Catálogo da exposição Kurâ-Bakairi: Yakuigady e kywenu - 2015

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EXPOSIÇÃO

Kurâ-Bakairi Yakuigady e kywenu 04 de setembro a 04 de outubro de 2015 Museu de Arte de Mato Grosso


Obra da Capa: Tuturein (Pintura de jibĂłia; pintura dos homens) Kaia Agari / AcrĂ­lico sobre tela / 50 x 40 cm


APRESENTAÇÃO Esta exposição apresenta a riqueza e a essência do jeito de ser – Ezewenri – do povo kurâ-Bakairi, representada por duas manifestações importantes para o fortalecimento da identidade cultural: o ritual Yakuigady e as pinturas corporais – kywenu. O povo Bakairi se autodenomina Kurâ, que significa “gente”, falantes da família linguística karib. São originários do Vale do Rio Paranatinga (conhecido como Teles Pires ou Pakuera para o povo Kurâ), localizado na região central do Estado e vivem em duas reservas indígenas nos municípios de Paranatinga e Nobres, Estado de Mato Grosso. O ritual YaKuigady está associado aos conhecimentos tradicionais sobre os espíritos aquáticos que são responsáveis pela sustentabilidade ambiental, alimentar e organizacional, além de trazer paz e alegria ao povo Kurâ. Destacam-se aqui as máscaras, que são de dois tipos: Kwamby, ovais, que são líderes e xamãs e YaKuigady, retangulares e entalhadas em madeira, representando espíritos tutores relativos ao mundo aquático. Nesta mostra apresentamos o significado das máscaras, fotos de arquivos de famílias Kurâ e do fotógrafo Vitor Nogueira, tiradas do ritual. Na mesma temática apresentamos as telas e máscaras em miniatura do artista Juarez Cuchiware, da Aldeia Pakuera, que fica na Terra Indígena Bakairi, município de Paranatinga. As pinturas – kywenu – são conhecimentos passados pelas pessoas mais velhas das aldeias que sabem pintar, contar os significados, formas e traços. Há pinturas específicas para as crianças, as mulheres e os homens, além de algumas serem usadas em ocasiões específicas. Na organização da sala das pinturas – kywenu –, selecionamos dezoito fotografias dos fotógrafos Banavita, Luzo Vinicius Pedroso Reis e de arquivos das famílias Kurâ que apresentam pinturas corporais e de face. Finaliza-se com Kaia Agari, artista plástica Kurâ moradora da Aldeia Kuiakware, que expõe 18 telas com grafismos das pinturas corporais usadas nos rituais, festas, jogos e no dia a dia das aldeias. A mostra integra a programação da 9.ª Primavera dos Museus, que tem como temática "Museus e Memórias Indígenas” e conta com articulação e parceria do projeto Territórios Criativos Indígenas (MINC/UFMT/NEC), Instituto Yukamaniru e Ação Cultural. A realização é do Museu de Arte e Governo do Estado de Mato Grosso através da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer – SECEL.

VIviene Lozi Diretora Executiva Museu de Arte de Mato Grosso


Luzo Vinicius Pedroso Reis FotograďŹ a, 70x50cm


PINTURA CORPORAL DO POVO KURÂ - BAKAIRI O povo Kurâ-Bakairi se vê e se considera como os “filhos do sol”, não por acaso são torrados, é morena a cor de sua pele. Quanto à origem das pinturas corporais – kywenu, segundo as pessoas mais velhas das aldeias, afirmam que desde tempos imemoriais nós as herdamos dos nossos antepassados e viemos com essas marcas nos nossos corpos. Sendo assim, podemos afirmar que as pinturas corporais foram criadas pelos nossos antepassados e reproduzidas de geração em geração até aos nossos tempos atuais, e, desde então, temos memorizado e repassado as formas, os desenhos, os nomes das pinturas e a diferenciação dos grafismos que se destinam a homens, mulheres e crianças. As pinturas corporais e faciais estão relacionadas aos desenhos dos animais, insetos, peixes, aves e do meio ambiente onde vive o povo KurâBakairi que usa como referência os rios, os cerrados e as matas ciliares. Ao conjunto de pinturas corporais nós as denominamos de kywenu – significa nossa pintura e iwenu quando se refere à pintura dele(a) e ywenu quando se refere à pintura do meu corpo. As cores básicas das pinturas são branco, preto, avermelhado e azulado que são provenientes de jenipapo, urucum, cera de breuzim, carvão e barro – chamado de tabatinga – que produz a tinta branca. As pinturas femininas são feitas nas laterais do corpo, braços e face. Começam abaixo da linha dos seios e vai até os tornozelos. Os traços são definidos de acordo com o desenho que a pessoa escolhe, os desenhos podem ser de traços simples até aos mais elaborados e trabalhados. As mulheres usam cocar desde tempos imemoriais, quando numa determinado época as Yamurikuman se rebelaram contra os homens. Elas usam cocar como sinônimo de igualdade, direitos iguais perante os homens. Yamurikuman significa mulheres guerreiras, mas hoje em dia esse nome é atribuído aos cantos das mulheres. Usam colares de miçanga, brincos de penas e algodão nos tornozelos. Os homens também pintam as partes laterais do corpo, a parte do peito, costa e face. Geralmente os adornos masculinos são: cocar, brincos de penas, pintura corporal, algodão branco para amarrar nos tornozelos e nos braços, e chocalhos. Quem usa chocalho geralmente é a pessoa que vai iniciar os cantos, ou melhor, o tirador de cantos – os chocalhos são usados tanto por homens quanto por mulheres. As pinturas corporais que se destinam às crianças são de peixes (Xurui), de sucuri (âgudo), de ariranha (saro), jabuti na direção do estômago. Acreditamos que as crianças pintadas com desenhos desses bichos crescem fortes e mais rapidamente, e pintamos as crianças principalmente para se protegerem de espíritos sobrenaturais.


