REVISTA MPEspecial

Page 1

Use o QR Code para vers達o digital

1


2


MP NOTÍCIAS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DE MS NAS ONDAS DO RÁDIO ASSECOM

MPMS Diante dos vários novos meios de comunicação que surgiram nos últimos tempos, não são raras as pessoas que pensam que o rádio está com os dias contados. Desde seu surgimento, o rádio tem caráter social intrínseco às suas atividades e permanece assim até hoje. A facilidade para aquisição de um aparelho de rádio, seja grande ou pequeno, também faz dele um meio de comunicação muito democrático, pois é mais acessível economicamente. Mesmo com tantos avanços tecnológicos, seu sinal chega aonde nenhum outro veículo de comunicação, chega e utilizando-se de linguagem própria, direta, coloquial e intimista, em alguns casos é o principal meio de informação. O rádio faz e ainda fará isso por muito tempo. Por isso é que o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), ciente de que a informação é considerada um direito de todos e que somente por meio da informação a sociedade tem subsídios para se organizar, politica e economicamente, mantém um canal de informação direto com o cidadão sul–mato-grossense por meio do rádio. Em 2001 o MPMS firmou um convênio com o Grupo Feitosa de Comunicação, que lhe possibilita veicular o programa MP Notícias em Mato Grosso do Sul. O MP Notícias é veiculado de segunda a sexta-feira em rádios AM e FM distribuídas pelo Estado. O programa, que já conta com mais de 700 edições, é construído em formato de drops ou pílulas, ou seja, é rápido e direto, e a cada nova edição leva aos cidadãos informações relativas à atuação do Ministério Público em prol da sociedade. Confira a lista das cidades onde o MP Notícias é veiculado, ouça, opine e dê sugestão ao programa. Se em sua cidade não houver veiculação do programa, não se preocupe, o MP Notícias tem sua opção online. Todos os programas ficam disponíveis também no Portal de Informação do MPMS em www.mpms.mp.br.

3


4


Sumário

6 7 8 10

Expediente Editorial

Entrevista - EDUARDO DE LIMA VEIGA Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG) Artigo - APLICABILIDADE DAS MEDIDAS CAUTELARES COMO ALTERNATIVA À INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI por Luiz Eduardo de Souza Sant’Anna Pinheiro (Promotor de Justiça de Amambai - Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude)

18

Artigo - PROJETO GUAICURU - O MINISTÉRIO PÚBLICO DE

MATO GROSSO DO SUL TRABALHA PARA A CONSOLIDAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO

por Humberto de Matos Brittes (Procurador-Geral de Justiça do MPMS)

24

Artigo - ALGUMAS ELUCUBRAÇÕES SOBRE O CONTROLE

DE CONVENCIONALIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES NO PLANO JURÍDICO INTERNO E NO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

por João Linhares Júnior (Promotor de Justiça de Dourados - Pós-graduando em Direito Constitucional e Direitos Humanos pela PUC/RJ)

32

Artigo - TEMAS SENSÍVEIS DO DIREITO CONSUMERISTA por Luiz Eduardo Lemos de Almeida (Promotor de Justiça de Campo Grande - Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor)

36

Artigo - UMA QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA por Jaceguara Dantas da Silva Passos (Promotora de Justiça de Campo Grande - Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos Doutoranda em Direito, área de concentração em Direito Constitucional pela PUC/SP)

40

Artigo - O PLENÁRIO NÃO É ALTAR DE AUTOCOMISERAÇÃO DO RÉU CULPADO. A VÍTIMA EXISTE! por Matheus Macedo Cartapatti (Promotor de Justiça de Iguatemi)

42

Artigo - DO ACESSO IMEDIATO AOS DADOS DE FUTURAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS por Denis Augusto Bimbati Marques (Promotor de Justiça de Goiás)

46

Artigo - TRIBUNAL DO JÚRI: DUAS QUESTÕES por Rodrigo Correa Amaro (Promotor de Justiça de Corumbá)

50

Entrevista - IRONE ALVES RIBEIRO BARBOSA Procuradora de Justiça Aposentada

5


Expediente ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO Jornalistas Responsáveis Ana Paula Leite Hordonês Echeverria Elizete Alves da Silva Projeto Gráfico e Direção de Arte Thayssa Maluff Diagramação Thayssa Maluff Raquel Balan Revisão Karl Frederick Alecksander Phillip de Figueiredo Rocha Thuliana Alves da Silveira Núcleo de TV Felinto Paes Márcio Higo Setor de Rádio José Guilherme Oliveira Estagiários Everson Monteiro Gabriela Sassioto Pedro Centeno Raquel Balan Schimene Weber Secretaria Sandra de Campos Pamela Batista Finalização da edição: 10 de outubro de 2014 Fotos: Assecom Tiragem: 1.000 exemplares R. Pres. Manuel Ferraz de Campos Salles, 214 Jardim Veraneio - CEP 79031-907 Campo Grande-MS Telefone: (67) 3318-2086

6

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL Procurador-Geral de Justiça Humberto de Matos Brittes Procuradora-Geral Adjunta de Justiça Jurídica Mara Cristiane Crisóstomo Bravo Procurador-Geral Adjunto de Justiça Administrativo João Albino Cardoso Filho Corregedor-Geral do Ministério Público Mauri Valentim Riciotti Corregedor-Geral Substituto do MP Antonio Siufi Neto Chefe de Gabinete do PGJ Paulo Cezar dos Passos Secretário-Geral do MP Rodrigo J. Stephanini Assessores Especiais do PGJ Cristiane Mourão Leal Santos Paulo César Zeni Ricardo de Melo Alves Assessor do CGMP Douglas Oldegardo Cavalheiro dos Santos Ouvidor do MP Olavo Monteiro Mascarenhas COLÉGIO DE PROCURADORES DE JUSTIÇA Sergio Luiz Morelli Mauri Valentim Riciotti Hudson Shiguer Kinashi Olavo Monteiro Mascarenhas Irma Vieira de Santana e Anzoategui Nilza Gomes da Silva Silvio Cesar Maluf Antonio Siufi Neto Evaldo Borges Rodrigues da Costa Marigô Regina Bittar Bezerra Belmires Soles Ribeiro Humberto de Matos Brittes Miguel Vieira da Silva Amilton Placido da Rosa João Albino Cardoso Filho Paulo Alberto de Oliveira Lucienne Reis D’Avila Ariadne de Fátima Cantú da Silva Francisco Neves Junior Edgar Roberto Lemos de Miranda Marcos Antonio Martins Sottoriva Esther Sousa de Oliveira Aroldo José de Lima Adhemar Mombrum de Carvalho Neto Gerardo Eriberto de Morais Luis Alberto Safraider Sara Francisco Silva Mara Cristiane Crisóstomo Bravo Lenirce Aparecida Avellaneda Furuya Helton Fonseca Bernardes


EDITORIAL Caros colegas e leitores em geral, Tenho o prazer de apresentar mais um número da nossa Revista MP Especial para vossa apreciação, trazendo informações importantes para todos os Membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, principalmente dos avanços que conquistamos nesta recondução para mais um período administrativo. Estamos dando a arrancada para a implantação do SAJ-MP, possibilitando, em breve, que passemos a realizar nossos atos e investigações em autos eletrônicos, modernizando as práticas dos órgãos de execução. A aquisição e implementação desse moderno sistema no âmbito de nossa Instituição mudará completamente a atual realidade. É o início de uma árdua jornada de trabalho, mas, com certeza, sairemos vitoriosos, pois podemos afirmar, com muito orgulho, que contamos com um dos mais brilhantes quadros de Promotores e Procuradores de Justiça do País e, contando com o empenho e a contribuição de todos os valorosos Membros do MPMS, com certeza venceremos esse grande desafio de modernização de nossa Instituição para, ao final, sairmos fortalecidos e independentes. Retomamos, recentemente, o Projeto PGJ com Você, implantado durante o ano passado em nossa primeira administração e que deu bons resultados, engrandecendo a Instituição. Estamos percorrendo as Promotorias de Justiça do interior do Estado, ouvindo as reivindicações dos Promotores de Justiça, que muitas vezes, pela distância ou por acúmulo de trabalho, não podem estar pessoalmente na Administração Superior. Também concluímos um planejamento de obras no âmbito do Ministério Público do Estado tanto na Capital como no interior do Estado, como a ampliação do edifício-sede da Procuradoria-Geral de Justiça e das Promotorias de Justiça de Três Lagoas; construção de uma nova sede para as Promotorias de Justiça da Capital, bem como de Corumbá, Naviraí e Aparecida do Taboado. Também empossamos em julho mais quatro Promotores de Justiça Substitutos, somando 19 com os outros empossados em dezembro passado e, diante do crescimento da Instituição, teremos que realizar novo concurso em breve para movimentar os Membros do MPMS diante da criação de novas Promotorias de Justiça. Desejo a todos uma boa leitura e até o próximo número. Atenciosamente,

Humberto de Matos Brittes Procurador-Geral de Justiça

7


Entrevista

EDUARDO DE LIMA VEIGA Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG)

Currículo de Eduardo de Lima Veiga Eduardo de Lima Veiga nasceu no dia 23 de junho de 1962, no município de Uruguaiana, Rio Grande do Sul. É filho de Henrique Almeida Mota Veiga e Maria da Conceição de Lima Veiga. É bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desde 1986. Concluiu o curso de Pós--graduação lato sensu pela George Washington University – School of Business & Public Management, entre agosto e dezembro de 1988. Realizou, entre 1987 e 1988, o Curso Preparatório à Carreira do Ministério Público, na Escola Superior do Ministério Público.

8

Como docente, lecionou Direito Penal na Unisinos entre 1989 e 1990. Também foi professor de Direito Civil e Direito Penal na PUC-Uruguaiana de 1991 a 1993. Na ESMAFE, lecionou Processo Penal no período de 2003 a 2005. Atuou como Promotor de Justiça da 1ª Vaga de Guaíba entre 1989 e 1990 e na 2ª Vara Criminal de Uruguaiana de 1990 a 1993. Também foi Procurador de Justiça perante a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entre os anos de 2002 e 2004. Entre 2009 e 2011, foi Procurador de Justiça perante a Sé-

tima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Eduardo foi Vice-Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e da União, na gestão de 2011/2012, e atuou como Presidente do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH/CNPG) no mesmo período. Assumiu a Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul no biênio 2011/2013, tendo a função continuada no biênio 2013/2014. No último dia 21 de agosto, foi eleito o novo Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG).


É

importante que se compreenda que as políticas públicas, as decisões dos parlamentares no Congresso Nacional ou na Assembleia Legislativa precisam ser fiscalizadas pelo MP, é nosso dever constitucional.

MPMS - Quais as principais metas em sua gestão à frente do CNPG? Eduardo Veiga - É momento de reconstruir algumas pontes no campo político e acredito que esta seja uma tarefa alinhada com os objetivos do CNPG, já estabelecidos em seu estatuto. Digo isto porque o MP com frequência tem atritos neste campo, que causam embaraços e abalam relações institucionais, o que não é positivo para a democracia. Precisamos refazer estas pontes, reconstruir e investir em boas relações, republicanas e de confiança. Saliento que este abalo nas relações não é culpa de ninguém em especial, mas do próprio exercício da função do Ministério Público. Às vezes erramos, claro, mas também os nosso acertos geraram conflitos. É importante que se compreenda que as políticas públicas, as decisões dos parlamentares no Congresso Nacional ou na Assembleia Legislativa precisam ser fiscalizadas pelo MP, é nosso dever constitucional. Podemos usar como exemplo a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que estabelece ser obrigatório, até 2020, a todos os municípios, atender 100% da demanda por vagas em creches. Essa lei, aprovada no Congresso, gera despesa para o município, e muitos prefei-

tos alegam não ter orçamento para cumprir a meta. Como deve agir o MP neste caso, já que nossa atribuição é garantir que as leis aprovadas sejam efetivamente cumpridas? Ou seja, o Executivo envia um projeto de lei atendendo a uma demanda social, os parlamentares aprovam e posam na foto referendando a conquista com o prefeito, mas é o Promotor de Justiça lá no interior que deverá ser compreensivo ou não com a alegada falta de verbas, dar prazos que a lei não prevê. Está aí uma fonte importante de atritos entre o MP e a classe política que precisa ser enfrentada. MPMS - Quais são os caminhos para institucionalizar o CNPG? Eduardo Veiga - O CNPG se tornará um órgão oficial mediante reconhecimento em lei. Precisamos criar uma lei que reconheça o CNPG como um órgão de Estado. Já tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei aprovado em abril pelo Senado Federal que atribui ao CNPG a responsabilidade pela indicação dos três membros do MP dos Estados junto ao CNMP. Assim como uma lei federal aprovada recentemente deu assento ao CNPG no Conselho Nacional dos Direitos Humanos. Esse é o caminho e é assim que temos tentado conquistar esse

espaço. Aí o CNPG passará a ter um caráter institucional e oficial. E assim procuraremos evoluir para que se torne, também, um órgão de Estado. MPMS – Que contribuições o CNPG pode dar para consolidar o caráter nacional do MP? Eduardo Veiga - A primeira coisa é criarmos uma doutrina de Ministério Público. Precisamos ter, mais ou menos uniforme, em todos os Estados e na União, o que é da essência do MP e não abrir mão disso em momento nenhum. E fazer com que todos militem em direção a isso que achamos ser essencial: as garantias, as prerrogativas e uma equiparação vencimental entre todos os MPs. Aí consolidaríamos esse caráter nacional do MP. Se o sujeito pertencesse ao MP do RS ou do Acre, teria as mesmas vantagens, garantias e prerrogativas. O papel do CNPG é tentar fazer com que todos os MPs tenham um núcleo comum de valores intocáveis. MPMS – Quais, na sua visão, seriam as principais dificuldades do Ministério Público? Eduardo Veiga - Uma das grandes dificuldades enfrentadas hoje pelos MPs é estrutural. Falo de recursos humanos e materiais, que permitam a acompanhar o crescimento das demandas em todas as áreas de atuação e instâncias da Instituição.

