Construções do encontro: um centro comunitário para a comunidade da nova Enseada da Baleia

Construções do encontro: um centro comunitário para a comunidade da nova Enseada da Baleia

/ < Na outra folha: pescador de Iguape Cananéia - 2007 Paulo Henrique Zioli

Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação

Construções do encontro: um centro comunitário para a comunidade da nova Enseada da Baleia Murillo Felizardo de Souza Orientação: Rodrigo Mindlin Loeb e Daniel Corsi São Paulo, Junho / 2021

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/ Pescadores do Mar Pequeno Cananéia - 2007 Paulo Henrique Zioli

Aos meus pais.

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Agradecimentos

À minha mãe, pelo exemplo diário de coragem.

Ao meu pai, por ter me mostrado as mais belas coisas da vida. À Camilla, pelo apoio na jornada. À toda minha família, pelo amor incondicional.

Ao Rodrigo e Daniel, pelas boas conversas e encorajamento necessário.

Aos moradores da Nova Enseada da Baleia, por terem compartilhado suas vidas e memórias ao longo desse processo.

Aos amigos de curso e vida: Carol, Fernando, Gabi e MaPa, pelo apoio indispensável de todos os dias, e madrugadas.

Ao Felipe, por todo amor e paciência.

Ao Fabio, pelo bom papo e pelo envolvimento desde o primeiro dia desse processo. Às amigas Bia, Giulia, Letícia, Lorenza, Milena e Raquel, pelo carinho de sempre.

Aos amigos: Federico, Gabriel e Pedro, que conheci ao longo do processo e estiveram sempre presentes.

A todos aqueles que me acompanharam ao longo desses 5 anos: professores, funcionários e amigos da Universidade. Obrigado.

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Introdução

p.13

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Arquitetura sem arquitetos

p.15

2.1 \ Arquitetura popular brasileira 2.2 \ Comunidades tradicionais caiçaras 2.2.1 \ A terra 2.2.2 \ A mata 2.2.3 \ O estuário 2.2.4 \ O mar / .3

Ilha de Cananéia 3.1 \ Maratayama 3.2 \ Ilha do Cardoso 3.3 \ Comunidade da Enseada da Baleia 3.3.1 \ O processo erosivo 3.3.2 \ Recomeço

p.33

/

Sumário

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Um centro comunitário para a nova Enseada da Baleia

p.61

4.1 \ Leitura: aproximação 4.2 \ Leitura: território 4.3 \ Leitura: proposta projetual 4.4 \ Leitura: referências projetuais 4.4.1 \ Glenn Murcutt 4.4.2 \ Carla Juaçaba 4.4.3 \ Gui Paoliello 4.5 \ Proposta de projeto 4.6 \ Intervenções: proposta inicial 4.7 \ Intervenções: proposta final 4.7.1 \ Intervenções: píer 4.7.2 \ Intervenções: centro comunitário 4.7.3 \ Intervenções: recinto / .5

Considerações finais

p.171

/ .6

Referências

p.172

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/ Pescador da Ilha do Cardoso Cananéia - 2020 Foto do autor

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/ .1 Introdução

O ponto de partida deste trabalho foi o desejo de desenvolver um projeto para algum grupo de pessoas com demandas, desejos específicos, além do engajamento para a construção. Investigando acerca deste assunto, e buscando por comunidades que pudesse atuar, encontrei a comunidade da Enseada da Baleia, localizada no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, em Cananéia, São Paulo. Essa comunidade passou por um processo de realocação intenso iniciado em 2017, quando fatores climáticos e geográficos os forçaram a se realocar. Desde então a luta e resistência para permanecer neste território próprio são contínuas.

O processo de realocação envolveu aspectos políticos, ambientais e locais. A Fundação Florestal, instituição que administra unidades de conservação estaduais, sugeriu que a comunidade encontrasse um lugar fora da unidade de conservação para a implantação da nova vila, já que era contra a abertura de uma área de mata para um novo assentamento. Porém, com muito esforço, a comunidade conseguiu ficar.

O projeto para o novo centro comunitário nasce, então, com a premissa de atender às novas demandas que foram sendo discutidas e compreendidas pela comunidade ao longo do processo de realocação. Um espaço pensado para abrigar manifestações culturais, discussões, celebrações, e sobretudo, acolher o encontro.

Além disso, a intervenção conta com duas outras propostas: um novo píer de acesso e um recinto, reforçando a intenção de adaptar e promover novos espaços para o encontro.

O trabalho carrega consigo a discussão da produção de uma arquitetura adequada às condições do local de inserção. Através do emprego de materiais, técnicas e costumes locais para a construção, a proposta projetual desenvolvida busca promover a reflexão sobre um desenvolvimento de futuro mais sustentável, trazendo alternativas projetuais que o exemplifique.

O conteúdo será organizado em três capítulos, discutindo, sucessivamente, sobre: arquitetura popular brasileira e comunidades tradicionais; a história do território, de seus habitantes e o processo de reconstrução; e por fim, as discussões que apoiam as propostas projetuais.

Superadas as dificuldades iniciais, e tendo finalizado o processo de reconstrução da vila, a comunidade foi capaz de se reestruturar para, então, desempenhar novas atividades. Percebeuse, neste momento, que o centro comunitário, ainda não construído, fazia muita falta, enquanto um espaço de encontro, recepção e planejamento.

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/ Casa caiçara de pau a pique em Perequê-Açu 1978 autoria desconhecida

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/ .2 Arquitetura sem arquitetos

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/ .2.1 Arquitetura popular brasileira

Uma das características mais admiráveis da vida humana é a sua capacidade de adaptação aos variados meios naturais. Até mesmo nos lugares mais inóspitos, ao longo da história foram encontrados registros de tal adaptabilidade às mais adversas condições de sobrevivência, e a manutenção de notáveis níveis de qualidade de vida. Examinar a diversidade das adaptações que a população foi capaz de fazer ao longo de sua história faz parte da compreensão do que é arquitetura popular. (WEIMER, 2012)

A arquitetura popular é aquela que é própria do povo e por ele é realizada. 1 De forma ampla, seria equivocado tentar apresentar as principais características desta arquitetura, já que foram resultado de uma evolução multissecular muito atrelada às tradições culturais do grupo.

Porém, o que quase sempre dividem em comum parece ser sua simplicidade - por ser resultante de materiais fornecidos pelo meio ambiente; adaptabilidade - por ser capaz de adaptar suas técnicas tradicionais e modos de edificar às condições climáticas; criatividade - no sentido de imaginação formal e emprego de materiais; e o modo de encarar o fenômeno da construção - por seguir a ordem de ter a forma plástica como resultado lógico dos materiais empregados. (WEIMER, 2012, p. XLII) /1 Extraído do prólogo do livro "Arquitetura popular brasileira", de Günter Weimer, 2012, p.XLI

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Os termos “vernáculo” e “vernacular” na língua portuguesa são bastante utilizados para se referir a este tipo de arquitetura, porém este termo consagrado representa um elemento de polêmica nesta discussão. Segundo o arquiteto Günter Weimer, o termo provém do latim vernaculu e, originalmente, significava o escravo nascido na casa do senhor. No sentido figurado significa uma linguagem correta, sem estrangeirismos, porém, no sentido etimológico significa escravo, bobo, patife. Sendo assim, o adjetivo está errado quando empregado à arquitetura.2

O termo apropriado para se referir a esta produção arquitetônica é popular, que origina do conjunto dos cidadãos que excluíam os mais privilegiados, os menos afortunados, a plebe. Essa definição parece bem coerente, já que exclui a arquitetura realizada para as elites - denominada erudita - e a arquitetura dos excluídos, que atualmente tem se utilizado o termo favela.

A arquitetura “vernacular” é essencialmente rural, já que nas cidades ela está bastante sujeita às influências mais comuns no meio urbano, como: meios de comunicação mais bem desenvolvidos, avanços tecnológicos, modo de pensar e agir mais “moderno” e ocidental. A constante degradação das classes populares e as grandes migrações da população rural para a periferia das cidades, vem deixando a arquitetura popular e as construções carentes cada vez mais juntas. O popular frequentemente é confundido com a miséria, porém, é importante ressaltar que este povo são seres humanos que, com frequência, são forçados a apelar para soluções muito criativas para resolver suas necessidades habitacionais. No nos2/ Definições terminológicas extraídas do prólogo do livro "Arquitetura popular brasileira", de Günter Weimer, 2012, p.XL

so país, onde os índices de distribuição de renda estão entre os mais díspares, não poderiam ser ignorados estes povos e aquilo que apresentam de mais inventivo. (Weimer, 2012)

De acordo com Amos Rapoport3, distinguem-se dois tipos de arquitetura produzidos pelas sociedades: primitiva e vernacular. A arquitetura primitiva é aquela produzida pelas sociedades tecnológica e economicamente pouco desenvolvidas, mas que fazem uso da inteligência e habilidade de manejo de recursos naturais, sem elevado grau de especialização. A arquitetura vernacular distingue-se da primitiva pela existência da figura do “construtor”. Aqui, a forma e o modelo construído permanecem, mas existem ajustes individuais e, portanto, maior variabilidade. As sociedades que a produzem são voltadas para a tradição, e as mudanças são no marco de uma hierarquia de valores que se refletem nas construções. (TEIXEIRA, 2017)

“A arquitetura ainda é uma das artes mais tradicionais. Um trabalho de arquitetura é feito para ser utilizado, sua forma é em grande parte determinada pelos seus antecedentes [...] o arquiteto deveria respeitar a obra de seus antecessores e a sensibilidade das pessoas não usando sua arquitetura como um meio de propaganda pessoal.

Na verdade, nenhum arquiteto pode deixar de utilizar o trabalho dos arquitetos que o precederam; por mais que ele se esforce para ser original, a maior parte de seu trabalho existe em alguma tradição [...] os homens levaram um tempo enorme para chegarem, por exemplo, ao tamanho certo de uma janela dentro de várias tradições arquitetônicas” (FATHY, 1982, p. 40-41)

A tradição é um dos principais termos que definem essa arquitetura, e refere-se a sua permanência no tempo. Segundo João Stroeter a tradição na arquitetura é “um conjunto de precedentes conhecidos e de uso consagrado, parcialmente repetidos, parcialmente modificados, dos quais o arquiteto se utiliza quando projeta um edifício”.

Neste caso, não estamos contando com a figura de um arquiteto com saberes formais para este tipo de construção, e esta visão se assemelha com o que diz Hassan Fathy em sua obra Construindo com o povo. Arquitetura para os pobres:

/3 Em sua obra "House, form and culture", publicada em 1969

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Todavia, a tradição por si só não é suficiente para garantir a classificação de uma arquitetura como vernacular, pois são necessários outros atributos para definir e distinguir este tipo de arquitetura. Porém, o contrário é verdadeiro: toda arquitetura vernacular é intrinsecamente tradicional. A forma de produzir de um certo povo surge, se desenvolve e se transforma como um resultado contínuo no tempo, às vezes durante séculos de história humana, sempre partindo dos costumes familiares garantidos pelas gerações anteriores.

(TEIXEIRA, 2017).

Outra característica bastante louvável da chamada arquitetura popular é o respeito às condições locais. Este aspecto corresponde, talvez, ao que mais ela tem a ensinar para a arquitetura convencional, produzida pelos arquitetos. Tal produção se destaca pela grande sensibilidade às condições naturais do meio de inserção, tais como clima, vegetação, tipo de solo e características topográficas. A arquitetura popular é normalmente produzida por povos que dispõem de um nível tecnológico menos avançado se comparado a visão “moderna” ocidental. Por isso, a produção arquitetônica será essencialmente atrelada ao que o meio físico-geográfico oferece, seja em termos de materialidade como também de questões climáticas locais. (TEIXEIRA, 2017)

Essa produção também responde muito bem às condições climáticas do meio em que se situa. Por exemplo, as casas construídas em ambientes extremamente frios são compactas, com poucas aberturas, enquanto aquelas implantadas em climas tropicais utilizam a varanda de forma recorrente. Entretanto, a forma arquitetônica não é marcada por um determinismo climático, mas resulta principalmente da cultura de um determinado povo. Porém, o clima é um dos principais

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fatores condicionantes na explicação de certas características básicas da arquitetura popular.

(TEIXEIRA, 2017)

Segundo Rubenilson Teixeira (2017) a arquitetura popular é geralmente criticada e considerada repetitiva, logo, vulgar. Por não mudar e acrescentar algo novo ela é tida como previsível.

Porém, cabe a pergunta em contraponto a esta crítica: o que é realmente novo na arquitetura de um modo geral? Para Hassan Fathy (1982) a arquitetura é um dos campos de conhecimento mais tradicionais que existem, e muito pouco daquilo que consideramos ser novo realmente o é. O máximo que se pode dizer é que estas inovações são variações dentro de um mesmo tema.

Sendo assim, as formas do passado não são simplesmente copiadas, mas combinadas e adicionadas criando variações dentro de uma mesma linguagem já conhecida pelos membros de uma mesma comunidade, e passada entre gerações. O que surge de “novo” não agride e nem nega o que já foi celebrado pela cultura, mas carrega esta bagagem de forma a não surgir como crítica ou oposição à tradição arquitetônica existente. (TEIXEIRA, 2017).