Banavita FotograďŹ a, 70x50cm


As pinturas faciais das mulheres são feitas em traços largos de urucum na testa. Dos cantos externos dos olhos até aos cantos superiores e inferiores das orelhas são feitos os traços com jenipapo, com urucum, de carvão misturado com resina de breuzim. Existem várias pinturas faciais para os homens, desenhos de peixes, de onças, de japuíras e outros. Durante as festas tradicionais tanto os homens quanto as mulheres exibem seus corpos como tela humana. Dizem que antigamente o povo Bakairi andava ornamentado no seu cotidiano; além de se sentirem belos, usavam as pinturas corporais como forma de se protegerem dos raios de sol ardentes e também das picadas dos insetos, mau-olhado e como proteção contra os espíritos maus. Hoje, o uso das pinturas corporais é feito mais durante as festividades culturais como na Semana do Índio, batizado de milho, na formatura (conclusão de Ensino Médio) na aldeia, na furação de orelhas e nas outras atividades que a comunidade considera importantes. Atualmente os grafismos são motivo para educação escolar das crianças kurâ nas aldeias.

Profª Ms. Darlene Yaminalo Taukane

Arquivo de Família Kurâ Fotografia, 50x70cm


OS YAKUIGADY Vistos como entidades espirituais aquáticas, os Yakuigady podem influenciar na pescaria e na caça, dando sustentabilidade alimentar e espiritual ao Kurâ-Bakairi. Os Yakuigady são capazes de oferecer aos Kurâ-Bakairi muita fartura de alimentos, durante o ano inteiro. Pela tradição, a máscara é intransferível, pertencendo sempre à mesma família, sendo transmitida apenas de forma hereditária. Na ausência do dono da máscara, pode-se pedir a um parente próximo para cuidar dela, temporariamente, mas a máscara deve ser devolvida assim que o dono volte. É na estiagem de abril a setembro que a manifestação dos Yakuigady é bem presente. O tempo da seca é propício à coleta das folhas de buriti que, quando secas, destinam-se à confecção da indumentária ritual, composta pela máscara e pela saia. O ritual não pode acontecer na chuva porque danifica todo o traje. A casa das entidades espirituais do Yakuigady fica no pátio central da aldeia, o kadoete, no formato tradicional ovalado, conforme a reivindicação dos espíritos. No kadoete são guardadas as flautas, as máscaras, os zunidores, todos sagrados. As mulheres não têm acesso a esse ambiente, que é de exclusividade dos homens. Ser dono de uma máscara sagrada é privilégio para poucas famílias. Aquelas que são donas, são consideradas famílias tradicionais. Por isso, também o dever de cuidar com orgulho de sua máscara é sagrado para os donos, até o dia em que a entidade volta para o rio - afinal, a presença deles em terra é temporária, e eles necessitam de um descanso no seu habitat natural. As famílias se tornam donas de uma máscara, quando pedem para que isso aconteça. A partir do momento em que uma família chama o espírito de um Yakuigady, assume responsabilidades, como buscar as folhas de buriti, o urucum, o carvão e a resina necessários para a produção da máscara. Os homens da família colhem essa matéria-prima, mas as mulheres podem, por exemplo, tirar a seda de buriti para a confecção de saias e dos cabelos das máscaras. O urucum também é a mulher que processa, para produzir a tinta que vai colorir a máscara. Além do carvão e da resina (xipa), algumas máscaras também exigem pena de gavião. Todos os Yakuigady são espíritos aquáticos, mesmo aqueles que, como Matola, representam uma árvore do campo, mas seu espírito é aquático, originário de Sawâpa, como os próprios Kurâ-Bakairi. Por isso, os homens vão buscar os Yakuigady no rio. Todo o rito fala muito da importância do rio para geração da vida. O Yakuigady é uma manifestação exclusiva dos homens. Por isso, quando os homens vão buscar os espíritos no rio, as mulheres ficam reclusas, na aldeia. A comunidade sabe previamente que irá buscar o