O papel do CNPG

é tentar fazer com que todos os MPs tenham um núcleo comum de valores intocáveis.

9


APLICABILIDADE DAS MEDIDAS CAUTELARES COMO ALTERNATIVA À INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI

Luiz Eduardo de Souza Sant’Anna Pinheiro Promotor de Justiça de Amambai Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude

10

Na data de 5 de julho de 2011, entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro a Lei nº 12.403/11, que alterou de forma significativa o regramento das prisões, na proporção em que introduziu ao Código de Processo Penal 32 dispositivos, de maneira a passar a admitir a utilização de novas medidas cautelares, como alternativa à prisão provisória. Denominada por alguns estudiosos como “Lei do D e s e n c a r c e r a m e n t o ” , a novel legislação vem d e m o n s t r a n d o, ao longo de seus quase três anos de vigência, que veio em boa hora e tornou-se uma eficaz fonte decisória para que

o magistrado mantenha o indivíduo submetido ao jugo do processo penal, vinculado ao processo, mesmo que não encarcerado. Hodiernamente, é crível asseverar que em quase a totalidade dos processos criminais em curso no país, cujos acusados estejam respondendo o processo em liberdade, as decisões cautelares estão pautadas na recente inovação legislativa. Consagrou-se, assim, o princípio da excepcionalidade da prisão. Neste tempo de vigência, é possível afirmar que houve ampla aceitação das mesmas pelos operadores do direito, e os resultados alcançados têm


sido satisfatórios, tornando-se um viés paliativo a atenuar a questão da superlotação dos estabelecimentos prisionais. Em face desse panorama, passou-se a discutir sua aplicação analógica na seara infantojuvenil, cujo trâmite se dá perante a Vara da Infância e da Juventude, de onde também decorre a problemática do sucateamento das unidades de internação. Indaga-se então: Diante da ausência de previsão legal, é possível admitir a decretação de medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal como alternativa à internação provisória?

Diante da

amplitude de questões, princípios e normas que circundam o tema, torna-se imperioso, no mínimo, uma reflexão sobre essa possibilidade.

Malgrado haja posicionamento que não admita a imposição de medidas cautelares aos adolescentes em conflito com a lei, na ótica deste s u b s c r i t o r sua aplicação se coaduna com o sistema jurídico pátrio. Explicam-se as razões. Primeiramente, calha consignar que toda vez que os textos envelhecem, e as normas são deslocadas do contexto que gerou a sua redação, surge a necessidade de inovação, de reinterpretação. Cabe, então, ao hermeneuta amoldar a sua interpretação à nova realidade social, sem, contudo, se distanciar da “mens legis”. Nessa tarefa interpretativa, calha considerar que, para além do texto, existe o contexto em que nasceu o re-

gramento, sendo fundamental adequá-lo aos novos tempos, de forma a impor diretrizes básicas de comportamentos aos seus destinatários, e atingir os seus fins teleológicos. Assentadas essas reflexões, oportuno se faz estabelecer uma dicotomia entre o compêndio normativo cabível aos adultos em contraposição ao estatuto menorista. Pois bem. Partindo de uma análise histórica da lei, depreende-se da exposição de motivos que prefacia o respectivo projeto (nº 156/2009) que uma das preocupações do legislador ordinário versava justamente sobre a necessidade de adaptação da legislação adjetiva criminal aos tempos atuais. Repise-se: “Se em qualquer ambiente jurídico há divergências quanto ao sentido, ao alcance e, enfim, quanto à aplicação de suas normas, há, no processo penal brasileiro, uma convergência quase absoluta: a necessidade de elaboração de um novo Código, sobretudo a partir da ordem constitucional da Carta da República de 1988”. Não é novidade que se tornou corriqueiro no país, o debate acerca da grande preocupação que a sociedade brasileira tem com o aumento da criminalidade infantojuvenil. Por consequência, a tese da redução da maioridade penal ganhou novos adeptos, advindo nesta mesma toada o clamor social, pelo agravamento da há muito banalizada e desacreditada reprimenda, imposta aos adolescentes violadores da norma penal. Grande parcela do povo brasileiro almeja, a todo custo, o estabelecimento de sanções privativas de liberdade, cumpridas em presídios pelos delinquentes juvenis, tudo em prol da segurança coletiva. Sucede que a Constituição da República preceitua que o Brasil é um Estado Democráti-

co de Direito (art. 1º, CRFB), de modo que não se deve aprisionar o imputado, sem que ele seja considerado culpado, pela prática do fato delituoso (Devido Processo Legal e Princípio da Presunção da Inocência, art. 5º, incisos LIV e LVII, CRFB).

É certo que o

ordenamento jurídico brasileiro prevê a possibilidade de restrição absoluta de liberdade (tanto para o maior quanto ao menor de idade), no entanto, trata-se de medida extrema, a qual deve ocorrer em caráter de exceção, já que o direito à liberdade deve prevalecer.

Atento à mencionada d i r e t r i z constitucional, o cerceamento de liberdade refere-se a uma excepcionalidade e como tal deve ser evitado, sobretudo quando for possível uma medida menos severa, até mesmo quando impera uma sentença condenatória com trânsito em julgado. Diante dessa realidade, é perceptível que, doravante, a prisão cautelar é ainda mais extraordinária. Tanto é assim que a Lei nº 12.403/11 alterou as disposições do Código de Processo Penal, a fim de estipular requisitos que dificultam a concessão da Prisão Preventiva, regulando medidas cautelares que podem ser im-

11


Grande

parcela do povo brasileiro almeja, a todo custo, o estabelecimento de sançþes privativas de liberdade, cumpridas em presídios pelos delinquentes juvenis, tudo em prol da segurança coletiva.

12


13


postas em vez da decretação da prisão. Novamente, transpassando o tema para o regime jurídico menorista, temos a alternativa de internação ao adolescente infrator, a qual, de igual modo, somente é decretada de forma subsidiária, quando presentes seus pressupostos e fundamentos, tal como na prisão preventiva ou cautelar (art. 312 do CPP), sendo a derradeira alternativa, de índole acautelatória. Significa dizer:

Se não há

motivos concretos para tanto, é de rigor mantê-lo solto.

Gize-se, ademais, que, no caso de internação provisória, os requisitos para sua decretação instituem outras limitações, além daquelas estabelecidas no Codex Processual Penal. O art. 122, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preceitua que a internação só se aplica a atos infracionais praticados mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa. Nesse sentir, o Superior Tribunal de Justiça, calcado no princípio da legalidade restrita do Direito Penal, restringiu a aplicação da internação apenas a essas hipóteses, o que inviabilizou o seu manejo em relação aos atos infracionais de tráfico de entorpecentes[1]. Inobstante a consagrada tese, na atividade funcional, nós, representantes do Ministério Público, insistimos nas internações por tráfico de entorpecentes, não apenas por conta da gravidade da conduta e sua característica hedionda, mas por consideramos também o fato de que, sendo uma forma de manobra dos traficantes, os jovens cooptados pelo tráfico, quando soltos (lembrando que a súmula recomenda a impossibilidade da privação de liberdade como medida cautelar), tendem a voltar para as “bocas de

14

fumo”, inclusive pelo fato de que elas invariavelmente funcionavam nas comunidades onde eles residiam. Focado nesta irrefutável constatação, a internação ainda seria manejada como verdadeiro instrumento de proteção do menor, na medida em que o aparta do tráfico (sendo relevante observar inclusive a possibilidade de retorno ao tráfico de entorpecentes, em virtude de coação direta dos traficantes). Lamentavelmente, por ora, esse aspecto protetivo está vencido. Consideradas essas questões, pensemos no desiderato das medidas de índole cautelar. Vaticina o jurista Edilson Mougenot Bonfim[2]: “Medidas cautelares são, em linhas gerais, providências estatais que buscam garantir a utilidade e a efetividade do resultado da tutela jurisdicional, que se dará pela sentença penal condenatória ou, eventualmente, absolutória. Com as providências cautelares, busca-se garantir a efetividade do processo, ou seja, a aplicação da lei s u b s t a n t i v a ou material, na medida em que intenta a preservação e a inalterabilidade de situações ou meios que interessem à prestação jurisdicional, de modo que toda situação ou meio de que se repute conter valor para o deslinde da causa, possa estar protegido contra seu falseio, modificação ou perda de significado ou utilidade”. Sabemos que aludido conceito e finalidade não são novidades nos demais ramos do direito, assim como ocorre no Processo Civil, aliás, típica hipótese de interpretação sistêmica do ordenamento. Ainda no campo da hermenêutica jurídica, levando em conta a máxima da interpretação ampliativa de direitos em favor do adolescente, forçoso reconhecer que a decretação de medida cautelar em substituição à restrição da liberdade ape-


15


nas vem a representar mais uma garantia em favor do infante violador da norma. Por outro lado, ao adolescente em liberdade, estabelecidas condições de índole cautelar, expandem-se as possibilidades de retorno ao convívio familiar[3], sobretudo diante da necessária supervisão e acompanhamento dos pais[4]. Inconteste será a assertiva de que,

Com o

estabelecimento de regras rígidas a serem cumpridas, maior será sua oportunidade de ressocialização, vindo esse ponto ao encontro do caráter pedagógico da medida,

como por exemplo: a frequência obrigatória em unidade de ensino e/ou curso profissionalizante, o recolhimento domiciliar noturno e aos fins de semana, a proibição de frequência a certos ambientes, a vedação de manter contato com a vítima; entre outras regras que tenham o escopo pedagógico. No caso concreto, caberá ao proponente (Promotor de Justiça/Juiz de Direito) perquirir se a alternativa adotada se coaduna com o princípio da proporcionalidade, ou seja, se o resultado a ser obtido com a imposição é proporcional à carga coativa da mesma, e se adequada à ação infracional, objeto do procedimento. Na hipótese de descumprimento, como sói ocorrer em outras espécies de obrigações processuais, tornar-se-á viável a cumulação das medidas ou agravamento de forma grada-

16

tiva. Em casos extremos, dever-se-á dar ensejo à internação provisória, fulcrada no art. 122, inciso III, do ECA (“A medida de internação só poderá ser aplicada quando: (...) III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta”). Sobreleva destacar que, a determinação de qualquer medida deve observância ao princípio da brevidade, ou seja, não deve perdurar por prazo demasiadamente extenso, e terá a permanente fiscalização do Estado e o acompanhamento pela família. Observando estas balizas, entende-se que a aplicação analógica da Lei nº 12.403/11 nos procedimentos infracionais trará benefícios a toda a sociedade, principalmente porque se coaduna com os princípios protetivos que balizam a responsabilização dos adolescentes e amplia a possibilidade de ressocialização do jovem. Outrossim, a aplicação das medidas cautelares vem atender a uma política criminal, motivada pela crença de que é maléfico aos jovens e à sociedade submeter o adolescente em conflito com a lei ao sistema criminal, equivalente à restrição absoluta de liberdade cabível ao adulto, em detrimento de ações que também visem a imposição de regras, mas que se alinhem à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Destaque-se que o manejo de regras cautelares não representará impunidade, ao revés, na medida em que os jovens infratores, ao final do procedimento infracional, continuarão sujeitos a medidas socioeducativas, previstas no ECA, conforme as regras de dosimetria. Cinge-se apenas a admitir alternativas ao juízo, vinculando o infrator a condições previamente determinadas, alcançando assim o objetivo de proteção da sociedade. Fechar os olhos para essas

questões e vedar cegamente a aplicação da lei em testilha significaria estabelecer tratamento mais gravoso ao adolescente infrator, em relação à justiça penal, com repercussão negativa ao seu desenvolvimento. Por todo esse contexto, justificam-se as alterações no ECA, visando redimensionar a aplicação das medidas c a u t e l a r e s , na seara infantojuvenil, em especial nas situações em que a abordagem socioeducativa resta frustrada. Até que não ocorra o advento de lei que a preveja, defende-se a possibilidade da admissão das mencionadas medidas cautelares, de sorte a incluir os infratores como beneficiários em um rol de ações para protegê-los, efetivando direitos que lhes são inerentes.

Notas

[1] Súmula 492 do Superior Tribunal de Justiça: “O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente”. [2] BONFIM, Edilson Mougenot. Reforma do código de processo penal: comentários à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 19. [3] Princípio da Prevalência da Família, segundo o qual na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente, garantindo-se as prevalência às intervenções estatais que os mantenham ou reintegrem à sua família natural e, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta, com preferência para a família extensa (ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. 1ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 83). [4] Princípio da Responsabilidade Parental, por meio do qual os pais devem assumir os seus deveres para com a criança e o adolescente. Registre-se que esse princípio encontra-se alinhado ao art. 229 da Constituição Federal, que determina terem os pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, pois a família é lugar ideal para seu crescimento sadio, op. citada.