“O erro pode estar em tomar a visão formal, material ou estrutural das formas construídas de várias sociedades e classificá-las de acordo com o seu grau de permanência, tecnologia e forma. É melhor, acredito, considerar esses aspectos da arquitetura das culturas no contexto de seu meio e, essencialmente, em relação com sua capacidade de atender aos valores e necessidades das sociedades que as construíram” (OLIVER, 2006, P. 4)

A discussão acerca do regionalismo crítico colocada por Kenneth Frampton expõe o paradoxo entre modernizar-se e permanecer fiel às origens. Sua abordagem revela um cenário em que a produção tradicional é combinada aos avanços atuais, no qual é possível atrelar a civilização universal à cultura local. O regionalismo crítico além de sustentar sua crítica baseada na ameaça da universalização, insere elementos tradicionais repensados como episódios separados dentro do todo. A produção arquitetônica considera as especificidades locais, mas sem tentar reproduzir fielmente as arquiteturas tradicionais locais, estabelecendo assim uma abordagem crítica em relação ao regional. (FRAMPTON, 2003)

“[...] Será que para entrar na rota da modernização é necessário descartar o antigo passado do cultural que constituiu a raison d’être de uma nação? [...] O fato é que nem toda cultura pode suportar e absorver o choque da civilização moderna. E o paradoxo é: como modernizar-se e retornar às fontes? Como despertar uma velha civilização adormecida e se integrar na civilização universal?” (RICOER, 1961)

Segundo Frampton as culturas regionais precisam, atualmente, mais do que nunca, ser constituídas como manifestações localmente moduladas da “cultura mundial”, uma vez que a produção e modernização global continua esgotando, com intensidade cada vez maior, todas as formas de cultura tradicional de base agrícola e autóctone. (FRAMPTON, 2003, p. 382)

/ Desenhos de habitações da aldeia indígena de Tucanos Gunter Weimer

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/ Caiçaras 1975 Ilustração de Percy Lau

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/ .2.2 Comunidades tradicionais caiçaras

O termo caiçara é originário do idioma tupi-guarani (caá-içara) e significa “cerca de ramos”. Também eram assim chamados os conjuntos de estacas que localizavam-se ao redor das aldeias indígenas. Além disso, essa atribuição fazia referência a armadilha feita de galhos de árvores fincados na água para cercar os peixes. Posteriormente o termo caiçara passou a ser utilizado para referir-se às cabanas de madeira construídas nas praias para abrigar canoas e apetrechos de pesca, e mais tarde, para identificar o morador de Cananéia. 4

A simbiose 6 é uma relação ecológica entre organismos de diferentes espécies, ocorrendo de forma harmoniosa, resultando em vantagens mútuas. A maneira não predatória dos caiçaras de se relacionarem com a natureza e a demonstração de um complexo entendimento sobre o mar, a mata, o rio, o mangue, é reflexo da forte herança indígena que trazem consigo. O conhecimento ancestral acerca da pesca, instrumentos tradicionais, manipulação da fauna e flora, construção, é passado entre gerações, definindo e orientando seu modo de vida. (PAES, 1998)

Segundo a antropóloga Kelza Setti5 (1985), caiçaras são aqueles que nasceram e sempre ocuparam o litoral Paulista. A ocupação destes pescadores tradicionais é marcada na história pela alternância de ciclos, ora com atividades relacionadas à agricultura, ora para a pesca; tais ciclos estão diretamente associados às transformações econômicas da região. Com a utilização de simples instrumentos para desenvolver sua principal atividade, estes pescadores sempre estiveram próximos ao mangue, terra e mar, construindo uma forte ligação de respeito à natureza e dependência dos recursos naturais locais, desenvolvendo assim o que podemos chamar de simbiose.

Para tornar explícita a profunda relação entre os caiçaras e a natureza é necessário olhar diretamente para os espaços naturais por eles habitados, e também para sua relação com os animais e vegetação que os permeiam. Os espaços aqui estudados são: a terra, a mata, o estuário e o mar.

/4 Caiçara Definição extraída do livro "O Tupi na geografia nacional", de Teodoro Sampaio, publicado em 1987.

/5 Extraído de "Ubatuba nos cantos das praias: estudo do caiçara paulista e de sua produção musical", publicado em 1985 /6 Simbiose Extraído do dicionário da língua portuguesa

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/ Garagem de barcos na comunidade do Marujá Cananéia - 2020 Foto do autor

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/ .2.2.1 A terra

A terra firme representa todo o espaço que o caiçara, ao longo da história, construiu sua identidade. As primeiras casas começaram a surgir na região no período em que a principal atividade econômica baseava-se na agricultura e pesca da tainha; tal tema é aprofundado no capítulo dois. A casa está localizada entre uma faixa de vinte a cem metros do mar ou estuário, e surge como um abrigo temporário que, aos poucos, foi se transformando em habitações definitivas para os pescadores que viviam da agricultura em outras regiões, mas se deslocavam ao litoral para a pesca da tainha, peixe abundante na época.

ples utilizando tábuas que caíam dos navios responsáveis pelo transporte de madeira do Paraná para Santos. Além disso, utilizava-se também madeiras de embalagens provenientes do transporte por via terrestre.

Existiam também aquelas construídas em alvenaria barreada, paredes de pau-a-pique que combinavam madeira e taquara. As coberturas poderiam ser feitas com fibras de bambu ou palmeira entrelaçada, podendo haver a presença de telhas de zinco em casas mais próximas ao mar, a fim de resistir aos fortes ventos do Sul. (DIEGUES, 2003)

A divisão interna dos espaços era bastante simplificada, baseando-se em um dormitório que abrigava o casal e os filhos mais novos, além de um outro quarto com mobiliário e configuração de sala de jantar/estar e estrutura para armazenagem de apetrechos de pesca. Estes ambientes localizavam-se contíguos à cozinha, a fim de promover aquecimento em noites mais frias. A análise da casa tradicional baseia-se no tempo em que não existia água encanada, por isso a função de sanitários era resolvida em seu exterior. Atualmente o sistema de água encanada promove melhores instalações sanitárias e de esgoto. 7

A cultura da autoconstrução e do domínio do material é bastante presente quando analisamos a origem das primeiras casas e outras pequenas construções, que estavam quase sempre associadas à habitação caiçara, como o galinheiro e o coberto para guardar canoas. Richard Sennett (2009) descreve a técnica construtiva como um processo cultural, baseando-se num catálogo de experiências de produção das coisas. Segundo ele, os seres humanos são hábeis criadores de um lugar para si mesmos.

Contígua à habitação, em sua parte externa, ocorre a roça para o cultivo. Após cortar um pequeno trecho da mata, os moradores derrubavam, queimavam, carpiam e então plantavam, no processo chamado de coivara, técnica agrícola tradicional herdada dos povos indígenas.

O sociólogo Emílio Willems (1946), descreveu as habitações caiçaras como ranchos provisórios destinados a abrigar o pescador e sua família enquanto tomava conta dos cercos de pesca.

Estas casas eram construídas de forma muito sim-

/7 Descrição da habitação caiçara de Emílio Willems, In: "Revista de Sociologia", vol. VIII, n03, 1946, p.216-7

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A roça era um lugar onde toda a família trabalhava, porém predominantemente feminino. Neste espaço eram plantados feijão, arroz, mandioca, milho, batata, etc., numa estrutura de subsistência. A contribuição do homem na roça baseava-se na preparação do terreno, já que trabalhavam fora e o produto do seu trabalho gerava renda. Apesar de muito árduo, o trabalho das mulheres não era visto como significativo em relação ao do homem, que era considerado o provedor e mantenedor do lar. (PAES, 1998)

O período de produção agrícola referido limita-se às décadas de 1960 e 1970, antes da região sofrer grandes transformações na estrutura socioeconômica, como as novas restrições impostas pela transformação da Ilha do Cardoso em uma Unidade de Conservação, em 1962. Este assunto será aprofundado no capítulo dois.

com o costume tradicional dos mutirões, tanto para lavoura, pesca ou construção. Os moradores costumavam se reunir para este trabalho em conjunto e, ao fim do dia, a família que o organizou promovia uma refeição acompanhada de música, dança e celebração.

Ao longo do tempo o Fandango foi sendo celebrado cada vez mais em casamentos, batismos, reiadas, carnavais, etc. Porém, com as novas mudanças nas comunidades e com a diminuição dos mutirões, novas formas de entretenimento apareceram. Em 2011, tal expressão foi incluída na lista da UNESCO de Melhores Práticas de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial da Humanidade, criando então o Museu Vivo do Fandango (IPHAN, 2011)

Ainda sobre a terra, é de extrema relevância destacar as celebrações ocorridas neste local, como as festividades e celebrações religiosas. Em todo o território a predominância religiosa é a do catolicismo, em que se comemoram os dias de Nossa Senhora dos Navegantes, Reis, São Sebastião e São João. Diferente de comunidades tradicionais de pescadores no litoral da Bahia, não existe relação direta entre pesca e religião.

As grandes festas eram associadas aos santos padroeiros da colheita, e com o declínio dessa atividade, a principal celebração tornou-se a de Nossa Senhora dos Navegantes. (DIEGUES, 2003)

Presente em quase todas estas festas, o Fandango caiçara é uma expressão musical-coreográfica-poética que se classifica em batido, bailado ou valsado, cujas diferenças se definem pelos instrumentos utilizados, pela estrutura musical, pelos versos e toques. Esta expressão nasceu

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>/ Habitção caiçara no bairro de Iguape 2008 Paulo Henrique Zioli

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/ .2.2.2 A mata

A mata é um espaço natural onde os caiçaras praticavam a caça de animais e a coleta de frutas e lenha, um lugar que já serviu como fonte de alimento para o sustento da comunidade, mas que teve sua dinâmica alterada com o tempo. A atividade da coleta era reservada às mulheres e crianças, enquanto os homens eram encarregados pela caça.

De acordo com o conhecimento tradicional caiçara, assim como o mar, a mata é um lugar que deve-se conhecer antes de adentrar. Eles são conhecedores de diversas espécies de animais e vegetais, e demonstram um conhecimento minucioso acerca dos ciclos naturais da natureza.

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Demonstrando grande preocupação com a manutenção dos recursos naturais, estes povos originários se preocupam com a quantidade de animais a serem caçados e espécies a serem colhidas. O respeito aos ciclos da natureza, como a época adequada para realizar atividades de pesca, caça e coleta é sempre fundamental.

(PAES, 1998)

/ .2.2.3 O estuário

O estuário é um ambiente aquático de transição entre um rio e o mar, que sofre a influência das marés e apresenta grande diversidade ambiental, podendo ter água doce, salobra e marinha. A vegetação predominante ao longo deste ambiente é o mangue e a restinga, com expressiva riqueza natural e que ao longo do tempo esteve muito associada ao desenvolvimento e organização socioeconômica dos moradores da região.

O rio simboliza um espaço bastante importante para a construção da cultura caiçara, já que é nele onde acontece sua principal atividade econômica, bem como a locomoção, circulação turística, etc. Sobre as águas dos rios, os caiça-

ras construíram relações sociais importantes: as crianças tiveram o aprendizado da arte da pesca, o conhecimento tradicional de construção de canoas foi passado entre gerações, os homens pescavam e levavam alimento para casa, entre outras atividades. (PAES, 1998) “A importância do espaço é, portanto, fundamental para a construção de um sentimento forte de pertencer... cada um leva em si mesmo uma certa representação da toposfera, do espaço onde se insere.” (DIEGUES, 1995 p.126).

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/ Vegetação do mangue e montanhas da Ilha do Cardoso ao fundo Cananéia - 2020 Jorge Aguinaga

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/ Jovens pescadores Iguape - 2016 Paulo Henrique Zioli

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/ Pescador Renato Silvano

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/ .2.2.4 O mar

Para os caiçaras, é necessário conhecer o mar e respeitá-lo. O conhecimento vem da prática, da experiência e da sabedoria dos mais velhos. Assim como a respeito dos rios, eles possuem profunda noção acerca do espaço marítimo, suas dinâmicas e recursos naturais, as espécies de peixes, estações, o tempo, o vento, o movimento das nuvens, o cheiro e o barulho.

A pesca ocorre diariamente tanto à beira mar, em duplas de pescadores sem embarcação, quanto em alto mar, com redes de pesca e embarcação motorizada, durante o dia e também à noite. A atividade conhecida como cambal consiste-se na pesca em águas rasas, onde um pescador se posiciona dentro d’água e o outro nas margens, conectados por uma rede de captura e aproveitando-se do sentido das marés para aprisionar os cardumes. As pescas em embarcações ocorrem esporadicamente e são conhecidas como pesca de arrasto, com redes em águas profundas, onde se pesca camarão e peixes de migração, como a sororoca e a tainha. 8

Vale ressaltar que aqueles que não obedecem os sinais dados pela natureza estão submetidos aos perigos do meio natural. O respeito pelo espaço onde se vive e se retira o alimento é um sentimento que faz parte da relação do povo com o lugar onde habita.

/8 Descrição da atividade pesqueira no mar retirada de conversa com Jorge, morador da comunidade Nova Enseada da Baleia

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/ A cidade de Cananéia Cananéia - 1958 Antônio Teixeira Guerra

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/ .3 Ilha de Cananéia

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/ .3.1 Maratayama

A cidade de Cananéia está situada na parte sul da ilha intitulada com o mesmo nome, localizada no litoral sul do estado de São Paulo, em frente à Ilha Comprida. Configura-se em uma vasta planície que se estende por mais de quarenta quilômetros para o norte, com aproximadamente 12.500 habitantes. (IBGE, 2020)

Tombado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como patrimônio natural da humanidade, o território do município é formado por diversas ilhas como Cananéia, Comprida, Cardoso, Bom Abrigo, Filhote, Camboriú, Castilho, Figueira, Casca, Pai do Mato e Nanaú.

Cananéia está no centro de um corredor biológico de 110 km que se estende desde a foz do Rio Ribeira de Iguape (SP) até a baía de Paranaguá (PR). Irrigado por canais penetrados pela água do mar, esse corredor recebe água doce de centenas de rios que nascem na Serra do Mar circundando todo o conjunto, formando o estuário, ambiente aquático de transição entre um rio e o mar, muito propício à criação da vida marinha.

Fazendo parte do ecossistema do Lagamar - grande estuário cercado pelo trecho mais extenso da Floresta Atlântica no Brasil - a Área de Preservação Ambiental (APA) de Cananéia está cercada pelos manguezais, um dos mais importantes ecossistemas marinhos, sendo berço para 34

várias espécies de peixes, crustáceos e moluscos, além de uma infinidade de aves marinhas que usam suas copas como habitat, dependendo dele para seu ciclo de vida, além da expressiva variedade de mamíferos marinhos.

Maratayama, em tupi-guarani mara = mar e taiama = terra, “lugar onde a terra encontra o mar” foi o nome dado pela tribo de índios Carijó para o território conhecido hoje como Cananéia.

Tal nome tem origem em uma lenda antiga da região que se refere ao casamento de Canine, uma índia filha do Cacique Ariró com o Bacharel Cosme Fernandes, primeiro europeu a se estabelecer no Brasil, trazido numa viagem feita por Bartolomeu Dias em 1499. (FORTES, 2019) “Considera-se, atualmente, a cidade de São Vicente como a primeira a ser descoberta no Brasil, já que em 22 de janeiro de 1532 este foi o primeiro núcleo

humano

a

administrativamente

ser

regularizado

por

Portugal

como Vila. Porém, Cananéia é tida por muitos historiadores como a primeira descoberta, já que representa a primeira povoação européia no Brasil 9.”

