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Património RDD

» MÁSCARA DE LAZARIM

A elaboração das máscaras é realizada para um fim específico, comemorar o Entrudo. Tal como as origens do Entrudo, também se desconhece quando foram produzidas as primeiras máscaras e o que levou os artesãos a fazê-las e qual a experiência vivencial que estará na origem desta tradição.

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A freguesia de Lazarim, de acordo com as descrições orais dos habitantes mais antigos, sempre esteve envolta em zonas de pinhais e matas com áreas bastante extensas, tendo sido a produção florestal uma das principais atividades económicas. A esta atividade associa-se a existência de muitas famílias de carpinteiros, o que ainda hoje acontece. Este facto permitia que a elaboração de máscaras de madeira fosse, assim, facilitada, existindo matéria-prima, ferramentas e a arte.

Os artesãos utilizavam madeira de diferentes espécies de árvores para elaborarem as máscaras. Poder-se-á afirmar que como o número de máscaras que produziam era muito reduzido, geralmente para uso próprio ou de algum familiar, aproveitavam algum pedaço de madeira, sobrante de algum trabalho de carpintaria ou cedido por algum vizinho. Mais recentemente, com a crescente comercialização das máscaras, os artesãos produzem mais máscaras, surgindo a necessidade de se abaterem árvores para a elaboração das mesmas. Tendo optado por utilizarem apenas a madeira de amieiro na elaboração das máscaras pelas vantagens que reúne. O amieiro (Alnus glutinosa) é uma árvore ripícola, nasce junto aos rios e é de crescimento rápido. Por este motivo os amieiros não se podem considerar, por ora, em vias de extinção. A madeira de amieiro, de baixa densidade e alto teor de água, são características muito vantajosas para elaboração e uso da máscara. A baixa densidade e alto teor de água permite que seja uma madeira “mole”, por isso fácil de trabalhar. Depois de seca, torna-se leve, o que facilita o uso da máscara, pois o careto usa a máscara durante algumas horas. Outra característica vantajosa, é o facto de não ter o cheiro de “madeira” (resinas), tornando-se mais confortável o uso da máscara.

Esta madeira, para poder ser bem trabalhada, tem de ser cortada numa época específica do ano (no início do inverno), analisando as características que a seiva apresenta e de acordo com a experiência dos artesãos. Segundo estes, a fase em que a lua se encontra também influência o momento do corte da madeira. Como o teor de água é elevado, esta madeira tem de ser trabalhada na época mais fria do ano, de forma a evitar que seque repentinamente e acabe por partir.

A altura certa para cortar os amieiros é no final de novembro ou início dezembro, momento que os artesãos sabem melhor que ninguém e cuja experiência tem sido passada de geração em geração. Começam por escolher quais os amieiros mais saudáveis e que apresentem menos probabilidade de imperfeições no seu interior e, cujo tronco tenha a largura necessária para a dimensão das máscaras. É também importante que o seu corte não prejudique amieiros próximos, especialmente em fase de crescimento. O tronco do amieiro é, posteriormente, dividido pelo artesão em várias partes com as alturas aproximadas a atribuir a cada máscara. A partir desse tronco de madeira, o artesão começa a esculpir a sua peça. A forma da máscara, segundo os artesãos, surge da sua imaginação e está idealizada na sua mente. Quando questionado sobre como define a máscara que vai elaborar, um dos artesãos, Adão Almeida, responde, dizendo “olho para o tronco e a máscara já lá está, só tenho que tirar a madeira que está a mais”.

Segue-se a fase de retirar “a madeira que está a mais”, ainda que, com um aspeto muito rudimentar, a máscara comece a tomar forma. O trabalho vai-se tornando mais minucioso para que a forma e os pormenores sejam aperfeiçoados.

O processo de elaboração de uma máscara é todo ele manual, assim dita a tradição em Lazarim, nas palavras dos artesãos. A elaboração de uma máscara poderá demorar entre cinco a sete dias até à sua conclusão.