17


PROJETO GUAICURU O MINISTÉRIO PÚBLICO DE MATO GROSSO DO SUL TRABALHA PARA A CONSOLIDAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO

Humberto de Matos Brittes Procurador-Geral de Justiça

18


Investimentos e adaptações para a implantação do processo eletrônico O processo eletrônico no Estado de Mato Grosso do Sul é uma realidade já sedimentada.

Trata-se de

caminho inevitável e indispensável ao atendimento da demanda crescente de trabalho, decorrente da multiplicação dos processos judiciais, da necessidade de adequado controle dos prazos e fluxos procedimentais, bem como do dever de aprofundamento da comunicação entre o Ministério Público e a Sociedade, viabilizando mecanismos mais eficientes para o livre trânsito das informações.

Essa árdua marcha rumo a um novo modelo de processo eletrônico tem sido cuidadosamente acompanhada pela Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Comitê Estratégico de Tecnologia da Informação (CETI), garantindose que, mediante uso racional dos recursos disponíveis, sejam realizados investimentos e adaptações que se revelarem necessários para uma transição isenta de sobressaltos,

preservando-se sempre a segurança dos dados e dos serviços prestados pela instituição ministerial. Diante desse cenário, o [CETI] trabalha desde o ano de 2012 pautado por minuciosos Planos Diretores de Tecnologia da Informação (PDTI 20122013 e PDTI 2013-2014), que permitiram a realização de uma série de ações voltadas ao aprimoramento dos serviços de TI, dentre as quais merecem destaque: a) Implantação das Tabelas Unificadas do CNMP: o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS) logrou cumprir os prazos estipulados pelo Conselho Nacional do Ministério Público para a implantação das Tabelas Unificadas, de modo que, atualmente, os vários sistemas utilizados pela instituição, desenvolvidos internamente por sua Secretaria de Tecnologia da Informação (CIP, CIC, SAP I, SAP II, SU, SIMP, SIAP, Tabelas, Cadastro de Entidades, dentre outros), adotam a taxonomia padronizada nacionalmente, permitindo a geração de relatórios e estatísticas; b) Criação do SIMP e do SU: os diversos sistemas utilizados para a gestão dos procedimentos internos do Ministério Público foram reformulados e integrados, de modo a facilitar o seu uso, reduzir os trabalhos de inclusão de dados, bem como permitir o cruzamento das informações para fins estratégicos e estatísticos; c) SAP I e SAP II: objetivando preservar o controle interno dos fluxos dos processos judiciais tramitados via SAJ-TJ, a Secretaria de Tecnologia da Informação logrou implantar ferramentas de integração dos sistemas SAP I e SAP II com as bases do Tribunal de Justiça, oferecendo uma solução indispensável à preservação da segurança dos fluxos de processos no âmbito das Promotorias e Procuradorias de Justiça;

d) Reformulação do Portal do MPMS: além da criação de ferramentas úteis para uma gestão otimizada da informação,

o [MPMS]

instituiu projeto de aprimoramento do seu Portal na internet, oferecendo aos cidadãos um layout mais agradável e intuitivo para navegação;

e) Reforma do CPD e a q u i s i ç ã o de licenças adicionais para bancos de dados: O uso do processo eletrônico impõe a utilização de melhores técnicas de armazenamento e processamento das informações e, objetivando desde logo sedimentar a infraestrutura da instituição para os investimentos futuros, a central de processamento de dados do Ministério Público foi submetida a reformas necessárias à ampliação do espaço e à sua adequação a padrões mais rigorosos de segurança. Além disso, foram adquiridos softwares de bancos de dados que permitirão implantar ferramentas mais robustas para a gestão das informações armazenadas; f) Novos links de internet: O Ministério Público passará a utilizar-se de links de conexão MPLS, de modo a se oferecer às Promotorias de Justiça de todo o Estado um serviço de comunicação de dados mais seguro e estável, além disso, já se encontra em estudo a implantação de links em redundância e a aquisição de aceleradores, o que contribuirá para a maior estabilidade e ve-

19


locidade das comunicações; g) Elaboração de nova política de segurança: a política de segurança da informação institucional foi submetida a um processo de revisão, tendo como meta a inclusão de melhores rotinas de proteção de dados e a criação de regras claras e objetivas para o uso da rede de computadores do Ministério Público; h) Criação da Central de Serviços de TI: o sucesso na

implantação de novos serviços de TI passa, necessariamente, pela eficiência no atendimento dos usuários e na solução de problemas de TI, por conseguinte, a Procuradoria-Geral de Justiça instituiu uma nova Central de Serviços, projetada segundo os parâmetros ITIL, com o correspondente acordo de nível de serviço. Graças a essas e outras ações empreendidas pela Procuradoria-Geral de Justiça, o

MPMS viu-se impelido a dar o passo seguinte: implantar internamente um sistema de processo eletrônico próprio, que lhe dê liberdade administrativa e conduza à unificação dos seus fluxos judiciais e extrajudiciais, substituindo-se, gradativamente, o uso do papel pelas novas rotinas executadas eletronicamente. Esse é o objetivo do “Projeto Guaicuru”.

Implantação do SAJ - Sistema de Automação da Justiça no âmbito do MPMS Tendo como objetivo não apenas a implantação do processo eletrônico nos fluxos extrajudiciais, mas também permitir a sua integração com os sistemas do Poder Judiciário, o MPMS realizou aprofundados estudos preliminares e, ao final, adquiriu a licença de uso do sistema SAJ-MP, especificamente desenhado para o atendimento dos fluxos e rotinas das Promotorias e Procuradorias de Justiça, c o n t e m p l a n d o ainda a Procuradoria-Geral de Justiça, os Órgãos Colegiados, a Ouvidoria, a Corregedoria-Geral do Ministério Público, o Protocolo-Geral, a Secretaria de Distribuição e Acompanhamento Processual e os Centros de Apoio Operacional. A implantação desse novo sistema representa um enorme desafio técnico, o que exigirá o encaminhamento organizado e paulatino de numerosas ações de planejamento, preparação, teste, homologação, instalação e treinamento. Para tanto, a Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do seu CETI, instituiu o denominado “Projeto Guaicuru”, de modo a acompanhar, com a devida a t e n ç ã o , essa jornada corajosamente trilhada pelos membros do Ministério Público rumo ao futuro. O uso de um sistema exclusivo da instituição para a gestão do processo eletrônico permitirá não apenas a unificação dos fluxos de trabalho judiciais e extrajudiciais, reduzindo o número de sistemas em uso, mas também oferecerá ao MPMS a independência e

20

as condições técnicas e estruturais para a customização de suas próprias rotinas, bem como a posse de um banco de dados institucional apto à geração de informações processuais, gerenciais e estratégicas. Em outras palavras, o Ministério Público terá condições de oferecer ao povo sulmato-grossense serviços e informações de melhor qualidade e com maior velocidade, consequentemente trabalhando com ainda mais eficiência na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Não se pode olvidar que a realização de um projeto com tais dimensões c o n s t i t u i um grande desafio técnico e institucional, o que exigirá de toda a instituição empenho e dedicação correspondentes. Em que pese, contudo, a relevância e a complexidade das tarefas assumidas, temos consciência da coragem e da capacidade dos Procuradores e Promotores de Justiça sulmato-grossenses, assim como da Secretaria de Tecnologia da Informação, de todo o quadro de Servidores do Ministério Público e dos demais colaboradores, os quais serão peça fundamental no salto tecnológico que se avizinha.


O Ministério Público

terá condições de oferecer ao povo sul-mato-grossense serviços e informações de melhor qualidade e com maior velocidade, consequentemente trabalhando com ainda mais eficiência na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

21


“Projeto Guaicuru”: Mato Grosso do Sul está habituado a vencer desafios

Imagem dos Guaicurus em tela do pintor francês Jean-Baptiste Debret

Por cerca de trezentos anos, os índios guaicurus, ancestrais dos kadiwéus, montados em seus cavalos nas redondezas do Pantanal, representavam imagem de terror para portugueses e espanhóis. Esse povo guerreiro jamais se rendeu aos colonizadores! A presença de Portugal na região do atual Mato Grosso do Sul – e o consequente pertencimento destas terras ao território brasileiro – somente foi assegurada em virtude da celebração de um Tratado de Paz entre o Povo Guaicuru e a Coroa Portuguesa, no ano de 1791. Por meio desse tratado, Portugal teve a perspicácia de reconhecer o valor e a dignidade da Nação Guaicuru, adotando-os como aliados e incorporando-os ao reino português. A partir de então, esse povo incumbiu-se da defesa da região, conseguindo com sucesso impedir os avanços espanhóis. Em 1801, por exemplo, com o decisivo auxílio guaicuru, restou frustrado um ataque espanhol. Na época, um ín-

22

dio guaicuru chamado Nixinica descobriu, na cidade de Concepción, planos de ataque contra o Forte Coimbra. Ele remou então sua canoa, rio acima, por aproximadamente quinhentos quilômetros, até a fortificação portuguesa, avisando o comandante Ricardo Franco de Almeida Serra a tempo de preparar a defesa. Mais adiante na história, essa aliança se repetiria durante a Guerra do Paraguai, quando regimentos independentes de guerreiros guaicurus ladearam e apoiaram em campos de batalha o Exército Brasileiro. Em 1864, diante dos ataques paraguaios, Forte Coimbra caiu e Corumbá foi invadida, mas os guaicurus conseguiram resistir e contra-atacar o lado paraguaio da fronteira. A proeminência alcançada pelo Povo Guaicuru deve-se, em parte, à capacidade que tiveram de assimilar tecnologias de outros povos: por volta de 1540, eles travaram os primeiros contatos com os

cavalos, animais trazidos à América do Sul pelos colonizadores europeus, e a partir daí desenvolveram uma peculiar forma de montaria, aprendendo a utilizar-se da cavalgadura para ações militares de ataque e defesa. A imagem do guerreiro guaicuru montado em seu cavalo, pendendo para um dos lados, imortalizada pelo pintor Jean-Baptiste Debret, revela o modo como conseguiam agilmente ocultar-se dos inimigos por trás dos animais, protegendo-se dos ataques enquanto aguardavam a melhor oportunidade para utilizarem suas lanças. O MPMS pretende enfrentar esse novo desafio – a implantação do processo eletrônico – inspirado na bravura e na versatilidade demonstradas pelo Povo Guaicuru: teremos perseverança na proteção de nossas virtudes, sem descurar da destreza necessária à assimilação da nova tecnologia, que haverá de ser empregada ao nosso modo, sempre com o objetivo maior de bem servir ao povo sul-mato-grossense e brasileiro.


23


ALGUMAS ELUCUBRAÇÕES SOBRE O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES NO PLANO JURÍDICO INTERNO E NO SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

João Linhares Júnior Promotor de Justiça de Dourados Pós-graduando em Direito Constitucional e Direitos Humanos pela PUC/RJ

24

Visa o presente artigo perscrutar, resumidamente, o instituto do controle de convencionalidade, cotejando-se o status jurídico dos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário, sobretudo em face da extrema envergadura da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[1] e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[2], bem como apontar seus principais desdobramentos jurídicos. O tema é deveras instigante, notadamente porque as atrocidades e abusos que vitimaram e ainda atingem milhões de pessoas em todas as partes do orbe despertaram uma consciência jurídica universal[3] que situou o ser humano como destinatário final e central de toda a ordem jurídica, fomentando a h u -

m a n i z a ç ã o do Direito. Malgrado adotado há muito pela Corte Europeia e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH, somente há poucos anos, o instituto do controle de convencionalidade tem ganhado fôlego e merecido a atenção da doutrina, em terras brasileiras. Quiçá, o primeiro a utilizar o termo “controle de convencionalidade”, em Pindorama, tenha sido Valerio de Oliveira Mazzuoli[4], para quem o exame de validade das normas infraconstitucionais deve ser submetido a dois níveis de aprovação: 1°) a Constituição e os tratados de direitos humanos (material ou formalmente constitucionais) ratificados pelo Estado; e 2°) os tratados internacionais comuns também ratificados e em vigor no país. No primeiro caso, tem-se


o controle de convencionalidade das leis e, no segundo, o de sua legalidade. Exsurge incontrastável que o Estatuto Magno da República revelou percuciente comprometimento com a defesa e com o resguardo dos direitos humanos, fundando e condicionando a nova ordem jurídica no respeito às liberdades públicas, conforme evidencia o art. 4°, inciso II, sem perder de vista que, já no seu primeiro artigo, trouxe à ribalta a dignidade humana como de irrestrita observância e de incontestável sobrevalência. Ademais, constituiu a punibilidade de atentados aos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, inciso XLI) e previu a intervenção federal quando o Estado ou o Distrito Federal inobservá-los (art. 34, VII, “b”), outrossim inviabilizando a cominação de penas cruéis, desumanas e a utilização da tortura. Ao extenso rol de direitos e garantias fundamentais do art. 5°, ao final, o Constituinte Originário consagrou, no § 1º, que as franquias fundamentais teriam eficácia imediata e, no § 2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” E convolou os direitos e garantias individuais em cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, inciso IV, CF), de tal arte a obstruir tentativa de solapar qualquer um deles ou mesmo de reduzi-los (proibição de retrocesso). Por conseguinte, o § 2º do art. 5º da “Lex Legum” a c o l h e u um leque aber to de direitos humanos ou “cláusula aberta de recepção”, franqueando que os pactos que versassem sobre eles e que fossem ratificados pelo Brasil compusessem e conformassem o chamado “bloco de constitucionalidade”. As matérias ali contidas – direitos humanos – seriam materialmente constitucionais, ainda que não houvessem seguido o rito estipulado para as Emendas Constitucionais (EC), ou seja, ainda que não completassem o quorum do § 3º do art. 5º, trazido à ribalta pela EC nº 45/2004[5].