Na Ilha do Abrigo ancorou a expedição de Martim Afonso de Souza, em 12 de agosto de 1531, permanecendo por 44 dias, quando, de acordo com alguns historiadores, teria colocado no pontal do Itacuruçá um marco de pedra com a cruz de Cristo. Este foi o primeiro ponto da Capitania de São Vicente em que tocou. (ALMEIDA, 1961) Esta chegada ao Brasil através de Cananéia encontra-se documentada no Monumento aos Descobrimentos, de 1940 e reinaugurado em 1960, localizado em Lisboa, Portugal 9.

“Grande foi a surpresa e satisfação de Martim Afonso de Sousa, ao ver nas praias de Cananéia homens que, logo à primeira vista

reconheceu

serem

civilizados,

apesar de estarem semi-nus e armados à moda dos indígenas, em cuja companhia viviam. Eram eles Francisco de Chaves, Antônio Rodrigues, Duarte Péres

10

- o

bacharel - e João Ramalho, os quais vieram logo ao encontro da expedição recém chegada, portadora nas vergas de suas embarcações, do glorioso pavilhão lusitano.” (ALMEIDA, 1961, p.12 )

/> Igreja na Praça Martim Afonso Cananéia - 1958 Antônio Teixeira Guerra /9 Da redação do jornal Registro Diário, matéria de 01/08/2019 intitulada “Debate histórico: Cananéia ou São Vicente? Qual foi a primeira cidade do Brasil? disponível em: https://www.registrodiario.com.br. acessado em Junho de 2021 / 10 Segundo o historiador espanhol Ruy Díaz de Guzmán (1559-1629), chamavam o bacharel Cosme Fernandes de Duarte Peres.

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A cidade se localiza na linha imaginária onde passava o Tratado de Tordesilhas, que em 1494 dividia o mundo entre Portugal e Espanha.

Durante as três primeiras décadas que sucederam a chegada das grandes navegações ao Brasil, crescia na Europa o número de notícias sobre a busca desenfreada por prata na Bolívia, nas conhecidas El Dorado e Potosí. Cananéia torna-se, então, um importante ponto de passagem de expedições, exploradores, aventureiros, piratas e corsários. Tal novidade se espalhou pelo mundo por meio do Peabiru, o caminho estabelecido pelas migrações indígenas que baseava-se numa estrada transcontinental de 3000 km, ligando o Pacífico ao Atlântico, através do Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil. 11

voltando o desenvolvimento da infraestrutura para este setor, com a construção de novos estaleiros, embarcações e cais para a movimentação do pescado. Por esta razão, em 1920, a cidade foi reconhecida pela exportação de 25 toneladas entre pescado, camarões, ostras e mariscos. 11

Devo aqui relembrar que a esta leitura da chegada dos europeus, deve-se atribuir a reflexão de que a história do Brasil não tem uma única verdade ou ponto de vista.

No Brasil a entrada localizava-se em São Vicente, mas existiam mais duas alternativas para o Peabiru, uma em Cananéia e outra em Porto dos Patos (SC). Tal informação coloca Cananéia - o primeiro povoado surgido no Brasil - como um importante entreposto de parada e reabastecimento das grandes navegações.

A busca pelas riquezas Incas foi um fracasso, e obrigou a Coroa Portuguesa a adotar a colonização do Brasil como forma de manter a soberania sobre as terras, mas sem grandes investimentos, dividiu-se então em lotes, as Capitanias Hereditárias. Cananéia pertencia a Capitania de São Vicente, que logo mostrou sua vocação para o cultivo de cana de açúcar. A Cidade beneficiou-se a partir do desenvolvimento da agricultura, e da pesca de baleias, tendo a extração de seu óleo como importante aditivo para a construção civil e utilização para iluminação. 11

Em 1808, com a chegada da Família Real ao Brasil, os portos e o comércio foram tornados livres, e a principal atividade tornou-se a pesca, 36

>/ Casas de caiçara, barroteada, caiada de branco, telha canal Cananéia - 1958 Antônio Teixeira Guerra / 11 De Ídolo de Carvalho, na publicação: "A história de Cananéia", post de 05/02/2016.

Disponível em: http://cananet.com.br wp/2016/02/05/a-historia-de-cananeia/ acessado em Março de 2021

37

/ Ilha do Cardoso Canaéia - 2020 Foto do autor

38

/ .3.2 Ilha do Cardoso

Por se tratar de um território bastante extenso, com a presença de várias ilhas e comunidades tradicionais, a escolha do perímetro de estudo para este trabalho foi orientada pelo contato prévio com a comunidade da Enseada da Baleia, que está localizada num trecho da Ilha do Cardoso onde se configura um esporão arenoso de aproximadamente 12 quilômetros de extensão e, junto a esta, dividem o território: Itacuruçá, Marujá, Vila Rápida, Pontal do Leste, Foles e Cambriú.

São diversos os períodos históricos da ocupação humana na Ilha do Cardoso, sendo perceptíveis por registros de ocupação tais como: sambaquis, demarcação do Tratado de Tordesilhas, chegada dos primeiros europeus, os ciclos econômicos vividos pela Ilha do Cardoso, os projetos de desenvolvimento, a implantação da unidade de conservação e a Ilha do Cardoso em sua totalidade. (YAMAOKA, 2019, p. 67-68)

Por muito tempo acreditou-se que estes lugares eram apenas depósitos de restos de alimentos, mas uma pesquisa mais detalhada mostrou que os restos de peixes e moluscos consumidos indicam que eles eram pescadores e coletores. Além disso, como certos sambaquis eram erguidos ao longo de mil anos, concluiu-se que a maioria dos grupos eram sedentários e não nômades, podendo ter sido, ao longo do tempo, eliminados ou misturados às culturas tupi-guarani que avançaram do norte e do sul do país rumo ao litoral. (AFONSO, 2017)

A formação dos sambaquis pode ser utilizada para dar início ao histórico da ocupação humana na Ilha, já que estes sítios arqueológicos podem datar até 10 mil anos de idade. Sambaquis (palavra de origem Tupi que significa “monte de conchas”) são sítios arqueológicos monticulares distribuídos por toda a costa brasileira, podendo alcançar alturas de até 70 metros. Sua composição se dá por conchas, materiais orgânicos tais como ossos, utensílios, etc. (YAMAOKA, 2019) 39

Entre os séculos XVII e XVIII a ocupação portuguesa e de seus descendentes aconteceu na ilha do Cardoso devido a abundância de pescados e fertilidade das terras, principalmente na margem do canal do Ararapira. (ALMEIDA, 2005).

As dinâmicas de ocupação e população da Ilha do Cardoso estão relacionadas com as dinâmicas econômicas da época. A Região do Vale do Ribeira viveu o ciclo do ouro, e quando a exploração passou a ser focada em Minas Gerais, muitos trabalhadores escravizados seguiram para o interior do Vale, porém, os outros núcleos como Iguape e Cananéia mantiveram-se ligados à pesca e produção agrícola. (CARVALHO; SCHIMITT, 2012)

A produção agrícola da região viveu um período de fartura, com a produção de arroz, que se estendeu por toda a região do Vale do Ribeira, e teve seu auge em meados do século XIX até início do século XX. Na ilha do Cardoso, território mais habitado da região na época, cultivava-se grandes fazendas de arroz e pequenos lavradores viviam da policultura. Almeida relatou sobre o ano de 1962:

“As

encostas

são

geralmente

aproveitadas para o plantio do arroz, da mandioca e da cana-de-açúcar. [...]

Nos tempos provinciais era a ilha do Cardoso um dos lugares mais habitados do município, não só pela fertilidade de suas terras e abundância de peixes em todos os seus recôncavos, rios e parcéis, como também pela facilidade dos meios de transportes, que eram feitos sobre água, em grandes canoas e até mesmo em lanchas e iates. Era então

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considerada como dos melhores celeiros do município, onde se erguiam as mais prósperas fazendas com seus engenhos de pilar arroz, fábricas de aguardente, olarias e até mesmo um estaleiro de construção naval situado à entrada do canal” (ALMEIDA, 2005, p. 62-63)

Influenciado pela combinação de fatores como a abolição da escravatura, o assoreamento do porto de Iguape e a construção da malha ferroviária entre São Paulo e o Porto de Santos, o ciclo do arroz entrou em declínio. Assim, a pesca comercial se torna mais relevante, estando presente até os dias de hoje como fator de preponderância econômica. (MOURÃO, 2003)

Neste período, a mobilidade característica do povo caiçara, que se favorecia do extrativismo de flora e fauna, além de ter como herança indígena a pesca, os beneficiou nesse novo cenário econômico. A pesca como atividade econômica mudou a estrutura social, trazendo um adensamento da área urbana, atraindo mais famílias para a região, que buscavam nesta prática uma alternativa de renda. (MOURÃO, 2003)

Segundo Fernando Mourão (2003), a oferta de dinheiro circulante proporcionada pelo pescado, e a possibilidade de recebê-lo logo após a pescaria ao invés de ter que esperar os ciclos das colheitas, marcaram a transição para esta nova atividade como meio de subsistência de algumas famílias que venderam ou abandonaram suas propriedades agrícolas para morar em Cananéia. A circulação do dinheiro em espécie fez também com que novos estabelecimentos comerciais começassem a aparecer pela cidade, e ao longo do tempo, a atração de maiores contingentes.

“[...] suplementam a alimentação com os

característica da Mata Atlântica. No

produtos de suas pequenas plantações

entanto, quase todo entrevistado avalia

de mandioca, cana de açúcar, banana,

que a quantidade de animais de caça

etc., que se estendem pelas encostas

encontrados na Ilha hoje não se compara

dos

estímulo

ao que havia na época dos sítios [...]

para aumentar as culturas, isolados

Os filhos da Ilha creem que os animais

como vivem e desprovidos de meios

dependiam de certa forma do alimento

de transporte, plantam somente para

fornecido pelas roças e pelas árvores

satisfazer as próprias necessidades.

frutíferas. Devido a ausência das roças,

Tais pescadores, que vivem tanto da

os animais migraram para o continente,

pesca quanto da agricultura, recebem no

pois até mesmo o tatu, bastante pesado,

litoral paulista o nome local de caiçara.”

é capaz de cruzar a nado o canal do

(SOARES, 1975)

Ararapira, embora muitos deles morram.”

morros

vizinhos.

Sem

A Agricultura de subsistência continuava sendo importante para as famílias que permaneceram nos sítios até a década de 60, quando a ilha é transformada em parque estadual. Os períodos para pesca e agricultura se complementavam num sistema de ajuda mútua, revezando a produção agrícola com a pesca, de acordo com as épocas férteis. (MOURÃO, 2003)

A implantação do Parque Estadual da Ilha do Cardoso (PEIC) foi justificada pelos objetivos preservacionistas de paralisar a exploração de sambaquis, fauna e flora, conter o avanço de iniciativas privadas para empreendimentos imobiliários, além de criar um parque natural e estabelecer uma base de estudos. (YAMAOKA, 2019) Porém, a implantação do PEIC proibiu o trabalho na lavoura, causando grande impacto na dinâmica econômica do povo caiçara.

“Não é preciso repetir que o Parque expropriou os filhos da Ilha de grande parte

de

seus

valores

materiais

e

afetivos com o intuito de melhor proteger e preservar o mundo natural, a rica fauna

(GADELHA, 2008, p. 55)

Estima-se que aproximadamente 500 famílias viviam na Ilha do Cardoso no início da década de 1960, quando a implantação da Unidade de Preservação aconteceu. No ano de 2012, foram identificadas através do “Relatório Técnico-Científico para identificação de famílias tradicionais presentes no Parque Estadual da Ilha do Cardoso” 140 núcleos familiares tradicionais. Ou seja, 360 famílias a menos em relação à década de 1960.

(YAMAOKA, 2019, p.77)

Entretanto, um mérito reconhecido da implantação do PEIC foi a contenção dos avanços relacionados à especulação imobiliária. Tal especulação estaria ligada a construção da Rodovia Régis Bittencourt, em 1956, ligando São Paulo a Curitiba. A obra refletiu na urbanização do território, especulação imobiliária e conflitos de terra em toda a região do Vale do Ribeira e litoral paulista. Existiram, inclusive, projetos para a implantação de loteamentos para casas de veraneio que localizavam-se na atual região da comunidade do Marujá. Porém, foram impedidos pela decretação do parque. (YAMAOKA, 2019) 41

Atualmente, o estabelecimento de novas áreas naturais protegidas está baseado numa visão tradicional americana e preservacionista, que, partindo do conceito de rápida expansão urbana nos Estados Unidos, propunha “ilhas” de conservação ambiental onde os moradores das cidades pudessem ir para apreciar sua beleza cênica e reverenciar a natureza selvagem. No século passado a visão acerca da proteção da natureza via como única solução afastá-la do homem. Criava-se então lugares onde as energias gastas com o trabalho estressante e vida monótona cotidiana eram repostas; a materialização da reprodução do mito do paraíso perdido. (DIEGUES, 2003)

extrativismo, caça e pesca dentro das áreas protegidas.

No entanto, desde a criação de algumas unidades de preservação, parte das populações tradicionais começaram a resistir à expulsão e desorganização de seu modo de vida, passando a se reapropriar do ambiente em que vivem à sua própria maneira; como no caso da comunidade estudada da Enseada da Baleia, que após todas as mudanças de ordem econômica estrutural, e o acidente sofrido em 2017, passou a resistir e lutar pela sua permanência no território.

Entretanto, a natureza em estado puro não existe, e estas áreas apontadas como intocadas correspondem a extensas áreas de manipulação humana. A visão americana preservacionista entra em conflito com a realidade em países tropicais, cujas florestas quase sempre foram habitadas por populações ancestrais, que desenvolveram formas de apropriação do espaço e recursos naturais únicos. (DIEGUES, 2003)

A população indígena, por exemplo, criou engenhosos sistemas de manipulação da fauna e flora, protegendo, conservando, potencializando e coexistindo com a diversidade biológica, numa totalidade enquanto funcionamento “mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”. 12

Segundo Diegues (2003), a imposição de neomitos - a natureza selvagem intocada - e de mitos bioantropomórficos - o homem como parte da natureza - tem gerado conflitos graves, que em muitos casos, tem acarretado na expulsão dos moradores tradicionais de seus territórios ancestrais, ou na restrição de atividades tradicionais de

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>/ Casa de caiçara, barroteada, caiada de branco, coberta de palha, em uma pequena vila de pescadores Cananéia - 1958 Antonio Teixeira Guerra / 12 Trecho da música de Caetano Veloso - Um Índio - 1976

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/ .3.3 Comunidade da Enseada da Baleia

Os relatos e informações trazidos neste próximo subtema foram todos amparados pela pesquisa de Juliana Greco Yamaoka, em sua dissertação de mestrado “Resistência pela permanência no território: o caso da comunidade caiçara da enseada da Baleia, Cananéia - SP”, 2019.

