, the will and the determination that enabled her to fully dedicate herself to her art.

Conquering an, until then, eminently male preserve, Aurélia de Souza left for Paris, where she experienced the turn of the century and came into contact with European cultural and artistic avant-gardes.

The Museu Nacional Soares dos Reis (MNSR) has a significant number of the artist’s works in its keeping. In this evocation of her life and art, MNSR intends to relaunch Aurélia de Souza’s image in collaboration with public and private institutions, as well as private collectors, contributing to a more systematic recognition of her work. Vida e Segredo (Life and Secrets), the exhibition organized by the museum in 2022, the centenary of the artist’s death, has only been possible through the patronage of institutions such as BPI | “la Caixa” Foundation and the support of the Círculo Dr. Jose de Figueiredo | Friends of MNSR.

The Direção Geral do Património Cultural – Museu Nacional Soares dos Reis (General Directorate of Cultural Heritage – Soares dos Reis National Museum) and partner institutions, such as the University of Porto, the Portuguese Catholic University – Porto Regional Centre, the Institute of Art History of the Faculty of Social and Human Sciences of the New University of Lisbon, and the Municipalities of Porto and Matosinhos have come together to mark this centenary, which will be celebrated in multiple cultural activities.

Aurélia de Souza’s significance and prestige in the Portuguese and international cultural scene justify the joint commemoration of this highly individual artist, who was always at the vanguard of her time.

of Museu Nacional de Soares dos Reis

Ministry of Culture

Minister

Pedro Adão e Silva

Deputy Minister for Cultural

Isabel Cordeiro

Direção Geral do Património Cultural

General Director

João Carlos dos Santos

Deputy Directors-General

Catarina Romão Gonçalves

Maria Catarina Coelho

Rita Jerónimo

Museu Nacional de Soares dos Reis Director

António Ponte

DGPC – Museu Nacional

Soares dos Reis

CDJF – Amigos do Museu

Nacional Soares dos Reis

Curatorship

Maria João Lello

Ortigão de Oliveira

Executive curatorship

Ana Paula Machado

Production support

Ana Anjos Mântua

Executive curatorship support

Ana Nascimento

Inês Silvestre

Conservation and restoration

Salomé Carvalho

Installation

Jaime Guimarães

Jorge Barbosa

Paula Lobo

Communication

Ana Magalhães

Rui Pinheiro

Education Service

Adelaide Carvalho

Jorge Coutinho

Paula Azeredo

Secretariat

Luísa Machado

Marília Veiga

Architetural project and Museography

Luís Mendonça

Paula Ribas

Jorge Alves

Graphic design

Luís Mendonça

Ricardo Ayres

Iga Nawara

Video

Paulo Profírio

Rui Pinheiro

Sponsor

BPI | Fundação “la Caixa”

Acknowledgments

Ana Jordão Felgueiras, Ana Paula e Rui Alberto Varela Remígio, António

Guilbert Bessa Ribas, António José Gonçalves de Azevedo, António Ricca, Carlos Dias, Carolina Gonçalves de Azevedo Furtado, Casa-Museu Anastácio Gonçalves, Casa-Museu Teixeira Lopes – Galerias Diogo de Macedo, Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Português de Fotografia, Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, Cláudia Almeida Domingos Costa Caetano, Elena Komissarova, Fernanda Alves Pimenta, Fernanda Cunha de Magalhães e Menezes Ortigão de Oliveira, Fundação Marques da Silva, Guilherme Castro Henriques, Herdeiros de Luís van Zeller, Herdeiros de Manuel Bessa Ribas, Institut Lumière – Lyon, Joana Isabel Lemos Magalhães da Mota, João Gonçalves de Azevedo, João Martins, José António Cunha, José Augusto Caiado, José Caiado de Souza, José Jordão Felgueiras, José Pereira, Leopoldina Caiado de Souza, Lídia Ramos, Luís Gallego, Luísa Perry Vidal, Maria Aguiar, Maria Cristina Caiado Silva Pereira, Maria João Lello Ortigão de Oliveira, Maria Eduarda Caiado Silva Pereira, Maria Lucília Alves Pereira, Maria Ribas Costa, MdS Leilões, Miguel Athayde Marques, Miguel Sequeira Campos, Museu Abade de Baçal, Museu Biblioteca Fundação Casa de Bragança, Museu da Cidade – Casa Marta Ortigão Sampaio, Museu Calouste Gulbenkian, Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Museu da Quinta de Santiago – Câmara Municipal de Matosinhos, Palácio Do Correio Velho – Leilões e Antiguidades, S.A., Raquel Henriques da Silva, Rita van Zeller, Rodrigo Ortigão de Oliveira, Rosa Maria Mota, Sérgio Marques dos Santos, Sign