Contudo, há grande polêmica e vetusta acerca do tema. Em verdade, formaram-se, essencialmente, mesmo antes do § 3º do art. 5º da Lei Fundamental, quatro correntes principais sobre o caráter normativo que ostentariam os tratados de direitos humanos: a) a vertente que sustenta a supraconstitucionalidade, dispondo, pois, que estariam acima da Constituição; b) a tendência que admite a natureza do apanágio constitucional, cujos maiores arautos são Antonio Augusto Cançado Trindade[6], Celso Lafer[7] e Flávia Piovesan[8]; c) a inclinação dos que lobrigavam nos tratados humanos um status de supralegalidade; e d) aqueles que enxergam apenas o nível de lei (tese que vicejava no Supremo Tribunal F e d e r a l [ 9 ] , desde 1977 e que, com a redação conferida ao art. 5º da CF, com o acréscimo do § 3º pela EC nº 45/2004, perdeu totalmente o seu verdor, em relação às convenções de direitos humanos, mantendo-se válida, porém, quanto aos demais tratados).

Por essa razão,

considero que os tratados internacionais dos direitos humanos recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro a partir da vigência da constituição de 1988 e a entrada em vigor da emenda constitucional nº45 não são meras leis ordinárias, pois tem a hierarquia que advém de sua inserção no bloco de constitucionalidade.

Os acólitos da supraconstitucionalidade dos tratados de direitos humanos são encontradiços em outros territórios e discorrem que nem mesmo a Constituição de um país poderia revogá-los, nem sequer por emendas, pois a ele estariam atreladas e subordinadas, considerando-se a proeminência que eles teriam na ordem jurídica universal, seja no âmbito internacional, seja no interno. Essa tese sempre foi rechaçada pelo Excelso Areópago brasileiro[10], uma vez que a rigidez constitucional dimana da posição de d e s t a q u e da Carta Fundamental em relação a todos os demais atos normativos, estando todos eles atrelados, como condição de validade, à sua compatibilidade com o Texto Maior. Tem-se robustecido, e a reputo como a mais abalizada, a corrente doutrinária que considera hierarquia constitucional aos pactos internacionais de direitos humanos celebrados antes da EC nº 45/2004, dando-lhes primazia, conseguintemente, sobre a legislação infraconstitucional e pondo-lhes em situação de equivalência à Constituição, por comporem, em essência, o “bloco de constitucionalidade”, isto é, o que se soma à Constituição como consectário de seus princípios e axiomas, supeditando-lhe ainda mais força normativa e servindo como nítido parâmetro de interpretação constitucional. Logo, a superveniência do § 3º ao art. 5º da CF apenas consolidou esse posicionamento. Sintetizando esse pensamento, colhe-se a acroase do ex-chanceler, Prof. Celso Lafer[11], sobre a quaestio: “O novo § 3º do art 5º pode ser considerado como uma lei interpretativa destinada a encerrar as controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias suscitadas pelo § 2º do art. 5º. De acordo com a opinião doutrinária tradicional, uma lei interpretativa nada mais faz do que declarar o que preexiste, ao clarificar a lei existente. (...) Explico-me, observando que entendo, por força do § 2º do art. 5º, que as normas destes tratados são materialmente constitucionais. Integram, como diria Bidart Cam-

25


pos, o bloco de constitucionalidade, ou seja, um conjunto normativo que contém disposições, princípios e valores que, no caso, em consonância com a Constituição de 1988, são materialmente constitucionais, ainda que estejam fora do texto da Constituição documental. O bloco de constitucionalidade imprime vigor à força normativa da Constituição e é por isso parâmetro hermenêutico, de hierarquia superior, de integração, complementação e ampliação do universo dos direitos constitucionais previstos, além de critério de preenchimento de eventuais lacunas. Por essa razão, considero que os tratados internacionais de direitos humanos recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro a partir da vigência da Constituição de 1988 e a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº45 não são meras leis ordinárias, pois têm a hierarquia que advém de sua inserção no bloco de constitucionalidade. Faço estas considerações porque concebo, na linha de Flávia Piovesan, que o § 2º do art. 5º, na sistemática da Constituição de 1988, tem uma função clara: a de tecer ‘a interação entre a ordem jurídica interna e a ordem jurídica internacional’”. Na mesma vertente, não destoa o magistério de Flávia Piovesan[12], que aponta o § 3º da EC nº 45/2004 como reforço também à tese em prol da incorporação automática dos tratados de direitos humanos, razão pela qual não p a -

26

receria razoável que, após todo o processo solene e especial de aprovação do tratado de direitos humanos (com observância do quorum exigido pelo art. 60, § 2º, da CF), fique a sua internalização condicionada a um decreto do Presidente da República. Hipotético conflito entre os pactos internacionais de direitos humanos com a Constituição resolver-se-iam com a aplicação da norma mais favorável à vítima, ao titular do direito, isto é, da norma que melhor proteja os direitos consagrados da pessoa humana, seja ela uma norma de direito internacional ou de direito interno. [13] Em que pesem tais considerações, predomina atualmente, ao menos na jurisprudência brasileira, a

natureza supralegal dos tratados sobre direitos humanos, já que referendada pelo STF, a partir do julgamento conjunto, a 3.12.2008, do RE 466.343 e do RE 349.703, em cuja votação, acirrada e com placar assaz apertado (5x4), restou nos votos vencedores a eleição do status de superioridade de tais documen-


Maior, ao passo que os tratados de direitos humanos incorporados com observância do rito proclamado no § 3º do art. 5º da CF seriam equivalentes às emendas constitucionais. Os quatro votos “vencidos” entreviam em tais pactos sobre direitos humanos, independentemente da aprovação ou não sobre a observância do multicitado § 3º do art. 5º da CF, a impregnação de natureza constitucional[15]. No imanente às demais convenções internacionais que não cuidem de direitos humanos, a Suprema Corte foi assente ao decidir que equivalem à lei. Assim é que a corrente que predominava desde 1977 no STF, que pugnava o status de lei aos

tos internacionais, que tenham sido internalizados à ordem jurídica, sem observância do quorum preceituado no § 3º do art. 5º da CF. Eles estariam acima das leis, no ápice da pirâmide normativa[14], não obstante, subordinados à Carta

tratados de direitos humanos, restou ultrapassada quanto a estes. E isso resultou cristalino na ementa do acórdão do RE 349.703-1/RS, do STF, verbis: “Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7.º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja anterior ou posterior ao ato de adesão.” Nessa toada, à luz da corrente ainda majoritária no STF, os tratados internacionais sobre direitos humanos que foram internalizados antes da inclusão ao art. 5º da CF do § 3º pela EC nº 45/2004 guardam em seu cerne natureza supralegal – do que se discorda, pois somos prosélitos da tese que entrevê natureza constitucional. Mas, enquanto perdurar esse entendimento, não se antevê óbice para que sejam reapreciados pelo Congresso Nacional e, uma vez aprovados sob o rito do § 3º, seriam equivalentes às emendas constitucionais, destacando-se que jamais poderiam ser suprimidos ou diminuídos posteriormente, por configurarem cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, inciso IV, da CF)[16]. Fazendo-se uma sinopse, tem-se, atualmente, segundo o posicionamento predominante: a) tratados internacionais que não foram internalizados (sem efeito

27


jurídico interno); b) tratados internalizados: b.1) de direitos humanos com supedâneo no § 2º do art. 5º da CF têm status supralegal; b.2) de direitos humanos, com baldrame no § 3º do art. 5º da CF, ostentam, formal e materialmente, natureza constitucional; c) tratados de outros assuntos têm qualidade de lei ordinária[17]. Sendo assim, o controle de convencionalidade, segundo a tese vencedora no STF, pode dar-se sob o aspecto de controle de constitucionalidade ou de legalidade. No primeiro caso, quando o tratado sobre direitos humanos observar o rito previsto no § 3º do art. 5º da CF e, no segundo, quando ele não o fizer. A diferença afigura-se importante para determinar o tipo de recurso a ser aviado. Em caso de tratado com natureza supralegal (como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos), o controle dar-se-á pela via difusa, com recurso especial direcionado ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105, inciso III, letra “a”, CF) [18]. Entendo que deverá haver observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF)[19], pois, se para o menos (lei), há de ser atentada, com maior razão o quorum para deliberação deve ser maior para invalidar preceito de tratado de direitos humanos. Se o tratado ostentar natureza constitucio-

28

nal, o controle pode ser difuso (com recurso extraordinário ao STF) ou concentrado, com as ações dele derivadas (ADI, ADC e ADPF). Em decorrência do exposto, aquele que sustentar que uma lei arrosta preceitos convencionais sobre direitos humanos terá de valer-se, ao menos enquanto predominar o entendimento do STF que confere o caráter de supralegalidade a tais tratados incorporados antes do § 3º da CF e sem o rito e quorum ali estatuídos, da via do controle difuso, mediante preliminar, para debater o assunto. Entretanto, exaurida a jurisdição interna, ou se houver ausência de amparo ou proteção aquém do necessário, ou demora injustificada na decisão da jurisdição interna (art. 46, n. 2, “a”, “b”, e “c”, da Convenção Americana), revelar-se-á cabível que a parte atingida ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros, peticione à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e também da Convenção Americana, no prazo máximo de seis meses, a partir da data em que o p r e s u m i d o prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva. A Comissão é composta por sete membros e tem fun-

ção quase jurisdicional[20], podendo requisitar informações aos Estados interessados, realizar investigações, buscar uma solução amistosa e caso não obtenha êxito nisso, fará um relatório e recomendações pertinentes, fixando-se prazo dentro do qual o Estado deve adotar medidas que lhe competir para remediar a situação (arts. 48-51 da Convenção). Se o Estado não cumprir o estabelecido pela Comissão IDH, ela poderá acionar tanto a Assembleia Geral da OEA para que tome as medidas sancionatórias (embargos econômicos, comerciais, financeiros, sanções políticas, etc.) contra o infrator ou mesmo submeter, mediante ação judicial, o caso à Corte IDH, órgão jurisdicional do sistema interamericano, com atuação complementar ou coadjuvante. A Corte IDH compõe-se por sete juízes de nacionalidades distintas, oriundos de Estados-membros da OEA, eleitos a título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral e de reconhecida competência em matéria de direitos humanos. Cada Estado pode propor até 3 candidatos, sendo que, nesta hipótese, ao menos um deles deverá ser nacional do Estado diferente do proponente. O mandato dos juízes é de seis anos, podendo ser reeleitos uma vez. O quorum mínimo para as deliberações da Corte constitui-se de cinco magistrados. Cabe à Corte IDH


apurar violação de direitos humanos, buscando implementá-los e/ou efetivá-los e “aparar a las víctimas y disponer la reparación de los daños que les hayan sido causados por los Estados responsables de tales acciones”[21]. A legitimidade para postular perante a Corte IDH cabe somente à Comissão IDH e aos Estados pactuantes da Convenção, que reconheceram a competência contenciosa da Corte. A petição inicial terá de ser escrita em espanhol, francês, inglês ou português e é proposta perante a Secretaria do reportado Tribunal Internacional. Nas hipóteses em que a Comissão IDH não for autora, atuará no processo perante a Corte como custos legis, hipótese em que a vítima será defendida pelo Defensor Interamericano. Se o Estado brasileiro for o demandado, atuará por meio do departamento internacional da Advocacia-Geral da União, com apoio do Ministério das Relações Exteriores[22]. Após o devido processo legal, dês que julgada procedente a demanda, a Corte IDH fixa, em sentença vinculativa e com eficácia imediata, a reparação do dano e, quando for o caso, determina o pagamento de justa indenização à vítima. Nessa tessitura, a Corte IDH tem prestado inestimável contributo à consolidação desse novo paradigma de hu-

manização do Direito no continente, pois se convola na intérprete derradeira da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sem olvido que suas decisões são definitivas e inapeláveis, nos termos do art. 67 da mencionada Convenção. Aliás, suas sentenças carecem de homologação no Brasil, dado que emanadas de órgão judiciário internacional supranacional, do qual o nosso país é integrante, razão pela qual não se aplica o art. 105, I, letra “i”, da Constituição Federal e o art. 483 do CPC. Não há qualquer mácula à soberania do Estado, porque o Brasil, voluntariamente, comprometeu-se a respeitar as decisões da Corte IDH e, inclusive, integra o tribunal[23]. À derradeira, revela notar que, a cada dia, a Corte IDH consolida sua jurisprudência e influencia no desfecho dos julgamentos dos casos que v e r s a m sobre direitos humanos no continente, tanto que, apenas para citar uma demanda emblemática e bastante polêmica, o Brasil foi condenado, a 24.11.2010, no caso Gomes Lund e outros – “Guerrilha do Araguaia”, por impedir, por meio da Lei de Anistia, a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos, sendo responsabilizado pelo desaparecimento forçado de pessoas e por violação ao direito à liberdade de pensamento e de expressão. Nessa con-

textura, o Estado brasileiro está indenizando as vítimas ou familiares delas e instalou a Comissão Nacional da Verdade, a 16 de maio de 2012, para atender às determinações da Corte IDH. Não obstante, o STF manteve a validade da Lei de Anistia e isso tem submetido o nosso país a grave vexame internacional, além de colocá-lo como alvo de possíveis e severas sanções pela Assembleia- Geral da OEA. Creio ser iminente a declaração de invalidade, ab ovo, da Lei de Anistia[24], tanto que o Ministério Público Brasileiro tem, amiúde, investido contra os preceitos de tal diploma legislativo, ao ajuizar ações, inclusive penais, em face de acusados de tortura e outros delitos de lesa-humanidade. Além disso, descabe ignorar que o STF admitiu os embargos infringentes, por meio do voto de Minerva proferido pelo decano, Ministro Celso de Mello, no bojo da Ação Penal nº 470 – “Mensalão”, sob o argumento de que aquele Sinédrio Internacional havia, no caso Barreto Leiva versus Venezuela, de 17.11.2009, procedido ao controle de convencionalidade e determinado que os acusados têm direito, com espeque no art. 8º, n. 2, “h”, do Pacto de San José da Costa Rica, ao duplo grau de jurisdição, mesmo em se cuidando de foro por prerrogativa de função perante Corte Constitucional. Por conta dis-