Além disso, foram utilizados como fonte as conversas que tive com a comunidade desde o nosso primeiro contato, além vídeos e entrevistas disponíveis na internet.

A Comunidade da Enseada da Baleia existe há mais de 170 anos, e segundo seus moradores, sua formação se deu pelo interesse na pesca, que ocorre historicamente na região. Os primeiros pescadores chegaram na região atraídos pela vasta oferta de trabalho oferecida, e logo se instalaram em pequenas propriedades onde possuíam pastagens e pequenas culturas.

Os membros da Enseada descendem da família a qual todos possuem o mesmo sobrenome - Cardoso. O casal Antonio Valeriano Martins e Ernestina Malaquias, pais adotivos de Antonio Cardoso (Sr. Malaquias) e Erci Antônia Malaquias (Dona Erci), nasceram em famílias da Ilha do Superagui, e residiam na Comunidade da Enseada da Baleia desde a década de 1940. Dona Erci mudou-se para este território com um ano e meio de idade e Sr. Malaquias aos 10 anos. Casaram-se e tornaram-se pais de 7 filhos.

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Como mencionado anteriormente, a história do início da comunidade está diretamente associada à atividade pesqueira; o Sr. Malaquias aprendeu a pescar ainda criança com seu avô, e conta que a pesca sempre ocorreu do lado da Ilha do Cardoso. Já os campos de cultivo ficavam ao lado da Ilha do Superagui. A princípio, a atividade era bastante focada na pesca da tainha, entre os meses de Maio e Junho, em que uma grande quantidade de pescadores se deslocava para a região e rio adentro. Havia grande fartura na época; ele conta que pescava-se de 300 a 500 quilos de peixe por noite.

>/ Cerco fixo na comunidade da Nova Enseada Cananéia - 2020 Jorge Aguinaga

Podemos dividir a história da atividade de sustento comunitário baseando-se em três períodos: o trabalho na antiga fábrica de sardinhas, o processamento do peixe seco e a gestão da venda de peixe pelo Sr. Malaquias, com bastante ênfase na técnica do cerco-fixo.

O primeiro momento diz a respeito a época em que a fartura do peixe era muita, e o pai do Sr. Malaquias foi para a região trabalhar numa fábrica de peixe montada por moradores da região, com o intuito de processar sardinhas. Porém, a fábrica faliu rapidamente. A principal atividade desta fábrica estava baseada no processamento da sardinha que entrava no Canal do Ararapira, com foco na exportação. Atualmente não existe

mais a presença desta espécie na região, e acredita-se que a falência da fábrica se deu pelo mesmo motivo, que teve início anos atrás.

Com o encerramento desta atividade os moradores passaram a trabalhar nos espaços remanescentes desativados. Neste caso, na estufa de secagem de peixe. A atividade agora desenvolvida baseava-se na escalagem, processo que consiste em abrir o peixe de forma incompleta pela face ventral, permitindo uma redução da sua altura e secagem no sol. Os moradores contam que trabalhavam por hora e recebiam em mercadoria, a cada três ou quatro meses, e que o dinheiro nem viam. Alguns descrevem este período trabalhado como “escravo”.

Numa fase posterior, em que Sr. Malaquias já estava liderando a atividade econômica, muitos moradores trabalhavam com ele e, além

disso, ele comprava mercadoria de outros pescadores dos arredores, de forma a não prejudicar ninguém. Percebe-se então um processo de humanização na produção e comercialização da mercadoria ao passar do tempo, em que todos que antes passavam por necessidades e se submetiam ao trabalho não remunerado, já não o fazem mais.

Durante o período gerido pelo Sr. Malaquias, diz-se muito sobre o uso dos cercos-fixo, que havia aprendido a montar com o irmão, baseado na técnica passada há muito tempo atrás por um mestre cerqueiro. O cerco consiste em uma estrutura formada por 3 partes: O rodo, que é toda a parte fixada no mar para receber a rede; a rede, que é a malha onde o peixe se aprisiona; o caminho da rede, que conduz o peixe até o interior da armadilha.

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O cerco para peixes, prática proibida na parte paranaense do Lagamar, é tolerado em Cananéia. Este é um método de pesca que não agride o meio ambiente. O pescador consegue manter o controle pesqueiro sempre ativo, uma vez que ele permite soltar todo o peixe que não tem valor econômico como filhotes, peixes pequenos e espécies que estão em época de reprodução, uma vez que esse método de pesca mantém os animais sempre vivos dentro das redes. Tal atividade só acontece neste local pelo fato de haver muitos golfinhos na região. Os cercos são sempre instalados nas margens do estuário, a fim de capturar os peixes que tentam fugir pelas bordas da predação pelos golfinhos.

fator crucial para as alterações das atividades socioprodutivas foi o processo de realocação territorial iniciado em 2017, seguido pela abertura da nova barra barra em 2018. Ocorrido que será discutido a seguir.

Com o passar do tempo esta prática ganhou escala, e as armadilhas foram aperfeiçoadas. Se antes eram pequenas, passaram a medir de 10 a 12 braças - unidade de medida que refere-se ao tamanho de uma pessoa com os braços abertos. Os meninos começavam cedo na atividade, aos 10 anos já participavam da pesca e montagem das armadilhas junto aos pais.

Por muito tempo a atividade pesqueira caracterizou-se por ser a principal fonte de renda de toda a comunidade, até que com a morte do Sr. Malaquias, em 2010, a pesca entrou em declínio, servindo agora apenas para subsistência. Ele era responsável pela manutenção do comércio, e também pela logística e apoio aos pescadores e suas embarcações. O peixe seco também deixou de ser produzido, já que dependia de uma articulação promovida por ele.

Além da diminuição dos recursos disponíveis, baixa demanda de consumo, pouca disponibilidade de apetrechos necessários para a atividade pesqueira, fiscalização rígida, etc., outro

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>/ Casa de Dona Erci, que é também pousada na Nova EnseadaCananéia - 2019 Foto da comunidade

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48

/< Vista aérea de onde localizava-se o antigo assentamento, após abertura da nova barra.

2018 Fernando Martinho

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/ .3.3.1 O processo erosivo

avanço da erosão. Por volta de 1980, eles começaram a acompanhar e perceberam que perdiam aproximadamente 1 metro de areia por ano, e a maré avançava em direção à comunidade cada vez mais. Tal estimativa, infelizmente, não foi seguida, já que dois outros eventos aconteceram neste meio tempo e influenciaram na aceleração deste processo.

A comunidade da Enseada da Baleia acompanha desde 1980 os avanços do processo erosivo existente na região, e acreditam que ele se dá por conta de duas situações: a influência pela abertura do Canal do Varadouro - escavado na década de 1950 - e das mudanças climáticas, que vem acontecendo há anos. A restinga do Ararapira se caracterizava por um esporão arenoso, pequena elevação topográfica alongada com 16km de extensão, medindo por volta de 800 metros de largura, e 200 metros nas áreas mais estreitas.

Tal esporão é conformado por um trecho entre o estuário e o mar, comunicando-se com a Baía de Trapandé por meio do canal do Ararapira, e com a Baía dos Pinheiros através do Canal do Varadouro. (YAMAOKA, 2019, p.130)

Por volta do início de 2015, uma embarcação turística - o Catamarã Maratayama, pertencente à Prefeitura de Ilha Comprida - com dificuldades para seguir viagem devido à baixa da maré, atraca na comunidade da Enseada da Baleia, levando consigo algumas construções da comunidade e parte da estrutura de contenção que vinha sendo feita há anos pelos moradores. Entre as construções estava a “casinha do peixe”, onde se trabalhava com a limpeza do pescado, a casa de uma moradora e a cozinha de Dona Erci, que sentiu grande dificuldade e tristeza por não poder continuar desenvolvendo sua atividade econômica baseada no atendimento ao turismo.

Mesmo não havendo estudos que comprovem a influência da abertura do canal do Varadouro no processo erosivo, moradores acreditam que o fato de ter sido feita uma manipulação na desembocadura das águas do canal e do mar, ocorreram mudanças na dinâmica das águas, implicando em uma interferência no território da comunidade.

Os riscos relacionados a abertura da nova barra vinham sendo estudados há alguns anos. Com a ajuda de pesquisadores e utilizando o próprio conhecimento empírico, a comunidade foi capaz de enxergar um padrão anual para o

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Além desse evento, em outubro de 2016, a ocorrência de um ciclone extratropical no litoral paulista causou a elevação do nível do mar e forte agitação nas águas. Este ocorrido levou 15 metros da faixa de areia, e acelerou mais ainda todas as previsões que os moradores faziam há anos. A partir deste momento a permanência no território se tornou insustentável, e o medo de rompimento do esporão e abertura da nova barra os deixavam inseguros a cada dia. Estes eventos motivaram bastante a busca de alternativas para iniciar o processo de realocação da comunidade.

Após esta ressaca, em Outubro de 2016 a comunidade iniciou o processo de escolha da nova área concedida pelo Parque Estadual da

Ilha do Cardoso. Esta escolha baseou-se no fato da avó, Dona Erci, já ter morado lá anteriormente, e relatar a presença de água potável, árvores e espaço para a atividade de pesca. Cada morador pôde escolher o seu lugar, e juntos decidiram onde ficaria a casa de Dona Erci. As famílias fizeram um reconhecimento in loco das áreas de interesse e, após isso, começaram o desmatamento da área documentada e o processo de planejamento das residências e das áreas comuns que existiam na antiga enseada.

A concessão de uma nova área dentro do mesmo território não foi facilmente liberada para a comunidade. A gestão do PEIC e até mesmo outros moradores de comunidades vizinhas não foram muito favoráveis com a ideia de desmatamento de uma nova área para instalação do assentamento da Enseada da Baleia. Porém, após contínua luta em defesa do direito de permanência no território enquanto comunidade tradicional e originária do mesmo, a comunidade conseguiu ficar.

“Segundo

Yamaoka

(2019,

p.141)

as

mulheres falam da dor e de como evitam ir para lá, agora que boa parte da mudança está feita. “Eu vou lá só para chorar mesmo, na verdade”, relata uma moradora. Outra reforça o sentimento de perda que representa o fenômeno. “A gente chega lá e vê o lugar da gente, acabando. Imaginar que um dia você morou e vai ser só água. Não vai ser aquele lugarzinho que você está visitando. Chega lá... e, meu senhor. Dá uma tristeza muito grande”. Estes relatos aparecem com lembranças dos entes falecidos, aqueles que não chegaram a viver a realocação, com alterações na paisagem com a qual conviviam."

13

(YAMAOKA, 2019)

O processo erosivo da antiga Enseada da Baleia teve um desfecho em 27 de agosto de 2018, quando o cordão arenoso rompeu durante a maré cheia, abrindo uma nova barra. Mais rápido que o previsto, o processo de abertura ganhou escala rapidamente, e em apenas 4 meses a nova barra já possuía mais de 1 quilômetro de largura, deixando submersa toda a área antiga.

>/ Vegetação na área do antigo assentamento, após ser submersa pelo mar Foto do autor / 13 Trecho extraído da pesquisa de Juliana Greco Yamaoka (p.141), em que duas moradoras relatam a sensação de visitar e pensar no antigo assentamento da comunidade, agora submerso.

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/ Esporão arenoso logo antes do rompimento em 2018 Google Earth

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/ Esporão arenoso após rompimento André Noffs

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/< Vista aérea de do novo assentamento, após realocação 2018 Fernando Martinho

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/ .3.3.2 Recomeço

Desde o planejamento estratégico para a mudança até o processo de reconstrução, foi todo encabeçado de forma colaborativa. Os moradores se sentiram muito infelizes por terem que deixar a antiga comunidade, onde criaram fortes laços e relação com o meio, portanto, as discussões projetuais iniciadas abriram possibilidades para imaginar como seriam suas novas casas. Existia um acordo com a Unidade de Conservação para que seguissem as mesmas metragens das construções existentes na antiga vila, e assim o fizeram.

Um dos moradores da comunidade, Jorge, junto a cada família, desenhou no computador a planta de cada nova casa, podendo agora projetar de acordo com as necessidades individuais de cada um. Assim aconteceu todo o processo de planejamento da Nova Enseada, até que no início de 2017, os moradores e parceiros apoiadores iniciaram o processo de reconstrução, todo apoiado por mutirões.

Ao longo desse processo a comunidade foi muito amparada por parceiros, que colaboraram como mão de obra e com a doação de materiais para construção. Neste periodo existia uma negociação entre a comunidade e o IBAMA, que contou com o apoio do Ministério Público Federal (MPF), para que fosse doado a eles madeira de apreensão ilegal, retida há bastante tempo. Esta doação precisou do apoio de caminhoneiros e

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de uma balsa para fazer o transporte até a ilha, e com ela, construíram a casa de Dona Erci, que infelizmente faleceu antes da mudança. Para a Nova Enseada, o entendimento da situação era que Dona Erci ela deixara tudo encaminhado para que a família continuasse, e isso os incentivou a seguirem firmes com a mudança. (YAMAOKA, 2019, p.147)

Até a metade de 2019 foram construídas 9 casas, 3 espaços comerciais e 2 espaços coletivos, além do píer de acesso e da estufa para secagem e defumação do peixe. O desenho da estufa foi feito pela Dona Erci, e era um sonho do Sr. Malaquias que essa atividade fosse implantada na vila. Os moradores relataram que as novas casas, planejadas, melhoraram a estrutura para o hóspede e para a família que o recebia. Com isto, uma significativa mudança na atividade socioeconômica da comunidade foi percebida.

>/ Moradores da comunidade durante mutirões de construção 2018 Fotos da comunidade

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Após a mudança para a nova área, e com a abertura da nova barra, os moradores passaram a enfrentar problemas de diferentes grandezas, principalmente socioeconômicas. A abertura ocasionou a entrada de um grande volume de água salgada no mangue, e impactou em mudanças nos hábitos dos recursos pesqueiros, alterações nos tipos de pesca realizados por pescadores artesanais, etc. Além disso, a nova dinâmica das marés, agora mais afetada pela água do oceano, impossibilitou o trânsito de embarcações públicas que iam até a extremidade da ilha, no sentido da abertura da nova barra. Isso fez com que as crianças que antes estudavam em escolas do Paraná - localizadas na Ilha do Superagui - passassem a frequentar a comunidade do Ariri, em Cananéia.

familiar, aliado à crise, fosse trabalhado coletivamente trazendo alegria e troca de conhecimentos, como se lembra uma das integrantes do grupo: “Depois que ele morreu. A gente também ficou sem saber o que fazer da vida. [...]