Sofia Ortigão de Oliveira

– Wide Format Printing,

For my Ortigão de Oliveira “tribe”; In memory of Elisa Soares.

PICTURES AT AN EXHIBITION: AURÉLIA DE SOUZA 1866 – 1922

To paraphrase Jane Austen, it is a truth universally acknowledged that an exhibition must have a guide and is obliged to tell a story. In the present case, however, neither one nor the other really applies.

The balance between giving general accessibility to an uninformed public and the consequent contribution to a wide reading, and the discovery of innovative questions, is perhaps difficult to achieve. An exhibition is not an erudite exercise for the initiated. The clarity of the route must be combined with openness to an intellectual challenge of sustained curiosity and pleasure.

Words are never enough. Aurélia de Souza herself did not make the task easier for us: the drawing, line, magic of colour and her wonderful means of expression leave the mystery of herself and others, exterior and subjective, in suspense. We have yet to discover the game between revelation and modesty, irreducible to interpretations, with its dense and painful veils, its failed reasons and notes.

The guide can naturally, therefore, be diverse: it is not safe from possible deviations of interpretation, and other equally or more valid alternatives are possible. The risk lies in this choice we make. The painter, in a surprisingly free exercise, creates hybrid genres, making a still life a selfportrait. A genre painting can represent a symbolic reflection. A family portrait can move into an existential digression about the fragility of life. A landscape can suggest social criticism, a work of biblical inspiration can imply a political statement. Similarly, a scenario can imply a reflection on colour and a charitable scene can actually be a mere pretext for the exercise of pure fascination with plastic virtuosity. The choice of an anonymous model can portray social denunciation, or a somewhat veiled affirmation of feminism. A picture supposedly painted for children can reach peaks of disquieting strangeness.

Aurélia de Souza’s plastic thinking takes us into non-evident territories of unsuspected richness. There is a breath of stylistic, formal and conceptual freedom, which only those who want to go beyond facilitating ‘isms’ and have the courage to face them, can understand.

Loving Aurélia de Souza means also loving these canonical ‘twists’ and diving into a journey of challenge and enchantment. The fact that much of her work is not signed, dated or named – a challenge for critics –, perhaps expresses her lack of interest in subjecting the image to the tyranny of time, belonging or words. But it may ultimately serve a deeper purpose, which involves denying the importance of the signs and symbols of rational and formatted maturity. It is as if the unruly imagination of childhood and art guided the path that language should not set. Between the lived and the meaning, between the thought and the word, there is this space that Ernst Bloch spoke about and that Aurélia de Souza intuitively explored, resulting in a vast iconographic territory of freedom she made hers. This absence (of signature, date or title) undoubtedly refers to a kind of enigmatic game that the artist has challenged us with, between “ironies and exhaustion” in the manner of José Régio’s “Cântico Negro”, a supreme and straying anthem of postromantic nonconformity. And there is romanticism in the sober Aurélia de Souza, who, according to the family myth, –deceptive and true at the same time – sacrificed everything for art. This fierce and exclusive lover demanded the

supreme sacrifice, manifested in the inhalation of poisonous dyes, which led to her premature death.