29


30

so, já há discussão doutrinária em se alterar a competência das Turmas do Excelso Pretório para que passem a julgar, originariamente, determinadas autoridades, com possibilidade de recurso para

o Plenário, tal como recente alteração ocorrida com o Tribunal Europeu[25]. Destarte, diante do joeirado, emerge imprescindível a meditação e o debate dos mecanismos e dos desdobramen-

tos do controle de convencionalidade, com vistas à efetiva implementação e à salvaguarda dos direitos humanos, à garantia da dignidade da pessoa humana e à humanização do Direito.

Notas: [1] Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 27, de setembro de 1992 e promulgado pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Entrou em vigor internacional a 18/7/1978, após ter obtido o mínimo de 11 ratificações. Revela notar que EUA e Canadá não a ratificaram. [2] Adotado pela Resolução nº 2.200 A (XXI), da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, e ratificado pelo Brasil a 24 de janeiro de 1992, tendo sido promulgado pelo Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992, subscrito pelo Presidente da República, na forma do art. 84, VIII, da Carta Política. [3] TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. La Emancipación de la persona humana en la reconstrucción del Jus Gentium. In: ______. A Humanização do Direito Internacio-

nal. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.171. [4] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria Geral do Controle de Convencionalidade no Direito Brasileiro. Disponível em http://www.lfg.com.br [5] “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” [6] TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção dos direitos humanos nos planos internacional e nacional. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Brasília, nº 113-118, p. 88-89, 1998. [7] LAFER, Celso. A Internacionalização dos Direitos Humanos: Constituição, Racismo e Relações Internacionais. Barueri: Manole, 2005, p. 16-18.

[8] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, item d, p. 80. [9] RE 80.004/SE, Rel. Ministro Xavier de Albuquerque. Julgado em 1º. 6.1977. DJ de 29.12.1977. [10] Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco prelecionam que o caráter de supraconstitucionalidade dos tratados de direitos humanos é defendido com destaque por Bidart Campos, mas que, no Brasil, não encontraria arrimo, porque o país fulcra-se no princípio da supremacia formal e material da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico. Entendimento diverso, dizem eles, anularia a própria possibilidade do controle de constitucionalidade d e s s e s diplomas internacionais. Como deixou enfatizado o STF ao analisar o p r o b l e m a , “assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou


dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição (...) e aquele que, em consequência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, ‘b’)” – RHC 79.785/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22.11.2002. In: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 655. [11] - Ob. cit., p. 16-18. [12] - Ob. cit., p. 87. [13] - TRINDADE, Antonio Augusto Cançado, A proteção dos direitos humanos nos planos nacional e internacional: perspectivas brasileiras. (Brasília: F.Naumann, 1992), p. 317-318. [14] Voto condutor do Ministro Gilmar Mendes. [15] O Ministro Celso de Mello dispôs longamente em seu voto que os tratados sobre direitos humanos teriam status constitucional e que o § 3º do art. 5º da CF veio a ratificar esse posicionamento. [16] A Corte IDH dispôs, no caso Castillo Petruzzi e outros vs. Peru, em sentença de 4.9.1998, que “No es función de la Corte asegurar la debida aplicación por el Estado Parte de su propio derecho interno, sino más bien asegurar la correcta aplicación de la Convención Americana en el ámbito de su derecho interno, de modo a proteger todos los derechos en esta última consagrados. Cualquier entendimiento en contrario sustraería de la Corte las facultades de protección inherentes a su jurisdicción, privando indebidamente a la Convención Americana de efectos

en el derecho interno de los Estados Partes. Así siendo, más allá de lo que expresamente disponen los tratados de derechos humanos al respecto, tales cláusulas pétreas no admiten restricciones de derecho interno.” [17] COLNAGO, Claudio de Oliveira Santos. Notas sobre o Controle de Convencionalidade. Disponível em http://www. osconstitucionalistas.com.br/notassobre-o-controle-de-convencionalidade. Acesso em 22. 1.2013. [18] “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (...) III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados (...)” [19] “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.” [20] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 26. [21] Caso Velásquez Rodriguez. Sentença de 29 de julho de 1988, pár. 134. [22] MAZZUOLI, 2011. Ob. cit., p. 35. [23] A Corte IDH, no voto do juiz brasileiro ROBERTO CALDAS, frisou no Caso Guerrilha do Araguaia, de 24.11.2010: “(...) se aos tribunais supremos ou aos constitucionais incumbe o controle de constitucionalidade e a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados, à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e a última palavra quando o tema encerre debate sobre direitos huma-

nos. É o que decorre do reconhecimento formal da competência jurisidicional da Corte por um Estado, como fez o Brasil.” [24] Conquanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o reconhecimento da competência da Corte IDH tenham sido admitidos pelo Brasil somente após a Lei de Anistia e a Constituição Federal, vale acrescer que o costume internacional e outros Pactos e Declarações tinham validade ao assegurar direitos inalienáveis da pessoa humana. Nesse eito, traz-se ao proscênio o prelecionamento de Luigi Ferrajoli: “La Carta de la ONU marca, pues, el nacimiento de un nuevo derecho internacional y el final del viejo paradigma - el modelo de Westfalia difundido tres siglos antes tras el final de la anterior guerra europea de los treinta años. (...) el derecho internacional se transforma estructuralmente, dejando de ser un sistema pacticio, basado en tratados bilaterales inter pares, y convirtiéndose en un auténtico ordenamiento jurídico supraestatal: ya no es un simple pactum associationis, sino además, un pactum subiectionis. (...) En el nuevo ordenamiento pasan a ser sujetos de derecho internacional no sólo los Estados, sino también los individuos y los pueblos”. In: Derechos y Garantías: la ley del más débil. 1 ed. Madrid: Trotta, 1999, p. 145. [25] Após a redação deste artigo e sua remessa para publicação, a previsão realmente se efetivou, haja vista que o STF decidiu, por unanimidade, a 28.5.2014, que caberá, doravante, às Turmas julgar as autoridades com foro por prerrogativa de função, exceto os Presidentes dos Poderes e o Procurador-Geral da República, cujo julgamento ainda caberá ao Pleno.

31


TEMAS SENSÍVEIS DO DIREITO CONSUMERISTA

Luiz Eduardo Lemos de Almeida Promotor de Justiça de Campo Grande Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor

32

Desde o famoso discurso do presidente norte-americano John Kennedy, proferido no ano de 1962 com considerações importantes no sentido de que os direitos do consumidor eram o novo desafio para o mercado, o tema consumerista passou a ganhar destaque internacional. Diversos países — dentre eles o Brasil — se adequaram à nova realidade e construíram estrutura legal voltada para o consumidor, tido como vulnerável. Em termos legais e institucionais, o Brasil não raro é tomado como referência no cenário mundial em razão de o Código de Defesa do Consumidor ser vanguardista e, também, em razão de o Estado ter criado e instalado Procons, Promotorias, Delegacias, De-

fensorias e Varas Judiciais com atribuições e competências para matérias consumeristas. Em geral, a população tupiniquim sabe a quem recorrer no caso de lesão praticada em relação de consumo. Notadamente naqueles casos em que não há qualquer dúvida acerca da existência de um fornecedor, de um consumidor e de um produto ou serviço tomado mediante pagamento, os órgãos de defesa do consumidor são procurados e promovem a tutela do ente vulnerável sem que isso repercuta para além daqueles diretamente envolvidos na relação jurídica. No entanto, a questão começa a ganhar em complexidade quando direito do con-


sumidor e direito a d m i n i s t r a t i v o se encontram, o que ocorre, por exemplo, nas relações envolvendo serviços públicos concedidos. Na maior parte desses serviços, como os de fornecimento de energia elétrica, de abastecimento de água tratada, de transporte coletivo e outros mais, uma medida que abrigue os i n t e r e s s e s do consumidor pode perfeitamente extrapolar a esfera dos envolvidos e atingir a coletividade, quando não ir de encontro ao interesse público. Há doutrinadores que até defendem não incidir o Código de Defesa do Consumidor nas relações versando sobre tais serviços, pois apregoam que estes são voltados para o interesse público, perpassando pela figura do usuário e não pela do consumidor, que tecnicamente seriam bem diferentes. Essa posição, no entanto, é minoritária. Sabe-se bem que serviços públicos são concedidos por meio de licitação da qual decorre contrato firmado entre empresa concessionária e poder concedente, tendo este último, necessariamente, de garantir o equilíbrio econômico-financeiro. Significa isso que as condições do contrato, como investimentos e receitas, têm de ser mantidas ao longo do prazo de concessão. Quando, por qualquer motivo, há alteração dessas condições em desfavor do c o n c e s s i o n á r i o , tem de haver na sequência o restabelecimento do “status quo”, seja por meio de aumento de tarifa, seja por diminuição de investimentos

ou metas, ou então, prorrogação do prazo da concessão. Todas as questões que envolvem direitos do usuário-consumidor, direitos da empresa concessionária e direitos da coletividade são extremamente sensíveis. Há uma inegável relação trilateral quando se trata de serviços públicos concedidos. Um exemplo bem genérico e meramente didático pode ilustrar a sensibilidade dessas

questões: uma empresa sagra-se vencedora de licitação para explorar serviço de água e esgoto de uma cidade; no contrato de concessão há previsão de cobrança de tarifa para o serviço de esgotamento sanitário; um grupo de 500 usuários-consumidores ingressam com medidas judiciais para se verem livres do pagamento dessa tarifa; o Judiciário, por

alguma razão, acata o pedido desse grupo e exonera os 500 usuários-consumidores do pagamento; depois de uma avalanche de ações idênticas, o Judiciário altera seu posicionamento e passa a não mais exonerar os usuáriosconsumidores do pagamento da tarifa de esgoto; a empresa concessionária, então, calcula o valor que deixou de receber com os 500 usuários-consumidores exonerados do pagamento da tarifa de esgoto e, com base no contrato de concessão e na lei, apresenta ao poder concedente pedido de reequilíbrio econômico-financeiro; o poder concedente, então, atende ao pedido da empresa concessionária após estudos e análises técnicas e, enfim, promove o reequilíbrio econômico-financeiro mediante incremento da tarifa de água e esgoto para compensar a exoneração do pagamento de tarifa de esgoto dos 500 usuários-consumidores que obtiveram ganho de causa perante o Judiciário; resultado: toda a coletividade de usuários do serviço passa a pagar, com o aumento da tarifa, pelas exonerações concedidas pelo Estado-Juiz. O exemplo, meramente ilustrativo, demonstra quão sensível é o tema sobre serviços públicos. Ele e outros mais, igualmente sensíveis, como o papel das agências reguladoras, liquidação de sentença em ações coletivas versando sobre tarifas de serviços públicos, contratos relacionais, acidentes de consumo decorrentes de serviços concedidos,

33


dano imaterial coletivo etc. foram tratados durante o XIV Congresso Nacional do Ministério Público do Consumidor, realizado de 6 a 8 de agosto de 2014, no Centro de Convenções Arquiteto Rubens Gil de Camillo (Palácio Popular da Cultura), com o seguinte tema: “Serviços Regulados e Defesa do Consumidor: experiências, perspectivas e desafios”. Todas as questões que envolvem direitos do usuárioconsumidor, direitos da empresa concessionária e direitos da coletividade são extremamente sensíveis. Há uma inegável relação trilateral quando se trata de serviços públicos concedidos. Organizado e realizado pela Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor — MPCON e pelo Ministério Público Sul-Mato-Grossense, o evento contou com renomados palestrantes e teve a participação de membros do Ministério Público, magistrados, defensores, advogados e demais profissionais do direito, além de acadêmicos e estagiários, constituindo-se em importante oportunidade para a discussão de temas sensíveis do direito consumerista. As ligeiras reflexões contidas neste artigo são fruto de ideias disseminadas durante o XIV Congresso Nacional do Ministério Público do Consumidor, evento que esperamos tenha contribuído para o aprimoramento e aperfeiçoamento dos colegas de Ministério Público, com a consequente reversão em benefício para os consumidores em geral mediante atuação técnico-jurídica do profissional do direito no cumprimento do mandamento previsto no art. 5º, inc. XXXII, da CF (“O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.)