Começamos a estampar camisetas e sacolinhas. [...] Ah, chega de viver na tristeza [...]. sem uma expectativa de vida. Então a gente optou em fazer, todo mundo começou a trabalhar. Era uma coisa que a gente fazia todo mundo junto, conversando, rindo. Passava o tempo rápido. E cada um dava uma ideia de como a gente ia fazer.” 14

Neste momento, a organização feminina teve grande importância para o desenvolvimento e manutenção de atividades desenvolvidas pela comunidade. O Grupo de Mulheres Artesãs da Enseada da Baleia (MAE) respondeu à crise que passou a existir a partir de 2010 com a morte do Sr. Malaquias, patriarca da família - e todas as outras mudanças vividas desde então - com a proposta de diversificação das atividades socioprodutivas organizadas por mulheres. Esta nova estruturação pode ser dividida entre: artesanato, turismo comunitário e o peixe seco.

A princípio as mulheres se juntavam para conversar, e compartilhar o sentimento de desamparo que todos da comunidade sentiam após o falecimento do avô. Foi onde elas tomaram partido da atual situação econômica que se encontravam para propor uma mudança. Decidiram se juntar e, com uma pequena ajuda financeira, compraram materiais para a produção de artesanatos. Segundo Yamaoka (2019, p. 113) a união entre estas mulheres permitiu que o sofrimento da perda do

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/ 14 Trecho extraído da pesquisa de Juliana Greco Yamaoka (p.113), em que uma moradora relata a tristeza após a morte de Sr. Malaquias.

Não muito tempo depois, as mulheres puderam participar de um projeto socioambiental que, com suporte financeiro, possibilitou estruturar o grupo e comprar materiais e equipamentos para o aperfeiçoamento da produção. Além disso, começaram a participar de feiras de economia solidária e intercâmbios entre outras comunidades. O que elas passaram a produzir baseava-se no reaproveitamento de resíduos de pesca coletados na praia. Aos poucos, contando com a ajuda mútua, essa produção cresceu e as mulheres se organizaram de acordo com afinidades e habilidades específicas de cada uma.

Além do artesanato, estas mulheres passaram a desenvolver atividades relacionadas ao beneficiamento do pescado e seus subprodutos.

Esta é uma das mais antigas e tradicionais atividades da comunidade, que antes era abordada de forma individualizada, mas agora, com o sucesso das outras frentes sócio administrativas, elas compram todo o pescado dos maridos em consignação, limpam e o secam para vender. A grande mudança está relacionada ao lucro; a remuneração anterior era baseada no trabalho por hora, agora baseia-se numa divisão igualitária a partir da venda de todo o produto processado.

área turística. Esta prática oferece uma vivência relacionada ao modo de vida caiçara, e suas atividades produtivas, como a pesca e o artesanato.

A atividade cresceu e hoje representa parte importante para o sustento da comunidade. No antigo assentamento os moradores contavam com um centro comunitário, que era um lugar onde recebiam o turismo tradicional; na Nova Enseada, ainda não foi construído este espaço, que entre outros usos, servirá para oferecer uma melhor estrutura para a atividade turística. É a partir desta necessidade que se inicia a discussão sobre a produção projetual que este trabalho aborda, no próximo capítulo.

/ Grupo de Mulheres Artesãs da Enseada da Baleia (MAE) 2015 Fotos da comunidade

Outra parte dessa nova estruturação pode ser compreendida a partir da análise do turismo comunitário. Essa atividade tem uma abordagem diferente da atividade turística tradicional, já presente na antiga Enseada desde a década de 1980. O turismo comunitário passou a se estruturar a partir de 2015, quando as mulheres se organizaram potencializando a capacidade para receber “estudos do meio” de colégios da Capital. Este processo criou oportunidades de trabalho para diversos moradores da vila, e também para outras comunidades vizinhas que trabalham na

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/ Pescadores do Litoral Sul 1975 Percy Lau

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/ .4 Um centro comunitário para a nova Enseada da Baleia

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/ .4.1 Leitura: aproximação

Este capítulo apresenta uma leitura e compreensão do território habitado pela Nova Comunidade da Enseada da Baleia, e assim descreve o processo projetual e como surgem as propostas finais que partiram de todas estas discussões.

Desde o início deste trabalho, todo o processo tem sido compartilhado e guiado de uma forma colaborativa com os moradores da comunidade, que com todas as suas vivências e seu apego ao território, forneceram as informações necessárias para esta aproximação, compartilhando suas histórias de vida e desejos.

Desde nosso primeiro contato, quando me disseram sobre a necessidade de se construir um novo centro comunitário, o desejo de estar presente nas discussões aflorou em mim. Poder ouvi-los e entender suas demandas me permitiria desenvolver um projeto que atendesse às expectativas e necessidades reais da comunidade, além de balizar minha busca por outros profissionais que pudessem me auxiliar no projeto ao longo do ano.

Deixei claro desde então que a minha posição não seria impositiva neste processo, mas sim participativa, como um estudante de arquitetura que busca aprender e poder estabelecer uma relação de dupla troca, mas acredita no quão valioso é o conhecimento ancestral que possuem as comunidades tradicionais.

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Meu primeiro contato foi com uma moradora da comunidade que está à frente da comunicação social do grupo e é responsável pelo envolvimento em iniciativas sociais, Tatiana Cardoso, neta do Sr. Malaquias,fundador do primeiro assentamento da vila.

A abordagem inicial foi explicar meu desejo de produzir um projeto atrelado ao trabalho final de graduação da faculdade de arquitetura, e que pudesse ser construído. Ela me contou brevemente sobre a história da comunidade e da realocação por conta do acidente geográfico em 2017, descrito no capítulo dois. Neste momento, Tatiana já comentou sobre o desejo de se construir um centro comunitário, já que era o único espaço do novo assentamento que ainda não havia sido reconstruído.

Após algumas conversas preliminares, pensamos qual seria o melhor jeito de me apresentar e introduzir o assunto para os outros moradores da comunidade. Devido a pandemia de coronavírus, por medidas de segurança eu não poderia visitar esta comunidade e nem me apresentar pessoalmente a eles. Sendo assim, decidi escrever uma carta e gravar um vídeo para me apresentar e contar quais eram meus objetivos e como eu atuaria. A comunidade respondeu positivamente a esse primeiro contato e então seguimos conversando.

/ Vista aérea do assentamento da comunidade da Nova Enseada 2018

A unidade de conservação do Parque Nacional da Ilha do Cardoso - como já mencionado anteriormente - após ser transformado em unidade de preservação restringiu a atuação do povo caiçara em diversas áreas. Tal postura, como já dito, não reconhece o modo de vida tradicional caiçara como ferramenta de preservação territorial, e os impede de realizar certos tipos de manutenções do meio onde vivem. Tatiana me explicou que a área para construção do centro comunitário já havia sido garantida e a remoção de vegetação liberada, por isso, nosso projeto não teria que passar por uma autorização da Fundação Florestal, processo que seria um pouco mais burocrático.

Comecei então uma pesquisa para me aprofundar nos aspectos gerais deste território.

Através de livros, publicações, reportagens, dissertações de mestrado, teses de doutorado, fui capaz de apoiar a investigação e formular perguntas para Tatiana e a comunidade. A página do Facebook da comunidade é bastante completa, tanto com informações sobre o processo de reconstrução como com fotos de divulgação. De lá eu extraí imagens e dados que fui validando em minhas conversas com Tatiana.

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A cartografia é retratada como uma colagem, representando as camadas que compõem a primeira aproximação ao território estudado, e construção conceitual da Comunidade Nova Enseada, Na Ilha do Cardoso, em Cananéia.

A imagem de fundo mostra o novo assentamento da comunidade, após terem sido realocados em 2018 por questões climáticas e ambientais, especificamente a erosão do solo. A comunidade que antes vivia na Enseada da Baleia teve de ser movida para uma nova área, mais segura e longe do risco de inundação. Os recortes no canto superior mostram a paisagem e o homem, em constante relação e alteração, após esse povo deixar este lugar, a paisagem permaneceu intocada, como havia sido um dia.

/< Trabalho de cartografia desenvolvido no início do processo projetual, mostrando uma síntese da leitura preliminar deste território

A comunidade foi reerguida, e num processos construtivo de mutirão, novas casas foram construídas. Os elementos inferiores na colagem mostram essa nova apropriação e um pouco das atividades que este povo exerce, como a pesca artesanal, artesanato utilizando resíduos removidos do mar, turismo e gastronomia.

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Algumas perguntas ajudaram a compreensão de relações específicas dos moradores com o entorno e das novas dinâmicas estabelecidas após a realocação, aqui trago duas delas que foram importantes para o contexto: 1 - “Como era essa relação entre vocês e as outras comunidades antes da realocação, você acha que alguma coisa mudou?”

2 - “De que forma a abertura da Nova barra afetou a vida de vocês? Você acredita que quem agora vive do outro lado está prejudicado?”

“Depois do processo de realocação, no ano passado, a gente começou a abrir diálogo com as outras comunidades para trabalhar as pautas comuns, esses problemas que a gente tem tanto da moradia, como a questão de risco de concessões da unidade de conservação, quanto uma possível dragagem do canal do varadouro no paraná que pode afetar nossa vida [...] o próprio Estado com tudo que ele faz, com as restrições acaba colocando uma comunidade contra a outra, mas hoje somos muito parceiros a gente discute, a gente tem encontros, a gente não pensa igual mas a gente consegue dialogar e falar o que a gente pensa um para o outro. Temos uma boa relação e isso ajuda, inclusive. Nossa relação mudou muito, a gente passou por vários processos de realocação, meu vô ele era um comerciante muito importante pra ilha do cardoso inteira, então a comunidade da Enseada sempre foi muito visitada e importante economicamente pra ilha toda e a região, inclusive.

Com o falecimento do vô a gente sofreu muito impacto não só da questão econômica, da perda dele, mas as comunidades meio que 66

acharam que a gente não ia conseguir sobreviver sem ele, então pararam totalmente de frequentar a comunidade, então foi um processo muito duro pra gente e de se fortalecer internamente pra mostrar que a gente tava ali ainda, que tinha ido uma pessoa mas que a comunidade ainda tava junta. Então a gente foi tocando nossa vida, e as pessoas as vidas delas, e no processo de realocação a Enseada foi a única a resistir contra o Estado, o Estado queria que a gente saísse e a gente resistiu pra ficar, foi a primeira comunidade a acionar a defensoria pública pra atuar, então a primeira a buscar seus direitos, e isso acabou abrindo espaço para outras comunidades. O itacuruça, por exemplo, acabou chamando a defensoria pública, a gente organizou esse grupo coletivo pra trabalhar junto então tudo mudou muito após a realocação.” 15

/ 15 Depoimento extraído e transcrito de conversa com Tatiana, moradora da comunidade.

/ Casa no antigo assentamento da comunidade 2018 Carolina Kotchetkoff

“A nossa vida foi muito impactada né, hoje a gente conseguiu ter qualidade aqui mas tem muita coisa que a gente não consegue ter mais, né? Lá a gente tinha muita coisa, as crianças sentem muita falta de um porto que tinha e elas eram livres a nadar, os pontos de pesca que foram assoreados a gente não tem mais aqui, os pontos de cerco-fixo, que é uma atividade tradicional eles também não conseguiram ter aqui, o banco de marisco que a gente coletava, os prejuízos são enormes. Então mesmo quando a gente mudou pra cá a gente ia lá utilizar esses pontos e fazer essas mesmas atividades, então o impacto ambiental ele ainda… somos impactados, ainda não recuperou.

A comunidade do Pontal de Leste, que é a última, é ainda prejudicada, ela tá afastada de tudo, com dificuldade de acesso à escola, a

médico, e tudo depende muito do tempo, então numa situação de risco é muito difícil a vida deles [...] pro turismo também mais difícil acesso, mas eles tão resistindo; à erosão ta mais intensa e a situação é bem grave. Na ilha toda, inclusive, tem outros pontos erosivos muito grande, a gente tá debatendo muito isso com a questão da mudança climática, porque o nível do mar está aumentando e sabe-se que as ressacas tão mais intensas, e que as outras comunidades da ilha correm riscos, não só pra passar pelo mesmo qe a gente passou.” 15 >/ Na outra folha: comunidade da Nova Enseada da Baleia Cananéia - SP Jorge Aguinaga / 15 Depoimento extraído e transcrito de conversa com Tatiana, moradora da comunidade.

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/ Restos de construções na praia 2020 Fotos do autor

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/ .4.2 Leitura: território

As conversas com a comunidade foram de suma importância para compreender um pouco sobre as dinâmicas do lugar, modo de vida e organização deste povo. Com estes relatos fez-se clara a necessidade de um aprofundamento imediato no que dizia respeito às características naturais, ciclos climáticos e também a compreensão da relação destes habitantes com o meio em que vivem, já que esta temática se mostrou tão presente em todas as discussões.

Entre tantas outras percepções, esta visita contribuiu muito para a noção de escala do território e a noção de inserção no meio natural que estava lidando. Não era possível pensar neste projeto sem reviver as memórias da comunidade e pensar em toda a discussão ambiental e acontecimentos que marcam esta trajetória. Sendo assim, comecei minha análise por estes espaços que ancoraram tais eventos.

O primeiro contato com o território aconteceu logo após o início dessas conversas com a comunidade.

A viagem de barco partiu do porto de Cananéia, e durou 1:30h até a Ilha do Cardoso. O trajeto passa pelo Mar Pequeno, Baía dos Golfinhos e Canal do Ararapira, até que, após adentrar um canal e navegar entre uma vegetação de manguezais, que ao fundo revela uma extensa cadeia montanhosa, chegamos no começo do esporão arenoso onde habitam a Nova Enseada da Baleia e outras comunidades vizinhas. Como já dito anteriormente, seguindo as medidas preventivas de distanciamento social, na visita não pude conhecer a vila da Nova Enseada, mas naveguei ao redor dela e desembarquei num trecho atualmente não habitado, de onde foi possível perceber um pouco deste espaço.