No período que antecede o Entrudo é surpreendente o empenho dos artesãos na elaboração das máscaras. Todos eles têm a sua atividade profissional, sendo a execução das máscaras realizada nos tempos livres. Entendem como sendo o seu contributo para que a tradição do Entrudo de Lazarim se mantenha, mas paralelamente conseguem obter algum rendimento com a venda das máscaras que, quase na sua totalidade são vendidas logo após o término do desfile. As novas máscaras são mantidas em segredo até à esperada “terça-feira gorda”, quando saem à rua pela primeira vez, neste dia, no qual são “rainhas”. A curiosidade da comunidade e dos visitantes fica ao rubro, até ao momento em que os caretos começam a surgir espontaneamente para se juntarem no desfile. Os participantes no desfile são na sua maioria pessoas da comunidade de Lazarim que elaboram os seus próprios trajes e combinam com os artesãos o empréstimo de uma máscara. Durante a manhã da “terça-feira gorda”, discretamente, os participantes vão a casa dos artesãos buscar as máscaras para que possam usar nessa tarde.

Atualmente, surgem muitos colecionadores de máscaras que, propositadamente, vêm ao Entrudo para o vivenciar e adquirir máscaras. Por vezes já conhecem os artesãos e procuramos direta- mente nas suas casas, ou aguardam pelo desfile para que possam escolher entre todas as máscaras que saem para a rua, de diferentes artesãos e alguns deles que não se autointitulam como “artesãos”, pois apenas elaboram uma ou duas máscaras para familiares próximos participarem nesse dia, no desfile. Existe ainda outro género de cliente, os galeristas, que adquirem várias máscaras nesse dia e fazem encomendas para as comercializar em galerias no Porto e em Lisboa.

O fenómeno da procura (aquisição) das máscaras de Lazarim tem por si só, nos últimos anos, influenciado a produção das próprias máscaras. O público em geral, provavelmente com a influência dos órgãos da comunicação social, começou a associar os diabos como sendo a figura mais “original” das máscaras de Lazarim, sendo estas as máscaras mais procuradas, o que leva os artesãos a elaborarem um número maior de máscaras com a forma de diabo, desviando-se das formas inicialmente originais, ou seja as figuras humanas e de animais. Ao contrário do que habitualmente acontece noutras festividades, os artesãos das Máscaras de Lazarim são relativamente jovens, com a faixa etária a compreender os dezoito e os sessenta anos. Desse modo, não aparenta estar comprometida, para já, a continuidade da elaboração das máscaras e, principalmente, o património cultural que lhe está subjacente. A coleção de Máscaras da Casa do Povo de Lazarim reúne as máscaras mais antigas que se tem conhecimento.

Todas as máscaras são datadas do início da década de 80 do século XX. Em termos morfológicos, a sua grande maioria apresenta uma morfologia semelhante: figurações humanas e restantes figurações de animais domésticos. Esta constatação reflete o pensamento da época de uma comunidade muito fechada em si própria. Por este motivo é que os artesãos, na própria elaboração das máscaras, reproduziam os rostos de vizinhos de quem pretendiam fazer chacota ou os de animais domésticos. O material usado na elaboração das máscaras era madeira de diferentes espécies. Algumas das máscaras têm pequenos apontamentos pintados de preto, tais como sobrancelhas, bigode, etc., uma característica singular do trabalho de um artesão, Afonso de Almeida e Castro.

Esta coleção foi sendo reunida por um dos responsáveis de então da Casa do Povo, Amândio Lourenço, um profundo conhecedor da história da sua terra e empenhado na preservação das suas tradições. Os artesãos, por iniciativa própria, doavam as suas máscaras. Nessa época, a Casa do Povo tinha um espaço “museológico”, onde se encontravam expostos objetos representativos dos usos e costumes da comunidade de Lazarim. A coleção destas máscaras foi encarada, já na altura, como uma forma de preservar este património, segundo Amândio Lourenço.

Foi em meados da década de 80 do século XX, que o Entrudo de Lazarim passou do quase anonimato para conhecimento do público português e estrangeiro através dos meios de comu- nicação social. Como consequência, as máscaras começaram a ser objeto de procura por parte dos visitantes, dando-se o desenvolvimento da comercialização de máscaras por parte dos artesãos que deixariam, assim, de oferecer à Casa do Povo.

De entre as máscaras que fazem parte da coleção, algumas são da autoria do artesão Afonso de Almeida e Castro. As máscaras deste artesão terão contribuído, em muito, para a notoriedade que as Máscaras e o Entrudo de Lazarim atualmente atingiram. Este artesão é um nome que reúne consenso entre os artesãos, que o encaram como um mestre.

Afonso de Almeida e Castro contava que tinha elaborado a primeira máscara com dezasseis anos (em 1940), para brincar ao Entrudo embora, contra a vontade dos seus pais. Nesse tempo, o Entrudo era uma festividade proibida e desapoiada pela Igreja, devido à sua origem pagã e por ser associada a factos mitológicos.

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