34


Iniciativa

Parceria no Brasil

Criação

Apoio Secretaria de Reforma do Judiciário

www.apav.pt

Ministério da Justiça

35


UMA QUESTÃO DE DIREITO

Jaceguara Dantas da Silva Passos Promotora de Justiça de Campo Grande Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos Doutoranda em Direito, área de concentração em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

36

Passando a ocupar a titularidade da 67ª Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos, em 22 de abril do corrente ano, diversas temáticas me chamaram a atenção, retrato recorrente de violações de direitos aos grupos vulneráveis, algumas vezes cometidas por quem deveria protegê-los, onde a falta de respeito para com o próximo é tida quase que ordinariamente como normal, fundada em uma concepção excludente, preconceituosa e de indiferenças. A 67ª Promotoria de Justiça de Campo Grande tem a atribuição precípua de velar pela promoção da igualdade e do respeito à diversidade, apurar e combater as formas de r a c i s m o , homofobia e todas as demais formas de discriminação ou preconceito. Atua, assim, na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis dos grupos vulneráveis da sociedade, conforme função institucional prevista no art. 127 da Constituição Federal, tendo como norte a tutela da dignidade da pessoa

humana, focada nos fundamentos da República Brasileira, buscando concretizar um dos objetivos previstos constitucionalmente, que é a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação em homenagem ao pluralismo como valor sociopolítico-cultural. A demanda existente, e até então represada, retrata a grande quantidade de excluídos, evidenciando que o Estado, enquanto ente social aglutinador, não consegue desenvolver políticas públicas com a urgência e a adequação necessárias e, por outro lado, a sociedade civil ainda está muito incipiente em assumir as responsabilidades sociais que lhe cabe enquanto parte integrada deste todo. As ações estão sendo desenvolvidas de acordo com as reivindicações dos diversos segmentos, estabelecendo-se as prioridades pelos componentes dos grupos sociais, que são previamente ouvidos pelo órgão da


OS HUMANOS E CIDADANIA Promotoria de Justiça. O movimento negro teve precedência, até pela imperiosa imposição dos acontecimentos resultante de crime de homicídio no qual se vislumbra motivação racial. Triste e lamentável episódio ocorrido na cidade de Campo Grande, que está sendo objeto de apuração e, futuramente, de responsabilização penal. Nesse episódio, como não poderia deixar de ser, compartilhamos todos da dor de uma mãe negra a qual veio a perder o seu filho por motivo torpe, resultado da intolerância quanto à diversidade racial, num país que proclama orgulhosamente a e x i s t ê n c i a da “democracia racial”. Para ser fiel aos acontecimentos, não foi um filho, e sim dois, nos anos de 2007 e 2014 consecutivamente. O movimento negro, assim como órgãos e instituições foram solidários e prontamente ampararam essa família. Como dizer NÃO a condutas tão abjetas e desprezíveis? Em um Estado Democrático de Direito, que se jacta garantidor dos

direitos fundamentais, não se admite a intolerância, o desrespeito com as diferenças, gerando comportamento muitas vezes violento, em razão da raça, etnia, religião e orientação sexual. A implementação do direito à igualdade exige, além das medidas normativas, o desenvolvimento de políticas públicas de educação para o combate à discriminação, num atuar conjunto e harmônico do Estado em total respeito à diversidade existente entre os diversos sujeitos de direito que compõem o conjunto social. Isto se dá em cumprimento ao comando exarado pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal. Esta disposição constitucional vem corroborar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada e adotada aos 10 de dezembro de 1948, por força da Resolução nº 217 da Assembleia das Nações Unidas, em Paris, França, que estabelece como princípio fundamental o respeito à dignidade humana e a igualdade de direitos.

Dentre tantas outras violações, constata-se também o desrespeito para com as pessoas com deficiência, prática mais comum do que se imagina, em especial, na ocupação dos lugares preferenciais destinados a tais pessoas, que não se constitui em privilégio, mas no reconhecimento de uma condição que requer especificidades as quais devem ser levadas em consideração, como por exemplo, a dificuldade de locomoção, conforme dispõe a Lei nº 10.098/2000. O Brasil é signatário da Convenção da Pessoa com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, o primeiro Tratado de Direitos Humanos firmado após a Emenda Constitucional nº 45/2004, mediante o procedimento formal previsto no § 3º do art. 5º da Constituição Federal, adquirindo o status de emenda constitucional. Além da Convenção mencionada, existem outros dispositivos legais que informam a opção do legislador constitucional e infraconstitucional em conceder às pessoas com defi-

37


ciência ou com capacidade de mobilidade reduzida a proteção do Estado, mediante o reconhecimento de sua prioridade, visando proporcionar a adequada acessibilidade a lugares e a eventos. Assim, inadmissível a ocupação dessas vagas destinadas às pessoas com deficiência por pessoas que não tenham tal limitação, seja qual for o tempo utilizado, meia hora, um minuto ou um segundo.

Em um Estado

Democrático de Direito, que se jacta garantidor dos direitos fundamentais, não se admite a intolerância, o desrespeito com as diferenças, gerando comportamento muitas vezes violento, em razão da raça, etnia, religião e orientação sexual.

É preciso conscientizar as pessoas da sociedade que esse é um desrespeito grave que deve ser combatido e abolido por todos, uma vez que é preciso dar efetividade aos direitos das pessoas como um todo, em particular, nesta abordagem, dos grupos vulneráveis, as pessoas com deficiência e/ou capacidade de mobilidade reduzida. O preconceito em virtude da opção sexual também merece um olhar

38

diferenciado, posto que uma visão plural tem por fundamento o respeito à diversidade, o direito à diferença, o direito a buscar a felicidade mediante a livre escolha de sua orientação sexual. Nesse sentido, cada cidadão contribui para o equilíbrio social e dignidade coletiva. Impossível compactuar com atos que causem sofrimento de natureza física, psíquica e/ ou emocional à pessoa humana em decorrência de sua identidade sexual. Quanto às pessoas em situação de rua, tem-se que vivenciam um abandono do Estado e da família, num caminhar silencioso e sem esperança dirigido a lugar nenhum. Despertam desconfiança e são expostas a toda sorte de violência de forma a evidenciar um quadro de extrema vulnerabilidade. As vítimas da violência também devem constar da pauta da 67ª Promotoria de Justiça e ter assento prioritário na garantia da efetivação dos direitos humanos. A Constituição Federal, em seu art. 5º, caput, traz o direito à vida como base para os demais direitos nela reconhecidos. De outro norte, o Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos também reconhece expressamente o direito à vida e à segurança pessoal (arts. 6º e 9º). A existência humana necessita do reconhecimento dos direitos à vida e segurança. Tais direitos são condições necessárias para o aperfeiçoamento da raça humana e para o desenvolvimento da civilização (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer – Nova Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 37). E o Ministério Público, em especial mediante a Promotoria de Di-

reitos Humanos, tem o dever de ter uma atuação diferenciada tutelando a dignidade daqueles que sofrem violência, provenha esta do particular ou do próprio Estado. Em um Estado Social e Democrático de Direito, impõe-se uma política integral de proteção de direitos. A proteção estatal não vale apenas no sentido clássico – proteção negativa –, como limite do sistema punitivo, mas, e com o mesmo relevo, há uma proteção positiva do Estado. A função dos Direitos Humanos não se restringe à proteção dos abusos estatais. A proteção dos direitos humanos deve ser efetivada tanto pela proteção do cidadão frente ao Estado, como também do cidadão pelo Estado, pois o ser humano possui o direito de ver seus direitos humanos protegidos frente à violência praticada por outros indivíduos. E essa é uma das vertentes, talvez a mais importante, da Promotoria de Justiça, atuar visando a efetividade da garantia dos Direitos Humanos. A inclusão desses direitos no ordenamento jurídico, por si só, não tem o condão de causar o efeito transformador que se espera, posto que é preciso que o comando inserido na Constituição seja incorporado nos comportamentos dos indivíduos integrantes da sociedade, de tal forma que gere um sentimento de necessidade do seu atendimento, para que tenha plena eficácia. O respeito ao ordenamento constitucional e legal é o que se espera dos membros de uma sociedade que se pretende reconhecer como evoluída, o que deve ser o norte para homens e mulheres de bem.


39


O PLENÁRIO NÃO É ALTAR DE AUTOCOMISERAÇÃO DO RÉU CULPADO. A VÍTIMA EXISTE!

O CADÁVER.

O cadáver é meu. Os órfãos são meus. O luto e a dor pertencem à acusação. Atacar a vítima é profanar cadáver. É crime. Senhores jurados: se a honra de seu compromisso se desfalecer ante a exploração barata do sentimentalismo, então Vossas Excelências elevem o coração e escutem as lamentações de quem já não pode se defender. Matheus Macedo Cartapatti Promotor de Justiça de Iguatemi

40

(Roberto Lyra)


Estratégia hipócrita e encontradiça das defesas, no transcurso da fase do juízo da causa, no bojo do procedimento dos crimes dolosos contra a vida, é a tentativa de revestir a historiografia do réu (sobre o qual pesam elementos de prova a ensejar a condenação) com capítulos sacrossantos que, ingeridos goela abaixo pelo jurado piedoso, são aptos a criar a figura cândida de um anti-herói vítima da fatalidade de um acaso destituído do exercício do livre-arbítrio. Pura hipocrisia; ademais, ao lançar mão de tal argumento de piedade indevida, a defesa parece, oportunamente, esquecer-se, revelando dois pesos e duas medidas, de um dos mais bradados postulados do garantismo megalomaníaco, o direito penal do fato. A fim de coibir a nefanda tática de impunidade, há necessidade premente de o Promotor de Justiça se conscientizar de que, por meio da sustentação da pronúncia, a vítima de um ato injusto contra a própria vida “fala” pela última vez e o direito penal exige aplicação de rigor contra o malfeitor do principal direito individual indisponível.

Afinal, aceitem

ou não os falsos humanistas, a vítima real pede justiça pela última vez por meio do membro do Parquet.

A garantia constitucional da plenitude da defesa, prescrita na alínea “a” do inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, não é absoluta. Submetese ao postulado da cedência ponderada entre as liberdades públicas indisponíveis; em especial, quando vai de encontro com o direito subjetivo de viver sem que criminosos obstem, injustamente, tal fruição. No entanto, sob o pálio da hipertrofia alucinada da presunção

da não culpabilidade, já em fase final do procedimento bipartido (juízo da causa), e de argumentos extralógicos de piedade hipócrita, a defesa técnica costuma “expelir” um vomitório de idiossincrasias do tipo: “o réu é trabalhador”, “o réu tem família”, “momentos de arroubo podem acontecer com qualquer um”, “encaminhar um homem de bem para a prisão seria um equívoco do valor justiça”, “o réu tem tantos filhos para criar”, “o réu participa de intentos de caridade”, ou seja, o réu seria a materialização da Santa Trindade. Balela pura, como já disse a personagem Brás Cubas da obra realista de mesmo nome, de Machado de Assis, no capítulo IV: “Quem não sabe que ao pé de cada bandeira grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem? Mal comparando, é como a arraiamiúda, que se acolhia à sombra do castelo feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez graúda e castelã”[1]. Ora, neste momento, como em um súbito furto de memória, os paladinos laxistas se esquecem do direito penal do fato e criam elementares típicas inexistentes nos preceitos primários das normas previstas no capítulo I do Título I do Código Penal; com o único objetivo de ludibriar o Conselho de Sentença com vistas a fazer o réu virar vítima e a vítima real virar ré. Por fim, como é praxe da defesa em plenários, os mesmos que defendem a aplicação fundamentalista da plenitude da defesa, presunção de não culpabilidade e direito penal do fato, serão os que farão de tudo para achincalhar a imagem da vítima que perdeu a vida de forma criminosa, no afã de inocentar o “franciscano” homicida. Há velhas lições que estão esquecidas e precisam voltar a ser lembradas com altivez pelo Promotor de Justiça que sustenta no júri a condenação do réu contra o qual

depõem elementos de prova irrespondíveis. Independente do passado heroico ou caridoso do réu, independente de o homicida ter trabalho ou prole, se matou injustamente, a Constituição Federal, o Código Penal, a legalidade e a democracia exigem responsabilização penal severa. Como dito por Nélson Hungria: “o homicídio é o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. A mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada é o padrão de delinquência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos.”

Infelizmente,

com o passar dos lustros, a invariante axiológica da vida é banalizada cada vez mais.