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Canal do Ararapira - 0m

Canal do Varadouro - 0m

Canal do Varadouro - 0m

Ariri - 170m

Pico do Cardoso - 800m

Canal do Ararapira - 0m

Canal do Ararapira - 0m

Canal do Ararapira - 0m

Nova Enseada - 8m

Cananéia - 10m Oceano Atlântico

Baía de Trapandé - 0m Nova Enseada - 8m

/< Corte longitudinal do território sem escala

/< Corte transversal do território sem escala

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Esta elaboração gráfica mostra uma das vegetações predominantes do território, a restinga. Especialmente na área onde se insere a comunidade nota-se a presença do escrube e vegetação entre cordões, além do manguezal. Estes tipos podem corresponder a espécies arbustivas, moitas, florestas com árvores de 10 a 15 metros, entre outros.

> / mapa de vegetação da restinga e ampliação sem escala

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vegetação da restinga escrube + vegetação entre cordões floresta de restinga baixa floresta de restinga alta

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cananéia

parque da ilha do cardoso

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A Nova Enseada localiza-se entre as comunidades do Marujá e Vila Rápida, e outra comunidade mais próxima é a do Ariri, de onde é possível chegar de carro, pela Estrada Municipal Ariri-Rio Vermelho. O desenho ao lado localiza e revela a implantação destas comunidades, além de mostrar os principais cursos d’água que permeiam todo o território. Destacada em vermelho está a área onde será implantado o projeto do centro comunitário.

Ariri

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Ararapira

>/ Localização entre águas - sem escala

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Marujá

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Guapara

Nova Enseada da Baleia

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Vila Rápida

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/ Acima: imagens da comunidade do Marujá e de um cerco fixo de pesca Abaixo: imagens do banco de areia localizado na área da antiga comunidade 2020 Jorge Aguinaga / Fotos do autor

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Grande parte da leitura deste território deriva da observação dos habitantes e do entorno construído do local. É perceptível a clara relação de harmonia com o meio natural em que vivem os caiçaras.

Suas casas muito singelas são construídas, predominantemente, em alvenaria com coberturas em telha cerâmica ou fibrocimento, mas também existem aquelas construídas em tábuas de madeira. Estas construções são vistas quase sempre muito próximas ao estuário, estando completamente contidas pela paisagem natural, sem grandes interferências na natureza.

>/ Comunidade da Vila Rápida 2020 Jorge Aguinaga

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/ .4.3 Leitura: postura projetual

Como premissa, esta intervenção deveria agir de forma muito cuidadosa em meio ao território, a fim de criar elementos que não destoam do conjunto e dêem destaque à paisagem natural.

De que maneira pensar, então, num projeto resultado de uma leitura sensível das condições locais onde se situa - tais como o clima, a vegetação, o solo e características topográficas - e que carregue também as reflexões atuais sobre o impacto das construções e utilização de recursos naturais?

Qual é o limite do extrativismo? Talvez já o tenhamos ultrapassado.

A proposta carrega consigo a reflexão teórica de como produzir arquitetura num contexto atual tão marcado pelas consequências do que a lógica exploratória da extração de recursos naturais nos levou. O projeto busca trazer alternativas.

Novos modelos para as futuras produções arquitetônicas, baseado num desenvolvimento mais sustentável.

A visão de que a natureza não é objeto de exploração, mas sim íntegra ao ser humano foi ponto de partida. As construções “vernaculares” sempre foram capazes de atender aos valores e necessidades deste povo, que construíram voltados à tradição. Portanto, reconhecendo a qualidade do processo construtivo, o que surge de novo não agride nem nega o que já foi consagrado pela cultura, mas permite interpretações e adaptabilidade às diversas limitações tecnológicas e físico-ambientais; reconhecendo e combinando saberes tradicionais do povo caiçara com os saberes formais da figura do arquiteto.

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/ Croquis dos três projetos estudados, feitos pelos arquitetos, respectivamente

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/ .4.4 Leitura: referências projetuais

Ao longo do processo de pesquisa, a análise de alguns projetos de arquitetos teve grande importância no desenvolvimento da proposta projetual, destacando-se a produção de Glenn Murcutt, Carla Juaçaba e Gui Paoliello.

“O homem do povo sabe construir, é

arquiteto por intuição, não erra; quando constrói uma casa a constrói para suprir as exigências da vida; a harmonia de suas construções é a harmonia natural das coisas não contaminadas pela cultura falsa, pela soberba e pelo dinheiro. [...]

Ali está a nossa casa. Simples, sem

voltas sem retórica. Uma casa em que os

espaços

examinados,

foram

cuidadosamente

calibrados,

pensados,

não

sobre a base da especulação da construção, mas

sobre

a

base

da

solidariedade

humana; uma casa onde é possível viver, e principalmente pensar, onde há espaço para tudo, um espaço cuidadosamente dosado, que vai da cozinha dada como um verdadeiro laboratório químico, ao esconderijo para os barbantes e as rolhas usadas. ” 16 (BO BARDI, 1951) / 16 Trecho originalmente publicado na Revista Habitat 2 - 1951.

Extraído do livro “Arquitetura rural na Serra da Mantiqueira”, Autoria de Marcelo Carvalho Ferraz.

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/ .4.4.1 Glenn Murcutt

O arquiteto australiano Glenn Murcutt, nascido em 1936, é uma figura de excelência no panorama ainda restrito da arquitetura australiana contemporânea. Apesar de conhecido mundialmente, ele só construiu em seu país. Sua produção é reconhecida por ser uma arquitetura racional, responsável e, sobretudo, apropriada ao lugar. Ela concilia o dever de modernidade, as aspirações regionalistas, universalidade, diversidade, ecologia, tecnologia, respeito à paisagem e à necessidade de construir. Murcutt defende que cada casa deve ser concebida para se tornar o intermediário entre seu habitante e o rito dos ciclos naturais: sol, chuva, ventos, estações; a análise de cada terreno é, assim, um instrumento fundamental do projeto. (FROMONT, 2002)

De sua produção, voltei-me para a análise da casa Marika-Alderton, concluída em 1994. Esta está localizada na Comunidade Yirrkala, Eastern Arnhem Land, no território do Norte da Austrália.

Implantada numa aldeia alborígene de clima tropical com ciclones, ventos e chuvas muito fortes, a construção baseia-se num abrigo flexível que existe em harmonia com os ritmos da natureza, adaptado ao ambiente natural ao invés de forçar a mudança da paisagem.

/< Imagem do interior da casa 1994 Reiner Blunck - Glenn Murcutt

/ 17 Extraído de “The Architecture of Glenn Murcutt” e “Thinking Drawing / Working Drawing”, publicado por TOTO, Japão, 2008, cortesia de Oz.e.tecture, site oficial da Architecture Foundation Australia e Glenn Murcutt Master Class disponível em www.ozetectur.org/2012/marika-alderton-house (adaptado)

A casa é aberta ao ar fresco e isolada do calor intenso, é protegida dos fortes ventos de ciclone. Não existem janelas de vidro na construção, foram empregadas venezianas de madeira que permitem a circulação de ar no seu interior.

Os fechamentos são em madeira compensada e cobertura em metal galvanizado. A casa foi concebida num processo de pré-fabricação, cuja produção se deu em Sydney, e após ter sido transportada em contêineres, sua montagem aconteceu em quatro meses, feita pela comunidade local. 17

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/ .4.4.2 Carla Juaçaba

/ 18 Extraído da notícia do site Vitruvius, matéria de 04/04/2018 intitulada “Arquiteta Carla Juaçaba é convidada para construir capela para o Vaticano na Bienal de Veneza 2018” disponível em: https://vitruvius.com.br/index.php/jornal/news/ read/2870. Acessado em Março de 2021 / 19 Extraído da publicação do site CAU/BR, matéria de 06/03/2019 intitulada “Carla Juaçaba: sustentabilidade em Arquitetura é construir com o acessível” disponível em: https://www.caubr.gov.br/carla-juacaba-sustentabilidade-em-arquitetura-e-construir-com-o-acessivel-2/.

Acessado em Março de 2021 /< Capela do Vaticano para a 16ª Bienal de Arquitetura de Veneza.

Veneza - 2018 Federico Cairoli

Carla Juaçaba é uma arquiteta carioca formada pela Universidade de Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Seus trabalhos são conhecidos pelo caráter experimental, orgânico e pela preocupação com a inovação ambiental socialmente sustentável. Em 2013 Carla conquistou o prêmio arcVision - Women and Architecture, que busca arquitetas que apresentem excelência, tecnologia e implicação sociocultural em seus projetos.

A obra de Carla Juaçaba carrega consigo o comprometimento com seu contexto. Segundo ela, o aspecto mais importante que deve ser abordado é o contexto no qual se está projetando: o meio ambiente, o clima, a luz natural, possibilitam aproveitar todo o seu potencial, que deriva no uso de materiais locais. Adiciona ainda que um dos principais objetivos da arquitetura sustentável é construir com o que está à disposição; utilizar materiais que foram, e se transformarão no futuro, em outros projetos. 18

A obra aqui analisada é a Capela do Vaticano para a 16ª edição da Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2018. A obra baseia-se em oito vigas de seção quadrada que formam o conjunto: cruz em pé e uma cruz deitada. Uma delas é um banco, a outra a cruz. O projeto apresenta a síntese do programa de uma capela, que resume-se somente a: sentar-se num banco e olhar para o sofrimento que é a cruz. Ele está perfeitamente integrado entre as águas e as árvores de Veneza, com a vegetação do entorno conformando seu espaço interior. O espaço entre as copas das árvores – a visão do céu – funciona como a cúpula da capela. Construída em aço inox polido, como espelhos que refletem o entorno, o conjunto pode desaparecer num certo momento do dia, dependendo dos raios do sol e reflexos das árvores. 19

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/ .4.4.3 Gui Paoliello

Gui Paoliello é arquiteto e urbanista graduado pela FAU USP em 1978. Sua área de atuação é bastante abrangente, atuando em projetos de arquitetura, interiores, paisagismo, mobiliário, entre outros. Sua obra é marcada pelo uso de materiais naturais como a madeira. Em parceria com o arquiteto André Vainer, o escritório teve trabalhos premiados pelo IAB, Bienal Internacional de Arquitetura em São Paulo, International Interior Design Association, entre outros.

O projeto estudado é a Casa em São Bento do Sapucaí, concluída em 2018. O terreno localiza-se na Serra da Mantiqueira, a 1200 metros de altitude, num local de difícil acesso. A premissa inicial era elaborar um projeto utilizando-se ao máximo de recursos locais do próprio terreno e região, com a intenção de realizar uma construção experimental com o menor impacto ao meio em que está inserida.

O projeto constitui-se em um conjunto que emprega, basicamente, madeira e terra, com exceção de alguns materiais industrializados, como a cobertura metálica, painéis de vidro e componentes metálicos estruturais; todos os outros materiais utilizados são provenientes do local ou arredores. A estrutura principal da casa foi executada empregando 12 árvores de eucalipto retiradas de um bosque vizinho ao terreno. A montagem se deu por um processo artesanal: uma equipe de quatro pessoas, sem qualquer equipamento especial, montou e manuseou toda a estrutura com o auxílio de um único andaime metálico. 20

/< Construção da casa finalizada São Bento do Sapucaí (SP) - 2018 Gui Paoliello

/ 20 Extraído do site do arquiteto, projeto “Casa São Bento do Sapucaí, 2018” disponível em: http://www.guipaoliello.com.br/ Acessado em Maio de 2021

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</ Viga com esticadores de cabo de aço.

São Bento do Sapucaí (SP) - 2018 Gui Paoliello </ Berço para cabo de aço fixado na viga.

São Bento do Sapucaí (SP) - 2018 Gui Paoliello >/ Trabalhadores na construção da casa.

São Bento do Sapucaí (SP) - 2018 Gui Paoliello

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/ .4.5 Proposta de projeto

A análise dos projetos trazidos como referência foi imprescindível para apoiar a proposta de intervenção. Todas as obras estudadas se apresentam como respostas a preocupação dos arquitetos de prezar pelo contexto de inserção, neste caso, o contexto natural. A casa Marika-Alderton responde aos fatores climáticos e interage diretamente com o entorno através de elementos projetuais, tais como os fechamentos e cobertura. A capela de Juaçaba demonstra um enorme cuidado com o impacto visual de sua inserção na natureza, respondendo com o emprego de um material reflexivo que a transforma em parte do entorno. Além disso, essa obra trabalha o programa da arquitetura de maneira muito substanciada. Por fim, o projeto de Gui Paoliello é construído empregando-se materiais e mão de obra locais, a fim de viabilizar e simplificar sua construção, além de refletir sobre seu impacto na natureza.

Partindo disto o projeto nasce com a premissa de responder aos fatores climáticos de seu contexto de inserção. Levando em conta os saberes locais tradicionais e a disponibilidade de materiais na região, a proposta busca empregar a tradição da comunidade de construir em mutirão, e procura reinterpretar soluções já utilizadas anteriormente, trazendo outras novas e mais viáveis, a fim de facilitar o processo construtivo.

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Iniciamos então as conversas sobre o programa de necessidades, que baseava-se em construir um espaço com um amplo salão para 100 pessoas, para servir de apoio ao turismo de base comunitária. Esse tipo de atividade baseia-se em excursões de colégios da Capital, em que as crianças podem conhecer e aprender mais sobre as comunidades tradicionais. Além disso, foi pedido um conjunto de sanitários, cozinha e uma pequena biblioteca.

Além do centro comunitário a comunidade solicitou uma intervenção no píer de acesso existente, que por ter sido construído de forma muito rápida e com baixos recursos financeiros está em estado precário. Com este pedido, deixaram clara a necessidade de se pensar nestes projetos trazendo possíveis soluções para a questão dos avanços do processo erosivo, cujas consequências já foram vivenciadas no passado.

Durante o processo de realocação a comunidade pôde desenhar o novo assentamento, e com isso pensar na implantação de cada nova construção. Graças a isto, a área para o novo centro comunitário já havia sido pré-estabelecida, localizando-o entre a capela e a estufa de secagem de peixe, ambas construções existentes.

A área disponível para construção devia seguir as dimensões da mesma construção no assentamento anterior, medindo 10x15m. Segundo os moradores o fator determinante para escolha desta área foi a topografia, já que é o ponto mais elevado deste território.

Neste momento também foi discutida a questão climática da ilha. Os moradores contaram sobre a constante incidência da brisa vinda do mar em direção Sudeste. Os ventos quentes do verão vêm da direção Leste, e o vento nos dias

frios são originários do Sul. Tal fato gera um ponto de atenção para os ventos quentes do verão, que atualmente causam desconforto em algumas edificações existentes, que não levaram em conta este detalhe.

