O Céu, a Terra e os Homens

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Detalhe de fragmento cerâmico com impressões de Cerastoderma edule (berbigão)

Cerâmica decorada com a técnica punto y raya Y.28-33

Assume particular importância a presença de dois “estilos” decorativos muito diferentes: a cerâmica cardial e a cerâmica de decoração punto y raya, ou boquique. A cerâmica de decoração cardial, obtida através da impressão da concha do berbigão (Cerastoderma edule) na argila ainda fresca, encontra-se associada ao mundo dos primeiros neolíticos do Mediterrâneo, surgindo sistematicamente com as mais antigas datações de comunidades agro-pastoris do arco franco-ibérico. Em Portugal destacam-se os conjuntos cardiais da Gruta da Nascente do Rio Almonda e da Gruta do Caldeirão,14 com as mais antigas datações claramente “neolíticas” para o território português, em torno de 5480 a 4980 cal BC e 5489 a 5320 cal BC (dois sigmas), respectivamente. Dezoito fragmentos de cerâmica cardial foram recolhidos em Casas Novas. Trata-se do segundo maior conjunto de cerâmica cardial presente no actual território português. Autores como João Zilhão têm estabelecido correlação directa entre estes conjuntos e os do litoral levantino, num modelo de neolitização costeira, por pioneiros neolíticos que ocupavam os territórios menos povoados por caçadores-recolectores. Por outro lado, são particularmente relevantes os fragmentos decorados com o “estilo” punto y raya ou boquique. Trata-se de cerâmicas decoradas com linhas de impressões sobrepostas, frequentemente com

Cerâmica decorada com impressão (em cima) e traços incisos (em baixo) V.1-44

pun-cionamento e arrasto.15 Este universo decorativo apresenta uma distribuição geográfica centrada no interior da Península Ibérica, nomeadamente na Meseta, “convivendo” com a decoração cardial em áreas de fronteira, como a Estremadura portuguesa e a bacia do Tejo. A este respeito vejam-se os paralelos formais das cerâmicas de Casas Novas com La Vaquera, em Segóvia. A cerâmica decorada de Casas Novas encontra-se assim entre dois mundos, o interior peninsular e a orla sul, mediterrânica, da Península. O faseamento cronológico destas duas realidades encontra-se em discussão: alguns autores defendem a sua contemporaneidade e outros integram a cerâmica de tipo punto y raya num momento mais avançado, no chamado “neolítico antigo evoluído”.16 A datação e o conjunto artefactual descrito parecem assim indicar que a ocupação de Casas Novas corresponde aos primeiros momentos da neolitização da fachada atlântica da Península Ibérica. Podemos avançar com um modelo de ocupações curtas, sazonais, eventualmente associadas com a exploração de recursos ligados ao meio ribeirinho. Não existindo ainda outros sítios como Casas Novas na margem esquerda do Tejo, a investigação neste local confirma a importância da compreensão desta área para testar modelos de difusão do Neolítico no actual território português.


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