METÓDICO

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DUDA PRADO ARTISTA VISUAL

Entre mineira e joseense, licencianda de Artes Visuais pela Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP) com apenas 22 anos. Insistente na ideia de uma produção catártica, etérea. Se tornando, talvez, performática em sua maneira. A fim de catalisar emoções, suas ou dos outros, eternamente nesse limbo suspeito de doses homeopáticas de sensações.

Para além disso, procura expor ao mundo suas fraquezas, estas que são, na realidade, sua armadura para encarar a vida frente a frente, no intuito de abrir os olhos alheios para fruir de suas próprias insignificâncias com mais carinho.

M E T Ó D I C O

O nascimento dessa série veio através de muitas –muitas mesmo – conversas jogadas fora em tardes e noites de dias ímpares, onde passei a olhar com mais gentileza àquilo que produzia e, consequentemente, sentia.

Sentir.

Essa palavra que já repeti tantas vezes que me aparenta ter perdido seu real significado. E acho que é isso mesmo, meu processo é buscar, despretensiosa e insistentemente essa nova definição, esse novo dizer.

Acarretou, por fim, em uma curadoria de obras produzidas por mim ao longo desses dois últimos anos, considerando a forte influência do período pandêmico vivido a partir do início de 2020, obras essas em que acredito falarem sobre esse mesmo assunto, uma vez que todas elas foram realizadas em pura imersão e gozação de sentires.

caos

Estudo em acrílica e tinta óleo com referência ao 'Estudo após o retrato do Papa Inocente X de Velázquez', de Francis Bacon. Trabalhando o expressionismo na Arte Contemporânea, dando ênfase na informação, reflexão, cores fortes e traços expressivos. Poe em evidência o ávido, devasso, sujo vivenciar. ‘Caos’ é uma obra extremamente pessoal e, ao mesmo tempo, impessoal. Habita em mim assim como habita no outro.

técnica mista s/ tela 60cm x 60cm

2020

externo

Dissociação causa ânsia e tremor. Naquele mar incerto do quem sou, até onde vou?

acrílica s/ papel

29,7cm x 21cm

2021

[des]conexão do eu

Pintura feita em tinta óleo e acrílica em pedaços de tecido reestruturados em uma única forma, como um quebracabeça, colocados em uma placa de madeira 134,5x86 cm.

Pensado na busca pelo entendimento do eu para consigo mesmo, desconstruindo-o para construí-lo novamente. Estudos e análises na tentativa de uma reorganização e reencontro emocional. A obra, então, teve como referência estudos feitos a partir do livro 'Felicidade Autêntica' , por Martin Seligman, e o processo criativo e a temática trabalhada pelos artistas Iberê Camargo e Francis Bacon.

óleo e acrílica s/ tecido de algodão cru preparado e cortado, posto sob placa de madeira

134,5cm x 86cm

2021

veemência

Escondido entre os rasgos e amontoados grosseiros de tinta, tudo aqui sentido é de uma intensidade assustadoramente inquietante. É difícil, doloroso, talvez até sórdido, mas, depois de um tempo nesse limbo de emoções, estranhamente me vem um sentimento de carinho, quase como se quisesse afagar a criança desamparada que habita no fundo do meu âmago.

Após muitas buscas por referências, encontradas nas vísceras de Adriana Varejão e fissuras de Lucio Fontana, Veemência nasceu de um processo completamente intuitivo, na ligação quase que teatral entre uma tela em branco e eu, como se ela fosse capaz de ler em mim tudo aquilo que eu temia por para fora.

Através dela, então, tomei a liberdade de por-me em toda a minha essência, vulnerabilidade e nudez de alma, para todo aquele que deseje enxergar e, mesmo que minimamente, acabe por reconhecer a si mesmo.

veemência óleo e fios de cobre s/ tela 60cm x 80cm 2022

já não cabe mais na pele

Onde faço morada agora me aperta, não me suporta. Onde faço morada não me condiz, o límpido fora não me representa. Aqui dentro é sórdido, aqui dentro dói.

Mas o fora me amarra, me prende.

Ainda prende.

Ainda.

instalação em técnica mista 190cm x 50cm

2022

caixa

Momentos têm diferentes dimensões. Sejam elas de acordo com o tamanho da importância – ou insignificância – do acontecido ou no que elas são capazes de se converter – no que se diz respeito o experenciar.

E o jeito que essas percepções me comprimem a caixa torácica, faz recordar a quão ínfima acabei por me tornar. Totalmente estremecida. Sucumbindo pouco a pouco nesse mar de conversões.

Me corrói o corpo de uma forma que sequer pode ser descrita. Cada sentido minuciosamente afetado me detém. O fulgor me aperta, me arranca. Tornou-me atroz.

Esses devaneios deram vida à Caixa, que tomou forma física em uma coleção de quatro painéis de 30cm x 40cm, onde foram usados aviamentos, tecidos e arames. As obras se desdobram em composições feitas por estes materiais a fim de mostrar, abstratamente, como defino sentimentos e sensações - que, de alguma forma, de fato são abstratas para mim.