/ Croqui do processo - estudo para proposta inicial

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/ .4.6 Intervenções: proposta inicial

A proposta inicial contava com um píer, o centro comunitário e um banco que localizava-se na área central da vila, intitulando-se de praça. Esta versão do projeto foi aprovada por toda comunidade, mas a partir dos comentários feitos pelos moradores, e também discussões durante as orientações de projeto, percebi que alguns aspectos importantes deveriam ser repensados, como a implantação e soluções estruturais. Sendo assim, a proposta final de intervenção neste território consolida-se nos três elementos repensados: um novo píer de acesso, o centro comunitário e um recinto.

/> Isométrica do conjunto - proposta inicial sem escala

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O projeto inicial do píer baseava-se numa plataforma flutuante com uma parte fixa e outra móvel, que poderia ser desacoplada e puxada por barcos, a fim de promover um passeio cultural. Esta solução não resolveria a questão funcional do fluxo de chegada do único acesso da ilha, causando assim um conflito nesse momento de chegada.

O centro comunitário estava localizado em sua área pré estabelecida, entre a capela e a estufa de secagem de peixe.

Porém sua implantação não se inseriu de forma harmoniosa em meio às pré existências, gerando conflitos com as coberturas e acessos das construções vizinhas. Além disso, a solução estrutural baseava-se no emprego de pilares e pórticos formados por tesouras e vigas de madeira serrada, solução bastante onerosa e pesada, no que diz respeito ao volume de material utilizado.

Outro aspecto repensado foi a cobertura em telhas cerâmicas, já que não atendia a inclinação mínima requerida pelo produto, além de ser uma solução bastante pesada.

Por fim, o banco localizado na área central com o intuito de configurar uma praça, mostrou-se como uma interrupção nesse espaço, onde as dinâmicas do dia a dia já ocorrem de forma muito natural e organizada.

>/ Planta de implantação da proposta inicial escala 1:1000

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/ .4.7 Intervenções: proposta final

Parte-se então para uma leitura territorial da comunidade buscando compreender mais a fundo as dinâmicas, fluxos e relações de troca entre os moradores e o meio. O diagrama ao lado mostra as construções existentes em articulação com os novos espaços de intervenção. Os volumes listrados representam o que é existente, e os em preto, as novas construções. As setas tracejadas são um ensaio sobre os fluxos e principais deslocamentos que fazem os moradores e visitantes no dia a dia. Fica clara a presença de um espaço central livre e articulador nesse território, e que portanto, terá sua dinâmica preservada e potencializada.

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dapta - a

/< Diagrama de fluxos sem escala

n - reu ir -

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- resistir

Desse modo, são pensadas quatro diretrizes que orientam a proposta projetual: reunir, absorver, adaptar e resistir. Reunir a comunidade e todos que participam de suas vidas, criando novos lugares de encontro e memória. Absorver os impactos naturais e intempéries climáticas ocasionados pelos avanços do processo erosivo.

Adaptar o que é existente visando sua otimização.

Resistir às ações do tempo, natureza e sociedade.

101

>/ Cobertura escala 1:1000

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>/ Implantação escala 1:750

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centro comunitário

/ Isométrica do conjunto sem escala

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píer

recinto

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/ .4.7.1 Intervenções: píer

O píer de acesso é como a porta de acesso da comunidade ao mundo. Tal construção ancora todas as dinâmicas que acontecem na vila, desde receber os visitantes, atracar embarcações, desembarque de mercadorias advindas da atividade pesqueira, entre outros; é o espaço onde acontecem as mais variadas relações entre pessoas.

Tal intervenção baseia-se numa adaptação da estrutura existente que atualmente está sendo reconstruída pela comunidade. Além da plataforma principal onde acontecem o desembarque e atracagem de barcos, propõe-se uma plataforma intermediária que se configura como um espaço de permanência, sugerindo um momento de encontro e observação.

>/ perspectiva da chegada

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110

/< implantação escala 1:150

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1 2 3

Além disso, propõe-se uma solução paisagística que visa a recuperação da cobertura vegetal nesta margem do canal. Tal solução combina o emprego de uma estrutura em camadas, que baseia-se em um novo preenchimento mineral e vegetal; uma tela de ráfia que previne contra a perda de sedimentação e, por fim, uma nova camada de terra com o plantio de vegetação resiliente. Esta alternativa busca resistir ao contínuo processo erosivo.

1 - nova camada de terra e vegetação resiliente 2 - tela de ráfia para proteção na perda de sedimentação 3 - novo preenchimento mineral e vegetal (raízes, galhos e pedras) 4 - novas árvores e arbustos

4

/< corte esquemático da nova cobertura vegetal sem escala

Esta construção utiliza o eucalipto roliço tratado para os novos pilares e pisos, além de tubos cerâmicos preenchidos com concreto, utilizados como fundação na área coberta pela água. Esse material geralmente é empregado em sistemas de esgoto, mas aqui foi escolhido graças a sua maior durabilidade em relação a madeira quando submersa. Além disso, esses materiais são geralmente utilizados na comunidade graças a sua afinidade com o manuseio e oferta na região.

/< perspectiva isométrica do píer sem escala

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/ Acesso ao centro comunitário

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/ .4.7.2 Intervenções: centro comunitário

O centro comunitário será implantado numa área entre a capela e a estufa de secagem de peixe, ambas construções existentes da vila.

A implantação do volume foi pensada de forma a garantir uma conexão entre o novo e as construções existentes, criando uma área de chegada e distribuição da circulação no seu acesso. Seu acesso principal é voltado para a área central do território, estabelecendo um eixo visual e de circulação com essa grande praça e a proposta do novo recinto.

Como um contraponto a esta arquitetura bastante permeável e fluida, em seu exterior foi pensado um recinto, que conta com um anteparo configurado por uma parede vazada de tijolos cerâmicos, que tem como base um banco de concreto. Este é um espaço de permanência e introspecção, que também proporciona o encontro.

Mais do que recepcionar, o centro comunitário é o espaço onde a comunidade se mostra para todos aqueles que a visitam.

O programa proposto não se restringe somente ao que foi pedido pela comunidade, mas abrange usos que foram julgados essenciais após uma leitura sensível do território. Mais do que um grande salão para acomodar os turistas, o centro comunitário dispõe de um amplo e desobstruído espaço que comporta diferentes encontros e acontecimentos. Esse espaço é pensado para abrigar manifestações culturais, discussões e celebrações da comunidade, e sobretudo, acolher o encontro. Além disso, o projeto conta com uma biblioteca, área para exposição e venda de artesanato, cozinha e sanitários.

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/ Croquis do processo

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/ Acesso ao centro comunitário

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As discussões sobre a técnica e métodos a serem empregados contou com a figura de um morador da comunidade que é um engenheiro ambiental e bioconstrutor, o Jorge. No processo de realocação de 2017 ele foi uma figura muito importante, já que projetou em conjunto à cada morador sua respectiva casa. Por isso, Jorge está à frente de todas as discussões internas relacionadas à manutenção e integridade das construções. Sua contribuição foi de extrema importância ao longo do desenvolvimento do projeto, já que sua noção dos saberes tradicionais locais norteou muitas decisões projetuais.

O principal material utilizado para a estrutura da construção é o eucalipto tratado: ele é empregado nos pilares, vigas e piso. Essa é uma madeira de alta durabilidade e com disponibilidade local, fator que influenciou na sua escolha. Além disso, nas discussões com a comunidade acerca do método construtivo, o eucalipto roliço apareceu como um material que os moradores sentiam familiaridade e segurança para construir, uma vez que já o empregaram em outras construções que contribuíram.

>/ perspectiva isométrica sem escala

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/> implantação escala 1:150

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26.

5.50

2.24

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

5.50

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

.80

2.95

1.25

telha ecológica de celulose onduline

4.95

1.10

5.10

enchimento com solo compactado e entulho de construção civil

fundação radier h=40cm

2.40

fundação em berço de concreto para pilares do piso com solo compactado profundidade 60cm 2.32

24.

/^ Corte longitudinal AA

124

ESK STUDENT VERSION

PRODUCED BYAN AN AUTODESK STUDENT VERSION PRODUCED BY AUTODESK STUDENT VERSION

.50 5.50

5.50 1.10

1.10

1.10

5.50

1.10

1.10

1.10

1.10

viga de eucalipto roliço vagonada

1.10

1.10

1.10

1.10

Ø20cm X 550cm

1.10

1.10

terças

2.24

1.10

1.10

forro termo-acústico de viga de eucalipto roliço sapé e trançado de Ø20cm X 550cm viga de eucalipto roliço bambu

5.50

1.10

1.10

2.24

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

chapa de OSB e manta térmica

X 600cm terças 80 X 16 chapa de OSB e manta 80 X 16 X 600cm térmica

painéis fixos de proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

.86

.86

.60

.60

de aço. forro termo-acústico de pto roliço vagonada com barras e tirantes Ø25 X 1520cm sapé e trançado de s e tirantes de aço. bambu Ø25 X 1520cm

1.10

painéis fixos de proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

.80

.80

contraventamento em cabo de aço

2.73

persianas retráteis para proteção contraventamento em cabo de aço solar em madeira com trançado de bambu/taquara

2.73

persianas retráteis para proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

fundação em berço de concreto para pilares principais com solo compactado profundidade 100cm 2.32

pilares de eucalipto roliço Ø17cm X 90cm

2.32

e.00concreto para olo compactado undidade 100cm

2.32

pilares de eucalipto roliço Ø17cm X 90cm

2.32

viga secundária do piso 20 X 10 X 620cm

2.32

2.32

2.32

1.30

viga secundária do piso 20 X 10 X 620cm

2.32

2.32

0

1.30

1

2

3

5

125

PRODUCED BY AN AUTO

5.50

2.24

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

.80

2.95

1.25

1.10

4.95

1.10

/^ Corte longitudinal AA ampliação

126

5.10

enchimento com solo compactado e entulho de construção civil

chapa de OSB e manta térmica

.60

terças 16 X 600cm

26.50 5.50

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

.86

1.10

5.50

painéis fixos de proteção viga de eucalipto solar em madeira com roliço vagonada com barras e tirantes de aço. trançado de bambu/taquara

telha ecológica de celulose onduline

Ø25 X 1520cm

.80

contraventamento em cabo de aço

2.73

persianas retráteis para proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

viga secundária do piso 20 X 10 X 620cm

2.32

2.32

1.30

fundação em berço de concreto para pilares do piso com solo compactado profundidade 60cm

fundação radier h=40cm

2.40

2.32

fundação em berço de concreto para pilares principais com solo compactado profundidade 100cm 2.32

2.32

24.00

0

1

2

3

5 127

26.50 5.50

1.10

1.10

1.10

telha ecológica de celulose onduline

24.00

128

1.10

1.10

forro termo-acústico de sapé e trançado de bambu

fundação em berço de concreto para pilares principais com solo compactado profundidade 100cm 2.32

/^ Corte longitudinal AA ampliação

1.10

viga de eucalipto roliço vagonada com barras e tirantes de aço. Ø25 X 1520cm

ndação em berço de concreto para lares do piso com solo compactado profundidade 60cm 2.32

1.10

viga de eucalipto roliço Ø20cm X 550cm

pilares de eucalipto roliço Ø17cm X 90cm

2.32

2.32

1.10

chapa de OSB e manta térmica

.60

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

terças 16 X 600cm

5.50

1.10

1.10

1.10

1.10

1.10

.86

1.10

2.24

contraventamento em cabo de aço

2.73

persianas retráteis para proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

.60

painéis fixos de proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

chapa de OSB e manta térmica

.86

terças 80 X 16 X 600cm

painéis fixos de proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

.80

contraventamento em cabo de aço

2.73

persianas retráteis para proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

.80

viga secundária do piso 20 X 10 X 620cm

2.32

2.32

1.30

viga secundária do piso 20 X 10 X 620cm

2.32

2.32

0

1.30

1

2

3

5 129

contraventamento em madeira.

80 X 16 X 155cm

ripas 5 X 1,5 X 500cm

2.52

.40

2.52

viga de eucalipto roliço vagonada com barras e tirantes de aço. Ø25 X 1520cm

forro acústico d e trançado de

1.49

painéis fixos de proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

5.74

persianas retráteis para proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

contraventamento em cabo de aço

2.75

pilar de eucalipto roliço Ø25cm X 600cm

assoalho em ripas de eucalipto 10 X 4 X 600cm

.67

.14

barrotes 5 X 10 X 450cm

viga de eucalipto roliço Ø20cm X 460cm

1.70

4.50

12.4

8.

/^ Corte transversal BB

130

ESK STUDENT VERSION

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

.30

2.52

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

agonada s de aço.

X 1520cm

forro acústico de sapé e trançado de bambu

terças 80 X 16 X 600cm

2.52

chapa de OSB e manta térmica

2.52

de sapé bambu

terças 80 X 16 X 600cm

viga de eucalipto roliço Ø20cm X 550cm

telha ecológica de celulose onduline

2.52

chapa de OSB e manta térmica

viga de eucalipto roliço Ø20cm X 550cm

2.52

telha ecológica de celulose onduline

2.52

2.52

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

2.52

fechamentos em madeira com taquar

pilar de eucalipto roliço Ø25cm X 500cm

pilares de eucalipto roliço Ø17cm X 90cm

fundação em berço 1.70 de concreto com solo compactado

4.50 12.40

3.31

pilar de eucalipto roliç Ø25cm X 500cm

pilares de eucalipto roliç Ø17cm X 90cm

fundação em berço d concreto com sol compactad

.80

fechamentos em madeira com taquara

8.76 4.50

1.70

40

.76

0

1

2

3

5 131

PRODUCED BY AN AUTO

2.52

1.05

2.52

.70

.18

.55

painéis fixos de proteção solar em madeira com trançado de bambu/taquara

fechamento e forro em chapas de OSB vigas de madeira 10 X 15 X 500cm

1.05

ventilação permanente

esquadria de madeira bancada em cimento queimado

laje de concreto sobre solo compactado

.70

.10

1.00

alvenarias em tijolo ecológico sem queima

enchimento com solo compactado e entulho de construção civil

.40

fundação radier h=40cm

9.

/^ Corte transversal CC

132

ESK STUDENT VERSION

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

2.52

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

agonada s de aço.