O ato de ceifar a vida do ser humano de forma criminosa e injusta já não gera a mesma indignação de alhures. É preciso reverter esta tendência, a vida é a barreira intransponível de qualquer argumento garantista superdimensionado e da hipocrisia do coitadismo penal, o qual tenta negar a responsabilidade do homem pelo exercício ilegal do livre-arbítrio. O Ministério Público tem que defender com extrema bravura a vida, sem esmorecer, com diligência, destemor e paixão pelas cores vermelhas da beca; afinal, aceitem ou não os falsos humanistas, a vítima real pede justiça pela última vez por meio do membro do Parquet.

Notas [1] ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 21.

41


DO ACESSO IMEDIATO AOS DADOS DE FUTURAS OPERAÇÕES BANCÁRIAS

Denis Augusto Bimbati Marques Promotor de Justiça de Goiás

42

Como é cediço, a medida cautelar de quebra de sigilo bancário no Brasil é regulamentada pela Lei Complementar nº 105/2001, nos seguintes termos: Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados. (...) § 4º A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial (...). Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mo-

biliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide. Analisando os dispositivos legais em tela, constata-se, de plano, que a lei supramencionada não estipulou tempo para que as instituições bancárias cumpram a determinação judicial e tampouco impediu o acesso a dados relativos a operações bancárias futuras. A Lei nº 12.850/13, ao tratar dos instrumentos aplicáveis às investigações


contra organizações criminosas, fez expressa previsão quanto à possibilidade de acesso aos dados bancários dos investigados, sem, da mesma forma, prever lapso temporal para cumprimento da medida ou condicioná-la a operações bancárias pretéritas. Há não muito tempo, as decisões de quebra de sigilo bancário eram cumpridas com o envio pela instituição financeira de cópias físicas dos extratos bancários dos investigados para o órgão requerente da medida.

A utilização

desses dados demandava muito trabalho, com a criação de extensas planilhas. Dependendo do número de investigados, do período solicitado e do volume de transações ocorridas, levavam-se meses e até anos para se concluir a análise de todo o material.

Atualmente, entretanto, tem sido utilizada por boa parte das instituições a ferramenta “SIMBA” , por meio da qual os dados são transmitidos eletronicamente, viabilizando uma análise mais ágil e palatável dos dados. Ocorre que mesmo com a criação do protocolo “SIMBA”[1] ainda se perde precioso tempo na condução das investigações, na medida em que, na prática, somente tem sido pleiteado o acesso a dados bancários pretéritos dos investigados, além do fato de as informações levarem dias e

não raro meses para chegarem às mãos dos órgãos incumbidos das investigações (muitas vezes chegam após a deflagração da operação - inviabilizando a perquirição sobre o dado em sede de interrogatório - e até depois do oferecimento da denúncia). Constata-se, portanto, que hodiernamente a medida judicial em comento foi relegada à obtenção de informações sobre operações bancárias pretéritas, que chegam tardiamente ao conhecimento das autoridades que apuram as infrações penais. Com efeito, a conveniência da obtenção dos dados bancários simultaneamente ao desenrolar das investigações é inegável, razão pela qual, aliás, é a regra em países como os Estados Unidos da América. A título de exemplo, cite-se hipótese na qual no curso da investigação fosse deferida a medida judicial de interceptação das comunicações telefônicas. Ora, uma conversa que inicialmente parecesse não ter maior relevo, mas que fosse sucedida de significativa operação bancária, poderia indubitavelmente ganhar o status de relevante, em tempo praticamente real. É fato notório, aliás, que os criminosos se valem de gírias e códigos para dificultar a compreensão de transações comprometedoras, tais como encontros para a entrega de dinheiro. Assim, redundaria em grande otimização da medida de monitoramento, já que seria mais fácil seguir e registrar eventual encontro do investigado, se fosse possível saber, por exemplo, que ele acabara de sacar grande quantia em espécie em determinada agência bancária. De outra banda, seria deveras eficaz para viabilizar dentre tantas providências -, por exemplo, o cumprimento de mandados de prisão em aberto, tendo em mira que as operações efetivadas com cartão bancário indicam o estabelecimento no qual é realizada a transação (localização, portanto, mais precisa que a

da própria ERB[2]), possibilitando a detenção do agente ou, em outros casos, em sintonia com a medida de interceptação telefônica, a constatação de que aquela operação tratar-se-ia, na verdade, de crime de lavagem de dinheiro.

Ressalte-se

que não se pretende criar uma medida de ‘interceptação’ de operações financeiras, mas se visa à obtenção imediata de um dado bancário já realizado ou que venha a acontecer em um determinado período.

Como é sabido, o conceito de interceptação está ligado à obtenção das informações pretendidas durante a própria realização da operação monitorada, como ocorre nos casos das conversas telefônicas. No caso em apreço, entretanto, repise-se, o dado bancário, somente depois de concluída a operação - ainda que no futuro -, seria transmitido para a autoridade responsável, mas de forma imediata. Nesse ponto parece curial fazer alusão à viabilidade jurídica da pretensão com esteio no princípio da proporcionalidade (art. 282, I e II, do Código de Processo Penal) e no poder geral de cautela (art. 798 do Código de Processo Civil). Logo, se no caso concreto o magistrado concluir que é conveniente para a efetiva apuração dos fatos a obtenção dos dados bancários que venham a acontecer em um período a ser fixado, bem como que o acesso a esses dados deve se dar em tempo real, pode exigir o cumprimen-

43


to da decisão nesses moldes pelas instituições bancárias. É inegável que a medida ainda vai ao encontro dos princípios da eficiência e celeridade processual, já que acabaria com a necessidade da formalização de sucessivos pedidos judiciais de acesso aos dados bancários produzidos no trâmite das investigações, como ocorre atualmente. Frise-se que boa parte dos usuários do sistema bancário

44

brasileiro vale-se de ferramenta por meio da qual as operações financeiras, sobretudo as ligadas a cartões de crédito, são comunicadas aos clientes por meio da plataforma SMS[3], imediatamente após sua ocorrência. Ora, com absoluta certeza essas informações poderiam, sem maiores dificuldades, ser repassadas da mesma forma e ainda por meio de e-mails aos órgãos responsáveis pela apuração

dos delitos. Assim, é plenamente viável que a decisão judicial determine que um número de telefone celular e/ou e-mail indicados pelo órgão investigador sejam cadastrados junto às instituições para que todas as operações bancárias durante determinado lapso sejam, tão logo realizadas, imediatamente repassadas aos órgãos incumbidos da apuração dos fatos.


E desnecessário argumentar acerca da simplicidade e do baixo custo das tecnologias a serem empregadas para o atendimento das medidas pretendidas! Relevante frisar, ademais, que a presente pretensão em nada interferiria na utilização da ferramenta “SIMBA”. Via de regra continuaria sendo solicitado o acesso aos dados passados, porém com o acréscimo daqueles produzidos, no futuro, em período a ser fixado pelo Poder Judiciário, que poderia ser o de 15 (quinze) dias[4], em analogia com o disposto na Lei nº 9.296/96. Durante tal lapso as instituições financeiras teriam, também, a obrigação de comunicar, em tempo real, por SMS e/ou e-mail, ao órgão investigante, todas as operações ocorridas, com todos os detalhes possíveis, tais como valores, agências, favorecidos, etc., relativos à conta bancária investigada.

Com o encerramento do prazo, a instituição bancária faria o encaminhamento, por meio da ferramenta SIMBA, de todos os dados transmitidos durante o período fixado pelo Juízo por meio do protocolo SMS e/ou e-mail. Em suma, em tempos em que a tecnologia atingiu patamar em que interessam à humanidade – e, infelizmente, ao crime organizado - ferramentas que viabilizem a obtenção quase instantânea das informações, não se pode aceitar que importante instrumento de investigação seja utilizado somente para a obtenção de dados pretéritos e - não raro a destempo. Notas [1] O Sistema de Movimentação Bancária é um conjunto de processos, módulos e normas para tráfego de dados bancários entre instituições financeiras e órgãos governamentais, que foi desenvolvido pela Assessoria

de Pesquisa e Análise - ASSPA, que é uma unidade vinculada ao gabinete do Procurador-Geral da República do Ministério Público Federal. [2] O acesso ao posicionamento das ERBs (Estações Rádio Base) permite ao detentor da senha e login concedidos pela concessionária de telefonia identificar a localização geográfica aproximada do usuário do telefone celular. [3] Short Message Service é um serviço disponível em telefones celulares digitais que permite o envio de mensagens curtas entre estes equipamentos e entre outros dispositivos de mão (handhelds), e até entre telefones fixos (linha-fixa), conhecidas popularmente como mensagens de texto [4] Gize-se, outrossim, que o Código de Processo Penal admite expressamente a aplicação da analogia em seu art. 3º, regra de integração utilizada pelos magistrados como parâmetro nos casos de deferimento da medida de interceptação ambiental, para fixar o lapso de 15 (quinze) dias, nos termos da Lei nº 9.296/96.

45


TRIBUNAL DO JÚRI: DUAS QUESTÕES Republicado

Rodrigo Corrêa Amaro Promotor de Justiça de Corumbá

Se por um lado é notório que a instituição do tribunal do júri sempre foi alvo de críticas, não menos verdade que, por outro, muitos desses ataques são feitos sem o menor embasamento jurídico. Nas palavras de Edilson Mougenot Bonfim, “nem sempre, e não por todos, seguramente, foi ou tem sido defendido. É que não se põe à justiça humana como um ‘ek théon gegonót’ dos antigos gregos... cumpre aperfeiçoá-lo, quando detectados vícios intrínsecos ou dos homens que dele se ocupam. Necessário que se diga, contudo, que aqueles que combatem o Júri, via de regra, nele não militam” [Júri, do Inquérito do Plenário, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 263]. Nesse afã de “menosprezo”

46

à importância do júri, duas teses defensivas têm despontado com relativa frequência: a primeira, argumentando que o judicium acusationis deveria se orientar pelo in dubio pro reo; já a segunda, refere-se aos pedidos – sem justa causa – de cisão do plenário quando da existência, pura e simples, de mais de um defensor na causa. Nenhuma delas, contudo, digna de amparo. A primeira tese tem servido de base a recursos interpostos contra decisões de pronúncia, mesmo quando clara a materialidade e presentes os indícios de autoria. Em apertada síntese, tem sido sustentado que, no atual panorama jurídico nacional, não mais se poderia aceitar o brocado in dubio pro societate por ser incompatível com


o moderno Estado

Democrático de Direito e com os princípios da Carta Política de 1988, devendo sempre prevalecer, mesmo em relação aos crimes dolosos contra a vida, o postulado in dubio pro reo, de modo que, não havendo robusta prova da autoria ou existindo dúvida sobre alguma excludente ou dirimente, impor-se-ia a impronúncia ou a absolvição sumária (presunção de inocência).

Não obstante, e de forma indubitável, o fato é que o brocado in dubio pro societate encontra amparo no ordenamento pátrio e se mostra imprescindível, justamente, às garantias do acusado. Parece que, em nome da conveniência defensiva, ignora-se que a vigente redação do artigo 413 do CPP foi objeto de recente reforma, sendo considerada em total consonância com a Magna Carta que, a propósito, possui no inciso XXXVIII do seu artigo 5º expressa previsão quanto

à competência do Tribunal do Júri e destaca a soberania dos veredictos e a garantia da plenitude de defesa. Ora, se a competência para os crimes dolosos contra a vida é, por lei e por mandamento constitucional, exclusiva do Tribunal Popular, intuitivo reconhecer que o juiz togado, ao proferir a pronúncia, não deve se aprofundar na análise das provas e, muito menos, julgar com base no tão festejado in dubio pro reo. Mas na dicção defensiva, a pronúncia somente deveria ocorrer dentro de um “parâmetro de certeza”, o que, por via transversa, imporia afirmar que o julgador singular somente poderia remeter o caso ao júri quando não mais houvesse qualquer dúvida de que o réu foi o autor dos golpes (disparos, facadas, etc.) ou, ainda, quando não mais houvesse qualquer chance de reconhecimento de excludentes, como a legítima defesa. Na verdade, o magistrado singular – não é por outra razão que suas decisões devem ser sucintas – deve atuar apenas como um “filtro” processual, impedindo que acusações totalmente infundadas cheguem ao plenário. E admitindo-se a tese defensiva em comento, o julgador teria de abandonar a “linguagem sóbria” exigida pela doutrina (segundo a lei, “limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes da autoria ou de participação”) e realizar uma análise exauriente da prova, espancando as dúvidas (“pro reo” ou “pro societate”). Isso, inegavelmente, traduziria verdadeiro prejuízo ao próprio acusado, que ficaria impossibilitado de se utilizar de teses defensivas favoráveis e recorrentes (a própria negativa de autoria, por exemplo), porquanto já teriam sido elas rebatidas à saciedade pelo juiz de direito, tudo em afronta a outra garantia constitucional e inafastável: a plenitude de defesa em plenário. E vale lembrar: a decisão de pronúncia é, por lei, peça que obrigatoriamente deve ser entregue aos jurados no dia do julgamento, viabilizando-se

a sua leitura (CPP, art. 472, parágrafo único). Da mesma forma, isso também afrontaria a garantia da soberania dos veredictos, que deve ser compreendida em sua dupla acepção: imutabilidade da decisão e direito à análise global (soberana) do fato pelos jurados, em todas as suas nuances; afinal, são eles os juízes naturais da causa. E ao se admitir tal tese defensiva – e o seu “parâmetro de certeza” – esta segunda faceta seria irremediavelmente tolhida.