The last 20 years of the painter’s life were the first 20 of the new century.

It was a time of enormous transformation, violence and enthusiasm, sound and fury. There was the assassination of King Carlos – a painter himself, who acquired two beautiful de Souza landscapes, on display here. The Portuguese Republic was established; the Great War took place; the Russian and Bolshevik revolutions happened; as well as the Spanish flu pandemic. On the cultural plane, the first avantgarde artists erupted on the scene.

Aurélia de Souza’s particular circumstances allowed her to live a little apart from these events. However, the girl who forced her tears to better see the effect of colours in the sun; the woman who created the dry and indescribable look in the ‘red jacket portrait’ could not help but observe the world stage. She felt the perplexity of a time, whose rhyme and reason became more and more difficult to understand and explain.

Notes for an Exhibition

This evocation is organised in four major areas with each, as far as possible, encompassing a significant part of the painter’s life and work. Not being ‘literate’, Aurélia de Souza moved in an environment that, in addition to thriving economically, displayed the cultural interest that defined a time and space where excessive specialization was diluted.

In fact, at the end of the century, economic success was often linked to a genuine appreciation of culture, as witnessed by the example – among many others – of Vasco Ortigão Sampaio. Aurélia and Sofia de Souza’s brother-inlaw, and nephew of Ramalho Ortigão, Sampaio was a patron of the arts and collector.

One of the emblematic Quinta da China’s neighbours was the photographer, Paz dos Reis. Paz dos Reis taught the painter the rudiments of the new art that she later practised so well. Another neighbour of the “enchanted house” was Maria Andersen, née Nobre, António’s sister, the poetic genius who wrote Só (Alone). Júlio Brandão, nefelibata (or ‘cloud walker’) and a symbolist writer, entrusted de Souza with the illustrations for at least two of his short stories: “Leandro”, and “Vale Flor”. Such cultural effervescence, to cite only the most direct examples, allowed her, as a “visual artist”, to approach the vast territory of curiosities and discoveries that would distinguish her and open up worlds denied to other artists.

The house she lived in almost all her life has views both of the river and the railway line. This creates surprisingly contrastive images between fluid, infinite time, spreading out into Areinho, and the metric, quantified time of the passing trains. Equally present, however, is death; linked to water and its counterweight, the hope that the journey entails. Or vice versa.

Thus, with all the accidents and perplexities of Aurélia de Souza’s “circumstances”, we have organised a first section called Lives, which essentially deals with her portraits. It focuses on a fundamental aspect of de Souza’s work, certainly perfected during her stay at the Julian Academy, in Paris between 1899 and 1900. The importance of the “Souzette” sisters’ time in Paris cannot be overestimated. Julian was a prestigious academy, where a considerable number of artists later to be at the forefront of the European avant-garde scene spent time. Besides this, the academy was vital in the development of a wide range of women artists, who found, if not ideal, at least favourable

conditions in their need for professionalism, recognition and autonomy. The insistence on portraiture, contrasting with the “gynaeceum’s” floral cantonment, allowed the sisters, especially the elder, to develop an area that had previously attracted her attention and talent. She therefore produced portraits of family, of close friends, commissioned and identifiable, as well as of anonymous, often quite humble people, recruited from the staff that swarmed around Quinta da China. All these works were executed with the same care, insight and commitment, in search of empathy with others, which was also a (re)encounter with herself.

The second section, Spaces, presents the intimate locations where a large part of Aurélia de Souza’s life was lived and her talent expressed. The interiors, the studios, the house and gardens that surround and enclose it, the view from the Quinta: all confined spaces, with their own breath of life, happy and painful memories; but all familiar. Perhaps they became self-sufficient refuges from an almost storyless existence, from a complex and contradictory plastic thinking, which also needed the security of the locus to be able to create.