As cores que enxergo, os formatos do embrulho no estômago, os pontos sentidos de forma sutil, as vezes quase não aparentes, as linhas firmes e grosseiras que me parecem atravessar os órgãos.

Essa coleção é o exaspero de por afora o que não cabe mais aqui. De mostrar, de alguma maneira, o que sinto em cada mínima parte afetada dentro de mim.

Sem Título coleção Caixa arame e bordado s/ painel 30cm x 40cm 2022

Sobre a parte em que me aperta o peito, sofro quando se trata em dizer com nitidez o que significa todo esse emaranhado de sentimentos que habitam meu âmago

O doído sentir.

O processo efervescente do amontoado de sentires.

É possível que seja frustrante, de certa maneira, entender essa minha relação com as emoções. Não sei como definir, mas sei que é isso que me faz. Que faz o outro. O outro que também sou eu, e eu sou ele. Nós somos, mas também não somos. E nessa brincadeira de quem é ou não é, de que aquilo que habita em mim, bem lá dentro, habita mesmo? Ou será apenas uma criação que um outro alguém fez existir, há muito – ou talvez nem tanto – tempo atrás, e agora perdura em todos nós? Mas se veio da cabeça do outro, e eu sou o outro, também não é da minha? Chega a ser engraçado ter essas percepções, são tantas, e ainda assim não acho a resposta de nenhuma.

A forma como tento falar, talvez até desesperadamente, sobre essas questões a todo o tempo, o tempo todo, chega a ser irritantemente incômodo. Mas é tanto que nem mesmo eu fico em paz com tal teimosia. Para quê tanto alvoroço? E dessa maneira, acabo por procurar de forma insistente um motivo.

insistente um motivo. E qual motivo? O do emaranhado sórdido, porém delicado em sua maneira, de sentimentos ou o porquê da procura em questão?

São tantas perguntas, contei cinco até agora, e elas não acabam, não! Tem mais, mas não sei se é de bom tom insistir nelas também. Essa repetição me cansa, me causa ânsia. Repetição de perguntas, de insistências, de procuras, de tantos tantos, de palavras engraçadas que se amontoam em frases que parecem difíceis e sem sentido. De que adianta falar poeticamente, com termos bonitos e rebuscados, que nem todos sabem o significado, se isso não vai chegar a – talvez quase – ninguém?

Então, faço o que? Sento e espero o tempo passar? Deixo isso tudo acumular em minha garganta ao ponto de parecer até fechar e me dar a sensação de engasgo? –agora mais quatro. Não, isso não combina comigo. Quem sabe as vezes, quando o tédio me domina e, tristemente, acabo por achar que não dou conta de nada e, assim, nesses momentos, com esses pensamentos, parece que um mar de ideias arrebata meu corpo com força descomunal, e me ocorre a sensação de que não darei conta de fazer a quantidade absurda de coisas que tenho na cabeça.

E, apesar de várias, parece que sempre volto pra essas mesmas questões e insistências. Tento fugir delas nos tons fortes e vibrantes de vermelhos e marrons como as carnes de Varejão De criar formas, linhas, composições como Klee. De perfurar as coisas, oh!, de fazer rasgos, rasgos milimetricamente calculados, tais quais as fissuras genuinamente limpas de Fontana. De trabalhar o desespero na face, nos gestos, nas linhas teatrais e performáticas como Francis. De escrever um texto morbidamente poético, que induza o fruidor de forma imperceptível a pensar como eu quero, assim como Correia.

Uma vontade louca de sentir a tinta óleo sendo esmagada por entre meus dedos e pensar “merda, vai ser difícil de lavar”, e até tentar, num primeiro momento, dar chance pra um pincel bonito de cabo de madeira crua que comprei alguns anos atrás, o qual devo ter usado umas quatro vezes no máximo, e ainda sim voltar a sujar a mãos. Desculpe, ousadia demais a minha em dizer apenas as mãos, quando parece que abriram trezentas e sete bisnagas de tintas diferentes, em tons vivos de laranja e vermelho, e apertaram e esmagaram até o fim dos 20ml contidos em cada uma delas em cima de mim, toda vez que me sento para pintar alguma coisa –mesmo que essa coisa tenha apenas quatro centímetros

mesmo que essa coisa tenha apenas quatro centímetros cúbicos a serem pintados.

E, depois de tantas autocríticas e questionamentos estritamente chatos e retóricos, feitos ao menos duas vezes por semana, de preferência com um intervalo de três dias entre elas (pra que eu não surte de vez), eu chego na mesma conclusão de que ah!, como é bom ser eu. Como é bom gastar noites ininterruptas refletindo coisas paradoxais – e talvez sem sentido algum. Como é bom que eu insista, que eu pense, que eu não esteja satisfeita com onde eu me encontro, seja física ou psicologicamente. Como é bom que queira mais, muito mais, já que o pouco não me convence Não é o suficiente pra sanar todas as minhas vontades, perguntas, rodeios, cantarolares, abraços, afagos, chamegos, choros estrondosos. Como é bom não me contentar com o mínimo.

O doído sentir, no fim, me dá prazer.

aberto
- 2022
em
2020

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