Sempre válido

consignar que o tribunal do júri tem sua previsão constitucional sediada no título reservado às garantias fundamentais, sendo reconhecido como um direito individual do cidadão.

Certa, nesse ponto, a lição de Gladston Fernandes de Araújo, quando lembra que “Rogério Lauria Tucci & José Rogério Cruz e Tucci, ao apreciarem o dispositivo constitucional citado, asseveram que ‘é consagrado neste, uma vez mais, e de modo inarredável, um dos mais importantes direitos subjetivos materiais conferidos pelo Estado aos membros da comunidade’” [in “Tribunal do Júri: uma análise processual à luz da Constituição Federal”. Niterói: Impetus, 2004, p. 26]. Assim, qualquer afronta à sua sistemática implica tentativa de subversão do ordenamento e impõe imediata repulsa jurídica. Em

outras

palavras,

47


esse contexto que por vezes vem sendo proposto em sede recursal defensiva, flagrantemente, traduz tentativa de usurpação de uma competência constitucional exclusiva. E o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Carta Política, soube muito bem sopesar a questão ao afirmar que “(...) 3. A aplicação do brocado in dubio pro societate, pautada nesse juízo de probabilidade da autoria, destina-se, em última análise, a preservar a competência constitucionalmente reservada ao Tribunal do Júri. 4. Considerando, portanto, que a sentença de pronúncia submete a causa ao seu juiz natural e pressupõe, necessariamente, a valoração dos elementos de prova dos autos, não há como sustentar que o aforismo in dubio pro societate consubstancie violação do princípio da presunção de inocência” [RE 540999, Relator Min. Menezes Direito, Primeira Turma, julgado em 22/04/2008]. Por outro lado, com relação à segunda proposta da presente reflexão, tem chamado a atenção alguns pedidos – até mesmo decisões ex officio – de desmembramento do plenário sob o argumento, puro e simples, da existência de mais de um defensor na causa, sob a alegação de que isso prejudicaria a defesa diante de teses conflitantes entre os acusados do mesmo crime. Eis um error in procedendo! Primeiramente, há que se distinguir a “conveniência” defensiva de cada denunciado se fazer representar por seu defensor da real “necessidade” de se nomear defensores diversos para cada acusado; só esta última hipótese se coaduna com o chamado “conflito de defesas”, instituto que somente resta configurado quando um comparsa imputa ao outro a autoria delitiva de um crime que foi praticado por uma única pessoa, de modo que a responsabilidade de um exclui a do outro. É exatamente esse o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça que, por sua excelência, pedimos vênia para a transcrição: “(...) 2. Na esteira de julgados deste Superior Tribunal, só se

48

configura o conflito de defesas na hipótese em que um réu atribui a outro a prática criminosa que só pode ser imputada a um único acusado, de modo que a condenação de um ensejará a absolvição do outro, ou quando o delito tenha sido praticado de maneira que a culpa de um réu exclua a do outro. 3. (...)” [HC 118.581/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 06.09.2010]. E corriqueiramente o desmembramento com base na alegação de “teses conflitantes” encontra seu pseudo fundamento na chamada cisão facultativa (CPP, art. 80). Esta, no entanto, pressupõe a existência de requisitos, dentre os quais se destaca a previsão de infrações (plural) “praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes”, ou seja, cisão em razão da “conexão” e não “continência”; esta última pressupõe a existência de uma única infração penal, praticada em concurso de pessoas.

Havendo autor,

coautor e/ou partícipe, não há exclusão de responsabilidades, mas sim divisão de tarefas na execução do crime. Nesses casos, portanto, o desmembramento do plenário somente estaria autorizado diante de um “motivo relevante” (CPP, art. 80).

E segundo a boa hermenêutica, a lei não contém palavras inúteis e as “regras restritivas interpretam-se restritivamente”. Até se poderia cogitar de motivo relevante na hipótese iminente de prescrição de um dos réus (v.g., em razão da menoridade), mas nunca a alegação de pretenso conflito de defesas pela mera existência de concurso de pessoas. E nem se alegue que o julgamento conjunto poderia acarretar prejuízo aos debates, já que, nesses casos, o período de exposição sofre acréscimo para todos e o Parquet também tem de dividir o seu tempo entre os diversos réus, as condutas que lhes são imputadas e as suas circunstâncias defensivas; permanece garantida, pois, a paridade de armas. Não se pode olvidar, assim, que o desmembramento – em casos de continência – só deve ser efetivado diante de um motivo verdadeiramente relevante, sendo tratado como verdadeira exceção à regra da unidade de processo e julgamento, já que os jurados – juízes naturais – têm o direito de julgar o crime doloso em toda a sua inteireza, detalhes e circunstâncias, cabendo trazer à baila a lição de Eugênio Pacelli e Douglas Fischer: “Como regra, e aí, quase geral, deve-se manter reunidos os processos cuja reunião tenha sido determinada pela continência, já que, nessas hipóteses, a unidade de conduta deve implicar a unidade de solução jurisprudencial. Somente quando se puder verificar a identidade de situação probatória de cada réu e mesmo da acusação, em relação a cada acusado, é que se poderá pensar na separação de processos continentes, assumindo-se o custo da repetição da instrução criminal (para cada processo, de réu diferente)” [(in Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência, 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 181)]. Essa regra da unidade de julgamento foi, inclusive, recentemente reforçada pelo § 1º do artigo 469 do CPP; hoje, a cisão em plenário só terá vez no raro caso de “estouro de urna”.


Por fim, há que se consignar um aspecto importante e que merece ser coibido. Muitas vezes essa cisão em plenário é postulada quando um dos réus realizou a delação dos demais, tornando-se interessante à defesa técnica que o(s) comparsa(s) seja(m) julgado(s) primeiramente, já que a sua condenação ou absolvição, a depender da tese defensiva adotada, servirá como argumento de retórica no segundo julgamento. E sendo julgados os corréus separadamente, a delação pode até perder força probatória em plenário,

prejudicando ministerial.

a

atuação

Enfim, não há nada mais discrepante do que submeter – sem embasamento legal para tanto – réus que se encontram em uma mesma situação jurídica a julgamentos distintos perante o Conselho de Sentença, colocando-os perante circunstâncias, sensações e julgadores díspares. Isso, ainda mais quando presente a hipótese de delação dos comparsas, pode até mesmo comprometer a busca da verdade real. Mais, não há nada que justifique o custo processual, o dispêndio

de tempo de servidores e dos próprios jurados – que terão de comparecer a mais um julgamento – quando não há réus presos, não há risco de prescrição ou de perecimento da prova. E o juiz togado, a quem também se aplicam todos os princípios inerentes à Administração Pública, tem o dever legal e funcional de zelar pela economia processual e do próprio erário público, evitando-se gastos desnecessários com múltiplos julgamentos que, em última análise, dizem respeito a um mesmo fato delituoso.

49


Irone Alves Ribeiro Barbosa Procuradora de Justiça aposentada do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul

MPMS: Quais foram os maiores desafios encontrados em sua carreira? Irone: Os desafios foram muitos! 1) Principalmente, sendo eu muito jovem, exercer uma profissão, Promotor de Justiça, que até então era exercida praticamente por homens. E homens maduros! 2) Comunicação e meio de transporte precários. 3) Ausência de livraria ou biblioteca jurídica no Estado. 4) Comarcas com grande extensão territorial, abrangendo vários municípios. 5) Responder ininterruptamente por várias comarcas tendo que viajar por grandes extensões territoriais,

50

na maioria das vezes à noite, para alcançar o horário de expediente forense. 6) Máquina de datilografia. 7) Na implantação da Promotoria da Justiça Militar e da Auditoria da Justiça Militar, por ocasião da divisão do Estado, porque a mim somente competia dizer se o crime era militar ou não. Era um direito novo e às vezes eu era acordada no decorrer da noite para dizer se o crime era militar ou não. Quando havia uma prisão em flagrante e não se sabia se era a Polícia Civil ou a Polícia Militar que deveria lavrar o auto de prisão em flagrante, era a mim que recorriam. 8) A Procuradoria-Geral de Justiça

e a Corregedoria-Geral do Ministério Público de difícil acesso, etc. MPMS: Em toda sua carreira, qual(is) foi(ram) o(s) momento(s) marcante(s) que lhe deu(ram) grande satisfação profissional? Irone: Foram muitos: 1) Quando me defrontava na Tribuna do Júri com excelentes advogados. 2) Quando os serventuários da justiça me noticiavam que as Sessões de Julgamento pelo Tribunal do Júri, nas comarcas onde trabalhava, seriam feitas no Clube da cidade porque as pessoas queriam ver a Promotora de Justiça (uma


mulher) atuar, e, muitas das vezes, era necessário distribuir fichas para controle da entrada das pessoas na sessão de julgamento. 3) Quando a causa era bem discutida e tinha a sensação da correta aplicação da lei. 4) Quando participava de julgamentos no Tribunal de Justiça, que constituem verdadeiras aulas de justiça e de direito. 5) Quando ouvia pela imprensa a valorização da Ministério Público no conceito da população. MPMS: O que significou o Ministério Público para sua carreira e sua vida particular? Irone: O Ministério Público foi a instituição que eu escolhi para minha carreira profissional porque sempre me identifiquei com as atribuições de defender a sociedade, aplicando-lhe o direito (ou o meu convencimento) depois de conjugar a lei com a razão, diante das provas. O Ministério Público é uma instituição que merece muito respeito porque é ela que fiscaliza a aplicação da lei. O Ministério Público significou muito na minha vida particular: moldou o meu caráter, me permitiu viver uma vida digna, criar minha família com certo conforto financeiro e desfrutar modestamente dos bens que consegui honestamente amealhar para a última idade. Trabalhei muito, dei o melhor de mim, tanto que saio muito feliz e com a sensação do dever cumprido! MPMS: Quando ainda jovem, a senhora já sabia o que queria, se era de fato seguir a carreira jurídica o seu desejo? Irone: Sim. Sempre soube o que eu queria como profissão. Inicialmente fui professora primária. Desde criança, quando brincava, gostava de subir num banquinho (meu púlpito) para dirigir a palavra ou dar explicação para

alguém. Depois fui Promotora de Justiça e, finalmente, Procuradora de Justiça. Fui Membro do Ministério Público por pura vocação! MPMS: A senhora possui alguma filosofia de vida, se sim, qual? Irone: Sim. Eu creio num Deus verdadeiro e tenho comunicação diária com Ele. Cuido muito da minha saúde. Vivo com alegria, entusiasmo e humildade. Trabalho e estudo incansavelmente. Sou adepta das máximas: “A vida só é dura para quem é mole!” (autor desconhecido) “Na vida aprendi que a vida nenhuma beleza tem, se não é vida vivida em prol da vida de alguém.” (Manoel Sobrinho) MPMS: Atualmente, quais atividades a senhora desempenha em seu dia a dia? Irone: Tenho muitos hobbies (pinto tela, desenho, sei bordar, costuro, escrevo poesias, faço o design de minhas joias e de minhas roupas) por isso sempre estou me ocupando de alguns deles. Mas como gosto da vida no campo, sou produtora rural. MPMS: O que pode ser positivamente destacado nos trabalhos dos atuais Procuradores de Justiça do MP? Irone: A condução firme e com destemor dos Procuradores de Justiça nas suas funções e notadamente no exercício complementar como: a coordenadoria dos Centros de Apoio das diversas Promotorias de Justiça, o Centro de Aperfeiçoamento Funcional, a Coordenadoria Recursal Especializada e as funções de Corregedoria e de Procuradoria-Geral de Justiça, acrescido da preocupação com o estudo constante, com certeza merece destaque, e

nos envaidece. MPMS: Qual a importância das ações do Ministério Público para a sociedade atual? Irone: O Ministério Público é uma instituição de fundamental importância para a sociedade. As suas atribuições são modernas, de acordo com as exigências do viver em sociedade que nascem a cada dia, pois, o progresso é constante. A capacidade intelectiva do ser humano é infinita e o nosso Ministério Público com suas ações é capaz de conduzir a vida humana a bom termo, indicando-lhes o norte do bem, da verdade e do direito. MPMS: Em sua opinião, o que mudou no Ministério Público desde quando a senhora assumiu, em 1973, até os dias atuais? Irone: Desde que eu assumi minhas funções no Ministério Público, nos idos de 1973, até os dias atuais, mudaram-se as atribuições do Ministério Público. O Homem evoluiu, a vida em sociedade evoluiu, novas exigências, novos fatos, novos nortes, novos crimes, novo direito... Era necessário que o Ministério Público mudasse ganhando novas e mais atribuições. MPMS: A senhora tem algum conselho para dar para os novos ingressantes na carreira do Ministério Público? Irone: Conjugue o coração com a razão e veja se você realmente tem vocação para exercer as atribuições ministeriais. A função requer muito estudo e trabalho. Não brinque com a vida, a saúde, a liberdade, o patrimônio, as relações de parentesco, a criança, o adolescente, o idoso, etc. alheios, senão você jamais será alegre e feliz!

51


Na foto, Irone Alves Ribeiro Barbosa na companhia de Fadel Tajher Iunes, João Batista da Costa Marques e Paulo Shosei Arakaki. Posse como Conselheira do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul no ano de 1996. 52


53


54


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.