Themes displays the painter’s work in its greatest variety, showing the breadth of her interests. Aurélia de Souza certainly explored the different facets of the world, declining them in an original way, focussing her attention on the exterior and experimentation in keeping with her own idiosyncrasies.

Simultaneously innovative and respectful of various traditions, she was able to assert the individuality that the great artists she admired never failed to exploit. This section, therefore, contains some of the works illustrating her appetite for everything that surrounded her, sometimes pacifying, sometimes violent, delicate and often cruel. Nothing was left to chance, in her eagerness to register everything. So many character traits are there that even the most careless viewer will recognize her immediately. From the strange landscapes she visited and admired, to the genre painting; from caricature to the critical record of social types; from spiritual concerns to still lifes, as ephemeral as loved. Singularities of an artist that her condition as a woman, bourgeois and from Porto would have warned her to avoid but that allowed her to establish elective affinities with the most talented partners of her generation (both local and global), some of whom are present (or represented?) here.

The last section in the exhibition, Colours, is dedicated to the exploration of the self, self-portrait and selfrepresentation. Here, because the unveiling imposed itself, on her and on others, Aurélia de Souza used various artifices to deal with this concealment/transparency challenge, whose rules she had clearly mastered: disguises, masks, obvious or subtle, caricatures, life stories, the passage of time and numerous attempts to suspend it.

Aurélian art reached a paroxysm in the justly celebrated Autorretrato do casaco vermelho (Self-portrait of the Red Jacket) in which, as Carlos Couto S.C. has written, “Aurélia’s face welcomes the Absolute in the exact moment that precedes its combustion ”.

This journey must end with a homage to the painter that, as a truth universally acknowledged has it, runs between the exposed life and the well-kept secret.

Post Scriptum

Between Aurélia de Souza’s life and its context; the lived facts and their symbols, this exhibition also proposes a possible challenge: linking three unlikely cities, three means of communication and three modes of artistic expression.

Valparaiso: the birth; mythical city in the south of Chile, inhabited by the memory of the painter Whistler; the territory of childhood, the lost paradise.

Paris: the event; the City of Light; the centre of the world, where the painter lived; the stage for the 1900 World Exhibition; a symbolic mark between past and future.

Porto: the shelter.

The ship: danger; where the Souza family was shipwrecked on their way back from Chile, the end of her childhood years; the sea and the river; water, symbol of eternity and death.

The railway: evasion; departure and arrival point in Paris and other destinations; the train line crossing the Quinta da China; space and time forever altered.

The bicycle: stability and autonomy, but also the feminist affirmation that served Aurélia de Souza in Porto, scandalising the city’s inhabitants.

Painting: the recovery of memory, passion and profession.

Photography: the fixing of the present moment, experimental territory that the artist used masterfully. The cinema: projection into the future; moving images that the artist welcomed as an attentive and assiduous spectator.

After all, records of eternity, of time annulled and/or found again.

What’s the answer, what’s the question?

LIFES

“I AM HEATHCLIFF”

EMILY BRONTË – WUTHERING HEIGHTS

Emily Brontë declared in her classic work, Wuthering Heights, that her fictional hero was the alter ego of the young woman he loved. It could well be said that the same is true of Aurélia de Souza’s portrait work. The other: all the more mirror-like, the more deviant it becomes; misleading and profoundly confessional. These are both diverse and simultaneaously she and the other: all the more mirror-like, the more deviant it becomes; misleading and profoundly confessional. The choice of models is never obvious. Some are family portraits, others were commissioned, a few are recognizable, the rest forever anonymous. They reveal an empathy that is not sentimental or displaced, but vibrant and interested.

SPACES

“A ROOM OF ONE’S OWN”

Virginia Woolf

This section focuses in interiority, a theme the artist’s sensibility explored so well. These pieces invoke Virginia Woolf’s claim that “a room of one’s own” is a condition for female creation. Spaces exhibits the interiors

Aurélia de Souza lived in. The Quinta da China’s park, familiar and spacious provided her, without leaving the house, with material for her artistic quest. The studios – “true laboratories for the creation of the world”, according to Marcel Proust –, the living, music and embroidery rooms, kitchens, gardens, are therefore all obvious motifs for the artist’s gaze and sensibility.