X 1520cm

forro acústico de sapé e trançado de bambu

2.52

terças 80 X 16 X 600cm

chapa de OSB e manta térmica

2.52

viga de eucalipto roliço Ø20cm X 550cm

telha ecológica de celulose onduline

2.52

2.52

2.52

PRODUCED BY AN AUTODESK STUDENT VERSION

2.52

.72

2.52

fechamentos em madeira com taquar

ventilação permanente

pilar de eucalipto roliç Ø25cm X 500cm

2.93

lavatório em cimento queimado moldado

pilares de eucalipto roliç Ø17cm X 90cm

.15

fundação em berço d concreto com sol compactad

1.70

.25

4.50

.43

12.40

8.76

viga secundária do piso 20 X 10 X 620cm

.45

0

1

2

3

5 133

PRODUCED BY AN AUTO

/^ Vista interna do centro comunitário

134

135

/^ Detalhe 01 - fundação e piso 136

/^ Detalhe 05 - Junção de peças roliças

/^ Detalhe 02 - viga vagão

/^ Detalhe 03 - Berço para cabo de aço

/^ Detalhe 04 - Apoio da cobertura 137

Foi concebido um sistema estrutural em eucalipto roliço tratado para a cobertura, com 5 pórticos separados por vãos de 5,5 metros, que apoiam os elementos termo-acústicos e telhas ecológicas de celulose. Outra estrutura interna a esta foi pensada de forma independente, para acomodar o piso, com vãos de 2,3 metros entre apoios. O programa do centro comunitário se resume a uma caixa construída com tijolos ecológicos sob esta cobertura, com forro e estrutura independentes; além de um amplo salão com piso em deque de madeira, também sob a mesma cobertura.

A fundação baseia-se em um berço de solo compactado e concreto, sustentando os pilares de eucalipto que suportam a cobertura e o piso. Entre esse conjunto existe a fundação do volume construído em tijolos, que baseia-se num radier de 40cm de altura e um preenchimento com terra e descartes de construção civil, que eleva o piso de concreto nivelando-o com o deque de madeira.

As vigas dos pórticos são combinações de 3 troncos de eucalipto de aproximadamente 20cm de diâmetro, que reforçadas com um tirante de cabos de aços, conformam uma viga vagão com 15 metros de comprimento total, vencendo um vão central de 10

138

metros. A estrutura de contraventamento transversal é estruturada com vigamento de madeira serrada, entre as terças do telhado, enquanto o contraventamento longitudinal se dá por meio de tirantes de cabo de aço.

A cobertura é composta por vigas de eucalipto roliço de aproximadamente 20cm de espessura, que apoiam as terças de madeira serrada, forro termo-acústico de trançado de bambu e sapé, chapas de OSB, manta térmica, ripas de madeira serrada e telhas ecológicas de composição vegetal. Tanto a ligação das peças que compõem a viga vagão quanto sua fixação sobre os pilares são feitas pelo uso de barras roscadas.

Os elementos de fechamento laterais, que desempenham a função de proteção solar e protegem o projeto das chuvas e ventos fortes, empregam materiais locais e técnicas da cultura caiçara. Os painéis fixos são feitos em quadros de madeira serrada e esteira de taquara, fixados aos pilares de eucaliptos por meio de parafusos. Este material é o mesmo utilizado nos cercos fixo de pesca, técnica tradicional desenvolvida pelos pescadores da região.

As persianas retráteis vêm logo abaixo destes quadros, e são feitas de um trançado de fibra de bambu e corda.

telha onduline ripas chapas OSB + manta térmica terças e contraventamentos

forro termo acústico vigas secundárias vigas vagão

forro cozinha e wcs proteção solar

alvenarias em tijolo ecológico contraventamentos com cabo de aço deck de madeira estrutura do deck

fundação em berço de concreto

/^

Perspectiva isométrica explodida

139

1

4

A região de Cananéia apresenta características como: alta pluviosidade durante todo o ano, intensa radiação solar, ação dos ventos e temperaturas médias moderadamente altas com amplitude térmica entre o dia e a noite. Tais características podem causar a sensação de desconforto térmico, por isso, é necessário promover a dissipação do calor de dentro da construção para o meio ambiente, através da ventilação.

/^

Ventilação natural, insolação e irradiação solar sem escala

140

Com o objetivo de criar um projeto que respondesse como o intermediário entre os usuários e os ciclos naturais21, é planejada uma volumetria aberta para a captação dos ventos, mas que proteja contra radiação e insolação direta.

/ 21 Glenn Murcutt: " Na cidade ou na mata, cada casa é concebida para se tornar o intermediário entre seu habitante e o rito dos ciclos naturais: sol, chuva, ventos, estações. A análise de cada sítio é assim um instrumento fundamental do projeto."

FROMONT, 2002

2

3

5

6

1 - O sol da tarde incide sobre a fachada oeste, por isso ela conta com um elemento de proteção solar fixo e também retrátil, composto por quadros de madeira com taquara ou trançado de fibras de bambu; 2 - A irradiação solar que incide sobre a cobertura é parcialmente absorvida e também refletida. É instalado no forro, entre os travamentos do telhado, um sistema “sanduíche” composto por peças de madeira com sapé e trançado de fibras de bambu. A intenção é de promover uma absorção da irradiação solar, e também de funcionar como forro acústico;

3 - O beiral do telhado barra a incidência direta do sol que incide pela manhã e na fachada leste, além de proteger o edifício das chuvas intensas; 4 - O calor acumulado entre a cobertura do edifício e a cobertura interna do volume “molhado” é removido pela ventilação cruzada proporcionada pelos elementos vazados de madeira e taquara; 5 - Ventilação cruzada proporcionada pelo elemento vazado de proteção solar; 6 - A elevação do edifício do piso garante a refrigeração e circulação de ar durante todo o dia, além de não interromper o ciclo natural da fauna e flora ao ser implantado.

141

2 3

5

1 - Alimentação de água potável por via de fonte encanada na vila; 2 - Distribuição para armazenamento em caixas d’água, 1000L; 3 - Distribuição da água armazenada para cozinha e sanitários; /^

Ciclo da água no edifício sem escala

142

4 - Encaminhamento das águas negras para tanque de evapotranspiração; 5 - Saída de excessos e águas tratadas; 6- Captação e armazenamento da água da chuva para uso na limpeza do centro e outras áreas.

1

4

6

143

144

Os desenhos a seguir mostram a sequência construtiva do projeto, sugerindo uma ordem de execução das etapas da construção. Elaborá-los foi uma forma não burocrática de reconhecer e documentar o processo construtivo, e registrar as soluções discutidas em conjunto, a fim de empregá-las no futuro.

Mais do que uma documentação, esta sequência de desenhos é um ensaio acerca da logística da construção, desde a chegada dos materiais à vila até o seu emprego na construção. Além disso, ela revela o cuidado com a escala das mãos, demonstrando as dimensões e peso dos elementos do projeto ao serem manuseados pelos moradores da comunidade. Além de materiais, os desenhos mostram o emprego de ferramentas necessárias para a construção, como: escadas, andaime, cordas, carrinho de mão, enxada, etc.

As mãos criam vínculos com a realidade, são ferramentas de troca com o mundo. Tal como os olhos, as mãos podem informar sobre a realidade no tato ou no contato, mas a troca acontece justamente da dimensão instrumental da mão, e na possibilidade dada de interagir ou modificar o mundo físico. (PALLASMAA, 2013) Desse modo, a escala das mãos está associada ao experimento e ao empirismo, à possibilidade de realização.

/<

sequência construtiva sem escala

145

3

1

16

2

4

5 8

6 7

10

11 /^

Diagrama de contagem de peças sem escala

146

1 - pilares do piso - Ø20 X 90cm - 24 unidades 2 - vigas de eucalipto roliço 460cm - 14 unidades

- Ø20 X

3 - vigas secundárias - 10 X 20 X 620cm 22 unidades 4 - barrotes - 5 X 10 X 130cm - 19 unidades + 5 X 10 X 450cm - 124 unidades 5 - ripas do assoalho de eucalipto 10 X 4 X 300cm - 790 unidades ou 252m2

9

6 - vigas de eucalipto roliço da cobertura Ø25 X 800cm - 5 unidades + Ø25 X 340cm - 10 unidades 7 - vigas secundárias de eucalipto roliço da cobertura - Ø20 X 750cm - 10 unidades + Ø20 X 550cm - 10 unidades 8 - terças - 8 X 16X 600cm - 100 unidades 9 - pilares de eucalipto roliço - Ø25 X 600cm - 5 unidades + Ø25 X 500cm - 5 unidades 10 - chapas de OSB - 220 X 122 X 1,5cm 142 unidades

13 15 12

11 - ripões - 5 X 1,5 X 500cm - 183 unidades 12 - manta térmica - 50m2 - 8 unidades

14

13 - telha ecológica - 200 X 95 X 3,8cm 14 - tijolos ecológicos - 25 X 12,5 X 7,5cm +- 13 mil unidades 15 - cabo de aço - Ø1cm - 135 metros 16 - fechamentos em taquara /trançado de fibra de bambu

147

4

3 2

148

1

1 - Limpeza do terreno 2 - Carregamento de materiais 3 - Marcação para eixo estrutural 4 - Início das fundações 149

5

8

150

6

7 5 - Montagem da forma do radier e sistema hidráulico 6 - Montagem da forma do muro curvo 7 - Levantamento dos pilares por meio de alavancagem por andaime 8 - Pilares levantados e escorados 151

12

8

13

152

10

9

11

8 - Início das alvenarias 9 - Início do muro curvo 10 - Montagem e pré tensionamento das vigas vagão 11 - Içamento das vigas vagão por meio de andaime 12 - Vigas vagão instaladas 13 - Início do assoalho em madeira 153

17

14

18 16

154

15

14 - Finalização das alvenarias 15 - Finalização do muro curvo 16 - Montagem da estrutura de contravamento longitudinal em cabos de aço 17 - Montagem da estrutura de contraventamento transversal e apoio da cobertura 18 - Finalização do piso 155

23 22

20

21

19

24

156

19 - Instalação do sistema hidráulico, e vedações 20 - Instalação das peças de proteção solar 21 - Instalação do forro termo-acústico, chapas de OSB e manta térmica 22 - Instalação das ripas 23 - Instalação das telhas 24 - Finalização do piso 157

158

Construção finalizada 159

>/ Croquis de estudo para a cobertura retrátil

</

Imagens de pescadores manuseando suas redes

160

Um elemento que contribui para a construção da identidade do projeto, empregando materiais e técnicas presentes no dia a dia da comunidade é a cobertura retrátil. Esta cobertura foi pensada para promover uma área sombreada nos arredores do centro comunitário, tanto no jardim lateral como no acesso frontal, podendo ser utilizada em dias ensolarados e também em noites de celebrações, servindo como área coberta de um palco.

A proposta da cobertura parte do desejo de se propor um objeto que pudesse representar a memória do pertencimento dos moradores por este lugar, retratando então, a principal atividade

socioeconômica desempenhada, a pesca. Inspirada pela materialidade e o formato das redes de pesca, a cobertura baseia-se numa trama composta por redes antigas, que apoia um tecido leve e impermeável, e é tensionada por cordas fixadas nas construções ao redor ou em varas de bambu.

O processo de construção deste objeto carrega em si muito significado, pois é imaginado que esta trama será tecida em conjunto pelo grupo de mulheres artesãs com os outros moradores da comunidade, promovendo então, este encontro que reflete sobre o passado e aponta para um futuro melhor.

161

/^ Vista externa do recinto do centro comunitário

162

163

/ Recinto

164

/ .4.7.3 Intervenções: recinto

O recinto será implantado entre a parte posterior do restaurante e o acesso principal da casa dos patriarcas da vila, que é também uma pousada. Sua implantação foi orientada por estabelecer um importante eixo visual e de circulação com o centro comunitário, também voltado para essa área central da vila. Esta intervenção se comporta como um objeto âncora, que é capaz de ancorar diversas atividades e usos no dia a dia da comunidade.

Pensado para criar uma agradável área de convivência, o recinto será implantado numa região que possui grandes árvores, garantindo assim, uma área sombreada durante quase todo o dia. Esta intervenção, assim como no centro comunitário, baseia-se em um anteparo configurado por uma parede curva e vazada de tijolos cerâmicos, que tem como base um banco de concreto.

Além disso, o conjunto conta com uma área de estar circular rebaixada, com 5m de diâmetro, construída em concreto e tijolos cerâmicos. A intenção é criar um espaço onde se possa permanecer, acolher rodas de conversas, reunir-se em volta do fogo, e outros eventos, além de servir como uma área livre para o uso da comunidade no dia a dia.

A localização dessa construção em relação às preexistências revive as memórias da comunidade em relação àqueles que já não estão mais lá, construindo um lugar de encontro capaz de promover novas trocas e fortalecer a cultura e união deste povo.

165

166

/< implantação escala 1:150

167

/^ Vista do oconjunto construído do recinto

168

169

/

Pescadores no Canal do Ararapira Cananéia - 2020 Foto do autor

170

/ .5 Considerações finais

Aqui se encerram as discussões deste processo.

As reflexões contidas nesse texto não pretendem responder a uma tese, tampouco solucionar um problema, mas sim, desenhar uma postura que defende a produção de uma arquitetura mais humana.

Postura esta que valoriza a cultura e os saberes tradicionais, não ignora especificidades locais e, acima de tudo, busca manter os laços criados entre os habitantes e o espaço habitado. Ela sugere práticas que não eliminem ou substituam os saberes locais comparando-os à tecnologia formal, mas que o reconheça, fundamentalmente, como a expressão de um povo, um ato cultural.

O presente trabalho, portanto, tornou-se para mim um ensaio sobre o processo de projetar. Me aprofundei na investigação sobre a vida e a maneira de construir desse povo. Dialogando e revivendo suas memórias, pude reconhecer a capacidade de adaptação do conhecimento tradicional com o formal, prezando assim, pelo conhecimento coletivo.

Esse processo revelou a importância de ouvir e compreender o que têm a ensinar estes povos tradicionais e, sobretudo, reforçou que valorizar a cultura e os saberes locais é uma forma de valorização da vida.

171

/ .6 Referências

AFONSO, M. C. Arqueologia dos sambaquis no litoral de São Paulo: análise da distribuição dos sítios e cronologia. Especiaria - Cadernos de Ciências Humanas, Ilhéus, v. 17, n. 30, jan./Jun. 2017, p. 203-227.

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DIEGUES, A. C. O mito moderno da Natureza Intocada. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2003.

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