Vitor Nogueira Fotografia, 50x70cm

Vitor Nogueira Fotografia, 50x70cm


Yakuigady, a cada temporada. O ritual é sempre precedido de uma reunião, em que homens e mulheres participam. Na beira do rio, quando os homens vão buscar os espíritos, o responsável por Matola é quem coordena, distribuindo um pedaço de madeira, que representa o espírito de cada máscara para cada um dos responsáveis, que, nesse momento, assumem obrigações de dar forma física ao espírito. Vale dizer que quando falamos Yakuigady podemos estar nos referindo aos 25 espíritos aquáticos, incluindo as Kwamby, ou apenas dos 15 primeiros espíritos que chegaram à praia de Sawâpa, liderados por Matola. Esses 15 Yakuigady, representados pelas máscaras retangulares de madeira, são mais sérios e cerimoniosos. As Kwamby são espíritos brincalhões, falam e troçam de homens, mulheres e crianças. Só o dono fala com os Yakuigady de forma direta e o Yakuigady não responde. As Kwamby também são guardiãs dos Yakuigady. A função da Kwamby, assim, é proteger os Yakuigady, por ter mais agilidade e visão ampla. No kadoete o dono de Matola segue coordenando os trabalhos, porque há uma hierarquia entre as máscaras. Matola coordena todos os Yakuigady e Nuianani apenas os Kwamby. O responsável pelo Matola avisa o cacique quando as máscaras estão prontas, elas só saem para dançar juntas. Avisado, o cacique faz o anúncio para toda aldeia. No kadoete os homens cantam, as famílias choram, há um misto de alegria e choro. As máscaras estão novas e bonitas. O cacique finca uma flecha no meio do pátio da aldeia e chama o Matola, que dança. Os membros da comunidade são convidados a participar. Os Yakuigady saem do kadoete, um por um, cantando sua música, passando pela casa do seu dono, onde são saudados com boas vindas e recebem sua primeira comida, sempre acompanhado de uma criança que ajuda a carregar o alimento até o kadoete. Na casa de sua família, os Yakuigady recebem pedidos de paz e cumprimentos carinhosos. Os pais falam da saudade que sentiram desse filho que esteve longe. Os Kwamby brincam muito nessa ocasião. Esse é o primeiro dia do ritual Yakuigady. Nos dias seguintes, há danças, sempre no fim da tarde. As festividades Yakuigady podem durar cerca de 4 meses, período em que os espíritos são convidados a acompanhar a colheita, o roçado-não os mascarados, somente os espíritos. Como no mutirão, que é comum entre não-indígenas, a comunidade trabalha coletivamente nessas atividades, e conta com os serviços espirituais dos Yakuigady para isso.

Vitor Aurape Peruare Jornalista e Mestre em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Indígenas - UNB


Iakua. Juarez Cuchiware / AcrĂ­lico sobre tela / 50x40cm


Banavita FotograďŹ a, 70x50cm


Banavita FotograďŹ a, 70x50cm


KAIA AGARI

Paranatinga, MT, 1986 Natural da aldeia Pakuera e atualmente moradora da Aldeia Kuiakware pertencente da Terra Indígena Bakairi no município de Paranatinga-MT, Kaia Agari é membro do Instituto Yukamaniru de Apoio às Mulheres desde a sua fundação em 2008.

JUAREZ CUCHIWARE

Paranatinga, MT, 1981 Nascido e criado na Aldeia Pakuera da Terra Indígena Bakairi no município de Paranatinga-MT, Juarez Cuchiware começou a desenhar aos 10 anos de idade quando conheceu as máscaras.


FICHA TÉCNICA

Governo do Estado de Mato Grosso Governador do Estado Pedro Taques Secretário de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso Leandro Carvalho Secretária Adjunta de Cultura Regiane Berchiele Diretoria Executiva - Associação Casa de Guimarães Érika Abdala Eduardo Espíndola Museu de Arte de Mato Grosso Diretora Executiva Viviene Lozi Coordenadora de Projetos Tania Arantes Assessoria de Comunicação e imprensa Lidiane Barros Protásio de Morais Administrativo Hozana Almeida Monitores Natália Nogueira Nathalye Pereira Patrick Goulart Serviços Gerais Anderson Amorim Mara Rúbia


Museu de Arte de Mato Grosso Rua Barão de Melgaço, nº 3565, Centro,Cuiabá – MT Aberto de Terça a Domingo das 9h às 17h Tel.: (65) 3025-3221

PRODUÇÃO:

PARCEIROS:

REALIZAÇÃO:

MUSEU DE ARTE DE MATO GROSSO

Museu de Arte MT


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