THEMES

“I SEE EVERYTHING AGAIN; THE FACES, THE THINGS, THE COLOUR AND THE LIGHT”

Raul Brandão – The Fishermen

This section, Themes, is the largest in the exhibition and displays the wide range of genres that Aurélia de Souza explored. This is in contrast with the reduced choice of her secluded “métier” colleagues. Her password was the inspired phrase of one of her fellow Portuguese, the great Raul Brandão, whose words expressed so well what the painter conveyed in images: landscape, still life, religious painting, genre, some unpublished works, as well as autonomous drawing that adds, if that were necessary, to de Souza’s stature and originality.

COLORS

“OH WHAT AN EXTRAORDINARY RED!... (…) WHAT OF THE PAINTERS OF MY STRANGE COUNTRY, WHERE ARE THEY WHO DO NOT COME TO PAINT?”

António Nobre, Lusitânia no Bairro Latino in Só (Alone)

This last panels contemplates and frames one of the most original facets of de Souza’s work. Evoking the poet, António Nobre, and giving him an enlightening answer, as well as the incessant search for an elusive identity, the self-portrait is an example of the painter’s creative genius. It is also that “Je ne sais quoi” that she bequeathed to us: an unsolved riddle.

Dear Madam,

Someone said that time was the great sculptor. It is undoubtedly the great mystery.

That’s why we now address you; to give you an account of the work and the days we have dedicated to you, in this year that commemorates 100 years since your death. We would like to give you an account of what, along the fairly conventional path of an exhibition, has remained unsaid. Thus, we remember valuable lives that were interrupted, plans abandoned, frustrated enthusiasms that we keep to ourselves, because that’s how it has to be, but that Ms. Aurélia will be able to intuit.

Unlike an exhibition, which has to offer a coherent beginning, a path and an end, people’s lives are fragmented with uncertain meanings and impossible to predict. Nor do we intend to be original in a strident, and proto-Dadaist way, but rather to break a little the method of approaching you, with the respect, esteem and admiration that you deserve and that this long coexistence has reinforced. We know that in this we can count on your complicity and perhaps indulgent gaze.

After so much has been written and said about you, what remains to be said? Your work has left us clues that we will continue to explore; general principles, personal stories and diverse questions. There is the passage of time: a carefree childhood, conscious maturity and dignified old age. All this emerges in your painting, as well as the criticism of an unjust world, tenderness for the weakest, irony always present.

And the specific cases: without the help of a diary, which, according to family tradition, you destroyed of your own accord, there are a few letters left, laconically written to the family. These letters show concern for Francisquinho’s health(?), congratulate your niece Maria Feliciana’s academic successes, talk of socialising with the Teixeira Lopes family in Paris, the tragic and comical incident with “uncle” Mourão, Ramalho Ortigão’s brother-in-law, who gave you a loan, and whom you wanted to repay, without forcing him to sit for you. You then decided to pursue him, fixing his features, offering him the finished portrait. The respectable man, happily married, thought he was being harassed and complained about it to his family. Less dramatic was your preference for the black man’s portrait, of which you made postcards that you later passed around your colleagues at the Julian Academy. There is also the comic description of a stroll through the streets of Paris, arm in arm with a tiny, rotund gentleman, a friend of the family; and the characterization of the group of Lisbon women painters, amateurs in favour at the capital’s court, as “a rabble of trivialities” (sic).

We do not know whether in the next hundred years you will be celebrated or definitively forgotten. So that is another reason for us to take the opportunity to thank you for the pleasure we have had in coming across a personality and body of work as challenging as yours.

With our utmost consideration, Yours sincerely! Museu Nacional Soares dos Reis

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